Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
852/20.8T8FIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PODERES-DEVERES DE INSTRUÇÃO DO JUIZ
SEU CONTEÚDO
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIG. DA FOZ – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 411º NCPC.
Sumário: 1. Desde a fase da instrução do processo (art.ºs 410º e seguintes do CPC) até à sentença (art.º 607º, n.º 1 do CPC), o juiz poderá/deverá realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art.º 411º do CPC).

2. Salvaguardado o dever de imparcialidade (equidistância), tal poder-dever, inerente ao indeclinável compromisso do juiz com a verdade material, emerge e justifica-se independentemente da vontade das partes na realização das diligências/produção de meios de prova (e da tempestividade dessa iniciativa).

3. Ponderados os princípios do dispositivo, do inquisitório e da auto-responsabilidade das partes, situações de conduta grosseira e indesculpavelmente negligente da parte (v. g., na junção tempestiva dos documentos) poderão ditar a inobservância daquela regra.

Decisão Texto Integral:   







            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Na ação de processo comum movida por C... contra D... (1º Réu), A, Correctores de Seguros, S.A. (2ª Ré) e X..., SE, Sucursal em España (3ª Ré), na 1ª sessão da audiência final (a 29.4.2021) o Tribunal a quo concluiu pela não verificação dos pressupostos previstos no art.º 423º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) quanto aos documentos que o A. havia junto aos autos horas antes, mas veio a admiti-los ao abrigo do disposto no art.º 411º do mesmo Código.

Observado o contraditório, a 3ª Ré interpôs o presente recurso (por requerimento de 13.5.2021) terminando com as seguintes conclusões:

1ª - O A. já tinha na sua posse a documentação em análise muito antes da propositura da presente ação e poderia ter desde logo apresentado os referidos documentos que agora apresentou, maxime, até ao termo do prazo legal de 20 dias determinado no art.º 423º do CPC[1] para o efeito, pelo que se não foram apresentados até então não poderiam agora ser admitidos - Sibit Imputat!

2ª - Os documentos juntos pelo A. destinam-se à prova dos factos alegados nos

articulados, ou seja, à prova de factos anteriores, sendo que se formaram em momento anterior à propositura da presente acção, pelo que não poderiam ser admitidos pelo Tribunal a quo (art.ºs 423º e segs. do CPC).

3ª - Os documentos em causa, para além de respeitarem claramente aos factos principais alegados pela A. nos seus articulados e não se enquadrarem por isso na “previsão do n.º 3 (que) respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais”, também não se formaram posteriormente à ocorrência que o A. agora alega - “em posse de empresas terceiras que prestam serviços ao A.” -, pois “sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente” o que in casu claramente não sucede.

4ª - Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 423º do CPC, não basta a mera alegação de que não foi possível a apresentação do documento até aquele momento, devendo o apresentante demonstrar tal facto o que deverá ser feito mediante incidente nos termos dos art.ºs 292º a 295º do CPC”, o que não sucedeu in casu.

5ª - A junção dos documentos teria de obedecer aos trâmites previstos e determinados nos art.ºs 423º e segs. do CPC, não podendo admitir-se a sua junção de forma arbitrária como o fez o Tribunal ´a quo` com base no dever de gestão processual ou princípio do inquisitório, postergando o princípio do dispositivo e da igualdade de armas (art.ºs 4º, 6º e 411º do CPC) pois “o princípio do inquisitório (art.º 411 do CPC) não pode ser utilizado para, objectivamente, auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do art.º 423 do CPC. (…)” sendo que “[…] é bom que isto se acentue, para que não se ceda à tentação de santificar a violação de proibições de prova em atenção ao fim da descoberta de uma (pretensa) verdade ‘material’. Hoc sensu, a chamada ‘verdade material’ continua a ser, ainda aqui, uma verdade intraprocessual.” “[A ‘verdade material’] há-de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço, mas processualmente válida”.

6ª - Os documentos em análise nunca poderiam também servir de prova relativamente aos factos controvertidos alegados pelas partes (art.ºs 368º, 373º, 374º e 376º do Código Civil/CC) dada a manifesta falta de factos a que respeitem os aludidos documentos e a abundância de prova relativa aos supostos danos do A., apresentando-se por isso, face à p. i. e respetiva versão dos factos, como manifestamente impertinentes e desnecessários, sendo irrelevantes para a prova ou contraprova dos factos controvertidos, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida (art.ºs 596º e 443º do CPC).

7ª - In casu, é manifesta a extemporaneidade e inadmissibilidade da junção aos autos dos documentos, os quais deverão ser desentranhados e devolvidos aos seus autores (art.ºs 195º e 423º do CPC), pelo que o despacho recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos art.ºs 4º, 6º, 411º, 423º e segs., 443º, 596º do CPC, 368º, 373º, 374º e 376º do CC e 92º do EOA.

            Não houve resposta.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, coloca-se a questão da admissibilidade (legal) da mencionada prova documental, à luz do princípio do inquisitório.                                                                                                                                                                                                                                                                                                       


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva o descrito no antecedente relatório e o seguinte:

a) Na ação, instaurada em 04.7.2020, o A. formulou - na petição inicial (p. i.) - um pedido (líquido) de €46.409,80, acrescido da quantia que se vier a liquidar relativamente a uma das duas sociedades arrendatárias que o Réu devia accionar; invocou a responsabilidade civil do 1º Réu e a responsabilidade civil profissional das Rés.

b) Na referida p. i., juntou 7 documentos referentes, nomeadamente, a comunicações da Ordem dos Advogados, declarações do Réu, taxas de justiça pagas e anúncio de processo de insolvência de uma dessas sociedades.

c) Na manhã de 29.4.2021 (data marcada para a audiência final), o A. juntou aos autos diversos documentos (reproduzindo um contrato de arrendamento, facturas, recibos, factura-recibo, nota de crédito, orçamento, nota de pagamento e uma carta dirigida a uma das arrendatárias)[2], e expôs e requereu:

«1. O Autor após várias tentativas para a obtenção de determinados documentos, a fim de permitir a descoberta da verdade material, somente no dia de ontem lhe foi possível a obtenção de tais documentos.

2. Os documentos em causa não estavam na posse do Autor, mas antes nas empresas terceiras que prestaram serviços ao mesmo.

3. Acresce que, tais documentos reportam-se ao ano de 2013, pelo que e atento o hiato temporal já decorrido, dificultou ainda mais a sua obtenção.

4. Nesse sentido, os documentos permitirão demonstrar de forma clara e inequívoca o valor peticionado na p. i., conforme alegado nos artigos 5º e 6º (rendas, prejuízos, encargos e outras), as quais foram exigidas pelo A. quer à arrendatária, quer ao fiador, cf., melhor se alcança pelos docs. Nºs 1 a 4, cuja junção se requer.

5. Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 423º n.º 3 do CPC, vem requerer que permita a junção dos documentos supra referidos, apesar da apresentação tardia não imputável aos mesmos, os quais são essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Requer a V. Exa:/ - Para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, se digne admitir, ao abrigo do disposto no artigo 423º, n.º 3 do CPC, a junção dos documentos supra, apesar da apresentação tardia não imputável ao A. pelos motivos supra expostos, atento inclusive do inquisitório previsto no artigo 411º do CPC./ JUNTA: 4 documentos

d) Na audiência de 29.4.2021 o Réu considerou tais documentos inadmissíveis, porquanto, além do mais, não se trata de documentos que não estivessem em poder do A., cuja apreciação teria necessariamente que se fazer, mas que poderia o A., antes da interposição da acção, obter estes documentos que não são documentos em posse de terceiros; por seu lado, a Ré Seguradora opôs-se à junção dos documentos dizendo que não consubstanciam qualquer auxílio à descoberta da verdade, para além de que são manifestamente intempestivos, em conformidade com o disposto no art.º 423º, n.º 3 do CPC.

