Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
648/12.0TBTNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MENOR
ALIMENTOS
Data do Acordão: 03/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.36 CRP, 1878, 1905, 2003, 2004 CC, 180 OTM, LEI Nº 75/98 DE 19/1
Sumário: O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que o respectivo progenitor esteja temporariamente desempregado ou se desconheça a concreta situação de vida desse progenitor obrigado a alimentos.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. No âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa ao menor M (…) em que é requerente o Mº Pº e requeridos os seus pais D (…) e N (…), efectuou-se conferência de pais, em que não houve acordo, pelo que de seguida o tribunal decidiu estabelecer regime provisório, tendo determinado que o menor ficasse entregue à guarda e cuidados da mãe, que as responsabilidades parentais de particular importância passassem a ser exercidas em conjunto, e que o pai poderia visitar o menor nas circunstâncias aí definidas.

Todavia não arbitrou o pagamento de qualquer pensão de alimentos ao menor na medida em que o progenitor declarou que se encontra desempregado, não tendo qualquer fonte de rendimento, pelo que não se vislumbrava de que forma se podia exigir ao mesmo o pagamento de tal pensão visto este não ter meios para o fazer.

2. O Mº Pº interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões que se sintetizam:

a) O critério da proporcionalidade a que alude o art. 2004º do Código Civil releva para efeitos de fixação do montante de alimentos, mas não para se excluir o seu pagamento.

b) Além do critério dos meios daquele que houver de prestá-los, há que ter em conta a necessidade daquele que houver de recebê-los.

c) As crianças têm necessidades de alimentação, vestuário, educação, instrução, etc, independentemente da profissão dos progenitores e do efectivo exercício da mesma ou não.

d) Não existe nos autos qualquer elemento probatório que certifique que o progenitor não aufira quaisquer rendimentos.

e) A ausência da obrigação de pagar desde já a pensão de alimentos, não só coloca numa situação muito delicada o menor, como inviabiliza qualquer outra forma de lhe acorrer, como seria o accionamento do Fundo de Garantia de Alimentos.

f) A decisão recorrida violou as disposições constantes do art. 69º da Constituição da República Portuguesa, 2003º e 2004º do Código Civil e art. 1º da Lei 75/98, de 19.11.

g) Deve ser revogada a decisão recorrida, fixando-se outrossim uma prestação de alimentos a suportar, de imediato, pelo progenitor a favor do seu filho menor.

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Os factos provados são os que dimanam do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade a única questão a decidir é a seguinte.

- Fixação de alimentos (provisórios) a favor do menor.

2. Nos termos do art. 1878º, nº 1, do CC, é inerente ao poder paternal o dever de “prover ao sustento” do filho menor, o qual também decorre do art. 2009º, nº 1, c), do mesmo código. Tal dever encontra, aliás, assento no art. 36º, nº 5, da Const. Rep. Portuguesa.

De acordo com o disposto no art. 1905º do CC, na falta de acordo dos pais quanto aos alimentos devidos ao menor e forma de os prestar, cabe ao tribunal decidir de harmonia com o “interesse do menor”. São ainda os interesses do menor a que o art. 180º, nº 1, da OTM faz apelo quando regula a sentença que deva ser proferida.

Resulta claro de tais disposições que o facto constitutivo essencial do direito a obter alimentos do pai é integrado pela relação de filiação e pela situação de menoridade.

Relativamente à quantificação, a lei substantiva e processual atribui ao tribunal poderes que permitem ponderar todo o circunstancialismo, sem exclusão, sequer, dos padrões de normalidade da vida que sempre devem servir de orientação ao juiz quando não possua elementos que o façam abandonar esse quadro de normalidade. Sempre sob a orientação de critérios de equidade ajustados a processos de jurisdição voluntária como o são os processos tutelares cíveis.

Por esta via somos levados a concluir pela verificação de elementos que impõem uma decisão diversa daquela que foi proferida em relação à prestação de alimentos.

Ora, no caso cremos que a decisão recorrida, em vez de tutelar os interesses do menor que estão em causa, acaba por produzir um resultado inadequado, levando a que o requerido, apesar de se encontrar juridicamente vinculado pela paternidade, continue totalmente desonerado de qualquer responsabilidade decorrente do poder paternal, no que respeita à contribuição para alimentos do seu filho.

Ao negar a fixação de uma qualquer prestação, a sentença recorrida acaba por deixar desprotegido quem o Direito da Família e Menores pretende essencialmente tutelar: o menor.

Por alimentos, entende-se tudo o que é indispensável ao “sustento, habitação e vestuário”, incluindo a “instrução e educação” do alimentado menor (art. 2003º do CC).

É verdade que, nos termos do art. 2004º, nº 1, do CC, os alimentos deverão ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los. Mas também resulta de tal preceito que devem ser ajustados às necessidades do credor, sendo que tratando-se de menor a contribuição dos pais (de ambos os pais) é vital para assegurar o seu desenvolvimento.

