Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/11.0TAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CONTENDA POLÍTICA
CRIME DE DIFAMAÇÃO COMETIDO ATRAVÉS DE MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 180°, N.° 1, 183°, N.º 2 E 31º, DO C. PENAL
Sumário: I - Chamar a alguém atrasado mental é manifestamente ofensivo, para mais tratando-se de alguém que exerce funções públicas para as quais foi democraticamente eleito.
II - Neste condicionalismo não funciona a causa de justificação prevista na al. a), do n.º 2, do art.º 180º, do Código Penal, já que não está em causa uma imputação de factos que visem a realização de um interesse legítimo, mas uma formulação de juízos de valor ofensivos.
III - Na impossibilidade de funcionamento da causa de justificação do art.º 180º, n.º 2, do Código Penal, dada a inadmissibilidade da exceptio veritatis, deverão funcionar as regras gerais constantes do art.º 31º, do mesmo Diploma, em cujos termos “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, nomeadamente, nos termos da al. b), do respectivo n.º 2, quando o facto for praticado “no exercício de um direito”, havendo, no entanto, que ter em especial atenção os princípios da ponderação de interesses e/ou da adequação social.
IV - Ainda que esta expressão tenha sido proferida no âmbito de uma contenda política, a densidade dos direitos em questão não permite afirmar uma manifesta supremacia do direito do arguido de se pronunciar politicamente sobre os factos dessa contenda, sacrificando o direito ao bom-nome e reputação do assistente, tanto mais que o arguido não carecia em absoluto da formulação do juízo ofensivo para fazer valer o seu ponto de vista, razão pela qual não poderá prevalecer-se da causa de justificação.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
(…)
Julgo a acusação procedente e, em consequência, decido:
a) Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de difamação cometido através de meio de comunicação social, p. e p. pelos artigos 180°, n° 1 e 183°, nº 2, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros), o que perfaz o montante global de 2.000,00€ (dois mil euros); e
b) Condenar o arguido nas custas do processo (artigo 513° do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs (artigo 8°, n° 5 do RCP e Tabela III a este anexa) e nos encargos do processo (artigo 514° do CPP).
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Após trânsito, remeta Boletim ao Registo Criminal.
Deposite (artigo 372°, n° 5 e 373°, n° 2 do Código Processo Penal).
*

3.2 - Parte Cível
Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nestes autos por B... e, em consequência, decido:
a) Condenar o arguido A... no pagamento ao assistente da quantia de 2.000,OO€ (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver o arguido A... do restante peticionado; e
c) Condenar o arguido e o ofendido nas custas inerentes ao pedido de indemnização civil, na proporção do seu decaimento, nos termos do disposto no artigo 446°, n.? 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 523° do Código de Processo Penal.
Fixo ao pedido de indemnização civil o valor de 2.000,OO€ (dois mil euros). Notifique.
(…).

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. Ao contrário do propugnado e prescrito pela sentença ora posta em crise, as expressões proferidas pelo recorrente e que constituem, na sua essência e forma, o objecto mediato dos presentes autos, devem, de uma vez por todas ser reconduzidas a um verdadeiro contexto de confronto político-partidário, isentando, por aí, a conduta do arguido de qualquer tipo de censura penal.
2. Na verdade, mesmo que seja certo e seguro que tais afirmações podem preencher, em abstracto, um certo conceito de difamação - revestindo, assim, ainda maior gravidade dado o meio de difusão utilizado - o certo é que, olhando não só ao seu momento primordial de produção, bem como ao contexto que lhes deu origem, sempre se deverá, em qualquer caso, fazer notar que ao recorrente outro comportamento não lhe seria exigível.
3. De resto, tal como resultou provado, é por demais sabido que o recorrente nunca, em momento algum da entrevista em que tais declarações, ditas difamatórias ou injuriosas, foram proferidas, soube e quis referir-se, directamente, à pessoa do assistente;
4. Tendo preferido, outrossim, deixar no ar uma certa insinuação ou inuendo que, em boa verdade, seria sempre de livre interpretação por parte dos receptores dessa mesma mensagem.
5. Ora, embora seja certo que, de acordo com as regras da experiência comum, o emprego desse estilo de jocosidade facilmente seria facilmente depreendido pelo auditório autárquico - principal interessado em tais notícias -, menos certo não será que tal sempre se deveu a uma primeira acção, legítima, nunca se discutirá, do próprio assistente que, no âmbito do debate de ideias havido em várias sessões da Assembleia Municipal de W..., soube e quis por em causa a genuinidade e o carácter inovador de certa iniciativa da autoria do recorrente; e sempre apoiado por certos elementos que acreditava serem verdadeiros e colocando até de parte outras possíveis causas - que se vieram a verificar - para o aparecimento de um rótulo que atribuía a produção do queijo inserto no Kit de produtos regionais a pessoa com negócio em Castelo Branco e não em W....