            e) Por despacho exarado em acta, o Tribunal a quo decidiu:

«No dia de hoje, pela manhã, previamente ao julgamento, veio o autor proceder à junção de novos documentos ao processo, invocando a justificação da sua junção por duas vias: (…)/ Analisada a documentação, verifica-se que pese embora alguns documentos se aparentem incompletos, estão em causa apenas os documentos, não se verificando deles nenhum atestado ou declaração que foram apresentados apenas no dia de ontem. Posto isto, pese embora a alegação e considerando que tal alegação teve oposição da contraparte, não se pode dar por assente que apenas ontem foram obtidos, razão pela qual também não pode considerar-se que a apresentação tardia não é imputável ao apresentante e, nesses termos, entende o Tribunal que não estão verificados os pressupostos a que alude o art.º 423º, n.º 3 do CPC quanto aos mesmos[3]./ Resta, pois, aferir da sua admissibilidade à luz do art.º 411º do CPC. Dispõe este normativo que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Considerando a argumentação expendida no ponto 4 de junção de documentos, designadamente que os documentos agora juntos dizem respeito à prova das rendas, prejuízos, encargos e outros, nos termos dos artigos 5º e 6º da p. i., afigura-se-me que de facto e em abstrato poderão ter relevância para, conjugadamente com a demais prova, serem apreciados e ponderado tudo o que foi alegado na presente ação e contribuírem dessa forma para a descoberta da verdade material e eventual apuramento dos factos e justa composição do litígio. Face ao exposto, relativamente às faturas juntas, desde já se admitem, nos termos e para os efeitos do art.º 411º do CPC, bem como assim dos documentos constantes de fls. 115, 115 v, 116, 116 vº e 117. No que toca ao documento de folhas 110 e 111, efetivamente aparenta não estar completo, sendo que não basta admiti-lo sem mais, notificando-se o autor para o apresentar completo ou dizer o que tiver por conveniente (…).»

f) O A. exibiu de imediato o referido último documento (completo), depois junto aos autos.

g) Concedido aos Réus “o prazo legal de vista” e dada “sem efeito a sessão de julgamento”, em 10.5.2021, a 3ª Ré e o Réu impugnaram os documentos e mantiveram as posições ditas em d).

h) Alega-se nos art.ºs 5º e 6º da p. i.: «Ficando, igualmente, em dívida o pagamento de rendas, consumos de água e outros danos verificados no imóvel entregue e não existentes à data da celebração do contrato[4] / «Tudo num total correspondente à quantia de € 33 061,53, acrescida da correspondente aos respetivos juros (…).»

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Sob a epígrafe “Princípio do inquisitório”, reza o art.º 411º do CPC[5] que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”

Preceitua o art.º 423º que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1); se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (n.º 2); após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3).

3. Face ao preceituado no art.º 423º, dúvidas não restam quanto à intempestividade na apresentação dos documentos no dia designado para a audiência de julgamento - assim foi verificado e decidido pelo Tribunal recorrido [cf. II. 1. e), supra], sem reparo.[6]

Resta, pois, saber se podiam/deviam ser juntos a coberto do princípio do inquisitório.

4. Dir-se-á, desde já, que se trata, em geral, de matéria não isenta de dificuldades, relevando, necessariamente, as especificidades de cada caso no confronto com a legislação adjectiva, em particular, o citado art.º 411º.