Assim, também ao requerido pode e deve ser imposta/fixada uma prestação alimentícia como reflexo (mínimo) do seu poder/dever paternal. Ainda que estivesse apurado - e não está por enquanto - que o requerido não aufere qualquer rendimento, tal não contenderia com aquela obrigação, já que é inerente à relação de paternidade a necessidade de realizar esforços e de ajustar a vivência por forma a que se consigam obter rendimentos que, além do mais, possam servir para prover às necessidades de quem, como o filho menor, não tem possibilidades de sobrevivência autónoma.

Nesta sequência, ganha toda a pertinência mencionar o que M. Clara Sottomayor propugna relativamente a situações de desemprego ou de deliberada redução do rendimento, quando refere que “se o alimentante se colocar voluntariamente numa situação em que é incapaz de arranjar emprego, não dispensa o alimentante de cumprir a obrigação de alimentos. Para este efeito devem ser elaboradas regras para imputar rendimentos a pais desempregados de acordo com a sua capacidade de trabalhar e ganhar dinheiro” - Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 5ª ed., pág. 299/300.
Também Remédio Marques propugna semelhante solução (Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), 2ª Ed., pág. 72/73), para quem “os direitos-deveres dos progenitores para com os menores são sempre devidos, independentemente dos seus recursos económicos e dos estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção á pessoa e aos interesses do menor, Na nossa opinião, não tem aplicação, nestas eventualidades, o disposto no art. 2004º/1 do CC, de harmonia com o qual, e ao derredor do princípio da proporcionalidade se deve atender às possibilidades e económicas do devedor, para o efeito de fixar a obrigação de alimentos. Donde, faz mister fixar-se sempre uma prestação de alimentos a cargo de um ou de ambos os progenitores, mesmo que estejam desempregados e não tenham meios de subsistência. Não se esqueça que, como iremos ver, a capacidade de trabalho é um elemento atendível na fixação da obrigação, mesmo que se esteja temporariamente sem trabalho“, volvendo, mais à frente, a defender (pág. 191) que o nascimento da obrigação de alimentos é, sobretudo, condicionado pela situação de necessidade do menor, e não pelas possibilidades do progenitor do mesmo, pelo que “Mesmo que os progenitores ou algum deles não tenha possibilidades económicas actuais de prover ao sustento do menor – por se encontrar, por exemplo, desempregado ou a cumprir uma pena privativa de liberdade -, deve decretar-se essa obrigação, ainda que os montantes fixados sejam reduzidos, ou no anverso, deve recusar-se a homologação de um acordo onde não se preveja o concreto nascimento dessa obrigação a cargo de algum dos progenitores”.  

Nestas circunstâncias, é possível concluir, com a necessária segurança, que nada exclui, neste momento (daquilo que os autos de recurso em separado mostram), que o requerido não esteja em condições de exercer uma profissão que, no mínimo, lhe garanta o salário mínimo nacional.

É esta a resposta que mais se ajusta à concreta situação.

Por outro lado, a necessidade de fixação de uma prestação alimentícia encontra ainda no ordenamento jurídico um outro fundamento suplementar.

Em determinadas circunstâncias, a lei admite que se recorra ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, sendo que a Lei 75/98, de 19.11, e DL 164/99, de 13.5, que regulamenta tal lei, faz depender esse recurso da existência de uma sentença que fixe alimentos e do seu incumprimento por parte do obrigado (art. 1º, e art. 3º, nº 1, respectivamente). Sem necessidade agora de ponderar se, no caso concreto, estão reunidas as demais condições exigidas por lei para que o menor possa beneficiar dessa prestação de natureza social, a sua atribuição poderá estar dependente da prolação de uma sentença que lhe reconheça o direito a alimentos devidos pelo seu pai.

Este um argumento adicional que, no contexto de um litígio de natureza familiar, também conflui para uma solução que melhor compatibiliza os diversos interesses em confronto, sem jamais olvidar que o interesse que fundamentalmente deve ser tutelado é o do menor - que não deve ser prejudicado por juízos assentes numa lógica formal, que passe para um plano secundário o verdadeiro objectivo que através dos processos de natureza tutelar devem ser prosseguidos (neste sentido podem ver-se, por ordem cronológica, os Acds. da Rel. de Lisboa, de 26.6.2007, Proc.5797/2007, da Rel.

Coimbra, de 28.4.2010, Proc.1810/058TBTNV, de 21.6.2011, Proc.11/09.0TBFZZ, e do STJ, de 29.3.2012, Proc.2213/09.0TMPRT, todos em www.dgsi.pt).

Ora, tendo em conta o valor do salário mínimo nacional actual de 485 € (DL 143/2010 de 31.12), o montante de 100 € por mês revela-se ajustado, devendo ser fixado provisoriamente até que seja prolatada a decisão definitiva.

Em conclusão, deve julgar-se procedente a apelação, modificando a decisão recorrida de modo a incluir também na regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais a obrigação de alimentos no valor de 100 € mensais, a cargo do requerido.

3. Sumariando (art. 713º, n º 7, do CPC):

i) O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que o respectivo progenitor esteja temporariamente desempregado ou se desconheça a concreta situação de vida desse progenitor obrigado a alimentos.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se o requerido N (…) a pagar ao seu filho menor, M (…), provisoriamente, a título de alimentos, a pensão mensal de 100 €, que deve ser entregue à mãe do menor, D (…), até ao dia 8 de cada mês.

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Sem custas.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro