Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4661/16.0T8VIS-R.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
REGULAÇÃO PROVISÓRIA
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
CONFIDENCIALIDADE
Data do Acordão: 10/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.5, 12, 28, 38, 41, 42 RGPTC, 986, 987, 988 CPC, 1906 CC
Sumário: 1. Na regulação do exercício das responsabilidades parentais e conhecimento das questões a este respeitantes é permitido ao julgador usar de liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (art.ºs 12º do RGPTC e 986º do CPC) e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projecta no direito a uma decisão em tempo adequado e razoável.

2. No âmbito do incidente de incumprimento e antes da prolação da decisão final, nada impede que o Tribunal fixe determinado regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, visando garantir o superior interesse das crianças, que prevalece sobre quaisquer outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição (cf., designadamente, os art.ºs 3º, alínea c); 12º; 28º e 38º do RGPTC).

3. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião prevista no art.º 5º, n.ºs 1 e 2 do RGPTC não se confunde com sua audição para tomada de declarações para efeitos probatórios, esta, envolvendo inquirição pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e Advogados, sujeita às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do art.º 5º do RGPTC.

4. Constitui um interesse superior do menor poder privar e manter contactos com ambos os progenitores - quando demonstrem capacidade para assegurar o desenvolvimento psico-afectivo da criança -, de modo a assegurar o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1906º, n.º 7, do CC).

5. O regime de visitas - como os demais aspectos da regulação - deverá ser ajustado se e quando as circunstâncias assim o ditarem.

Decisão Texto Integral:
*
                
               Sumário do acórdão:

1. Na regulação do exercício das responsabilidades parentais e conhecimento das questões a este respeitantes é permitido ao julgador usar de liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (art.ºs 12º do RGPTC e 986º do CPC) e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projecta no direito a uma decisão em tempo adequado e razoável.

2. No âmbito do incidente de incumprimento e antes da prolação da decisão final, nada impede que o Tribunal fixe determinado regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, visando garantir o superior interesse das crianças, que prevalece sobre quaisquer outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição (cf., designadamente, os art.ºs 3º, alínea c); 12º; 28º e 38º do RGPTC).

               3. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião prevista no art.º 5º, n.ºs 1 e 2 do RGPTC não se confunde com sua audição para tomada de declarações para efeitos probatórios, esta, envolvendo inquirição pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e Advogados, sujeita às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do art.º 5º do RGPTC.

               4. Constitui um interesse superior do menor poder privar e manter contactos com ambos os progenitores - quando demonstrem capacidade para assegurar o desenvolvimento psico-afectivo da criança -, de modo a assegurar o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1906º, n.º 7, do CC).

               5. O regime de visitas - como os demais aspectos da regulação - deverá ser ajustado se e quando as circunstâncias assim o ditarem.          


         *


           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. A 07.4.2020, J (…) deduziu incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra C (…) relativamente às menores J (…) e G (…) (…), suas filhas, nascidas a 28.7.2008 e 01.02.2010[1], pedindo, além do mais, a entrega das menores ao requerente e a notificação da requerida para respeitar as decisões judiciais proferidas nos autos.

            Alegou, em síntese, que a requerida não entregou as menores ao requerente no dia 13.3.2020 e a partir do dia 06.4.2020, incumprindo a decisão proferida em 22.11.2019, obstando ao convívio daquelas com o pai.[2]

            A requerida respondeu, dizendo que no dia 13.3.2020 foi mãe de um menino[3] e que “não entregou as menores com vista a evitar o risco de contaminação e de propagação pelo agente Coronavírus”, devendo o contacto diário das filhas com o pai ser realizado por meio de “videochamadas”.

            A Exma. Magistrada do M.º Público emitiu parecer, seguindo-se a pronúncia das partes.

            O requerente apresentou, depois, diversas “ampliações do pedido” baseadas em pretensas novas situações de incumprimento do regime de convívio (fls. 82, 88, 101 verso, 112 e 119).

            Em 16.6.2020, após a audição das menores e a conferência dos pais, na ausência de acordo, a Mm.ª Juíza a quo fixou, quanto à questão dos convívios das crianças com o pai, o seguinte regime provisório:

«1.ª - O pai passa a conviver com as filhas e estas com o pai todos os domingos, a contar do próximo domingo, entre as 10:00 horas e as 18:00 horas, indo o pai levá-las e buscá-las à casa da mãe.

2.ª - O regime fixado na cláusula anterior não prejudica a frequência pelas crianças de todas as actividades extracurriculares previstas no regime em vigor que não se encontrem suspensas em virtude das restrições legalmente estabelecidas em consequência do perigo de contágio pandémico.

A mãe das crianças assegurará o transporte das filhas de e para os locais onde tais actividades são desenvolvidas.

3.ª - No dia de aniversário de cada criança, nos anos pares, as crianças almoçarão com o pai, entre as 11:00 horas e as 14:00 horas, e jantarão com a mãe, entre as 18:00 horas e as 21:00 horas, invertendo-se nos anos ímpares.

4.ª - No dia do Pai e no dia da Mãe e no dia de aniversário de cada progenitor, as crianças, nos anos pares, almoçarão entre as 11:00 horas e as 14:00 horas com o progenitor homenageado/aniversariante e nos anos ímpares jantarão com o mesmo entre as 18:00 horas e as 21:00 horas.

5.ª - As crianças passam a estar sujeitas, no prazo máximo de quinze dias, a acompanhamento psicológico a financiar por ambos os pais, com vista a fomentar e fortalecer a imagem do pai.

6.ª - Os pais ficam obrigados a indicar nos autos, no prazo máximo de cinco dias, uma Psicóloga da escolha de ambos.

7.ª - O pai poderá contactar diariamente as crianças através do telemóvel da criança J (…), entre as 19:30 horas e as 20:00 horas, obrigando-se a mãe a manter disponível esse telemóvel para esse concreto efeito.

8.ª - Nos dias em que as crianças estiverem com o pai, a mãe poderá contactar com as filhas pela mesma forma referida na cláusula anterior, entre as 15:30 horas e as 16:00 horas, ficando o pai obrigado a manter disponível o telemóvel para o efeito.

9.ª - O pai poderá ainda contactar as filhas através das redes sociais, sempre que estas se mostrarem receptivas para o efeito

Inconformado, o requerente/progenitor interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:[4]

1ª - O incumprimento e alteração da regulação das responsabilidades parentais têm processualmente tramitação diferenciada, sendo em processo de incumprimento processualmente inadmissível proceder à alteração da regulação das responsabilidades parentais. Artigos 41º e 42º do RGPTC.

2ª - Não podendo ser apreciada a final a alteração das responsabilidades parentais não podia nos presentes autos ser proferida decisão provisória, a qual deve ser revogada, mantendo-se em vigor o regime vigente antes do seu proferimento, tendo sido violado o disposto no artigo 28º n.º 1 do RGPTC.

3ª - Nos autos foi requerida, e efetuada, a audição das menores, não tendo no requerimento e no despacho que o determinou sido referenciado o fim a que se destinava.

4ª - O mandatário do recorrente foi impedido de estar presente na audição das menores sem que o tribunal tenda efetuado qualquer ponderação dos motivos para vedar a presença, nem fundamentado a recusa de assistência à diligência.

5ª - O recorrente solicitou acesso ao conteúdo das declarações das menores e cartas juntas para exercer o direito ao contraditório e formular perguntas adicionais, que foi indeferido.

6ª - A audição da criança, conforme a finalidade a que se destina, seja a de exprimir a sua opinião, ou a tomada de declarações como meio de prova, tem diferente tratamento jurídico.

Destinando-se a exprimir opinião o juiz poderá ouvi-la sem a presença do mandatário desde que fundamente devidamente os motivos que determinam tal procedimento.

Destinando-se a meio de prova é obrigatória a presença do mandatário.

No entanto, destinando-se a exprimir opinião, seguidamente a tal diligência, deverá obrigatoriamente ser permitido o exercício do contraditório e formular pedido de esclarecimento.

7ª - A decisão de impedir o mandatário do recorrente de assistir às declarações das menores enferma de falta de fundamentação, e o despacho que impediu o acesso ao seu teor e cartas, são nulos e devem ser revogadas por violação do art.º 5º n.ºs 6 e 7 do RGPTC.

8ª - Para garantir a espontaneidade e sinceridade das respostas deve a criança ser assistida na audição por técnico habilitado, previamente designado para o efeito, não tendo tal ocorrido enferma a audição de nulidade por violação do disposto no art.º 7º, alínea a) do RGPTC.

9ª - Na decisão foram consideradas declarações e cartas juntas pelas menores, cujo conteúdo desconhece por lhe ter sido negado o acesso, trata-se de meios de prova secretos, relativamente ao qual não foi permitido o exercício do direito ao contraditório, sendo processualmente inadmissível, enfermando de nulidade por violação do art.º 415º do CPC.

10ª - Relativamente às declarações prestadas em 16.6.2020, supostamente desfavoráveis à pretensão do recorrente, tendo as menores declarado não pretender que fossem divulgadas foram transcritas e não foi permitido o acesso, relativamente às declarações prestadas em 19.6.2019 no apenso K, favoráveis às pretensões do requerente, tendo as menores declarado igual pretensão, constam da ata lavrada e encontram-se acessíveis aos intervenientes processuais no citius.

11ª - O tribunal perante situações iguais, que merecem igual tratamento jurídico, permite procedimento diverso e contraditório, com prejuízo para o recorrente, ao qual deverá ser facultado o acesso a ambas as declarações e cartas juntas, tendo o procedimento violando os princípios de igualdade e da segurança e certeza jurídica.

12ª - O requerimento apresentado de acesso à audição das menores e cartas para se poder pronunciar sobre a promoção do M.º Público não corresponde a um incidente anómalo ao desenvolvimento da lide, antes um direito processual consignado no 5 n.º 7 alíneas b) e c) do RGPTC.

Não se tratando de um incidente estranho ao normal desenvolvimento da lide, não pode ser sancionado com multa, violando o decidido no art.º 7º do RCP.

13ª - Sem prescindir mesmo que o fosse, o valor fixado de custas não se mostra adequado por excessivo segundo os princípios que regem a condenação em custas, não devendo ser fixado em montante superior a 0,5 UC.

14ª - Relativamente ao facto provado impugnado “as crianças pretendem conviver com o pai apenas durante o dia, sem pernoita”, nos autos inexiste outro meio de prova além, supostamente, das declarações das menores e cartas juntas, que permitam considerar provada tal facto.

Tal meio de prova, como referido no ponto anterior, não pode ser considerado nos autos por na sua obtenção se terem violado os princípios do contraditório e igualdade de armas, enfermando de nulidade a prova assim obtida.

15ª - Mesmo que o tribunal pudesse considerar as declarações das menores como opinião a ter em consideração, ao tribunal incumbe fazer uma análise crítica de prova, nomeadamente, apurar se tal manifestação de vontade decorre da vontade própria das menores, se é fundada em quaisquer atitudes do recorrente, e se a sua consideração corresponde ao seu superior interesse, o que não foi feito nos autos.

16ª - Decorre dos relatórios policiais, correspondência trocada entre progenitores, declarações de recorrente e recorrida nos autos e perante autoridade policial e declarações das menores à autoridade policial, supra identificados, que era a recorrida que impedia o exercício do direito de visitas, tendo as mesmas referido à autoridade policial “a mãe não deixava sair as filhas com o pai por causa da situação de emergência que o país está a passar devido à Covid 19”.

17ª - Face à prova documental / relatórios policiais e declarações prestadas pelo recorrente que foram sérias e verdadeiras de forma a formar a convicção do tribunal a devida análise crítica da prova não permite considerar provado tal facto, que assim deverá ser considerado não provado.

18ª - O proferimento de decisão provisória cautelar, mesmo que se entenda admissível nos autos, obriga a previamente realizar as averiguações sumárias convenientes, o que o tribunal não fez ao não inquirir testemunhas, nomeadamente, os elementos da autoridade policial que elaboraram os autos de ocorrência, violando o art.º 28º, n.º 3 RGPCT.

19ª - Considerando a prova resultante dos relatórios policiais, correspondência trocada entre progenitores, declarações de recorrente e recorrida nos autos e perante autoridade policial e declarações das menores à autoridade policial, deverá ser considerada provada a seguinte matéria de facto:

- Indicada em I-4, que aqui dá como integralmente reproduzido[5].

- O requerente arrolou prova testemunhal nos requerimentos de incumprimento apresentados nos autos, não tendo sido inquirida nem proferido despacho sobre a sua admissibilidade.

20ª - A relação do recorrente com as filhas é de proximidade/afetividade, amor, sendo os momentos que as mesmas passavam com este de alegria e contribuindo para o normal e adequado desenvolvimento das menores.

Para o normal desenvolvimento das crianças é imprescindível manter uma relação de proximidade e afetividade com o pai, e a existência de uma figura paterna que oriente as menores, como o recorrente, pai presente, atento e vigilante dos interesses das menores.

21ª - A decisão proferida não acautelou os superiores interesses das menores ao impor um regime restritivo de direito de visitas ao progenitor, impeditivo de manutenção das relações de afetividade e proximidade com o pai, e a existência de uma figura paternal presente, preconizada e atenta imprescindível para o normal, salutar e feliz desenvolvimento das menores.

Por outro lado, premiou o infrator/incumpridor dos acordos de regulação das responsabilidades parentais e a autora do crime de subtração de menores.

22ª - Mesmo que fosse de considerar como relevante não permitir a pernoita das menores com o pai, a decisão proferida, restringe de forma inadmissível os direitos de visita do pai ao almoço às terças-feiras, e jantar às sextas-feiras não implicando tais convívios pernoita inexiste qualquer fundamento para terem sido retirados tais períodos, sendo a decisão omissa de fundamentação quanto a tal decisão, por inexistir.

23ª - É relevante para o normal e equilibrado desenvolvimento das menores a manutenção dos contactos das mesmas com o pai, nomeadamente em épocas festivas relevantes como é Natal, bem como em períodos de férias.

A decisão provisória impede o contacto das menores no período de natal e o gozo de férias com ambos os progenitores, não sendo adequada aos superiores interesses das menores.

24ª - O fundamento para impedir o contacto/convívio das menores com o progenitor/recorrente foi a situação de covid 19.

Não foram apresentados nos autos quaisquer factos ao nível da higiene e segurança das menores contra a pandemia que impedisse a manutenção do exercício do direito de visitas.

A legislação referente ao afastamento social e restrições à circulação, ressalvou sempre as deslocações necessárias ao cumprimento dos acordos de regulação das responsabilidades parentais, e assim da manutenção do imprescindível contacto proximidade e afetividade entre as crianças e ambos os progenitores, como decorre do art.º 5º do Decreto n.º 2-B/2020, de 02.4.

25ª - A recorrida criou uma situação reiterada, grave, culposa e censurável que impediu o contacto / convívio das menores com o pai.

O descrito comportamento da recorrida deve ser sancionada com multa e indemnização a favor das crianças, face aos danos morais/sofrimento causado, de montante não inferior a € 1 500. – Artigo 41º n.º 1 RGPTC.

26ª - A sobredita situação não determina a realização de audição técnica especializada, como decidido, antes determina o acompanhamento da execução do regime estabelecido pelos serviços de assessoria técnica, pelo período mínimo de 3 meses. – Artigo 40º n.º 6 RGPTC.

27ª - Ao decidir-se pela forma constante da decisão a quo violaram-se, por erro de interpretação e aplicação, os art.ºs 5º, n.ºs 6 e 7, 7º, alínea a), 28º, n.º 3, 41º e 44º RGPTC, 415º e 640º CPC e 5º do Decreto n.º 2-B/2020, de 02.4.

Pugna pela revogação do despacho recorrido “nos termos supra expostos”.

O Exmo. Patrono, a requerida e a Exma. Magistrada do M.º Público responderam à alegação de recurso, concluindo pela sua improcedência.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente, sobre a legalidade e adequação das decisões de 16.6.2020, a saber, indeferimento do acesso às declarações e cartas das menores, condenação em custas por incidente anómalo e regime provisório dos convívios das crianças com o requerente (mormente, se foram respeitadas as regras do processo em matéria probatória e correspondente matéria de facto; se estavam reunidos os pressupostos para a prolação de uma decisão provisória e cautelar e se a mesma padece de qualquer nulidade; se foi proferida a decisão mais conveniente e oportuna).


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede e o seguinte:

            a) Por despacho de 21.5.2020, notificado aos progenitores, a Mm.ª Juíza a quo, “face à natureza dos factos descritos, dos quais emerge um conflito entre progenitores susceptível de causar grave lesão às filhas menores”, atribuiu natureza urgente aos autos (art.º 13º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9); concluindo ser “notório que os interesses dos pais são conflituantes, não se mostrando capazes de proporcionar um ambiente sereno e tranquilo às filhas”, determinou “ao abrigo do disposto no art.º 18º do RGPTC que as mesmas passem a ser representadas por advogado, neste e em todos os autos apensos” e a notificação às crianças “da identidade e contactos do Advogado que as representa” e, este último, “de todo o processado dos presentes autos para dizer o que tiver por conveniente no prazo de cinco dias”.

b) Depois de se pronunciar sobre as posições que os progenitores trouxeram aos autos, o Exmo. Patrono das crianças requereu “a audição das duas menores, nos termos e conforme o disposto nos art.ºs 4º, n.º 1, al. c) e 5º, do RGPTC”.

            c) Em 08.6.2020, a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho: «Para audição das filhas menores, fora da presença dos pais e de quem representa estes últimos, designo o dia 16.6.2020, pelas 10h30, neste Tribunal./ Seguir-se-á uma conferência de pais, logo que finda a audição das filhas./ Notifique os intervenientes para comparência (…)»

            d) Iniciada a diligência de 16.6.2020, o Tribunal passou a ouvir as crianças, em conjunto, fora da presença dos pais e de quem os representa, consignando-se em acta o seguinte: «(…) Pelas crianças foi dito:/ (Espaço onde constam as declarações das menores)[6]/ (…)/ Não querem que sejam divulgadas aos pais e aos Mandatários destes o teor das declarações que hoje prestaram bem como o teor das cartas nesta data juntas aos autos».

e) Consta da mesma acta: no decurso das declarações das menores, o seu Exmo. Patrono disse ter consigo três cartas que as menores lhe entregaram; a Mm.ª Juíza questionou as crianças no sentido de saber se queriam que o Tribunal visse as cartas, ao que responderam afirmativamente, tendo sido ordenado a sua junção aos autos; de seguida, a Mm.ª Juíza leu as cartas, tendo cada uma das crianças dito qual escreveu e explicado que uma foi escrita pelas duas, tendo de seguida assinado as cartas escritas por cada uma delas; após a Mm.ª Juíza ter lido, em voz alta, as cartas, continuou a ouvir as crianças.

f) Foi então proferido o seguinte despacho: «Face ao teor do ora declarado pelas crianças, determino que as declarações por esta prestadas bem como o teor das cartas ora juntas fiquem trancadas e inacessíveis para consulta dos demais intervenientes processuais, com excepção do respetivo Patrono das crianças e do Ministério Público.»

g) Tendo as crianças saído da sala de audiências e chamados os progenitores das crianças e respectivos Mandatários, deu-se início à conferência dos pais, notificando-se aos progenitores o despacho dito em f) e sendo de imediato proferido o seguinte despacho:

«Face ao despacho que determinou que as declarações e documentos juntos pelas crianças não ficassem acessíveis aos demais intervenientes, apenas se informa que as crianças manifestaram que apenas pretendem conviver com o pai durante o dia, não pretendendo qualquer pernoita[7]

h) consta depois, em acta: «De seguida, tentada a conciliação dos pais, a mesma não foi possível, pelas razões constantes das declarações prestadas pelos mesmos, abaixo transcritas, tendo a Mma. Juiz ainda perguntado ao pai se, provisoriamente, até ao desfecho da causa, teria disponibilidade para conviver com as filhas aos domingos entre as 10h e as 18 horas e à mãe se concordaria com o convívio das filhas com o pai nesses dia e horário.»

i) Dada a palavra ao requerente e à requerida, pelo primeiro foi dito, nomeadamente, que pretende o integral cumprimento do acordado quanto ao regime de visitas, considera que é muito importante as filhas terem acompanhamento psicológico e não concorda com a restrição ao direito de convívios com as filhas mas tem disponibilidade para estar com as filhas, aos domingos, entre as 10:00 horas e as 18:00 horas; a segunda afirmou, designadamente, que as filhas recusam ir para casa do pai (ficam em pânico; dizem que têm medo de lá estar); tem uma carta da G (…) onde diz que, se fosse para casa do pai, se matava; gostava que as filhas fossem para casa do pai felizes e regressassem felizes; actualmente as filhas estão bem psicologicamente mas não se opõe a que voltem a ter acompanhamento psicológico; o pai deve conquistar as filhas aos poucos e quando as filhas estiverem em sua casa que esteja efectivamente com as filhas e passe tempo com elas; não se opõe que, provisoriamente até se decidir a causa, que as crianças convivam com o pai aos domingos das 10:00 horas até às 18:00 horas.

j) A Exma. Magistrada do M.º Público, “atendendo às declarações das menores e ao evidente estado emocional das mesmas (instável), no que toca à retoma do regime de convívios na sua totalidade, considerando ainda também o evidente conflito hoje assistido entre os progenitores” e tendo concluído que “neste momento obrigar as menores a retomar o regime de visitas na sua totalidade seria absolutamente prejudicial para estas duas crianças”,  veio a sugerir, “em defesa dos interesses das menores (…), nos termos do art.º 28º do RGPTC, que provisoriamente, até ao desfecho dos presentes autos, sejam retomadas as visitas nos moldes pretendidos pelas próprias menores, ou seja, estarem um dia do fim de semana, sem pernoita, na casa do pai.

k) Após, pelo Exmo. Mandatário do requerente foi dito o seguinte: “Requer, para se poder pronunciar devidamente sobre a promoção do Ministério Público, no qual foi referido o teor das declarações das menores, cujo teor se desconhece, lhe seja concedido o acesso às mesmas e, caso estas tenham sido gravadas mediante registo áudio visual, nos termos do art.º 5º, n.º 7, al. c) do RGPTC, lhe seja facultada cópia da gravação”.

l) Pretensão do requerente que, exercido o contraditório, mereceu o seguinte despacho:

«As crianças foram ouvidas nos autos, na presente diligência, no exercício do seu direito de audição, na qualidade de sujeito do processo e não como meio de prova nos termos do art.º 5º, n.º 7, do RGPTC./ As crianças foram ouvidas de forma a manifestarem a sua posição relativamente a um litígio criado pelos progenitores, relativamente às suas próprias pessoas/vítimas desse litígio./ A opinião das crianças, a que alude o art.º 5º, n.º 1, do RGPTC, é obrigatoriamente tida em consideração pela autoridade judiciária na determinação do seu superior interesse./ Conforme decorre do processado da presente diligência, as crianças manifestaram claramente que não pretendem que o teor das suas declarações e cartas fosse divulgado aos pais e respectivos Mandatários./ De tal facto e do despacho que assim determinou foi dado conhecimento aos pais das crianças e respectivos Mandatários, os quais foram informados pelo Tribunal apenas da pretensão das crianças, ou seja, que as crianças pretendem conviver com o pai mas sem pernoita./ Tendo as crianças manifestado, ao abrigo do seu direito à confidencialidade, reserva e intimidade pessoal, que não pretendem a divulgação das suas declarações e cartas, o Tribunal, atendendo ao seu superior interesse e bem-estar, assim determinou em conformidade, sem, porém, deixar de dar a conhecer aos pais a posição das crianças relativamente ao exercício do direito de convívios com o pai, por elas pretendido./ Para tomar posição acerca da fixação do regime provisório promovido pelo Ministério Público, a pretensão das crianças é, por si só, suficiente para o efeito uma vez que o Ministério Público, na promoção exarada em acta, não se fundou em quaisquer outros factos resultantes das declarações e das cartas juntas aos autos pelas crianças./ Pelo exposto, indefiro o requerido pelo Progenitor o qual vai condenado nas custas do incidente, cuja taxa de justiça fixo em 2UC (duas unidades de conta), face à extensão do processado a que, injustificadamente, deu causa com tal requerimento – art.º 527º do CPC e art.º 7º do RCP

m) Consta ainda da acta o depois aduzido pelos Exmos. Mandatários do requerente e da requerida e os demais despachos então proferidos, o primeiro, fixando o regime provisório dito em I., supra, antecedido da seguinte fundamentação:

«Face ao conflito que divide os progenitores, o qual inviabiliza o recurso à mediação, e por tal não ter sido requerido, determino a suspensão dos trabalhos da presente conferência bem como, nos termos previstos no art.º 38º, al. d) ex vi art.º 41º, n.º 7, do RGPTC, a remessa das partes para a audição técnica especializada, solicitando-se à Segurança Social que nos remeta, antes de decorrido o prazo legal, o relatório da audição técnica especializada./ Remeta à Segurança Social cópia dos articulados, documentos, requerimentos, promoções e despachos dos presentes autos, com excepção  das  declarações  das  crianças  e respetivas  cartas nos  termos  do  despacho  proferido no  início  da  presente  diligência, bem como cópia da decisão final proferida em cada um dos autos apensos e, no caso de ainda não ter sido proferida decisão em cada um desses apensos, cópia dos articulados, documentos, requerimentos, promoções e despachos desses autos./ Como resulta patente da postura dos intervenientes deste processo impõe-se a prolação de uma decisão provisória nos termos do art.º 28º e 38º do RGPTC, que regule a questão dos convívios das crianças com o pai, suspendendo o regime em vigor, o qual não tem assegurado o bem-estar das crianças, devido aos comportamentos desenvolvidos por ambos os progenitores./ Considero para tal relevante os seguintes factos, os quais emergem directamente das declarações nesta data prestadas pelos pais bem como da posição assumida nos articulados pelo Sr. patrono das crianças, em representação destas: - os pais das crianças não conseguem dialogar de forma pacífica entre si e transferem às crianças a animosidade que os anima em relação à figura do outro progenitor; - as crianças sofrem com o conflito que divide os pais, o que lhes causa intranquilidade e afecta o seu bem estar; - as crianças pretendem conviver com o pai apenas durante o dia, sem pernoita; - as crianças não pretendem a divulgação das suas declarações em relação ao litígio que divide os pais./ Resulta patente do factualismo que antecede que as crianças não se sentem confortáveis com o regime em vigor, no que concerne aos convívios com o pai, fruto da incapacidade revelada por ambos os progenitores de transmitirem uma imagem positiva do outro progenitor, o que necessariamente as afecta, pondo em causa os sentimentos de pertença a uma família composta por pai e mãe, não obstante a separação dos progenitores./ Uma vez que é o superior interesse das crianças que dita o desfecho destes autos e não o interesse egoístico de cada um dos pais, ou a satisfação dos interesses e comodidades destes, impõe-se proferir decisão provisória que acautele o direito que as crianças têm de conviverem com ambos os progenitores, sem pôr em causa o seu conforto e bem estar e ainda o seu direito à saúde psíquica./ Estando em causa uma decisão sumária relativamente a uma situação de conflito que os numerosos apensos dos presentes autos bem evidenciam, mostrando que estes pais não se mostram capazes de assegurar o bem-estar das filhas, impõe-se assim que o Tribunal, pelo menos provisoriamente, se substitua aos mesmos na determinação do que seja o seu superior interesse.»

n) Regressadas as crianças à presença da Mm.ª Juíza, esta explicou-lhes os concretos termos do referido regime provisório.

o) No final da diligência a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho:

«Porque o estado psicológico em que se encontram as crianças se apresenta deteriorado, afigura-se conveniente a realização de uma perícia, necessária para o desfecho final dos autos, que tenha por objeto:/ 1º - saber o impacto dos convívios com o pai, com pernoita, no bem-estar das filhas;/ 2º - saber se os pais se mostram capazes de promover uma imagem positiva do outro perante as filhas;/ 3º - saber se as crianças apresentam sinais de terem sido manipuladas por algum dos progenitores para ficarem com uma imagem degradada do outro;/ 4º - saber se as crianças sentem efectivamente receio de sofrerem algum mal por banda do pai e da companheira deste e se tal medo, a existir, foi incutido pela mãe ou se foi criado por comportamentos do próprio pai e da companheira. (…)»[8].