Na ponderação dos factos e do direito releva o entendimento do direito enquanto “responsabilizante dimensão ética do homem” e a finalidade de encontrar uma solução exigida pelo direito enquanto validade normativa - normativamente adequada às circunstâncias do caso concreto[7] e aos interesses em presença -,  sabendo-se que “toda a interpretação jurisdicional de uma lei implica uma correcção ou um aperfeiçoamento do direito[8]; “o objecto problemático da interpretação jurídica não é a norma como objectivação cultural (…), mas o caso decidendo, o concreto problema prático que convoca normativo-interpretativamente a norma como seu critério judicativo (…), o que significa, evidentemente, que é o caso e não a norma o ´prius` problemático-intencional e metódico.[9]

5. O tribunal/juiz deverá providenciar pela obtenção das provas que permitam demonstrar a realidade dos factos (art.ºs 7º, n.º 1 do CPC e 341º do CC), realizando ou ordenando, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art.º 411º).

Este entendimento das coisas vem de longe, considerando-se, também, desde há muito, que o conceito da inércia e passividade do magistrado “fez o seu tempo[10] e que o juiz tem o poder-dever de “ordenar oficiosamente as diligências e actos que entender necessários para o descobrimento da verdade” - nas palavras do CPC de 1939, no seu art.º 264º, 2º §.

No mesmo sentido, as disposições similares do CPC de 1961 - inclusive, depois da reforma de 1995/96 (que atribuiu ao juiz, entre outras, a incumbência de  “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”)[11] - e as citadas disposições do actual CPC, porventura com o desenvolvimento/aperfeiçoamento que (em qualquer codificação) sempre deverá existir.

6. Desde a fase da instrução do processo (art.ºs 410º e seguintes) até à sentença (art.º 607º, n.º 1) -  com a finalidade última de possibilitar toda a prova necessária à formação completa e esclarecida da convicção -, o juiz, salvaguardado o primordial dever de imparcialidade (equidistância), e norteado pelos princípios da verdade e da justiça material, poderá/deverá desenvolver a referida actividade de indagação e esclarecimento dos factos relevantes para o desfecho do litígio.

Atenderá, pois, aos elementos probatórios (admissíveis) necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (art.º 411º).

Sem prejuízo de, em obediência ao princípio do dipositivo estabelecido no n.º 1 do art.º 5º, caber às partes o ónus de invocar os “factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”, o princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos e aos demais de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e a justa composição do litígio.

Tal poder-dever emerge e justifica-se independentemente da vontade das partes na realização das diligências/produção de meios de prova (e/ou da tempestividade dessa iniciativa ou de uma qualquer pretensão nesse sentido). O critério firmado no art.º 411º coloca a questão ao nível da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa composição do litigo; verificado o pressuposto da necessidade (baseado na fundada convicção de que a diligência a promover é necessária ao esclarecimento dos factos), o juiz, nos termos da lei, tem o dever de agir.[12]

7. Na situação em análise, invocando o A. que o Réu violou o seu direito “à cobrança judicial dos créditos resultantes do incumprimento contratual” por parte das duas sociedades arrendatárias referidas na p. i., inerente ou sequente ao alegado comportamento omissivo do Réu no âmbito do mandato forense (tudo, melhor configurado, entre outros, nos art.ºs 8º a 18º, 24º, 25º e 29º a 39º da p. i.), e, assim, importando demonstrar a existência, por um lado, dos correspondentes contratos de arrendamento (cf., sobretudo, os art.ºs 2º e 13º da p. i.) e, por outro lado, dos valores (rendas, despesas, etc.) pretensamente em dívida (cf., principalmente, os art.ºs 5º e 6º da p. i.), antolha-se evidente o potencial interesse da prova documental em causa para o esclarecimento dalguns dos factos essenciais da presente lide[13] - o primeiro e o último documentos (datados de 01.12.2007 e 13.5.2013) respeitam ao contrato de arrendamento celebrado com uma daquelas arrendatárias e a valores pretensamente devidos (nomeadamente, rendas); os demais, aparentando menor pertinência, estarão ligados, sobretudo, a pretensas reparações e à existência de danos no armazém arrendado.

