Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1265/05.7TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE
PRECLUSÃO
INVENTÁRIO
BENFEITORIA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 628º E 644º, NºS 1 E 2, D), 2ª PARTE DO NCPC; 343º C. CIVIL.
Sumário: a) Não pode queixar-se da ofensa do seu direito à prova, por essa lesão lhe ser inteiramente imputável, a parte que, apesar da actuação pelo tribunal do seu dever de prevenção, não deu cumprimento à exigência de indicar os factos objecto do depoimento de parte que requereu.

b) No tocante ao caso julgado deve fazer-se um distinguo entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado.

c) A eficácia preclusiva do caso julgado e indiscutibilidade da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada pela sentença transitada, i.e., o conteúdo dessa decisão, compreende não apenas as questões nela expressamente decididas – mas todas a que o demandado tinha o ónus de suscitar durante o processo, de modo a conformar constitutivamente a decisão final sobre o mérito da causa.

d) Summo rigore, a preclusão que atinge o réu ou interessado em processo de inventário – por força do princípio da concentração da defesa - é mesmo independente do caso julgado, pelo que ficam precludidos todos os factos que podiam ser invocados como fundamento dessa contestação ou oposição – no caso do inventário, como fundamento de reclamação contra a relação de bens – tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal.

e) A preclusão decorrente da res judicata compreende igualmente as qualificações jurídicas que o objecto da causa possa comportar, mesmo as que não foram utilizadas pela decisão transitada.

f) De harmonia com a orientação que tem colhido o favor da jurisprudência, as benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos, cujo distinguo assenta na existência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada.

g) Age contra facta propria e, portanto, em abuso do direito, a parte que, no processo de inventário faz relacionar, a requerimento seu, o prédio urbano que construiu em prédio rústico que também figurava nesse processo divisório como simples benfeitoria – portanto, como simples crédito seu sobre o património hereditário - e que, apesar de no acto de licitação ter sido advertida, que face àquela descrição, a licitação aberta relativamente aquele prédio rústico compreendia a benfeitoria nele realizada, e que deixa que esse mesmo prédio seja licitado e adjudicado a outro interessado, e que, depois, com desprezo de todos os actos realizados no processo de inventário, procede a obras no prédio urbano como se ele lhe tivesse sido adjudicado, e, demandado para demolir as obras, opõe ao autor, a quem o prédio foi adjudicado, o direito real de propriedade sobre ele.

h) O interessado que dispondo, segundo alega, já nesse momento, dos direitos potestativos de adquirir o prédio, tanto por usucapião como por acessão, mas não os invoca em momento algum, no processo de inventário, antes requer que esse prédio seja descrito como simples benfeitoria de outro e deixa que seja adjudicado, por licitação, a outro co-interessado, adopta uma conduta concludente de renúncia àqueles direitos potestativos.

i) O recorrente que se limita a indicar o meio de prova em que funda a impugnação da decisão da questão de facto, sem proceder à determinação da sua relevância e à sua valoração, de modo a tornar patente a violação, pelo decisor de facto, da regra da ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso, não satisfaz o ónus de impugnação daquela matéria a que lei de processo o vincula.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

A…, propôs, no 3º Juízo da Comarca de Pombal, no longínquo ano de 2005, contra M…, acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, pedindo a condenação da última a destruir todas as obras que efectuou na casa de habitação, sita em …, matricialmente inscrita sob o artigo …, e daquelas que eventualmente se venham a verificar através do embargo judicial a realizar, e a repor essa casa e a cozinha que demoliu no estado em que se encontrava antes de efectuar as obras.

Fundamentou esta pretensão no facto de aquela casa se encontrar descrita, no inventário, no qual é interessado e exerce a função de cabeça-de-casal, que corre termos no mesmo juízo, sob o nº …, para partilha da herança aberta por óbito dos pais de ambos, como benfeitoria realizada no prédio rústico descrito sob a verba nº 41, e dívida da herança à ré, verba que lhe foi adjudicada, por licitação, de no dia 5 de Janeiro de 2005, ter verificado que a ré procedia a obras na casa, que, no dia 8 do mesmo mês, embargou extrajudicialmente, mas que a ré não parou, e de por sentença de 30 de Março de 2005, proferida no procedimento cautelar nº …, ter sido ratificado judicialmente o embargo extrajudicial e ordenado o embargo judicial no tocante a outras obras.

A ré defendeu-se alegando que a casa não é património da herança; que em 25 de Setembro de 2002 requereu a emenda da partilha, tendo proposto acção ordinária, que corre termos sob o nº …, visando a emenda e a correcção e a anulação da partilha e, em reconvenção, pediu a condenação do autor, e do cônjuge deste e dos interessados, D…, M… – cuja intervenção principal logo requereu –, a:

a)reconhecerem, em via principal que a R. é a única e legítima proprietária do conjunto predial formado pelos imóveis rústico e urbano identificados nos artºs 8º e 9º da PI, pelo facto de ter adquirido tais direitos por usucapião, que expressamente invoca, invocando também para esse efeito a presunção derivada do registo;

b) reconhecerem que a R., subsidiariamente, pode exercer por esta via reconvencional o direito de acessão em seu benefício do imóvel rústico identificado no artº 8º da Pi, mediante o pagamento aos patrimónios hereditários do valor deste imóvel à data da construção da casa no valor de 50.000$00;

c) Subsidiariamente, a reconhecerem que a R. pode adquirir por acessão a parcela do prédio referido no artº 8º da PI, parcela essa configurada a vermelho, no desenho anexo e cujos lados e cujas medidas lineares vêm referidas nos artigos 97 e seguintes da contestação reconvenção e mediante o pagamento de 30.000$00;

d) Subsidiariamente, a reconhecerem que a R. pode adquirir por acessão a área de terreno do artigo 8º da PI ocupada pelas construções e uma área adjacente anexada àquela, constituindo uma unidade económica (casa e quintal tradicionais) definindo uma tal parcela, na sentença ou remetendo a fixação dos seus limites e área para liquidação em execução de sentença, dentro de prudentes critérios e sempre mediante o pagamento do valor legalmente previsto;

e) Em via principal, a reconhecerem que a R. reclamou da relação de bens no processo de inventário com a único objectivo de reiterar junto de todos os demais interessados a existência da sua casa implantada no artº8º da PI e com tal conduta nunca quis renunciar à invocação da usucapião e ou acessão e se o tivesse querido um tal acto estaria sempre ferido de nulidade com todas as legais consequências;

f) Em via principal a reconhecerem que nenhuns direitos detêm sobre o imóvel identificado no artº 9º da PI, bem como sobre o imóvel do artº 8º da PI ou sobre a parcela que vier a ser objecto de acessão aquisitiva ora exercida;

g) A reconhecerem que a R. tem o direito de cancelar quaisquer inscrições de registo predial incidentes sobre o prédio rústico do artº 8º da pi, feitas pelo A. e pelos chamados ou que estes tomem a iniciativa de virem a fazer na pendência desta acção e que contrariem o que ficou alegado.

Oferecidos os articulados de resposta e de tréplica e citados os chamados, procedeu-se, no contexto da audiência preliminar realizada no dia 2 de Fevereiro de 2012, à selecção da matéria de facto.

A ré requereu, entre outras provas, o depoimento de parte dos autores e dos chamados, para depor sobre os factos da base instrutória, requerimento sobre o qual recaiu, no dia 15 de Março de 2012, este despacho, inserto a fls. 149: quanto ao depoimento de parte requerido pelos réus, notifique-os para indicarem os artigos da base instrutória sobre os quais há-de recair o depoimento (artº 552, nº 2 do CPC), sob pena de indeferimento.

Este despacho não foi logo notificado a nenhuma das partes. Todavia, no início da audiência de discussão e julgamento, que teve lugar no dia 11 de Setembro de 2012, a Sra. Juíza de Direito proferiu para a acta este despacho: por ter concluído da análise física e electrónica do processo que a secretaria não notificou o despacho de fls. 149, datado de 15/03/2012 e, portanto, para além do mais, encontra-se pendente a decisão mencionada no 2º parágrafo do dito despacho, determina-se que tal notificação seja feita de imediato a ambos os mandatários – os Sr. Advogados, Drs. …, tendo-lhe sido entregues cópia do despacho de fls. 149 datado de 15/03/2012.

Por despacho proferido para a mesma acta, a Sra. Juíza de Direito suspendeu a instância por 30 dias.

A ré atravessou, no dia 27 de Setembro de 2012, um requerimento, subscrito por ela mesma, no qual declara, entre outras coisas, que a casa foi construída em 1969, pelo meu ex-marido, com autorização dos meus pais.

Entretanto, o Sr. Advogado da ré, Dr. …, alegando divergências de estratégia e orientação processual declarou, por requerimento de 6 de Novembro de 2012, renunciar à procuração que aquela lhe conferira, tendo a demandada – que foi notificada daquela declaração carta registada com aviso de recepção, que assinou no dia 14 de Novembro de 2012 - através de requerimento de 3 de Dezembro desse ano, juntado instrumento de procuração, emitido no dia 29 de Novembro do mesmo ano, a favor da Exma. Advogada Dra. ...

O autor, com fundamento no facto de a ré - de harmonia com a certidão do registo predial que logo juntou - ter doado aos filhos, D… e V… a casa de habitação objecto da acção, requereu a intervenção principal destes, requerimento que, porém, obteve decisão de indeferimento.

Na audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 18 de Janeiro de 2013, a Sra. Juíza de Direito proferiu para a acta este despacho: Quanto ao pedido de depoimento de parte deduzido pela Ré a folhas 103 constata-se que sobre ele recaiu o despacho de folhas 149 que determinava a sua notificação para indicar os artigos da Base Instrutória sobre os quais tal depoimento requerido havia de recair, sob pena de seu indeferimento.

 Muito embora não se vislumbre da notificação de folhas 153, feita ao então Mandatário da ré se essa notificação foi ou não feita a respectiva omissão ainda que constituindo nulidade deveria ter sido invocada, pelo menos no primeiro acto em que a referida ré interveio nos autos e que pelo menos se situa na data da audiência de julgamento agendada para 11/09/2012, na medida em que pelo menos nessa altura estava a parte em condições de dela ter tomado conhecimento.

 Assim, indefere-se o pedido de depoimento de parte deduzido pela ré pois não tendo ela concretizado os factos da Base Instrutória sobre os quais pretendia fazê-lo recair igualmente não invocou em devido tempo qualquer nulidade adveniente da eventual falta de notificação do despacho supra mencionado o qual mencionava já a consequência da omissão de tal concretização factual.

A ré logo interpôs deste despacho recurso de agravo.

No final dessa audiência a Sra. Juíza proferiu este outro despacho – que não foi objecto de reclamação nem de recurso: O Autor na sua petição que remeteu já em 2005 fazia referência a um processo de inventário que se encontraria pendente. É do meu conhecimento funcional que o dito inventário se encontra já findo e homologada a respectiva sentença de partilha. Por outro lado, invoca a ré ter intentado acção com vista a atacar essa mesma partilha pendência essa que também é do meu conhecimento funcional que a existir se situará já numa fase muitíssimo avançada por já ter sido realizado o julgamento e proferida a correspondente sentença (…).

Considera o tribunal muito importante para a descoberta da verdade e para solução adequada deste processo:

1- Que o autor junte no prazo de 10 dias certidão do referido inventário com nota de trânsito a qual seja integrada também pela conferência de interessados, reclamação á relação de bens, decisões que sobre as mesmas hajam recaído, mapa de partilha, sentença homologatória bem como o acórdão proferido por instância superior que sobre ela recaiu.

2- Que a ré junte, por se tratar de matéria por si alegada, cópia da decisão proferida na acção de emenda/anulação de partilha, por si intentada com nota de trânsito caso exista (…).

A ré requereu, na audiência realizada no dia 28 de Fevereiro de 2014, se procedesse à inspecção judicial ao local, requerimento que foi logo indeferido – por despacho que não foi objecto de impugnação - por se considerar tal meio de prova desnecessário para a descoberta da verdade.

Concluída, enfim, no dia 24 de Março de 2014, a audiência, com a publicação do despacho contendo a decisão da matéria de facto, a sentença final da causa – designadamente com fundamento no reflexo do caso julgado da decisão proferida no processo de inventário, que abrange não só a circunstância de o prédio rústico integrar os então patrimónios autónomos a partilhar no dito processo de inventário, que seriam seus proprietários, donde se conclui, também, a validade da transmissão operada por via das licitações ao A., como ainda a circunstância de o urbano nele implantado pela aqui R. não assumir autonomia ou preponderância relativamente a ele, constituindo mera benfeitoria daquele, que dele faz parte integrante, e logo constitui uma dívida da herança para com a aqui R., credora do valor correspondente, pelo que tinha que concluir que não era lícito à R. sujeitar de novo a apreciação das questões relativas à titularidade do prédio rústico dito em 3., nem da implantação nele, como benfeitoria, da casa referida em 4., seja qual for a causa de pedir em que se sustenta tal (usucapião, presunção registral ou acessão industrial), que, ainda que assim se não entendesse a pretensão reconvencional teria que improceder por manifesto abuso do direito, que a ré não provou o animus no que se refere à posse, nem sequer o corpus tendo por referência a totalidade do prédio rústico, e que a ré renunciou aos direitos potestativos de invocar a usucapião e/ou acessão – decidiu:

1. Na total procedência da acção, condeno a R. a destruir todas as obras referidas nos pontos 31. a 41. dos factos provados, recolocando a casa mencionada em 4. dos mesmos factos no estado em que se encontrava antes da sua realização.

2. Não conhecer do pedido reconvencional, da respectiva instância absolvendo os reconvindos (A. e Chamados).

É justamente esta sentença que a ré impugna no recurso ordinário de apelação.

A impugnante rematou a sua alegação do recurso de agravo com estas conclusões:

jurisdicional efectiva de que o direito à prova é entendido como uma das componentes.

A alegação do recurso apelação – no qual a apelante pede a revogação da sentença final e sua substituição por outra que julgue a acção improcedente, por não provada, após modificação das respostas aos referidos pontos/quesitos no apontado sentido, ou no que tenham por pertinente, e dignando-se julgar procedentes, por provados, algum dos reconvencionais, aqueles que tiverem Vs. Exas. igualmente por adequados à situação sub judice, designadamente o de julgar a Apelante legitima e exclusiva dona do imóvel urbano, tal como se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal e como tal ali inscrito definitivamente a seu favor (Al. Z de Factos Assentes) - foi encerrada com as conclusões seguintes:

Nenhum dos recursos obteve qualquer resposta.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto dos recursos.

2.1. Recurso de agravo.

Os factos que relevam para a apreciação do objecto do recurso de agravo – relativos à dinâmica processual e ao conteúdo do despacho impugnado através dele – são os que o relatório documenta.

2.2. Recurso de apelação.

 O Tribunal de que provém o recurso - tendo em conta os factos constantes da Matéria Assente, a resposta dada aos artigos da Base Instrutória e o teor dos documentos com força probatória bastante juntos aos autos (aqui apenas no que se refere ao circunstancialismo que levou ao relacionamento da adicional infra referido em 5., quanto à data da conferência de interessados, vicissitudes ali ocorridas, decisão final proferida em inventário e termos da decisão proferida pelo tribunal superior em sede do recurso que sobre ela veio a ser intentado, factos esses alegados e documentalmente sustentados por documento autêntico que podem nesta sede ser considerados assentes) - julgou provados, no seu conjunto, os seguintes factos:

                3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito dos recursos.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artºs 684 nºs 2, 1ª pate, e 3 do CPC de 1961 e 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do nCPC).

3.1.2. Recurso de agravo.

A decisão interlocutória impugnada neste recurso e a que, com fundamento na circunstância de a apelante não ter concretizado os factos da base instrutória sobre os quais pretendia fazer recair o depoimento de parte dos apelados e não ter invocado em devido tempo qualquer nulidade adveniente da eventual falta de notificação do despacho que determinava a sua notificação para proceder a tal indicação – lhe indeferiu a produção daquela prova pessoal.

A impugnante sustenta, no recurso, que se omitiu a notificação do despacho que a convidava a suprir a indicação dos factos sobre que haveria recair o depoimento de parte dos autores e dos intervenientes que requerera, omissão que, por interferir no exame da causa, gera uma nulidade processual que importa a anulação de todo o processo subsequente àquela omissão.

Nestas condições, a questão concreta controversa, é a de saber se realmente se cometeu a nulidade acusada e, consequentemente, se se deve, anular os actos dependentes do acto omitido, problema que reclama a análise, ainda que leve, do modo de proposição da prova por depoimento de parte e do regime da invalidade dos actos processuais.

3.1.2.1. Proposição da prova por depoimento de parte.

Consabidamente, o depoimento de parte é instrumental relativamente à prova por confissão das partes, que consiste no reconhecimento que a parte faz de um facto que a desfavorece e que favorece a parte contrária (epígrafe que encabeça o artº 552 do CPC de 1961, e artº 352 do Código Civil).

Se a prestação de depoimento pessoal é requerida por qualquer das partes, esta deve, logo no respectivo requerimento, indicar de forma discriminada os factos sobre que há-de recair (artº 552 nº 2 do CPC de 1961). O requerente deve, pois, especificar os factos que hão-de ser objecto do depoimento, especificação que, no caso – dado que o requerimento foi produzido depois do proferimento da decisão da selecção da matéria de facto – deveria fazer-se por referência aos factos controvertidos insertos na base da prova.

Na espécie sujeita, é patente que, no requerimento em que requereu a produção daquela prova, a recorrente não procedeu à apontada indicação ou especificação.

O juiz pode logo indeferir o requerimento: e cumpre-lhe fazê-lo quando a simples inspecção do requerimento o convencer que o depoimento não deve ser admitido, o que sucede, por exemplo, quando se não indicaram discriminadamente os factos. Ora, no caso, como a impugnante se limitou a pedir o depoimento de parte, sem indicar logo os factos sobre que havia de recair, o meio de prova não devia ser admitido; a lei é terminante.

Apesar disso, tem-se por solução preferível – em face do dever de cooperação, na vertente do dever de prevenção, que vincula o tribunal relativamente às partes – que vale para todas as situações em que o êxito da acção a favor de qualquer das partes pode ser frustrado pelo uso inadequado do processo – que o tribunal deve, na situação apontada, actuar aquele dever e convidar a parte a aperfeiçoar o requerimento, através da especificação dos factos sobre que há-de recair o depoimento de parte (artº 266 nº 1 do CPC de 1961)[1].

E foi justa e correctamente essa a atitude do Tribunal de provém o recurso, que através do despacho proferido no dia 15 de Março de 2012, em vez de logo indeferir o requerimento, convidou a recorrente, sob pena dessa rejeição, a proceder a tal indicação.

3.1.2.2. Regime da invalidade dos actos de processo.

Os actos do tribunal são, em princípio, actos receptícios, i.e., actos que só produzem os seus efeitos quando se tornem conhecidos do seu destinatário, embora a lei, em casos importantes, considere suficiente a mera presunção do conhecimento do acto pelo seu destinatário, como sucede, por exemplo, no tocante às notificações dos advogados das partes (artº 254 nºs 2 e 3 do CPC de 1961).

As notificações dependentes, i.e., as notificações às partes relativas a processos pendentes podem exercer uma de duas funções: dar conhecimento à parte dum acto ou dum facto – notificação de um despacho ou de uma sentença, notificação do dia em que há-de realizar-se uma audiência de discussão, uma inquirição de testemunhas, etc.; chamar a parte a juízo para praticar determinado acto (artº 228 nº 2 do CPC de 1961).

No primeiro caso, a notificação tem um fim informativo; no segundo tem um fim convocatório. As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (artº 253 nº 1 do CPC de 1961).

Sempre que seja praticado um acto que não é permitido ou seja omitido um acto imposto ou uma formalidade essencial, verifica-se uma nulidade processual (artº 201 nº 1 do CPC de 1961). Essa nulidade processual, apesar da sua designação, implica apenas caso se tenha pro revelante, a anulabilidade do acto praticado e dos demais actos dependentes do acto realizado ou omitido. As nulidades processuais inominadas ou secundárias - i.e., que correspondem a todas aquelas que não estejam legalmente previstas – só são apreciadas mediante reclamação da parte interessa na repetição ou eliminação do acto; o prazo da sua alegação é de dez dias, contado de qualquer termo do processo sempre que a parte não esteja presente no momento em que a nulidade foi cometida (artºs 153, 202, 2ª parte, 203 e 205 nº 1 do CPC).

Este pecúlio de considerações habilita, com suficiência, à resolução da questão concreta controversa objecto da impugnação.

3.1.2.3. Concretização.

Como já se observou, a recorrente queixa-se da omissão da notificação do despacho que a convidou a especificar, por referência à base instrutória, os factos sobre que haveria de recair o depoimento de parte dos apelados. Segundo, porém, o despacho impugnado, uma tal nulidade deveria ter sido invocada, pelo menos, na data da audiência de julgamento designada para o dia 11 de Setembro de 2012.

Todavia, a inspecção do processo convence da inexactidão, tanto da impugnação da recorrente como daquele despacho. Realmente, a Sra. Juíza de Direito, notou, na audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 11 de Setembro de 2012, a omissão da notificação do apontado despacho e ordenou o seu suprimento, tendo sido logo entregue aos Exmos. Advogados das partes – como a acta documenta - cópia dele.

Quer dizer: a omissão de notificação do despacho considerado foi suprida, através da prática, na devida forma, do acto omitido, no dia 11 de Setembro de 2012. É verdade que tal notificação foi feita ao mandatário imediatamente anterior da impugnante e que a instância esteve suspensa durante trinta dias. Mas não é menos que, no momento em que a suspensão a instância cessou e o mandatário da recorrente em cuja pessoa aquela notificação foi feita declarou renunciar ao mandato que esta lhe conferira e em que essa declaração se tornou eficaz, o prazo de dez dias, de que aquela dispunha para satisfazer o convite contido naquele despacho, já se mostrava largamente extinto por caducidade (artºs 153 e 145 nºs 1 e 3 do CPC de 1961). É axiomático que apesar da extinção, por renúncia, do mandato conferido pela apelante ao anterior mandatário se têm por inteiramente válidos, pelo que não há qualquer razão para se devesse repetir a notificação daqueles despacho à recorrente, na pessoa da sua actual Mandatária.

Estas considerações tornam patentes duas coisas que se têm por irrecusáveis: que a omissão de notificação do despacho que convidou a recorrente a proceder à especificação dos factos sobre que havia de recair o depoimento de parte dos apelados, se mostra suprida desde 11 de Setembro de 2012; que a apelante não deu satisfação àquele convite.

Nestas condições, o indeferimento do requerimento de depoimento de parte produzido pela recorrente é meramente consequencial. E sendo isto assim, não há razão para que a recorrente se queixe da ofensa do seu ineliminável direito à prova. A lesão deste direito é-lhe inteiramente imputável, dado que, apesar da actuação pelo tribunal do seu dever de prevenção, não deu cumprimento à exigência de que a lei faz depender a produção daquela prova pessoal: a indicação dos factos objecto do depoimento.

Este recurso não dispõe, pois, de bom fundamento. Importa, por isso, julgá-lo improcedente.

3.1.3. Recurso de apelação[2].

O autor, fundado na sua qualidade de interessado e de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito dos seus pais, a cuja partilha se procedia no momento da proposição da acção, pediu, contra a apelante, sua irmã, a condenação desta a destruir as obras que a última levou a cabo num prédio urbano, descrito, no processo de inventário, como benfeitoria, realizada pela apelante num prédio rústico nele também relacionado, de modo a que aquele prédio urbano fosse restituído ao status quo anterior à realização daquelas obras.

Por sua vez, a ré pediu, em reconvenção, em substância – contra o autor e o cônjuge deste e dois outros interessados na partilha, cuja intervenção principal provocou - a declaração de que é titular do direito real sobre aqueles dois prédios, por os ter adquirido por usucapião – em resultado de uma posse boa para usucapião iniciada em 1969 – e, subsidiariamente, por acessão industrial imobiliária.

Entretanto, por haver transitado a sentença homologatória da partilha – facto de que a Sra. Juíza de Direito teve conhecimento por força do exercício da sua função e que fez documentar através da junção das certidões pertinentes – a sentença final da causa, com fundamento no caso julgado constituído sobre as decisões proferidas no processo de inventário, julgou a acção improcedente e absolveu os reconvindos da instância, não tendo em todo o caso, deixado de observar que o pedido reconvencional sempre improcederia tanto por manifesto abuso do direito como por falta de prova do animus da posse e mesmo do corpus no tocante à totalidade do prédio rústico e da superioridade do valor do prédio urbano e do prédio rústico, e por a recorrente ter renunciado à invocação da usucapião e da acessão.

A recorrente acha, porém, que aquela sentença se encontra ferida com o vício da nulidade substancial, que estamos face a uma acção de reivindicação, na qual não é pedido o reconhecimento de direitos, designadamente da propriedade, que foi incorrecta a descrição, no processo de inventário, do prédio urbano como benfeitoria, discorda da produção, neste processo, dos efeitos do caso julgado material formado sobre as decisões transitadas proferidas no processo de inventário e sustenta que não renunciou ao direito de invocar a usucapião e, finalmente, que a decisão contida na sentença apelada decorre de um error in iudicando, por erro na avaliação da prova pessoal, da matéria de facto controvertida.

A impugnante salienta, numa das conclusões que extraiu da sua alegação, o facto do indeferimento - por decisão de 28 de Fevereiro de 2014, que lhe foi notificada nessa mesma data - do seu requerimento de realização de inspecção judicial do prédio. Não é perceptível o argumento que a recorrente faz derivar desta alegação. Seja como for, exacto é, em todo o caso que, a recorrente não impugnou aquela decisão de indeferimento – decisão que, por se referir à rejeição de um meio de prova era imediata e autonomamente recorrível – que, por isso, passou em julgado (artºs 628 e 644 nºs 1 e 2, d), 2ª parte do nCPC). E tendo tal decisão transitado em julgado, é claro que não constitui objecto admissível do recurso.

Noutra das conclusões com que rematou a alegação, a apelante sublinha a pendência de recurso extraordinário de revisão, que interpôs da sentença homologatória da partilha. Mas essa pendência deve ter-se por irrelevante. Dado que incide sobre uma decisão transitada, aquele recurso extraordinário, ainda que seja admitido, produz sempre um efeito extraprocessual meramente devolutivo, i.e., não tem a eficácia de suspender os efeitos do caso julgado formado sobre a decisão revivenda (artº 699 nº 2 do nCPC).

Maneira que as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:

a) A sentença impugnada se encontra ferida como vício da nulidade substancial;

b) Estamos, realmente, face a uma acção – real – de revindicação;

c) Se o caso julgado material constituído sobre as decisões transitadas proferidas no processo de inventário produz efeitos neste processo;

d) O prédio urbano foi incorrectamente descrito no processo de inventário que correu entre as partes como benfeitoria de outro prédio nele relacionado;

e) A apelante renunciou ao direito de invocar a usucapião;

f) No julgamento da questão de facto controvertida, o tribunal de que provém o recurso, incorreu, por erro na avaliação das provas, num error in iudicando.

3.3.1. Nulidade substancial da sentença impugnada.

A recorrente assaca à sentença impugnada o vício da nulidade substancial. Valor negativo que, segundo a impugnante, decorre da falta de fundamentação, da contradição intrínseca, da omissão e do excesso de pronúncia.

A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais, embora se deva notar que é entendimento comum, que apenas a ausência absoluta de qualquer fundamentação – e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão (artº 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 154 nº 1 do nCPC).

Isto é assim, dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.

Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso.

A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.

Portanto, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.

Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão.

A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

Essa exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.

Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se dever conter na sentença final – exigência, que, no caso, não foi observada pela sentença impugnada - há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.

Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662 nº 2 c) e d) do nCPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve – no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação – reenviar o processo para a 1ª instância para que a fundamente (artº 662 nº 2 do nCPC).

Salienta-se este ponto, dado que, segundo o apelante, a nulidade da sentença decorreria, no caso, também da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto. Ora, nem a falta de fundamentação da decisão da questão de facto constitui causa de nulidade da sentença, nem, no caso, se verifica uma tal omissão. Uma leitura ainda que meramente oblíqua do despacho em que se contém a decisão da matéria e facto, mostra que o Sra. Juíza de Direito tornou patentes, com a suficiência exigível, as razões que foram decisivas para a sua convicção sobre a prova ou falta de prova dos factos controvertidos, com as quais procurou convencer as partes da correcção ou da bondade da sua decisão. Na fundamentação da decisão da questão de facto, o Sra. Juíza indicou o conteúdo das diversas provas, determinou a sua relevância e procedeu à sua valoração. A acusação da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto é, a um tempo, injusta e infundada.

É claro que o decisor da 1ª instância pode ter-se equivocado na avaliação das provas: mas esse equívoco redunda num error in iudicando daquela matéria e não num error in procedendo, por omissão de fundamentação, como é caracteristicamente aquele que constitui causa de nulidade da sentença.

A sentença deve ser motivada também através da exposição dos fundamentos de direito, que respeitam à escolha, à interpretação e aplicação, aos factos apurados, das normas jurídicas adequadas para enquadrar o caso concreto. Ora a sentença impugnada contém, com prodigalidade, a indicação as normas jurídicas aplicáveis, no seu ver, ao caso, e a – multiplicidade - de razões de direito de que extraiu a procedência da acção e a improcedência da reconvenção, como, por exemplo, o reflexo do caso julgado, neste processo, da decisão proferida no processo de inventário; o abuso, pela apelante, do direito; a sujeição do prédio urbano ao regime das benfeitorias e não da acessão, a falta de prova do animus e mesmo, no tocante a parte do prédio rústico, de corpus, da posse alegada como boa usucapião; a renúncia aos direitos potestativos de invocação da usucapião e da acessão.

Não há, pois, a mínima razão para, por falta de fundamentação, ter a sentença impugnada por nula.

O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 615 nº 1 d), 1ª parte, do nCPC). Note-se, porém, que o tribunal não tem que se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes: desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa, está afastada aquela causa de nulidade.

As questões que as partes colocaram à atenção da sentença apelada eram as de saber se a apelante deveria ser condenada a demolir as obras que levou a cabo no prédio urbano e a repô-lo no estado anterior à da execução dessas obras ou se a aquela era realmente titular do direito real de propriedade sobre aquele prédio e sobre o prédio rústico no qual foi implantado, por o ter adquirido por usucapião ou por acessão. E tais questões foram inteiramente resolvidas pela sentença apelada, não interessando, para o caso, se bem se mal. Nem sequer é exacto, como sustenta a apelante, que a sentença recorrida não tenha ponderado o efeito presuntivo produzido pelo facto de a aquisição do prédio urbano se encontrar inscrito no registo a seu favor. Basta atentar, por exemplo, neste passo da sentença: contra isto – i.e., a eficácia do caso julgado da decisão proferida no processo de inventário – não releva sequer a argumentação factual agora carreada para os autos pela R. poder considerar-se inovadora relativamente ao que disse no processo de inventário (…) ou invocando presunção adveniente do registo feito a seu favor. De resto, aquele facto nem é verdadeiro: o registo patenteia, actualmente, e desde 2011, a aquisição daquele direito real, por doação, por terceiros.

Nula é também a decisão quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, portanto, quando esteja viciada por excesso de pronúncia (artº 615 nº 1 d), 2ª parte, do nCPC). Por força deste corolário do princípio da disponibilidade objectiva, verifica-se um tal excesso, por exemplo, sempre que o juiz utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou absolve num pedido não formulado. O excesso de pronúncia é meramente parcial ou qualitativo se o tribunal conhece de pedido que é quantitativa ou qualitativamente diverso do que foi formulado pela parte (artº 615 nº 1 e) do nCPC).

É verdade que a sentença impugnada, além de decidir as questões que foram suscitadas pelas partes, apreciou as questões do efeito do caso julgado, nesta causa, da decisão proferida no processo de inventário e o abuso, pela recorrente, do direito. Todavia, qualquer destas questões é de conhecimento oficioso, pelo que a sentença, ao apreciá-las, não resolveu questão de que não lhe era lícito conhecer.

Da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia é, pois, coisa de que também, em boa verdade, se não pode falar.

A sentença é também nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 615 nº 1 c), 1ª parte, nCPC)[3]. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial. A coerência ou justificação interna da decisão reporta-se à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito, dado que a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.

A sentença recorrida ponderando, entre outros motivos, o efeito do caso julgado, neste processo, da decisão proferida no processo de inventário, o abuso, pela apelante, do direito, a sujeição do prédio urbano ao regime das benfeitorias e não da acessão, a falta de prova do animus e mesmo, no tocante a parte do prédio rústico, de corpus, da posse alegada como boa usucapião, e a renúncia aos direitos potestativos de invocação da usucapião e da acessão, concluiu por uma decisão favorável ao autor e desfavorável à recorrente.

Face a este enunciado, tem-se por certo que a sentença impugnada impugnado não se encontra ferida com o vício da nulidade decorrente da sua contradição intrínseca – nem, aliás, a apelante individualiza minimamente qual é o fundamento ou fundamentos que estão em lívida colisão com a decisão. Seja como for, exacto é, em todo o caso, que a decisão contida na sentença contestada – a procedência da acção e a improcedência da reconvenção - é inteiramente coerente com as premissas de que partiu, pelo que a construção da sentença não é viciosa, pois que os fundamentos invocados pela Sra. Juíza de direito conduzem logicamente ao resultado expresso na decisão, e não a resultado oposto.

Feitas todas as contas, a conclusão a tirar é, assim, a da falta de bondade, pelo lado da nulidade substancial da sentença impugnada, deste recurso.

3.3.2. Forma de tutela jurisdicional.

A apelante alega repetidamente que a forma de tutela jurisdicional deduzida pelo autor se resolve numa acção de reivindicação. Nada de menos exacto.

A acção de reivindicação, de nítida feição condenatória, compreende e exige dois pedidos concomitantes – o pedido de reconhecimento de determinado direito; o pedido de entrega da coisa objecto desse direito – e a sua causa de pedir é o facto de que derive o direito real alegado (artº 1311 nº 1 do Código Civil, 4 nºs 1 e 2 a) e 498 nº 4 do CPC de 1961, vigente ao tempo da proposição da acção, e 10 nºs 1, 2 e 3 b) e 581 nº 4 do nCPC)[4].

Como é intuitivo, a procedência de um pedido de reivindicação pressupõe a prova, pelo reivindicante, do direito real de propriedade sobre a coisa que reivindica (artº 342 nº 1 do Código Civil)[5].

Porém, também é indiscutível que na acção de reivindicação a causa de pedir não é o direito de propriedade ele mesmo, mas sim, de harmonia com a teoria da substanciação que anima a lei adjectiva portuguesa, o facto jurídico de que tal direito real deriva (artº 498 nº 4 do CPC). O modelo da acção de revindicação é, pois, o seguinte: a invocação pelo autor da titularidade de um direito real de propriedade; a indicação do facto jurídico concreto donde emerge essa aquisição; o pedido de condenação do demandado que tem a coisa, objecto mediato daquele direito, em seu poder, a entregar-lha.

O perfil da acção de reivindicação pode, portanto, recortar-se pelo seu fundamento, pela sua causa de pedir e pelo pedido.

O fundamento da reivindicatio, como decorre da norma que a regula ao referir-se ao reconhecimento do direito de propriedade, é o direito real de gozo violado com a posse ou a detenção do demandado (artº 1311 nº 1 do Código Civil).

A causa petendi que compete à acção de reivindicação é o facto de que deriva o direito real (artº 498 nº 4 do CPC do CPC de 1961, vigente ao tempo da proposição da acção, e 581 nº 4 do nCPC em vigor).

Por essa razão, o autor deve apontar o facto jurídico aquisitivo que invoca como fundamento de entrega da coisa – a compra e venda, a doação, a ocupação, a usucapião, etc. – sendo insuficiente a menção genérica ao direito ou a facto aquisitivo não especificado.

É corrente a afirmação de que nesta acção real a causa de pedir é complexa[6]. Uma reflexão breve mostra, porém, de um aspecto, que a causa de pedir da reivindicação consiste apenas no facto aquisitivo do direito real e não na violação desse direito pelo réu, e, de outro, que esse facto não tem de ser um facto aquisitivo originário[7].

Admitindo a lei que o direito real seja adquirido através de factos translativos, quer dizer, de factos que desencadeiam uma aquisição derivada do transmissário, como, por exemplo, o contrato real quoad effectum, seria desrazoável que o adquirente tivesse de invocar um facto distinto daquele pelo qual adquiriu o direito para reivindicar com êxito e mais desrazoável ainda que não pudesse reivindicar de terceiro se não beneficiasse de um facto aquisitivo originário.

A procedência da acção está na dependência da verificação cumulativa de três pressupostos: a titularidade pelo autor do direito real de gozo alegado; a detenção ou a posse pelo réu da coisa reivindicada[8]; a falta de demonstração pelo demandado da titularidade de um direito que lhe permita recusar a entrega[9].

O autor tem, pois, que fazer a prova do seu direito, que o adquiriu em consequência de facto válido e eficaz. É, dada a dureza dessa prova, a chamada probatio diabolica.

Esta prova é feita nos termos gerais. Se o autor beneficia de uma presunção legal, o ónus dessa prova inverte-se, ficando o demandado onerado com o encargo da demonstração de que o autor não é titular do direito invocado (artº 350 nºs 1 e 2 do Código Civil). As presunções mais relevantes neste domínio são duas: a derivada da posse; a assente no registo predial (artºs 1268 nº 1 do Código Civil e 7 do Código de Registo Predial).

Face a este enunciado, é bem de ver que a acção não é de reivindicação, dado, desde logo, que não se pede o reconhecimento do direito real nem se pede a entrega da coisa. Tanto o pedido deduzido pelo autor como a causa petendi de que o faz derivar são inteiramente distintas daqueles que competem à acção de reivindicação: esta causa de pedir é constituída por uma vocação sucessória – a qualidade de herdeiro – e pela expectativa de devolução do bem imóvel objecto do litígio – assente no facto de o ter licitado; aquele pedido consiste na reposição do prédio ao estado anterior antes da realização, pela apelante das obras, e, portanto, ao estado em que se encontrava no momento da abertura da sucessão (artºs 2024, 2030 nºs 1 e 2, e 2031 do Código Civil).

E não se tratando da acção real de revindicação é claro que o autor não está vinculado à probatio diabolica apontada.

Note-se que no momento da proposição da acção ao autor nem sequer seria lícito invocar a titularidade do direito real de propriedade sobre o prédio, já que nesse momento a herança não se mostrava partilhada e, portanto, aquele bem integrava-se no património autónomo representado pelo relictum dos pais, não se tendo ainda verificado a conversão da sua posição de mero contitular de um único direito sobre toda a coisa ou universalidade, na situação de titular único dum direito da mesma espécie sobre uma fracção determinada da coisa ou sobre algum ou alguns objectos concretos da universalidade[10]. Só com o trânsito em julgado da sentença que julgou a partilha – a que deve assinalar-se uma natureza marcadamente declarativa - é que se verificou a extinção do estado de indivisão hereditária e a materialização dos bens que integram o quinhão ou a quota hereditária de cada herdeiro e, portanto, só nesse momento é que o autor passou a ser, desde a morte dos de cujus, titular único dos prédios que licitou e lhe foram adjudicados (artº 2119 do Código Civil). E, por força do carácter retroactivo da devolução desse bem, todos os actos – materiais e/ou jurídicos - praticados pelo autor durante a indivisão relativamente aqueles bens se tornarão válidos; inversamente, todos os actos de administração ou de disposição realizados pelos demais co-partilhantes tornar-se-ão ineficazes.

A sentença impugnada foi terminante na declaração de que as questões, quer da titularidade pelo autor do direito real de propriedade sobre o prédio rústico, quer da falta de autonomia do prédio urbano relativamente àquele prédio estão cobertas pela força do caso julgado que se formou, designadamente, sobre a sentença homologatória da partilha.

A recorrente discorda – mas nitidamente sem razão.

3.3.3. Eficácia do caso julgado.

A nossa lei adjectiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão – despacho, sentença ou acordão – decorrente do seu trânsito em julgado (artº 628 do nCPC).

O caso julgado é, evidentemente, uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver[11].

A partir do âmbito da sua eficácia, há que fazer um distinguo entre o caso julgado formal e o caso julgado material: o primeiro tem um valor estritamente intraprocessual, dado que só vincula no próprio processo em que a decisão que o adquiriu foi proferida; o segundo é sempre vinculativo no processo em que foi proferida a decisão, mas também pode sê-lo em processo distinto (artºs 619 e 620 do nCPC).

O caso julgado resolve-se na inadmissibilidade da substituição ou da modificação da decisão por qualquer tribunal – mesmo por aquele que proferiu a decisão.

Todavia, o caso julgado não se limita a produzir um efeito processual negativo – traduzido na insusceptibilidade de qualquer tribunal, mesmo também daquele que é o autor da decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão. Ao caso julgado deve também associar-se um efeito processual positivo: a vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal, ou seja, ao conteúdo da decisão desse mesmo tribunal.

A eficácia do caso julgado material – único que releva para a economia do recurso – varia, porém, em função da relação entre o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada e o âmbito subjectivo e o objecto do processo posterior.

Se o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i.e., se ambas as acções possuem o mesmo âmbito subjectivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como excepção do caso julgado – excepção que tem por finalidade evitar que o tribunal da acção posterior seja colocado na desagradável alternativa de reproduzir ou de contradizer a decisão transitada (artºs 580 nº 1, in fine, e 581 nºs 1 a 4 do nCPC). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória própria (artº 577 i), in fine, do CPC).

Se, porém, a relação entre o objecto da decisão transitada e o da acção subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial – i.e., que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto – vale como autoridade de caso julgado na acção que no qual se discuta o objecto dependente. Quando isso suceda, o tribunal da acção posterior – acção dependente – está vinculado à decisão proferida na causa anterior – acção prejudicial.

Realmente – como é corrente na doutrina[12] e na jurisprudência[13] – neste domínio há que fazer um distinguo entre a excepção do caso julgado – e a autoridade do caso julgado. E a distinção é de extraordinária relevância, dado que, não se tratando da excepção do caso julgado mas da autoridade do caso julgado, não é exigível a apontada relação de identidade, i.e., a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa petendi.

  Na verdade, só no tocante à excepção do caso julgado – dado que assenta na ideia de repetição de causas – deve reclamar-se uma identidade quanto aos elementos subjectivos – partes – e objectivos – pedido e causa de pedir – da instância (artº 580 nº 1 do nCPC).

No tocante a identidade de sujeitos, cumpre notar que a parte processual é entendida pela sua qualidade jurídica perante o objecto da causa: a identidade jurídica não tem que coincidir com a identidade física, apenas se exigindo que actuem como titulares da mesma relação jurídica substancial – abrangendo o primitivo titular e o respectivo sucessor. Da mesma maneira, essa identidade não é excluída pela diversidade da sua posição processual (artº 580 nº 2 do CPC). A identidade relevante é, portanto, identidade jurídica, do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objecto apreciado, possam se equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na acção. Assim, a essas partes são equiparados, por exemplo, todos os terceiros que sucedam, inter vivos ou mortis causa, na titularidade do objecto processual apreciado.

Relativamente à identidade de pedido, há que atender ao objecto da sentença e às relações de implicação que a partir se estabelecem[14]. É, portanto, suficiente uma identidade meramente relativa, dado que fica abrangido não só o efeito jurídico obtido no primeiro processo – como qualquer outro efeito jurídico que houvesse estado implícita mas necessariamente em causa[15].

Face á noção de causa de pedir já adiantada, haverá identidade de causas petendi sempre o facto jurídico concreto de que procede o direito ou interesse alegado pela parte seja o mesmo[16]. Note-se, porém, que o caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, dado que o releva é a identidade de causa de pedir – i.e., os factos concretos com relevância jurídica – e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte (artºs 580 nº 1 e 591 nº 4 do nCPC).

O caso julgado está, porém, sujeito a limites, designadamente objectivos, subjectivos e temporais.

No tocante aos limites objectivos – i.e., ao quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado – este abrange, decerto, a parte decisória do despacho, da sentença ou do acordão, i.e., a conclusão extraída dos seus fundamentos (artº 607 nº 3 do nCPC).

O problema está, porém, em saber se - de harmonia com uma concepção restritiva[17], apenas cobre a parte decisória da sentença ou antes se estende – de acordo com uma concepção ampla - a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão.

Apesar do carácter espinhoso do problema, tem-se por preferível uma concepção intermédia, para o qual se orienta, ao menos maioritariamente, a jurisprudência[18]: o caso julgado abrange todas as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença[19]. Realmente, como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos de facto e de direito, o caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado, não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos – e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão[20].
Ou noutra formulação: os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado – enquanto pressupostos da decisão, ficando fora do caso julgado tudo o que esteja contido na sentença, mas que não seja essencial ao iter iudicandi[21].
Por último, o caso julgado está sujeito a limites temporais.

O caso julgado é temporalmente limitado, embora o referencial temporal relevante não seja o momento em foi proferida a decisão transitada – mas o do encerramento da discussão, ou momento equivalente, no processo em que foi proferida essa mesma decisão (artº 604 nº 3, e) do nCPC).

A referência temporal do caso julgado a esse momento traz, desde logo, implicada várias consequências, das quais se destaca uma referida ao passado: a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada, mas anteriores ao encerramento da discussão – ou momento equivalente - e que nele podiam ter sido apresentadas.

Como o réu ou requerido está vinculado ao ónus de apresentar toda a defesa na contestação ou oposição, a preclusão que o atinge é, aliás, independente do caso julgado, mas por força dessa preclusão, ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquele que foi apreciada pelo tribunal (artº 573 nº 1 do CPC). Preclusão que compreende igualmente as qualificações jurídicas que objecto da causa possa comportar, mas que não foram utilizadas pela decisão transitada.

Assim, se a sentença anterior reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu – mesmo aqueles que ele não chegou a deduzir e até aqueles que podia deduzir com base num direito seu, por exemplo, ser ele réu, o proprietário do prédio cuja titularidade se discute. Vale, neste sentido, a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o deductível: tantum iudicatum quantum disputatam vel disputari debetat[22].

Realmente, o reconhecimento de um direito absoluto de propriedade plena do autor sobre uma certa coisa corpórea é, obviamente, incompatível de um ponto de vista jurídico, com o ulterior reconhecimento de uma propriedade plena sobre a mesma coisa, por quem participou, como réu ou requerido, na acção em que foi proferida a sentença favorável ao autor. Trata-se de um fenómeno designado de extensão inversa por incompatibilidade, do caso julgado: a propriedade plena é incompatível com outra propriedade sobre a mesma coisa; afirmado que x é do autor, com força de caso julgado, fica reflexamente indiscutível, dentro dos limites objectivos do caso julgado, que não o é do réu[23].

Efectivamente, o titular do direito real de propriedade dispõe de uma permissão normativa plena ou total de aproveitamento das utilidades da coisa corpórea atingida por ele (artº 1305 do Código Civil). Além da plenitude, o direito real de propriedade é ainda dotado de uma outra qualidade: é exclusivista em relação a coisa. O direito real de propriedade não admite, no tocante à mesma coisa, a concorrência de outro direito de conteúdo igual.

Desta característica decorre, irrecusavelmente, este corolário: decidido, por sentença passada em julgado, que o autor é titular do direito real de propriedade sobre uma coisa, segue-se, como corolário lógico, que não pode ser recusado, que, observados os limites objectivos da res judicata, o réu não pode ser titular desse mesmo direito.

Maneira que, transitada um julgado a decisão proferida no incidente da reclamação contra a relação de bens – no qual se decidiu que um prédio urbano constitui simples benfeitoria de um prédio rústico relacionado – e a sentença que julgou a partilha, que adjudicou ao herdeiro licitante o direito real de propriedade sobre aquele prédio, não é lícito a outro herdeiro, que além de ter assistido a todos os actos da partilha foi quem promoveu a relacionação e a descrição daquele prédio urbano como benfeitoria e, consequentemente, como dívida da herança - propor uma acção ou deduzir reconvenção contra o autor, fundado em que tinha adquirido por usucapião a propriedade daqueles prédios: se a nova acção pudesse proceder e valesse a decisão correspondente, seria contrariada a força de caso julgado formado sobre a sentença anterior, dado que se tirava ao autor reconvindo – da acção subsequente – um bem que a mesma sentença lhe tinha dado. Esta consequência também pode explicar-se por uma dos valores do caso julgado: o valor enunciativo, por força do qual fica excluída toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na sentença passada em julgado. Se na acção anterior – seja qual for a sua espécie – o autor foi reconhecido como titular do direito real de propriedade sobre o prédio, então o réu não o é: o réu não pode, por isso, propor uma nova acção ou deduzir reconvenção pedindo que se declare que é ele e não o autor o titular daquele mesmo direito real, com fundamento em qualquer facto aquisitivo já verificado no momento em que se deu o trânsito em julgado da sentença proferida no processo anterior.

A recorrente convirá, decerto, que este exemplo de escola assenta com inteira perfeição no caso do recurso.

Note-se que a absolvição do autor apelado da instância, não decorre da verificação no caso da excepção do caso julgado, não assenta, no caso, da exacta repetição de uma causa – no plano dos seus elementos subjectivos e objectivos – mas na eficácia preclusiva do caso julgado que – conforme o Supremo nota[24] – a doutrina equipara e integra no instituto do caso julgado, e de harmonia com a qual a indiscutibilidade da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada pela sentença transitada, i.e., o conteúdo dessa decisão, compreende não apenas as questões nela expressamente decididas – mas todas a que o demandado tinha o ónus de suscitar durante o processo, de modo a conformar constitutivamente a decisão final sobre o mérito da causa.

O caso julgado compreende aquilo que foi objecto de controvérsia e ainda os objectos que a parte tinha o ónus de invocar, como patentemente, se verifica no tocante aos meios de defesa do réu, do requerido ou interessado, pelo que a indiscutibilidade e o carácter de res judicata de uma afirmação pode resultar, tanto de uma investigação judicial como do não cumprimento de um ónus que acarrete, ex-vi legis, esse efeito: é o que sucede a respeito de questões que a parte tem o ónus de suscitar, sob pena de se tornarem irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica, acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.

E foi nesse efeito preclusivo – e não na existência de uma relação de identidade entre o âmbito subjectivo e objectivo do processo anterior e do processo actual, que a decisão impugnada no recurso assentou a decisão de absolvição do reconvindo da instância. Efeito preclusivo que se estende a todos os possíveis meios de defesa da apelante, ora recorrente, maxime, a sua titularidade por si do direito real controvertido, por o ter adquirido por usucapião ou por acessão. Desde que a apelada não suscitou, no processo de inventário, como era seu ónus, a questão de ser ela a titular do direito real sobre os prédios – por os haver adquirido, já nesse momento, por usucapião ou acessão - antes promoveu a descrição do prédio urbano como simples benfeitoria realizada noutro prédio que figurava no inventário – deixou irremediavelmente precludir a alegação desse direito e do facto aquisitivo correspondente em processo posterior.

De resto, rigorosamente - como já se observou - a preclusão que atinge o réu ou interessado em processo de inventário – por força do princípio da concentração da defesa - é mesmo independente do caso julgado, pelo que ficam precludidos todos os factos que podia ser invocados como fundamento dessa contestação ou oposição – no caso do inventário, como fundamento de reclamação contra a relação de bens – tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal.

3.3.4. Qualificação do prédio urbano como benfeitoria.

Como já se notou, a preclusão decorrente da res judicata compreende igualmente as qualificações jurídicas que o objecto da causa possa comportar, mesmo as que não foram utilizadas pela decisão transitada. Maneira que aquele efeito preclusivo é irrecusável no tocante à qualificação, em que assentaram as decisões transitadas proferidas no processo de inventário, da construção, pela apelante, em prédio da herança, do prédio urbano.

Segundo a definição legal, benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. São necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; são úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam todavia, o valor; por último, são voluptuárias, as benfeitorias que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante (artº 216 nº 1 e 2 do Código Civil).

De harmonia com este mesmo Código, dá-se a acessão quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertencia (artº 1325). A acessão pode ser natural ou industrial – conforme resulta da natureza ou da acção humana – e a última pode subdividir-se em mobiliária e imobiliária, consoante respeite apenas a coisas móveis ou envolva também imóvel; qualquer delas pode ainda ser considerada de boa ou má fé, conforme a posição em que esteja o possuidor, entendendo-se, neste contexto, por boa fé o desconhecimento pelo autor da obra do carácter alheio do terreno (artºs 1326 nºs 1 e 2 e 1340 nº 4 do Código Civil).

No tocante à acessão industrial imobiliária – que pode, genericamente, definir-se como a união ou incorporação em prédios (imóveis) de coisas alheias por acção do homem - a lei trata sempre conjuntamente as hipóteses de obras, sementeiras ou plantações, estatuindo, para as diversas hipóteses, um regime particularmente complexo, dado que atende a quatro critérios: a titularidade do terreno; a titularidade dos materiais ou sementes; a boa ou má fé dos intervenientes; o valor relativo das coisas (artº 1339 do Código Civil).

Assim, a incorporação feita em terreno alheio com materiais próprios, de boa fé, confere o direito à aquisição do conjunto ao titular da coisa mais valiosa, desde que pague ao outro o valor da coisa adquirida (artº 1340 nºs 1 e 3 do Código Civil). A incorporação, nas mesmas condições, mas feita de má fé, confere ao titular do terreno a faculdade alternativa de adquirir as coisas incorporadas, pelo valor fixado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa ou de exigir que o terreno seja restituído ao seu estado primitivo, à custa do incorporador (artº 1341 do Código Civil).

Especialmente espinhoso é o distinguo entre benfeitoria e acessão.

Assim, alguma doutrina sustenta que a distinção entre acessão e benfeitoria assenta na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras: no caso de simples benfeitorias, atribuiu a lei, ao autor delas, um direito ao levantamento ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, não, porém, um direito de propriedade sobre a coisa, já que a benfeitoria não se destina, senão, a conservar ou melhorar a coisa; no caso de acessão, diversamente, não se trata apenas de melhorar ou conservar uma coisa de outrem, mas construir uma coisa nova, mediante a alteração daquele em que a obra é feita, atribuindo, assim, a lei, em certas condições, ao autor da acessão, a propriedade da coisa[25].

Outra, porém, é do parecer que a regra geral é a da acessão, sendo esta aplicável sempre que a coisa incorporada não seja qualificável de benfeitoria, designadamente, quando valha mais do que a outra coisa, quando modifique o destino económico do conjunto, ou quando não conserve nem melhore a coisa, nem sirva para recreio do benfeitorizante, antes correspondendo ao normal exercício do direito acedido; as benfeitorias seriam aplicáveis quando a lei expressamente o dissesse, como sucede, por exemplo, na locação ou no usufruto (artºs 1046 e 1138 do Código Civil)[26].

Outra ainda é da opinião que a benfeitoria consiste no melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela; a aquisição por acessão é sempre subordinada à falta de um título que dê, de per si, a origem e a disciplina da situação criada. Assim, são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional. As benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos, cujo distinguo assenta na existência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada[27].

É, justamente, esta última orientação que tem acolhido o favor da jurisprudência[28]. E é por aplicação deste último critério que a jurisprudência tem decidido, quase ne varietur, por exemplo, que a construção, pelos cônjuges, de um prédio urbano em terreno de um só deles, deve ser considerado uma benfeitoria e, como tal deve ser descrito, no inventário consequente à extinção, por divórcio, da comunhão de bens entre eles[29]. O cônjuge – faz-se notar - não pode considerar-se estranho à coisa nem de boa fé, e, portanto, o caso é, simplesmente, de benfeitorias realizadas na coisa, que atribui à comunhão conjugal um direito de crédito sobre o cônjuge proprietário.

Seja como for, no caso do recurso, desde que a construção do prédio urbano pela apelante foi qualificada, no processo de inventário – correctamente e, aliás, a requerimento seu – como simples benfeitoria e aquela tratada, sempre, não como titular do direito real de propriedade sobre esse prédio e sobre aquele em que foi edificado, mas como simples credora da herança, está inteiramente precludida a possibilidade de qualificar aquela situação jurídica como acessão e de com base nesse facto aquisitivo lhe reconhecer o direito real de propriedade que só alegou nesta acção, por via da reconvenção.

Nestas condições – e por força da apontada preclusão - a conclusão tirada na decisão impugnada quanto à verificação, no caso, a eficácia do caso julgado produzido no processo de inventário deve, pois, ter-se por exacta.

Todavia, prevenindo a possibilidade de a recorrente se não deixar persuadir da exactidão deste fundamento de procedência da acção e de improcedência da reconvenção, logo adiantou, para justificar esta última improcedência, este outro: o abuso, pela apelante, do direito.

E, quanto a este fundamento, a recorrente limita-se a alegar que quem abusa do direito não é ela – mas o autor apelado.

3.3.5. Abuso do direito.

Apesar de o abuso do direito ser de conhecimento oficioso[30], o mais distraído dos operadores ou observadores judiciários não pode deixar de notar que quase não há processo em que as partes, per abundantiam, ou á míngua de outros argumentos, não invoquem o abuso do direito.

O abuso do direito deve ser usado sempre que necessário. O que não deve é ser banalizado, exigindo-se sempre uma ponderação cuidadosa dos seus requisitos e, portanto, a correcção, no caso concreto, da sua intervenção, sobretudo quando esta conduza a uma solução contrária à lei estrita[31].

De outro aspecto, o abuso do direito, exprimindo um nível último e irrecusável de funcionalização dos direitos à realização dos interesses que justificam o seu reconhecimento – e o afinamento ético do Direito moderno - é um instituto de carácter poliédrico e multifacetado como logo se depreende a partir da tipologia dos actos abusivos que se incluem na categoria e com os quais se procura densificar a indeterminação do conceito correspondente.

Assim, são reconduzidos ao abuso do direito, por exemplo, o venire contra factum proprium, quer dizer, a proibição do comportamento contraditório e a supressio (supressão)[32], ou seja, a neutralização de um direito que durante muito tempo se não exerceu, tendo-se criado, pela própria conduta, uma expectativa legítima de que não iria ser exercido, e a surrectio, i.e., o surgimento de um direito por força de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo[33] - e o desequilíbrio objectivo no exercício, comportamento abusivo cujo desvalor se objectiva na desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem, e que compreende todas as situações em que se exercem poderes sanção por faltas insignificantes, como sucede quando uma parte resolva o contrato, alegando uma violação sem relevo de nota, em termos de causar a esta um grande prejuízo.

Como já se notou, na doutrina portuguesa, a proibição do venire contra factum próprio tem sido localizada dentro dos quadros do abuso do direito[34]. Mas não falta quem o situe na tutela da confiança - formulando como requisitos para a proibição do comportamento contraditório a existência de uma situação objectiva de confiança, o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger e a imputabilidade ao agente daquela situação[35] - ou o análise no quadro das regulações típicas de comportamentos abusivos[36]. Neste último enquadramento, a locução venire conta factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Reclama, portanto, dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo - o primeiro - o factum proprium - é contrariado pelo segundo[37]. Trata-se de tutelar uma situação de confiança, enquanto factor material da boa fé[38]. Deste modo, há venire contra factum proprium, por exemplo, quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifesta a intenção de não praticar determinado acto e, depois, pratica-o, violando a confiança da contraparte de que isso não ocorreria.

 Assim, por exemplo, uma pessoa que manifeste, por qualquer modo, a intenção de não exercer um direito potestativo ou um simples direito subjectivo, mas que acaba por exercê-lo, actua contra facta propria. O exercício do direito, nestas condições, é inadmissível. Haveria abuso do direito (artº 344 do Código Civil)[39].

Na jurisprudência, a proibição do venire é também reconduzida ao abuso de direito. Faz-se notar, aliás, que dentro da boa fé em sentido objectivo, o instituto com que com mais frequência se depara na jurisprudência é o venire contra factum proprium[40]. Está nessas condições, por exemplo, a possibilidade de obstar à invocação de nulidade resultante de vício de forma, através do abuso de direito[41].

O venire contra factum proprium é um tipo não compreensivo de exercício inadmissível de direitos e, como tal, tem uma grande extensão.

Mas nem toda conduta contraditória do exercente lhe é redutível. Exige-se, para que essa redução seja possível, um investimento de confiança realizado pela contraparte contra quem o direito é exercido, fundado na expectativa, lícita ou legítima, de que tal exercício não ocorreria, uma qualquer situação de confiança que deva ser protegida contra o exercício do direito pela contraparte.

Assim, em primeiro lugar, reclama-se um comportamento anterior do exercente do direito que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança; exige-se, depois, a imputabilidade aquele quer do comportamento anterior quer do comportamento actual; de seguida, há que verificar a necessidade e o merecimento do prejudicado com o comportamento contraditório; por último, há que averiguar a existência do investimento de confiança ou baseado na confiança, causado por uma confiança subjectiva, objectivamente justificada.

Note-se que a aplicação destes pressupostos, após a sua enumeração e verificação no caso concreto, não é automática: antes devem ser objecto de uma ponderação global, in concreto, para se aferir se existe uma exigência ético-jurídica de impedir a conduta contraditória, designadamente por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante e – o que é mais – por a situação conflituar, exasperadamente, com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo.

O principal efeito do venire é, naturalmente, o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou de direitos, em contradição com o comportamento anterior.

Pergunta-se: um interessado que, no de inventário faz relacionar, a requerimento seu, o prédio urbano que construiu em prédio rústico que também figurava nesse processo divisório como simples benfeitoria – portanto, como simples crédito seu sobre o património hereditário - e que, apesar de no acto de licitação ter sido advertida, que face àquela descrição, a licitação aberta relativamente aquele prédio rústico compreendia a benfeitoria nele realizada, e que deixa que esse mesmo prédio seja licitado e adjudicado a outro interessado, e que, depois, com desprezo de todos os actos realizados no processo de inventário, procede a obras no prédio urbano como se ele lhe tivesse sido adjudicado, e, demandado para demolir as obras, opõe ao autor, a quem o prédio foi adjudicado, o direito real de propriedade sobre ele, age contra facta propria, e, portanto, em abuso do direito?

A resposta deve ser afirmativa. Realmente, uma pessoa normal, colocada na posição concreta do autor apelado, podia objectivamente confiar que, tendo o prédio urbano sido descrito, por iniciativa da recorrente, como benfeitoria, e lhe sido adjudicado por licitação, a questão da titularidade do direito real de propriedade sobre o prédio estava definitivamente arrumada e consolidada e que a última não agiria como se fosse proprietária dele e não lhe oporia a titularidade desse mesmo direito real.

O interessado que, neste contexto, cria, noutro interessado, por força da comportamento e da estratégia processual que adoptou no processo de inventário, uma tal convicção mas depois, age como se fosse ele realmente o titular do direito do direito real e o opõe ao primeiro, age contra facta propria e, por conseguinte, de forma abusiva. Havendo abuso, a inibição do exercício, contra o apelado, daquele direito real, é meramente consequencial.

O abuso resolve-se excepção peremptória que impede ou extingue o direito actuado abusivamente e, constitui, por isso, causa fundada de improcedência da acção – ou da reconvenção – assente nesse mesmo direito.
Na impossibilidade de se subtrair à exactidão deste entendimento das coisas a recorrente, limita-se a sustentar que quem age em abuso do direito é o autor, apelado. Não há mínima razão – por ausência, desde logo de uma alegação consistente, dos indispensáveis factos materiais, objectivos e subjectivos – para concluir que aquela actue em abuso, invocação que, aliás, como é comum, foi feita á míngua de melhor fundamento de impugnação. De resto, convém recordar à recorrente que realizou boa parte das obras no prédio e as concluiu em desrespeito do embargo extrajudicial promovido pelo autor, apelado.
Mas a este fundamento de improcedência da reconvenção, a sentença apelada ainda adicionou um outro: o da renúncia à invocação tanto da usucapião como da acessão.
3.3.6. Renúncia dos direitos potestativos de invocar a usucapião e a acessão.

Consabidamente usucapião é a constituição facultada ao possuidor do direito real correspondente à sua posse, desde que esta, dotada de certas características, se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei (artº 1287 do Código Civil).

A usucapião tem sempre, na sua base, uma situação possessória. Só a posse e não a mera detenção pode conduzir à usucapião. Essa posse pode ter sido constituída ex-novo pelo sujeito a quem a usucapião aproveita ou pode derivar da transmissão, a favor do beneficiário, de posse anterior.

Porém, a constituição por usucapião não é automática, tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente (artº 303, ex-vi artº 1292 do Código Civil). Verificada a posse com certas características e decorrido o prazo assinado na lei, o direito real correspondente à posse constitui-se por usucapião. Mas nada vincula ou força o beneficiário, logo que tenha uma situação possessória boa para usucapião, a invocá-la. Pode fazê-lo na altura que mais lhe convier.

Enquanto não ocorrer essa invocação, o possuidor tem, não o direito real correspondente à posse exercida – mas o direito potestativo à aquisição desse direito por usucapião.

E, uma vez adquirido o direito à aquisição por usucapião, esse direito não se perde, em princípio, e é independente de registo (artº 5 nº 2 a) do Código de Registo Predial). Pode, por isso, o direito potestativo ser exercido muitos anos depois e só cede, na ausência de qualquer outro facto extintivo, pela superveniência de causa originária de aquisição do mesmo direito por terceiro.

Uma doutrina largamente maioritária faz notar, acompanhada por uma crescente e significativa jurisprudência[42], que a acessão industrial – ao contrário da natural - tem natureza potestativa[43]: na acessão industrial imobiliária, a união ou mistura constitui um pressuposto de facto, para a atribuição do direito de acessão a um dos titulares dos direitos reais unidas ou misturadas, mas não provoca, só por si, a aquisição da propriedade, antes se limita a conferir ao beneficiário um direito potestativo de ficar com a coisa adjunta: se quiser tem de manifestar a vontade de beneficiar da acessão, exercendo o direito respectivo; não querendo renuncia a esse direito.

Portanto, o direito potestativo de adquirir o direito real de propriedade tanto por usucapião, como por acessão, por se referirem a direitos disponíveis, é renunciável. E essa renúncia pode, nos termos gerais, ser puramente tácita, desde que evidentemente, desde que se deduza de factos significantes, positivos e inequívocos[44], i.e., de facta concludentiam (artº 217 nº 1 do Código Civil).

Mas é justamente isso que ocorre – como bem notou, aliás, a sentença impugnada – com o comportamento e a estratégia processuais observadas pela recorrente no processo de inventário: realmente, o interessado que, dispondo, segundo alega, já nesse momento, dos direitos potestativos de adquirir o prédio, tanto por usucapião como por acessão, mas não os invoca em momento algum, antes requer que esse prédio seja descrito como simples benfeitoria de outro e deixa que seja adjudicado, por licitação, a outro co-interessado, adopta uma conduta concludente de renúncia àqueles direitos potestativos. O que daqui decorre para a improcedência da reconvenção é meramente consequencial.

Resta, por isso, como último fundamento do recurso, a impugnação o error in iudicando da questão de facto, por erro na apreciação das provas.

3.3.8. Impugnação da decisão da matéria de facto controvertida.

Como derradeiro fundamento do recurso é alegado o error in iudicando, por erro na aferição das provas, dos factos insertos na base instrutória sob os nºs 13, 15, 16, 18 a 20, 22, 25, 27, 28, 30, 31, 34, 36, 37, 40 a 42, 44 a 48. E que provas é que, no ver da recorrente foram mal avaliadas? Fundamentalmente a prova pessoal – os depoimentos de parte e as declarações das testemunhas.

A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do nCPC).

Todavia, harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 130 do NCPC).

Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância, a anulação da decisão ou o reenvio do processo para a 1ª instância para que seja fundamentada. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

Ora, é isso que sucede, na espécie sujeita. Ainda que, se devesse modificar, no sentido propugnado, pela recorrente, o julgamento dos factos que reputa de mal julgados, por erro na avaliação das provas, ainda assim, por força dos fundamentos de procedência da acção e de improcedência da reconvenção, já explanados, o recurso sempre se deveria ter por improcedente. A reponderação da correcção da decisão de facto é, pois, inútil.

Fundamentos de procedência da acção e de improcedência que são exactos, apesar de, em dado momento, se mostrar inscrito, no registo predial, um facto aquisitivo, a favor da apelante do prédio urbano. Por duas razões, de resto.

As realidades tabulares repercutem-se, decerto, nas situações jurídicas privadas subjacentes, ou, dito de outro modo, o registo produz efeitos substantivos.

O primeiro desses efeitos é presuntivo: o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artº 7 do CR Predial).

Quem tem a seu favor um registo determinado escusa de provar: que o direito existe; que é titular dele; que ele tem a configuração dada pelo registo. Quem assim não entenda terá que provar a inexactidão do registo: a presunção é simplesmente iuris tantum (artº 350 nºs 1 e 2 do Código Civil). Ora, em face das considerações expostas, deve ter certo, a ilisão de uma tal presunção.

Depois, o registo patenteia, na actualidade e desde 21 de Janeiro de 2011, um facto aquisitivo do direito real de propriedade – o contrato de doação – a favor de terceiros; a favor da apelante apenas se encontra inscrito, desde a mesma data, o direito real menor de usufruto.

Aliás, compreende-se mal que a recorrente repute de mal julgado o facto da doação, pelos pais, do prédio rústico – julgado não provado – dado que é ela mesma que afirma, por requerimento, apresentado em 2012, assinado pelo seu punho, que a casa foi construída com autorização dos pais. Como menos se compreende que a recorrente insista veementemente em que lhe seja reconhecida a titularidade do real sobre o prédio, quanto é certo – como decorre da certidão do registo predial adquirida para o processo antes do encerramento da discussão – que ela o doou, no ano de 2011, aos filhos, reservando para si o usufruto.

De resto, ainda que a reponderação da correcção da decisão, através da reponderação das provas, maxime da prova pessoal produzida na instância recorrida, relevasse útil, então, summo rigore, a decisão exacta seria a rejeição, nessa parte do recurso.

Se a impugnação compreender a matéria de facto, o recorrente está adstrito ao ónus de especificar, sob pena de imediata rejeição do recurso, os concretos pontos de facto que considera erroneamente julgados, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (artº 640 nº 1, a) a c), do nCPC). Neste último caso, quando os meios de prova tenham sido objecto de registo sonoro, incumbe ainda ao recorrente, sob a cominação da imediata rejeição do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que fundamenta o erro na apreciação da prova, sem prejuízo, de, por sua iniciativa, proceder à transcrição (artº 640 nº 2 do nCPC).

O recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente um tal erro. Na realidade, não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor da 1ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração[45].

Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente – quer se trate do recorrente principal como do subsidiário - deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor; caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.

De resto, o ónus de apontar claramente os pontos determinados da matéria de facto que o recorrente reputa de mal julgados e de fundamentar a imputação do error in judicando da decisão correspondente, constitui simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso.

Para uma escorreita impugnação da decisão da questão de facto não basta, pois, que o impugnante indique o meio de prova, através da simples remessa genérica para o seu suporte[46]: exige-se que o recorrente proceda à determinação da sua relevância e à sua valoração, tornando patente a violação, pelo decisor de facto, da regra da ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso.

A recorrente há-de convir que não foi exactamente esta a metódica que observou na impugnação da decisão da matéria de facto. Realmente, a apelante limitou-se a alegar o erro na avaliação da prova, a transcrever, de seguida, os depoimentos, e a rematar com a afirmação de que foram estes os depoimentos prestados e foi isto que disseram, bastante para apoiar as respostas ora indicadas como as adequadas aos mesmos, que estão as respostas dadas em manifesta contradição com o dito a respeito, quer pelos declarantes quer pelas testemunhas e que as respostas das aos quesitos/pontos, não colhem as mesmas na prova produzida documentos/fotos e depoimentos produzidos em sede da audiência. É pouco.

Uma tal metódica não satisfaz o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto a que lei vincula terminantemente a impugnante. A única solução exacta seria, pois, a seca rejeição, nessa parte, do recurso.

Tudo ponderado, a conclusão a tirar é, assim, a da improcedência – também – deste recurso.

Síntese conclusiva:

a) Não pode queixar-se da ofensa do seu direito à prova, por essa lesão lhe ser inteiramente imputável, a parte que, apesar da actuação pelo tribunal do seu dever de prevenção, não deu cumprimento à exigência de indicar os factos objecto do depoimento de parte que requereu;

b) No tocante ao caso julgado deve fazer-se um distinguo entre a excepção do caso julgado – e a autoridade do caso julgado;

c) A eficácia preclusiva do caso julgado e indiscutibilidade da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada pela sentença transitada, i.e., o conteúdo dessa decisão, compreende não apenas as questões nela expressamente decididas – mas todas a que o demandado tinha o ónus de suscitar durante o processo, de modo a conformar constitutivamente a decisão final sobre o mérito da causa.

d) Summo rigore, a preclusão que atinge o réu ou interessado em processo de inventário – por força do princípio da concentração da defesa - é mesmo independente do caso julgado, pelo que ficam precludidos todos os factos que podia ser invocados como fundamento dessa contestação ou oposição – no caso do inventário, como fundamento de reclamação contra a relação de bens – tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal.

e) A preclusão decorrente da res judicata compreende igualmente as qualificações jurídicas que o objecto da causa possa comportar, mesmo as que não foram utilizadas pela decisão transitada;

f) De harmonia com a orientação que tem colhido o favor da jurisprudência, as benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos, cujo distinguo assenta na existência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada;

g) Age contra facta propria e, portanto, em abuso do direito, a parte que, no processo de inventário faz relacionar, a requerimento seu, o prédio urbano que construiu em prédio rústico que também figurava nesse processo divisório como simples benfeitoria – portanto, como simples crédito seu sobre o património hereditário - e que, apesar de no acto de licitação ter sido advertida, que face àquela descrição, a licitação aberta relativamente aquele prédio rústico compreendia a benfeitoria nele realizada, e que deixa que esse mesmo prédio seja licitado e adjudicado a outro interessado, e que, depois, com desprezo de todos os actos realizados no processo de inventário, procede a obras no prédio urbano como se ele lhe tivesse sido adjudicado, e, demandado para demolir as obras, opõe ao autor, a quem o prédio foi adjudicado, o direito real de propriedade sobre ele;

h) O interessado que, dispondo, segundo alega, já nesse momento, dos direitos potestativos de adquirir o prédio, tanto por usucapião como por acessão, mas não os invoca em momento algum, no processo de inventário, antes requer que esse prédio seja descrito como simples benfeitoria de outro e deixa que seja adjudicado, por licitação, a outro co-interessado, adopta uma conduta concludente de renúncia àqueles direitos potestativos;

i) O recorrente que se limita a indicar o meio de prova em que funda a impugnação da decisão da questão de facto, sem proceder à determinação da sua relevância e à sua valoração, de modo a tornar patente a violação, pelo decisor de facto, da regra da ciência, da lógica ou da experiência aplicável ao caso, não satisfaz o ónus de impugnação daquela matéria a que lei de processo o vincula.

A recorrente sucumbe em ambos os recursos. Deverá, por esse motivo, suportar as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do nCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento aos recursos.

Custas pela recorrente.

                                                                                                                             15.03.03

                                                                                                                             Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                                             Isabel Silva

                                                                                                                             Alexandre Reis   

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[1][1] Ac. da RC de 10.04.84, CJ, 1984, II, pág, 52.
[2] A este recurso, dado que a sentença impugnada foi proferida em data posterior a 1 de Setembro de 2013, em processo instaurado antes de 1 de Janeiro de 2008, é aplicável, de harmonia com a norma de direito transitório de que aquela Lei se fez acompanhar, o regime dos recursos contido no Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações decorrentes daquela mesma Lei (artº 7 nº 1).
[3] Acs. da RC de 11.01.94, BMJ nº 433, pág. 633, do STJ de 21.10.88, BMJ nº 380, pág. 444 e de 30.05.89, BMJ nº 387, pág. 456 e da RC de 21.01.92, CJ, I, pág. 86.

[4] António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, Lex, 1979, págs. 591 e 592 e Manuel J. G. Salvador, Elementos da Reivindicação, Lisboa, 1958, pág. 21. Note-se, porém, que se trata de cumulação meramente aparente de pedidos. A acção de reivindicação é uma acção de condenação. Como, porém, toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia de natureza declarativa, quando se pede o reconhecimento do direito de propriedade e a condenação da entrega, não se formulam pedidos distintos: a declaração do direito é um simples meio de atingir a entrega da coisa. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 147 e 148 e José de Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, in Estudos em Memória do Prof. Doutor, João de Castro Mendes, Lisboa, Lex, págs. 15 a 42. Nestes termos, é suficiente a formulação do pedido de entrega da coisa: cfr. Ac. do STJ de 05.03.92, www.dgsi.pt.
[5] Henrique Mesquita, RLJ, Ano 132, pág. 128.
[6] Ac. do STJ de 24.10.96, www.dgsi.pt. e Oliveira Ascensão, A Acção de Reivindicação, ROA, Abril 1997, pág. 511.
[7] Oliveira Ascensão, Propriedade e Posse – Reivindicação e Reintegração, Revista Luso-Brasileira de Direito, Volume I, pág. 16.
[8] Ac. do STJ de 17.11.94, www.dgsi.pt.
[9] É, na verdade, o réu que está vinculado à prova de que é titular de um direito real que legitima a recusa da restituição: Acs. do STJ de 04.04.06 e 27.09.05, www.dgsi.pt.
[10] Antunes Varela, RLJ ano 120, pág. 158 e Vaz Serra, RLJ ano 105, pág. 204.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 568.
[12] V.g., Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 354, João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processual Civil, Edições Ática, 1968, págs. 38 e 39, Alberto dos reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, 1973, págs. 60 e 61.
[13] V.g. Acs. do STJ de 19.05.10 e de 28.06.12, da RC de 28.09.10 e da RL de 12.07.12, www.dgsi.pt.
[14] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, cit. pág. 349.
[15] João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processual Civil, cit., pág. 350.
[16] José Lebre de Freitas “Caso julgado e causa de pedir. O Enriquecimento sem causa perante o artigo 129 do Código Civil”, ROA, Ano 2006, Dezembro de 2006, Vol. III.
[17] Cfr., v.g., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cit. pág. 318.
[18] V.g., Acs. do STJ de 10.07.07, CJ, STJ, V, II, pág. 165, da RC de 27.09.05 e 29.05.12 e da RL de 12.07.12, www.dgsi.pt.
[19] Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, cit., pág. 253.
[20] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, cit., págs. 578 e 579.
[21] João de Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, cit., págs. 578 e 579.

[22] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cit., pág. 324 e RLJ, Ano 70, pág. 235.
[23] Ac. do STJ de 26.06.12, www.dgsi.pt.
[24] Acs. de Ac. do STJ de 26.06.12 e de 21.04.10, www.dgsi.pt.
[25] Vaz Serra, RLJ, Ano 108º, págs. 253 a 255 e 265 a 266.
[26] António Menezes Cordeiro, Direito Reais, Reprint, Lex, Lisboa, 1979, págs. 515 e 516. Para José Alberto Vieira - Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 686 – o regime das benfeitorias será aplicável sempre que a lei estabeleça essa solução. Diferentemente, Menezes Leitão – Direito Reais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 239 e 240 – para quem o regime das benfeitorias, independentemente de a lei para ele remeter, deve ceder sempre que esteja em causa um situação de acessão, podendo, assim, esta ocorrer nos casos em que exista uma relação prévia com a coisa, a menos que a lei exclua a aplicação do seu regime, o que não sucede, no entanto, se a lei se limitar a regular o regime das benfeitorias. 
[27] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 163.
[28] Entre muitos, os Acs. do STJ de 08.01.04, 08.02.96, 14.12.94, 25.02.87 e 18.01.03, www.dgsi.pt. Orientação que segundo informa José Alberto Vieira - Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 685 – constitui jurisprudência dominante, até hoje.
[29] Acs. do STJ de 24.03.90, 14.01.92, 10.01.93, 27.01.93, da RP de 25.10.93, da RL de 14.01.92 e 12.07.07, da RC de 15.02.11 e de 23.11.12, www.dgsi.pt, e da RL de 24.11.98, CJ, XVIII, V, pág. 121.
[30] Cfr., v.g., Acs. do STJ de 22.11.94 e 25.11.99, CJ, STJ, II, III, pág. 157 e VII, III, 124.
[31] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, 2ª edição, Almedina, 2000, págs. 247 e 248.
[32] Cfr., v.g., os Ac. da RE de 26.11.87, CJ, XII, V, pág. 268 e de 23.01.86, CJ, XI, I, pág. 231, e do STJ de 03.05.90, BMJ nº 397, pág. 454 e de 11.03.99, www.dgsi.pt.
[33] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, cit. págs. 250 a 262 e Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra, 1984, § 30, págs. 797 e ss.
[34] A proibição era já conhecida antes do actual Código Civil. Cfr. Manuel de Andrade, Algumas questões em matéria de injúrias graves como fundamento do divórcio, Coimbra, 1956, pág. 73 e Adriano Vaz Serra, Abuso do direito (em matéria de responsabilidade civil) BMJ nº 85, pág. 331.
[35] Baptista Machado, Tutela da confiança e venire contra factum proprium, Obra Dispersa, Braga, 1991, págs. 345 a 420.
[36] António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra, 1984, § 28.
[37] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pág. 742 e 745 e Baptista Machado, Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, RLJ ano 118, págs. 9, 101, 169 e 227 e Acs. do STJ de 22.11.94, BMJ nº 441, pág. 305, de 04.10.79, BMJ nº 290, pág. 352, de 03.05.90, BMJ nº 397, pág. 454, de 03.10.91, BMJ nº 410, pág. 776, da RC de 03.12.91, CJ, V, pág. 79, da RL de 17.06.86, CJ, IV, 143 e da RC de 11.05.89, CJ 89, III, pág. 192 e de 18.11.93, CJ, V, pág. 219.
[38] Acs. da RP de 19.12.96, CJ, V, pág. 226, da RL de 29.11.94, CJ, V, pág. 50, da RP de 18.11.93, CJ, V, pág. 219, da RC de 3.12.91, CJ, V, pág. 79, e da RP de 15.05.90, CJ, III, pág. 194.
[39] Acs RP de 29.09.97, CJ, V, pág. 200 e do STJ de 3.05.90, BMJ nº 397, pág. 454. Para uma definição doutrinária de abuso de direito, cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, pág. 43.
[40] Paulo Mota Pinto, Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no Direito Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume comemorativo, Coimbra, 2003, págs. 294 e 295.
[41] Trata-se, aliás, de um domínio em que a invocação do venire é feita de forma intensiva. Cfr., v.g., Acs. da RE de 11.11.93, da RC de 16.01.90, da RL de 26.11.87, RP de 11.05.89 e de 29.9.97, CJ, V, pág. 283, I, pág. 87, V, pág. 128, III, pág. 192 e IV, 200, respectivamente. A solução não é inteiramente isenta de reparos. É que tratando-se de nulidade típica, esta além de arguível por qualquer das partes é de ofício cognoscível pelo tribunal (artº 289 do Código Civil). Cfr. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé, cit., vol. II, pág. 754 e Acs. da RL de 18.03.93 e de 02.02.95, CJ, II, pág. 111, e I, pág. 115, respectivamente.
[42] Acs. do STJ de 17.10.06, 12.09.06, 06.07.06, 22.06.05, 29.01.04, 04.02.03, 20.01.00, 16.01.98 e 04.04.95, www.dgsi.pt.
[43] Oliveira Ascensão, Estudos obre a Superfície e a Ascensão, pág. 50, António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, cit. pág. 503, Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, cit., pág. 332, José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, cit., pág. 708; contra, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, cit., pág. 165.
[44] Ac. do STJ de 05.11.97, BM nº 471, pág. 361.
[45] Acs. do STJ 14.07.10 e desta Relação de 23.02.11, 15.01.13 – que o relator subscreveu na função de 1º juiz-adjunto – e de 25.04.14, www.dgsi.pt.
[46] Como se escreveu no indicado acordão desta Relação de 25.04.14, não basta para que se considerem relevantemente impugnados os factos transcrever os depoimentos por “atacado”, como que “mandando” o Tribunal de recurso lê-los – omitindo assim as especificações decorrentes do nº 2 do art.º 685-B, por referência ao suporte do registo áudio.