p)  Antes da decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais aqui em análise, sucederam-se diversos regimes (inclusive, provisórios), quanto ao direito de visitas, nomeadamente, no “apenso A” [fixados ou acordados em 13.10.2016 e 22.9.2017, aqui, por exemplo, sob o ponto 5) a), ficou acordado, que “As menores passarão fins-de-semana com o pai, de quinze em quinze dias, no período de sexta-feira, após o termo das actividades escolares ou extra curriculares, entregando-as na segunda-feira na escola, no início das actividades escolares.”] e no “apenso K” [em 22.11.2019, por acordo, ficou estabelecido que “2ª - Nas sextas feiras que antecedem os fins de semana em que as crianças estão na companhia da mãe, o pai poderá jantar com as mesmas, indo a mãe das crianças levá-las à escola do pai das crianças, em X (...) , pelas 18:00 horas, e indo o pai das crianças levá-las pelas 21:30 horas e casa da mãe das crianças./ 3.ª As crianças deixam de pernoitar com o pai das crianças às quartas feiras nos termos em que se encontravam regulados./ (…) 5.ª As atividades musicais que as crianças desenvolvem na escola do pai durante a semana, passarão a ser desenvolvidas nos fins de semana atribuídos ao pai e nos demais períodos em que se encontram na companhia do pai nos termos do regime de convívios estipulado.”].

q) O requerente suscitou a intervenção da GNR – Posto de X (...) nos dias 06.4.2020, 14.4.2020, 17.4.2020, 24.4.2020, 01.5.2020, 08.5.2020, 15.5.2020 e 05.6.2020, junto da residência da requerida (e das menores), invocando para o efeito o regime de visitas vigente e o seu incumprimento por parte da progenitora.

r) Além do caso em análise, verificaram-se situações de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo menos, na parte final de 2016, início e final de 2018 e início de 2020 (“apensos B, D, F, J, H, M e O”).

s) Na Informação Sobre Audiência Técnica Especializada de 06.7.2020 fez-se constar, nomeadamente: “há cerca de duas semanas que vigora, aparentemente sem problemas, o regime provisório recente, decretado pelo tribunal (…), decisão que não parece ter sido do agrado do progenitor, o qual, segundo a mãe das menores, preferia o regime anterior, de um fim-de-semana completo, de quinze em quinze dias”; o decidido adequa “os referidos convívios ao real estado do relacionamento entre as menores e o pai” e deveria ser “motivo de análise” para os progenitores e “visto como uma oportunidade, especialmente para o pai, de procurar, de um modo gradual e progressivo, tornar o mais atractivo possível o tempo (actual e futuro) de convívio com as filhas, procurando restaurar o seu relacionamento e comunicação com estas, em moldes substancialmente diferentes para além dos inquestionáveis afectos que os ligam”; “não foi de todo possível obter qualquer forma de consensos, não se nos afigurando nada fácil, a possibilidade de um acordo, nos tempos mais próximos”.  

t) Por despacho de 20.8.2020 foi designada a psicóloga das menores, para os efeitos mencionadas no ponto 5 do regime provisório fixado, com o encargo de agendar no prazo máximo de 15 dias a primeira consulta para acompanhamento das menores.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Para efeitos do RGPTC[9], constituem providências tutelares cíveis, nomeadamente, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes (art.º 3º, alínea c)).

Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse[10] (art.º 4º, n.º 1). Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica (n.º 2).

A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse (art.º 5º, n.º 1).[11] Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito (n.º 2). A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma (n.º 3). A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente: a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais; b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada (n.º 4). Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento (n.º 6) A tomada de declarações obedece às seguintes regras: a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito; b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais; (…) (n.º 7).

Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (art.º 12º).

É obrigatória a nomeação de advogado à criança, quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, sejam conflituantes, e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal (art.º 18º, n.º 2).

Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão (art.º 28º, n.º 1). Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo (n.º 2). Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes (n.º 3). O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (n.º 4). Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou: a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução (n.º 5).

Nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores (art.º 33º, n.º 1). Salvo disposição expressa, são correspondentemente aplicáveis, com as devidas adaptações aos processos tutelares cíveis, as disposições dos artigos 88º a 90º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 31/2003, de 22 de agosto, e 142/2015, de 8 de setembro (n.º 2).

Estando em causa a regulação do exercício das responsabilidades parentais e/ou a resolução de questões conexas, se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24º, por um período máximo de três meses; ou b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23º, por um período máximo de dois meses (art.º 38º).

Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos (art.º 41º, n.º 1). Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente (n.º 3). Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38º e seguintes e, por fim, decide (n.º 7).

3. Estamos perante um processo de jurisdição voluntária (art.º 12º do RGPTC), pelo que o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º do Código de Processo Civil/CPC), a que melhor serve os interesses em causa[12]; o princípio do inquisitório é assumido em toda a sua plenitude, sobrelevando ao princípio do dispositivo, concedendo-se ao tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes[13], sendo apenas admitidas as provas que o juiz considere necessárias; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[14] (cf. os art.ºs 986º, n.º 2; 987º; 988º, n.º 1, 1ª parte e 989º, do CPC).

Daí que, em cada caso, releve, sobretudo, a preocupação de respeitar a verdade material e a finalidade prosseguida no processo, pelo que os princípios e as regras do Processo Civil poderão ser secundarizados (amovendo, quando oportuno, determinados princípios que enformam o processo civil[15]) se e quando colidam ou inviabilizem a possibilidade de proferir a decisão tida como mais equitativa, conveniente e oportuna.

Assim, estando em causa a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes, é permitido ao julgador usar de liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (art.º 986º do CPC) e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projecta no direito a uma decisão em tempo adequado e razoável.

4. Na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro (art.º 1906º, n.º 5 do Código Civil/CC); decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (n.º 7).

5. A lei não define o que deva entender-se por interesse do menor, cabendo ao juiz, em toda a amplitude que resulta dos art.ºs 1906º e seguintes do CC, identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança, por alguns já definido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[16] ou como tratando-se de uma “noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral”.[17]

            6. As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.[18]

Os pais devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos filhos, pela simples razão de que “os filhos precisam de ambos”, cabendo ao tribunal “ajudar os pais a trabalhar em conjunto tendo em vista o bem-estar dos seus filhos”.[19]

7. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que a Mm.ª Juíza a quo decidiu com inteiro acerto - como se explicitará de seguida -, não obstante o grave e, aparentemente, inexpugnável conflito (de interesses) entre os progenitores.

            E o arrastar dos autos e as múltiplas diligências que lhes andam associadas repercutem-se negativamente na vida das crianças, sobretudo, pela excessiva exposição ao conflito parental, com as várias audições em sede judicial e as múltiplas intervenções da autoridade policial em pleno “Estado de Emergência” e “Estado de Calamidade”, potenciando ou agravando as consequências de ordem psíquica e emocional.

            8. No dizer do recorrente, em processo de incumprimento (das responsabilidades parentais) é inadmissível processualmente proceder à alteração da regulação das responsabilidades parentais, ainda que de forma provisória, porquanto têm processualmente tramitação diferenciada (art.ºs 28º, 41º e 42º do RGPTC); e porque a questão da alteração das responsabilidades parentais não pode ser apreciada a final no incidente de incumprimento, não podia nos presentes autos ser proferida decisão provisória, a qual violou o disposto no art.º 28º, n.º 1 do RGPTC.

Ora, decorre do preceituado nos art.ºs 28º, 38º e 41 do RGPTC que a Mm.ª Juíza a quo, na salvaguarda do superior interesse das crianças, podia/devia decretar as medidas provisórias tidas por adequadas, in casu, um regime de convívios entre o pai e as menores, alterando decisões anteriormente proferidas, máxime, as “decisões definitivas” dos “apensos A e K”.

            No fundo, a tais normativos subjazem os mesmos princípios e regras gerais dos processos de jurisdição voluntária inscritos na legislação processual comum (cf. os art.ºs 3º, alínea c) e 12º do RGPTC e II. 3., supra), podendo o Tribunal investigar livremente os factos que entenda necessários à decisão, recolher as provas que julgue adequadas e declinar as demais e decidir segundo critérios de conveniência, oportunidade e equidade, na maioria dos casos, ajustando a solução definida à evolução da situação de facto, na salvaguarda do interesse que a lei lhe entrega e que impera sobre os demais interesses envolvidos.

Assim, no âmbito do presente incidente de incumprimento e antes da prolação da decisão final, nada impedia que o Tribunal fixasse determinado regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, visando garantir o superior interesse das crianças, que prevalece sobre quaisquer outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição, considerando a particular natureza dos processos em causa, de jurisdição voluntária (cf., designadamente, os art.ºs 3º, alínea c); 12º; 28º e 38º do RGPTC).[20]

9. As crianças foram ouvidas nos autos, no exercício do seu direito de audição, na qualidade de sujeito do processo para exprimirem a sua opinião e não como meio de prova (art.º 5º, n.ºs 1 e 2, do RGPTC); manifestaram a sua posição/opinião relativamente ao litígio criado pelos progenitores, obrigatoriamente tida em consideração pela autoridade judiciária na determinação do seu superior interesse, procedimento não sujeito às regras previstas no art.º 5º, n.º 7 do RGPTC, não existindo qualquer nulidade quando a mesma não é realizada na presença de advogados, podendo o juiz ouvir a criança sem a presença de qualquer Mandatário.[21]

As menores manifestaram, claramente, que não pretendiam que o teor das suas declarações e cartas fosse divulgado aos pais e respectivos Mandatários, e assim foi determinado e comunicado aos mesmos, também informados pelo Tribunal de que as crianças pretendiam/pretendem conviver com o pai durante o dia, sem qualquer pernoita (teor das declarações considerado na prolação da decisão provisória, e nada nos diz que algum relevo pudesse ou devesse ser dado ao teor das referidas cartas - cf. a fundamentação indicada em II. 1., m), supra).

Foi respeitado o direito das crianças à confidencialidade, reserva e intimidade pessoal, sem, porém, deixar de dar a conhecer aos pais a sua posição relativamente ao exercício do direito de convívios com o pai, por elas pretendido.

As crianças foram ouvidas na sequência do requerimento do seu Patrono, em processo de jurisdição voluntária, naturalmente, sobre a problemática nele versada e demais aspectos do regime de convívio com o progenitor aduzidos nos sucessivos requerimentos por ele apresentados, nos termos do despacho referido em II. 1. c), supra, notificado aos intervenientes processuais.

Ante o circunstancialismo descrito em II. 1. f), g), h), j) e k), supra, o aventado acesso ao conteúdo das declarações das menores e cartas juntas (“para se poder pronunciar devidamente sobre a promoção do Ministério Público”), constituía pretensão que colocava ao avesso toda a precedente linha de actuação, afrontando o direito das crianças à confidencialidade, reserva e intimidade pessoal e, no fundo, o seu superior interesse.

Ademais, o requerente/recorrente não se insurgiu contra o despacho de 08.6.2020 e, no decurso da conferência dos pais, perante o que lhe foi transmitido, não indicou ou sugeriu a formulação de perguntas/questões adicionais.

E quanto a pretensas “nulidades” do despacho que vedou aos progenitores o acesso às declarações das filhas menores, bem como da audição das filhas menores por falta de assistência de técnico habilitado, antolha-se evidente a falta de razão do recorrente, porquanto, por um lado, foi respeitado o regime jurídico consagrado, nomeadamente, nos art.ºs 3º, alínea c) e 5º do RGPTC e, por outro lado, nos despachos proferidos na diligência de 16.6.2020 - o primeiro, a determinar a não divulgação das declarações prestadas pelas filhas menores, em conformidade com a vontade por estas manifestadas, e, o segundo, a indeferir a divulgação das mesmas, requerida pelo progenitor - encontram-se claramente enunciadas as razões que fundamentam essa não divulgação, sendo que a mera discordância relativamente a tais razões não é susceptível de fundamentar a nulidade da decisão recorrida.

Por conseguinte, o requerimento apresentado e correspondente processado consubstancia incidente anómalo, (deveras) estranho ao normal desenvolvimento da lide, não enquadrável na previsão do art.º 5º, n.º 7 do RGPTC, sujeito a sanção e que se mostra adequadamente tributado (art.ºs 527º, n.º 1 do CPC e 7º do RCP, e tabela anexa).

10. O requerente afirma ter sido indevidamente considerado provado que “as crianças pretendem conviver com o pai apenas durante o dia sem pernoita” e que toda a factualidade mencionada na “conclusão 19ª”, ponto I., supra, deverá ser tida como provada, “considerando a prova resultante dos relatórios policiais, correspondência trocada entre progenitores, declarações de recorrente e recorrida nos autos e perante autoridade policial e declarações das menores à autoridade policial”, sendo que “arrolou prova testemunhal nos requerimentos de incumprimento apresentados nos autos, não tendo sido inquirida nem proferido despacho sobre a sua admissibilidade”.

Indicou-se no ponto anterior todo o circunstancialismo relativo à audição das menores e dúvidas não restam de que o tribunal considerou as declarações das menores como opinião atendível. Decorre, principalmente, da motivação referida em II. 1. m), supra, que a Mm.ª Juíza a quo não deixou de efectuar a análise crítica e a ponderação de todos os elementos disponíveis, inclusive, da manifestação de vontade das menores e sua relevância na concretização e conformação do seu superior interesse.

Atento o quadro normativo aludido em II. 2. a II. 4., supra, e ponderados aqueles elementos juntos aos autos e a mencionada opinião das menores, não vemos como não acolher o decidido provisoriamente, inclusive, quanto à consideração daquele facto que o requerente/recorrente entende dever ser dado como não provado, sendo por demais evidente que os “relatórios policiais” e as “declarações prestadas pelo requerente” não levam a diferente “convicção do tribunal”.

 A circunstância de a Mm.ª Juíza a quo haver prescindido da inquirição das testemunhas e de outros elementos ou meios probatórios, para proferimento da decisão provisória recorrida, tem uma justificação simples: a julgadora, fazendo uso do seu poder/dever, considerou o que era necessário à prolação da decisão provisória, em particular, as posições assumidas pelos progenitores nos autos e na conferência e a opinião das menores (e não se poderá dizer que incluísse “as declarações das menores que respeitassem ao conteúdo das cartas ou ao conteúdo privado e íntimo das suas declarações, na parte em que não quiseram dar a conhecer aos pais”[22])[23];  tudo o mais, ou seja - tendo presente o aduzido pelo próprio recorrente -, a indagação dos “motivos pelos quaisquer foi impedido o exercício do direito de visitas pelo recorrente, e períodos em que ocorreu” e, “a final, sobre a existência de incumprimento imputável à recorrida”, interessa, sim, à decisão definitiva a proferir no incidente de incumprimento (art.º 41º do RGPTC).

Concluindo: nada será de objectar à factualidade provada ou indiciada que suporta a decisão provisória em análise.

11. É necessário ajustar ou adequar o exercício das responsabilidades parentais à realidade da vida das crianças, se e na medida em que merecer acolhimento judicial (caso contrário, importa cumprir regime de exercício estabelecido).

A vida das crianças não se compadece com incertezas, hesitações e incumprimentos dos pais, sendo urgente encontrar soluções na adversidade e na incerteza. Na impossibilidade ou dificuldade de reunir, em curto prazo, a matéria de facto em cada caso desejável a uma decisão tendencialmente definitiva, o legislador previu soluções provisórias - assim, considera que ouvidos os pais sobre as questões que os divide, e, sendo caso disso, os próprios filhos, em conferência, mais atendendo ao que já estiver alegado e documentado no processo, poderá ser proferida uma decisão provisória (art.º 38º do RGPTC, ex vi do art.º 41º, n.º 7 do mesmo Regime Geral), e só uma evidente, absoluta e, sempre, excepcional falta de dados levará o Tribunal a recolher rapidamente alguma prova necessária à decisão.

Evidencia-se, aqui, um critério de razoabilidade, bom senso e prudência na decisão provisória do juiz que, dada esta sua natureza e por poder não assentar em factos suficientemente demonstrados, deve ser corrigida logo que tal se justifique, nomeadamente quando a prova posteriormente recolhida permita infirmar a essência das bases de facto em que aquela decisão assentou.[24]

12. O Tribunal a quo entendeu que o referido regime provisório de convívio das menores com o seu pai era conveniente e respeitava o superior interesse das crianças.

A medida aplicada antolha-se adequada e plenamente justificada.

As diligências complementares já determinadas e/ou em curso (designadamente, a perícia às menores e o acompanhamento psicológico) poderão contribuir para uma melhor configuração da realidade e a salvaguarda do superior interesse das menores.

Constituindo um interesse superior do menor poder privar e manter contactos com ambos os progenitores - quando estes tenham capacidade para assegurar o desenvolvimento psico-afectivo da criança -, de modo a assegurar o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1906º, n.º 7, do CC)[25], naturalmente, aquele regime deverá ser ajustado se e quando as circunstâncias assim o ditarem.

Obviamente, existindo, no presente e no futuro, algum bom-senso e a colaboração dos progenitores (cf. II. 6., 2ª parte, supra)[26], tudo será bem diferente e melhor!

12. O (alegado) incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais deverá ser esclarecido a partir da alegação do requerente e consideradas as normas excepcionais em contexto pandémico.

Será objecto da decisão definitiva (cf. II. 10., supra).

           13. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelo requerente/apelante.


*

20.10.2020


Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


[1] Elementos extraídos, v. g., da sentença proferida no “apenso H”, a 12.7.2018.
[2] Foram ainda indicados os dias dos incumprimentos mencionados no “apenso O” (documento de fls. 43).
[3] Conforme consta do assento de nascimento reproduzido a fls. 61 verso.

[4] Na “certidão” de fls. 2 pouco ou nada se certifica e o recurso foi indevidamente instruído (cf. fls. 196 e 198)!, com as consequentes delongas e dificuldades.

[5] Onde se escreve:

   “Quanto à matéria de facto não provada entende que devem ser considerados provados os seguintes factos:

   A requerida impediu o convívio das menores com o pai / exercício do direito de visitas desde 13.3.2020 até 16.6.2020, nos seguintes períodos determinados no acordo de regulação das responsabilidades parentais: - 13.3.2020 – sexta-feira jantar (18:00 / 21:30 horas) / segunda metade das férias escolares: 06 a 13.4.2020 / 14.4.2020 – terça-feira almoço / 17 a 20.4.2020 – fim de semana (sexta-feira 19:30 horas a segunda-feira no início das atividades) / 24.4.2020 – sexta-feira jantar (18:00 / 21:30 horas) / 01 a 04.5.2020 fim de semana (sexta-feira 19:30 horas a segunda-feira no início das atividades) / 05.5.2020 – terça-feira almoço 08.5.2020 – sexta feira jantar (18:00 / 21:30 horas) / 15 a 18.5.2020 – fim de semana (sexta-feira 19:30 horas a segunda-feira no início das atividades) / 22.5.2020 – sexta-feira jantar (18:00 / 21:30 horas) / 29.5 a 01.6.2020 fim de semana (sexta-feira 19:30 horas a segunda-feira no início das atividades) / 05.6.2020 – sexta-feira jantar (18:00 / 21:30 horas) / 12 a 15.6.2020 – Fim de semana (sexta-feira 19:30 horas a segunda-feira no início das atividades), não entregando as menores quando lhe competia, e recusando a sua entrega ao requerente e autoridade policial invocando como fundamento a proteção da saúde das menores face à situação de pandemia covid 19.”

[6] Transmitindo, designadamente, a existência de ocorrências com a intervenção da entidade policial, o que terá determinado o incumprimento do regime de visitas (principalmente, ligadas às cautelas, contingências e limitações associadas à situação pandémica verificada desde Março do corrente ano) e que só querem estar com o pai durante o dia (e o que as leva a querer deixar de pernoitar na casa deste).
[7] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[8] Por despacho de 06.7.2020, determinou-se a realização de perícia pelo INML e concretizou-se o respectivo objecto, desconhecendo-se se se trata de perícia diversa daquela indicada em II. 1. o).
[9] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[10] Acolhendo, diga-se, a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.01.1990 (aprovada, para ratificação, por resolução da AR n.º 20/90, de 12.9) e que consigna, no seu art.º 12º, que Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade (n.º 1). Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional (n.º 2).

   Foi também ratificada a Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos das Crianças que estabelece:

   - A presente Convenção aplica-se a menores de 18 anos (art.º 1º, n.º 1). A presente Convenção, tendo em vista o superior interesse das crianças, visa promover os seus direitos, conceder-lhes direitos processuais e facilitar o exercício desses mesmos direitos, garantindo que elas podem ser informadas, directamente ou através de outras pessoas ou entidades, e que estão autorizadas a participar em processos perante autoridades judiciais que lhes digam respeito (n.º 2). Para efeitos da presente Convenção, entende-se por processos perante uma autoridade judicial que digam respeito a crianças, os processos de família, em particular os respeitantes ao exercício das responsabilidades parentais, tais como a residência e o direito de visita às crianças (n.º 3).

   - À criança que à luz do Direito Interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: a) Obter todas as informações relevantes; b) Ser consultada e exprimir a sua opinião; c) Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão (art.º 3).

   - Nos processos que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: a) Verificar se dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior interesse da criança e, se necessário, obter mais informações, nomeadamente junto dos titulares de responsabilidades parentais; b) Caso à luz do Direito Interno se considere que a criança tem discernimento suficiente: - Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante; - Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado, directamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança; - Permitir que a criança exprima a sua opinião; c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança. (art.º 6º).
[11] Ibidem.
[12] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, págs. 400 e 401.
[13] Cf. o acórdão da RL de 24.6.2010-processo 461/09.2TBAMD.L1-6, publicado no “site” da dgsi.
[14] Isto é, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 988º, n.º 1, 2ª parte, do CPC).
[15] Cf. o acórdão do STJ de 31.01.2019-processo 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1, publicado no “site” da dgsi.

[16] Vide Almiro Rodrigues, Interesse do Menor – Contributo para uma Definição, Revista de Infância e Juventude, n.º1, 1985, págs. 18 e seguinte.
[17] Vide Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de família, Almedina, 1987, pág. 326.
[18] Vide Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119.
[19] Vide, a propósito, T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, A Criança e o Seu Mundo – Requisitos Essenciais para o Crescimento e Aprendizagem, Editorial Presença, 5ª edição, 2006, págs. 52 a 54.
[20] Cf., de entre vários, o acórdão da RG de 01.02.2018-processo 1806/17.7T8GMR-C.G1, publicado no “site” da dgsi, e o citado acórdão do STJ de 31.01.2019-processo 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1.

[21] Cf., nomeadamente, o acórdão da RL de 06.6.2019-processo 3573/14.7T8FNC-C.L1-6 [assim sumariado: «I. A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art.º 5º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art.º 5º, n.ºs 6 e 7). II. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art.º 5º), não está sujeita às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do mesmo art.º 5º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual.»], publicado no “site” da dgsi.
[22] Cf. a resposta do M.º Público.

[23] Cf., neste sentido, os acórdãos da RG de 10.7.2019-processo 1947/19.6T8BRG-H.G1 [constando do sumário: «I - O art.º 38º do RGPT prevê expressamente a tramitação aplicável quando os pais e demais interessados se encontrem presentes na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no art.º 35º do RGPTC, justificando-se, nesse contexto, que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos até esse momento; II - No quadro processual aplicável importa sublinhar a relevância da audição dos progenitores na conferência, com a possibilidade de explicitarem as questões essenciais relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais e de elucidarem o tribunal sobre todos os elementos e dúvidas relevantes para a sua definição, ainda que a título provisório; III - No referido enquadramento não era exigível ao tribunal a quo a realização de quaisquer outras diligências de prova de molde a proferir a decisão provisória; IV - Ainda que não seja aqui exigível uma fundamentação exaustiva, atenta a provisoriedade da decisão recorrida e a natureza do processo, tal não dispensa o juiz de fundamentar a decisão proferida tanto no plano fáctico, como do ponto de vista jurídico, sob pena de nulidade por falta de fundamentação; (…) VI - É de manter a decisão recorrida, meramente provisória, que procura uma solução equilibrada, prudente e razoável à luz dos elementos disponíveis, capaz de assegurar o superior interesse da criança em incrementar e reforçar os laços afetivos e de vinculação segura com o pai (…).»], da RP de 24.10.2019-processo 23739/15.1T8PRT-E.P1 [assim sumariado: «I - O regime da decisão provisória previsto no art.º 38º do RGPTC é especial relativamente ao regime geral das decisões provisórias e cautelares previsto pelo art.º 28º do mesmo Regime. II - Naquele, o legislador como que presume que, ouvidos ambos os pais sobre as questões que os divide, e, sendo caso disso, os próprios filhos, em conferência, mais atendendo ao que já estiver alegado e documentado no processo, existem elementos suficientes para a prolação da decisão provisória, assim fazendo predominar a satisfação da urgência da decisão sobre a certeza ou a elevada probabilidade do facto. III - Por se tratar de uma decisão provisória e precária, o julgador deve orientar-se por princípios de razoabilidade e proporcionalidade, atuando com bom senso, prudência e moderação, colocando os interesses das crianças acima dos interesses dos pais.»] e da RL de 14.7.2020-processo 24889/19.0T8LSB-A.L1-6 [constando do respectivo sumário: «V.– O regime do citado art.º 28º trata-se de um regime distinto daquele previsto no art.º 38º do mesmo diploma, pois que, neste, no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é obrigatória a decisão provisória, não havendo acordo entre os progenitores, na conferência a que alude o art.º 35º, decisão essa que é tomada sobre o pedido em função dos elementos já processualmente adquiridos, não tendo que aguardar por outras diligências de prova, nem pela audição de técnicos especializados.»] e 11.12.2019-processo 2425/18.6T8CSC-D.L1 [tendo-se concluído: «I - No âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a única diligência de prova obrigatória que precede a prolação de decisão provisória é a audição dos Pais da Criança - art.ºs 28º, n.ºs 3 e 4; 37º, n.º 3; e 38º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.»], publicados no “site da dgsi.

   Numa perspectiva aparentemente mais ortodoxa quanto à decisão provisória e à relevância dos meios probatórios oferecidos pelas partes (meios que no caso em apreciação seriam necessários à prolação da decisão provisória), cf. o acórdão da RC de 02.6.2020-processo 184/15.3T8CBR-G.C [sumariando-se: «III – (…) não obstante o princípio da “simplificação instrutória” a que se alude no art.º 4º do RGPTC, devia ter sido proferida decisão sobre os meios de prova requeridos para alicerçar a posição duma das partes, por mais do que conveniente se afigurar como necessária a sua produção em ordem à prolação de uma fundamentada decisão sobre tal questão. IV – Face à omissão de formalidade imposta por lei e reportando-se a mesma à ausência de produção de meios de prova requeridos por uma das partes no processo, não pode deixar de concluir-se no sentido de que o tribunal recorrido incorreu em nulidade secundária relevante, por poder influir na decisão da causa (art.º 195º, n.º 1 do CPC), nulidade processual esta que se projeta na decisão recorrida e a inquina enquanto tal.»], publicado no mesmo “site”.
[24] Cf., de entre vários, o cit. acórdão da RP de 24.10.2019-processo 23739/15.1T8PRT-E.P1.
[25] Cf. o cit. acórdão da RP de 24.10.2019-processo 23739/15.1T8PRT-E.P1, onde se argumenta que «o direito ao convívio não pode ser visto como um direito unilateral e exclusivo dos pais ou um interesse seu, mas, sobretudo, como um direito autónomo do filho menor, ordenado ao seu desenvolvimento psíquico e emocional. Tal direito só não deve ser exercido quando contenda com este desiderato».

[26] Cf., ainda, o 1º despacho proferido no âmbito do presente incidente de incumprimento (em 09.4.2020): “(…) o que vivenciamos presentemente escapa de qualquer previsão ou determinação judicial e demanda, de forma muito intensa, a colaboração e compreensão dos progenitores no sentido de ser encontrado um ponto de equilíbrio, mas tendo como pedra de toque o interesse da criança”.