Ora, não se tratando, agora, de ajuizar das eventuais insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada - naturalmente, susceptíveis de comprometer o êxito da acção (atentas as soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida) -, mas, apenas, se aqueles elementos probatórios interessam sobremaneira à boa decisão da causa (ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio), afigura-se que teremos de concluir pela sua importância/pertinência/necessidade[14] e, por conseguinte, que o Tribunal tinha o poder-dever de determinar a sua admissão aos autos.

8. Não obstante a extemporaneidade do requerimento dito em II. 1. c), supra, antolha-se, pois, claramente indiciado o pressuposto da necessidade/imprescindibilidade daqueles meios de prova para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio.

9. Ademais, tendo em conta os elementos vindos aos autos, não se poderá concluir que o A. tenha assumido uma conduta grosseira e indesculpavelmente negligente em violação do princípio da auto-responsabilidade das partes.[15]

10. Não se mostrando violadas quaisquer disposições legais, soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se o despacho que admitiu os documentos.

Custas pela Ré/apelante.


26.10.2021


[1] Rectifica-se lapso manifesto.
[2] Cf. fls. 11 verso a 18/fls. 232 a 249.
[3] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[4] Reporta-se o A. ao 1º documento junto a 29.4.2021/contrato de arrendamento [dito em II. 1. c) e f), supra].
[5] Diploma a que respeitam as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[6] O art.º 423º do CPC estabelece o princípio geral relativamente ao momento da apresentação de prova por documentos, adoptando regime mais restritivo que o anteriormente definido (art.º 523º, do CPC de 1961/revisão de 1967), densificando-se “uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final” - vide, nomeadamente, J. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 250; Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, Ediforum, Lisboa, 2013, pág. 158 [salientando que os actuais n.ºs 2 e 3 correspondem, com um grau de exigência bastante superior, ao n.º 2 do art.º 523º, do CPC de 1961] e Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 340.

   Cf., de entre vários, o acórdão da RC de 24.3.2015-processo 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1 [assim sumariado:«1. Do art.º 423º, do CPC de 2013, extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, sendo admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior. 2. Quando a parte não junta o documento com o articulado respectivo, a par da alegação do facto probando, e só mais tarde o faz, sujeita-se às condições estabelecidas na lei, sendo que, naquela última situação (n.º 3 do referido art.º), deverá demonstrar a impossibilidade da apresentação até então ou que a mesma se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. 3. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento.»], publicado no “site” da dgsi.
[7] Vide A. Castanheira Neves, O direito como validade, in RLJ, 143º, 175.
[8] Becker, apud António Pinto Monteiro, Interpretação e o protagonismo da doutrina, RLJ, 145º, 67.

[9] Vide A. Castanheira Neves, O Actual Problema da Interpretação Jurídica, in RLJ, 118º, págs. 257 e seguinte.
[10] Vide J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pág. 3.

[11] No preâmbulo ao DL n.º 329-A/95, de 12.12, refere-se, entre outras “linhas mestras” / “princípios gerais”:

   - “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.”

   - “Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo (…).”

   - “Procede-se a uma ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade, em termos que se consideram razoáveis e adequados. (…) Para além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”

[12] Neste sentido, cf., nomeadamente, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, 2ª edição, 2004, Almedina, págs. 256 e seguintes (comentando idêntico normativo do CPC 1961, na redacção conferida pela Reforma de 1995/96); Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2ª edição, págs. 372 e seguinte; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. e vol. citados,  págs. 363 e seguinte;  Nuno Lemos Jorge, Poderes Instrutórios do Juiz, Alguns Problemas, in Julgar 3, 2007, págs. 65 e seguintes e Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, pág. 273 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 12.6.2003-recurso n.º 1717-03 [considerando, e concluindo, relativamente a idêntica disposição do CPC de 1961: O n.º 3 do art.º 265º do CPC não integra uma simples faculdade de uso discricionário, e “não diz coisa diferente do velho 264º, n.º 3”, na sua redacção primitiva (“O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade…”), mas di-lo de uma forma que torna muito mais impressiva a ideia de que aquele poder, a que se refere o velho art.º 264º, n.º 3, é um poder-dever, um indeclinável compromisso do juiz com a verdade material.» (sublinhado nosso)], da RG de 12.11.2020-processo 3102/12.7TBBCL-H.G1 [Concluindo-se: «I- O princípio do inquisitório, no seu sentido restrito, adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, uma vez que o tribunal não está limitado aos elementos probatórios apresentados pelas partes, tendo o poder/dever de diligenciar pela obtenção da prova necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (art.º 411º do CPC). II- O uso de poderes instrutórios está sujeito aos seguintes requisitos: i) a admissibilidade do meio de prova; ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado; iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer. III- Se dos elementos constantes dos autos se mostrar indiciado o pressuposto da necessidade ou da imprescindibilidade da perícia para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio, a sua realização impõe-se ao tribunal, pelo que terá aquele de usar (…) dos poderes-deveres que lhe são conferidos pelo art.º 411º do CPC. IV- Nesse pressuposto, a vontade (intempestiva) que a parte manifesta no sentido da realização da perícia é meramente acidental, não revelando autonomamente para a decisão do juiz.»] e da RP de 02.7.2020-processo 285/14.5TVPRT.P1 [tendo-se concluído: «(….) IV - (…) os documentos devem ser juntos ao abrigo do principio do inquisitório se o interesse destes para a decisão da causa for superior às desvantagens provocadas na sua tramitação, e afectação do direito de defesa da parte contrária. V - A utilização desse poder dever não afecta a independência do tribunal, pois, este desconhece e é alheio aos efeitos concretos da decisão; exerce um poder dever e visa carrear para os autos todos os elementos para uma decisão conforme com a realidade.»] e 11.01.2021-processo 549/19.1T8PVZ-A.P1 [sumariando-se: «O artigo 411.º do CPC (princípio do inquisitório) estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, incumbindo-lhe também realizar ou ordenar oficiosamente as diligências relativas aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que julgue que aquelas são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio relativamente a factos que o Tribunal pode (e deve) conhecer.»], publicados, o primeiro, na CJ-STJ, XI, 2, 100 e, os restantes, no “site” da dgsi.
[13] Cf., ainda, nomeadamente, a “conclusão 3ª”, ponto I., supra.

[14] Cf., ainda, nomeadamente, o comentário do Prof. Teixeira de Sousa, no dia 15.5.2019, no blogue do IPPC, ao acórdão da RL de 30.01.2019-processo 639/18.8T8FNC-A.L1-4.
[15] Cf., designadamente, os citados acórdãos da RG de 12.11.2020-processo 3102/12.7TBBCL-H.G1 e da RP de 11.01.2021-processo 549/19.1T8PVZ-A.P1, bem como os acórdãos da RL de 06.6.2019-processo 18561/17.3T8LSB-A.L1-2 [tendo-se concluído: «(…) IV - O Código de Processo Civil contém diversos preceitos legais que permitem “equilibrar” o regime consagrado no art.º 423º do CPC, em que assume preponderância a consagração do princípio do inquisitório, no art.º 411º do CPC, assim ficando assegurado o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo (artigos 20º da CRP e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). V - Mas o referido princípio não pode servir para colmatar toda e qualquer “falta” das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, pois se assim fosse estaria a fazer-se do mesmo uma interpretação normativa e aplicação prática em colisão com outros importantes princípios, do processo civil e até constitucionais, mormente o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (20º e 62º da CRP).»] e 11.7.2019-processo 23712/12.1T2SNT-A.L1-7 [constando do sumário: «(…) Num contexto de grave inobservância do princípio da autorresponsabilidade das partes conexo com o seu ónus probatório, e tratando-se de documentos de obtenção fácil ou previsível, não colhe razão de ser a invocação do princípio do inquisitório para suprir a incúria grave dos autores na junção tempestiva dos documentos.»], publicados no “site” da dgsi.