6. Deste modo, haverá sempre que perguntar, em nome do princípio do tratamento mais favorável, se o «desabafo» do recorrente - pessoa que, tal como ficou provado, «ferve em pouca água» e tem «um pavio curto» - foi assim tão descabido ou indesculpável, na certeza de que, em virtude daquela conduta do assistente, viu aquele a sua honorabilidade e dignidade pessoais postas em causa, em muitos dos comentários de blogues locais que se debruçaram sobre tal, diga-se mesmo, «fait­divers».
7. Embora se possa sempre clamar, diariamente, por uma desejável elevação do debate político, nunca deixará de ser verdadeiro que o mesmo contará sempre com uma certa dose de «cor local» e alguns excessos que, muito antes de poderem ser vistos como tutelados pela acção penal, mais não são do que, muitas vezes, o resultado esperado pela pessoa que, como o assistente, mantém um confronto partidário aberto com outra, no caso, o recorrente.
8. Nesse mesmo sentido e olhando para todo o contexto circundante, inserto no episódio de que os presentes autos cuidam, até se poderá afirmar, com toda a propriedade, de que estamos perante o recurso à figura da caricatura; se semelhante à realidade, ou dela totalmente afastada e, por aí, censurável, será sempre outra questão - a ser tratada no plano da moral e dos bons costumes políticos, nunca a nível da tutela jurídico-penal.
9. Até porque a aceitar-se que o presente caso venha a servir, por alguma forma, para o estabelecimento de certas regras de bom senso e de bom gosto - com todos os perigos que tal comporta, ao atentar-se nas notas de regionalismo e especificidade cultural local, que devem, em todos os casos, serem observadas -, passar-se-á a contar com o poder jurisdicional para a densificação de um debate que, até ao presente momento, se revela como pura e naturalmente político-autárquico.
10. Deste modo, e encontrando-se afinal o recorrente ao abrigo de uma causa de justificação natural - concretizada no desabafo que o mesmo entendeu fazer perante uma situação de crítica e de mal-estar produzido pela primeira acção do assistente (que o. confrontou anteriormente com dados que, veio-se a descobrir, eram falsos) - deveria o mesmo, como deve, ter sido absolvido do crime por quem vem acusado.
11. O que, por ora, naturalmente se requer.
12. De qualquer modo e na hipótese, meramente académica, de assim não se entender, logo a medida concreta da sanção penal que lhe foi aplicada, bem como o montante indemnizatório arbitrado, devem ser objecto de uma mais que devida reforma.
13. Na verdade, ainda será aquele mesmo contexto do caso concreto - de que o julgador nunca se poderá dissociar - que ajudará à tomada de verdadeira consciência acerca das efectivas necessidades de prevenção geral e especial aqui em causa, bem como do real grau de culpa do agente.
14. Ou seja, ao recordar-se quer todas as notas da personalidade do recorrente, bem como até a sua conduta posterior (ao admitir que as afirmações proferidas eram dirigidas ao assistente e ao reconhecer que se teria excedido com o teor das mesmas - embora nunca tendo, nesse primeiro momento, referido quaisquer nomes) e até o contexto de mal-estar por si - provocado pelos comentários em blogues a que a intervenção do assistente na Assembleia Municipal deu azo - nunca a pena de multa aplicável pela prática de um crime de difamação deveria ter ultrapassado o mínimo legal estabelecido pelo número 2 do artigo 1830 do Código Penal;
15. Devendo, desta feita, e neste momento de reexame da matéria de direito, ser fixada medida concreta de tal pena nos 120 dias, uma vez que tanto ao nível das necessidades de prevenção, geral e especial, quer no toca ao grau de culpa do recorrente, aquela nunca deixará de traduzir o ponto óptimo de encontro entre umas e outro.
16. Já no que toca ao quantitativo diário de tal pena, também o mesmo deverá ser objecto de uma consciente reforma que leve em linha de conta tudo quanto ficou provado.
17. Até porque, não se podendo dizer que o recorrente - gestor de empresas, que aufere cerca de 1200 euros mensais, que tem uma filha menor a seu cargo e que paga uma prestação mensal ao banco, devida por conta de um empréstimo, no valor de quinhentos e cinquenta euros - seja um indigente incapaz de suportar, pelo menos o pagamento diário do mínimo legal de cinco euros, o certo é que, tais encargos havidos com a sua vida pessoal e familiar têm de ser levados em efectiva linha de conta, longe de quaisquer moralismos ou de uma perspectiva que apenas se debruce sobre o que se tem, e nunca sobre o que, ao fim do mês e do ano, se deve.
18. Nesse mesmo sentido, e por se achar mais adequado à realidade económico-social do recorrente, desde já se requer que também o quantitativo diário da pena de multa a aplicar àquele - e apenas no caso da sua não absolvição - se venha a situar num valor nunca superior a 7 (sete) euros diários;
19. Tudo perfazendo assim o montante global de oitocentos e quarenta euros, correspondente a 120 dias de multa à razão diária de sete euros.
20. Por outro lado, e atendendo, uma vez mais, à circunstância de a conduta do arguido ter sucedido no âmbito de uma luta política que vai mantendo com o recorrido, nunca o grau de culpa daquele, em sede de responsabilidade aquiliana, se pode ter como elevado (valendo aqui todas as considerações precedentes, que foram sendo feitas quer nas presentes conclusões, quer no corpo do recurso).
21. Melhor dito, nunca os danos supostamente causados na esfera, privada ou pública, do recorrido se podem ter como permanentes e, por aí, a merecer um ressarcimento superior à quantia de setecentos e cinquenta euros;
22. Peticionando-se, em consequência, lá está, a redução do montante arbitrado pelo tribunal recorrido para tal valor.
23. Em suma, foram violadas, entre outras, e por erro de interpretação e aplicação, as normas dos artigos 1800 nº 1 e 1830 nº 2 do Código Penal e dos artigos 4830 e ss. do Código Civil.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso proceder, por provado, e a sentença ora posta em crise ser substituída por acórdão que:
i) absolva o recorrente da prática do crime de difamação cometido através de meio de comunicação social, previsto e punido pelos artigos 1800 nº 1 e 1830 nº 2 do Código Penal;
ii) absolva, em consequência, o recorrente do pagamento de qualquer montante indemnizatório devido em sede de responsabilidade civil extracontratual;
ou, quando assim não se entenda,
iii) condene o recorrente, pela prática do crime acima referido, numa pena de 120 dias de multa à taxa diária de sete euros, perfazendo o montante global de €840,00 (oitocentos e quarenta euros);
iv) condene o recorrente, a título de responsabilidade civil extracontratual, e pelos danos não patrimoniais supostamente causados ao recorrido, no pagamento de um montante ressarcitório nunca superior a €750,00.
MAIS REQUER A V. EXAS.:
A realização de audiência para discussão dos pontos II) e III) da motivação do presente recurso, nos termos do nº 5 do artigo 411° do Código de Processo Penal.

O assistente B... respondeu, formulando as seguintes conclusões:
1. Há na douta sentença clara distinção do que é contexto político daquilo que foi entrevista ofensiva, que pôs em causa os bens jurídicos tutelados pelas normas penais.
2. A conduta assumida em recurso pelo arguido denota que há equivoco quer no seu pedido de desculpa em audiência quer na intenção com que o fez nessa.
3. A pena aplicada apenas peca por defeito, quanto ao montante diário, na medida em que há nos autos um documento que prova que o arguido é vereador a tempo permanente, consequentemente, ganhando o dobro daquilo que foi calculado na douta sentença.
4. Pode ampliar-se recurso e sentenciar-se indemnização de valor não inferior a 4000(, por dano moral, mantendo-se todo o demais doutamente decidido.
Termos em que,
Sem prejuízo de se admitir e apreciar ampliação de recurso quanto ao valor da indemnização cível arbitrada, deverá manter-se a douta sentença, ainda que se agrave o valor da multa diária por o arguido, enquanto vereador a tempo inteiro, ter remuneração fixada legalmente no dobro daquilo que foi sentenciado, valores esse publicados em DR.

Também o M.P. respondeu, formulando as conclusões seguintes:
1. A sentença recorrida condenou o recorrente pela prática de um crime de difamação acometido através de meio de comunicação social, previsto pelos artigos 180.°, n.º l e 183°, n.º 2, ambos todos do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 10,00, perfazendo o montante global de € 2.000,00 e ainda a pagar ao assistente, a titulo de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.000,00.
2. Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela absolvição do arguido, por considerar que as expressões foram proferidas num contexto de luta política, isentando, por aí o arguido de qualquer censura penal.
3. Por outro lado, e caso assim não se entenda, o recorrente manifestou ainda discordância relativamente à medida concreta da pena aplicada, bem como do montante indemniza tório, pugnando pela fixação da medida concreta de tal pena nos 120 (cento e vinte) dias, na fixação do quantitativo diário de tal pena em montante não superior aos € 7,00 (sete euros) e que o montante indemnizatório arbitrado ao recorrido não deverá ser superior a € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
4. Importa afirmar a nossa concordância com o enquadramento jurídico-penal efectuada da douta sentença recorrida, e bem assim, com a medida concreta e quantitativo diário da pena de multa aplicada ao arguido e quanto ao montante indemnizatório arbitrado a favor do assistente.
5. Com efeito, atenta a factualidade dada como assente, e que não é posta em causa pelo recorrente, e bem assim o contexto em que aquele actuou, não restam dúvidas de que as expressões proferidas, nomeadamente quando se refere ao assistente como "atrasado mental", são, em si mesmas, do ponto de vista objectivo, ofensivas da honra e consideração daquele.
6. Na verdade, ainda que o recorrente ponha o contexto em que foram proferidas tais expressões sob a capa do "confronto político", a verdade é que tais expressões, ultrapassam quanto a nós, o limite onde termina a liberdade de expressão e de mera critica política e começa o insulto pessoal, a ofensa à integridade moral do assistente. Efectivamente, o recorrente ultrapassa o mero debate ou ataque político para pessoalizar tal ataque, atingindo a dignidade do assistente, a sua reputação e consideração exterior, porquanto formula juízos de valor negativos sobre aquele, juízos esses que são pessoais e caem na esfera da sua vida privada.
7. Num Estado de Direito democrático, como é o nosso, a Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 37°, n.º 1, o direito à liberdade de expressão e informação. Mas exactamente por se tratar do exercício de um direito fundamental, o mesmo não é absoluto e ilimitado, devendo ser compatibilizado com o direito à honra, que assume relevância idêntica na hierarquia dos direitos que têm tutela constitucional.
8. Por outro lado, os cidadãos que exercem cargos públicos, nomeadamente políticos, como os exercidos pelo recorrente e assistente, estão sujeitos a figurar como alvos de mais e de mais intensas criticas que os demais cidadãos, provenham elas dos seus pares ou não.
9. Tal não significa, no entanto, que a reputação e bom-nome dessas pessoas não mereça protecção. Na verdade, a fronteira entre o que se deve considerar como crítica política admissível e o que já cai no âmbito do direito penal deve passar pela distinção entre a discussão política em sentido próprio, por um lado, e a mera ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional às exigências do debate político democrático, por outro lado.
10. Ora, fazendo o confronto da matéria de facto acolhida na sentença recorrida, é inequívoco que as expressões utilizadas pelo recorrente extravasam largamente o direito de crítica legítima e atingem a honorabilidade do assistente, por se referirem a factos pessoais deste, extravasando um mero direito de critica política, tendo usado da vida privada do assistente para o descredibilizar, não se podendo, por isso, considerar como inseridas no cerne do debate político.
11. Com efeito, ainda que se admita que os factos ocorreram no âmbito da luta política, onde a esfera privada de quem nela participa poder ser mais restringida, ainda assim, entendemos ter sido violado o direito pessoal do assistente à sua honra e reputação exterior.
12. É que, em nosso modesto entendimento e salvo melhor opinião, o arguido não se ficou pelo exercício de um seu direito de expressão, de opinião ou critica, que seguramente lhe está reconhecido, antes extravasou os seus limites, de forma excessiva e desproporcionada, indo além do que lhe era permitido, ferindo directamente, com os juízos de valor que emitiu, o núcleo essencial do direito à honra do assistente.
13. Impõe o art. 47°, nºs 1 e 2, do Código Penal, no que respeita à determinação da pena de multa, que seja a mesma fixada em dias, de acordo com os critérios constantes do art. 71°, n01, do mesmo diploma legal, sendo o quantitativo diário estabelecido em função da situação económica e financeira do condenado assim como, dos seus encargos pessoais.
14. Assim, atentas desde logo as referências norteadoras da culpa e da prevenção que directamente visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e considerando os critérios previstos no art. 71°, n° 2, do Código Penal, que impõem considerar in casu, o grau de ilicitude do facto, o dolo do arguido e as consequências adstritas ao facto, somos do entendimento, que se mostram inteiramente válidas as considerações nesta parte já feitas pela M.ma juiz a quo na sentença recorrida.
15. Neste particular, saliente-se, no que respeita ao montante da pena de multa, que se entende, regra geral, que ele deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.
16. In casu, ponderando todos os já referidos factores e os que mais constam na douta sentença recorrida, sopesando a apurada situação económica e financeira do arguido, consideramos, contrariamente ao alegado pelo recorrente, ser adequada a pena de multa em que o mesmo foi condenado e o quantitativo diário de tal pena, considerando concretamente, a possibilidade legal que ao mesmo assiste de proceder ao pagamento em prestações da pena de multa que lhe foi imposta.
17. O raciocínio que acabamos de fazer é também aplicável ao montante indemnizatório arbitrado ao recorrido a título de danos não patrimoniais, no valor de € 2.000,00, que consideramos ser proporcional e adequado, atentos os fundamentos expostos na douta sentença recorrida.
Termos em que deverá ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, julgando-se como manifestamente improcedente o recurso interposto pelo arguido A...,

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância e pugnando pela manutenção do decidido.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a audiência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Verificação dos pressupostos do crime pelo qual o arguido foi condenado;
- Medida concreta da pena e taxa diária da multa;
- Valor da indemnização arbitrada.

* * *

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1. Por altura do Mundial de Futebol de 2010, a propósito da participação da Selecção Nacional no mesmo, na África do Sul, os Bombeiros Voluntários de W... colocaram à venda um KIT de produtos regionais contendo queijo e chouriço.
2. Na Assembleia Municipal de W... de 30 de Junho de 2010, o assistente B..., na qualidade de deputado municipal, questionou o arguido A... pretendendo saber se os produtos presentes no KIT que estava a ser promovido pelos Bombeiros Voluntários de W..., eram produzidos no concelho de W....
3. Na Assembleia referida em 2, e após a intervenção do assistente aí descrita, o arguido A... frisou que o queijo constante do KIT era de W..., sem qualquer margem para dúvidas.
4. Após o referido em 3 o assistente frisou que o código do produtor (ILT) constante do rótulo do referido KIT dizia respeito a um produtor de Castelo Branco e não de W....
5. Na publicação do jornal "Nova Guarda", de 21 de Julho de 2010, no espaço de entrevista semanal denominado "sem papas na língua", o arguido A... foi questionado sobre se "o queijo adquirido pelo … é todo de produtores de W... ou pode ser adquirido a outros produtores", referindo-se ao queijo constante do KIT referido em 1 e se "esta questão foi levantada por um deputado municipal".
6. Em resposta ao questionado em 5, o arguido A... afirmou, relativamente ao assistente B... que "É de um deputado que é governado pela mãe e que dorme até à uma da tarde, e portanto, quanto a atrasados mentais eu não respondo. Esse deputado só faz intervenções para denegrir a imagem das pessoas ".
7. As afirmações referidas em 6 foram proferidas no âmbito de uma entrevista ao jornal "Nova Guarda", referida em 5, que dá por título "É uma estupidez alguém se lembrar que W... anda a comprar queijo em Castelo Branco ".
8. Na publicação do jornal "Nova Guarda", de 28 de Julho de 2010, foi exercido o direito de resposta pelo assistente.
9. Na Assembleia Municipal de W... de 27 de Setembro de 2010 o deputado municipal pelo movimento " …", … , solicitou que fosse formulado, por parte do arguido, um pedido de desculpas formal e absolutamente claro pelo referido em 6, sendo indispensável a imediata retratação na Assembleia do arguido para com o órgão e com o Deputado em questão.
10. Após o referido em 9, o arguido afirmou que tratou da promoção do KIT com os produtos do concelho com os Bombeiros Voluntários e orgulha-se do trabalho que foi realizado, lamentando que, com a intenção de o atingir pessoalmente, tenham denegrido os produtores do concelho. Informou que depois da reunião foi aberto um inquérito para aferir se houve um erro na impressão dos kits, porque trata-se sem qualquer margem para dúvidas de um lapso, porque o queijo é proveniente do concelho. Disse que nunca se referiu ao Senhor Deputado, mas não se pode responsabilizar pelas palavras escritas do jornalista. Por último disse que não tem qualquer constrangimento em pedir desculpa pelo mau entendimento do jornalista, mas espera que o Senhor Deputado também se retrate e peça desculpa aos produtores do concelho, porque as suas palavras e suspeitas atingiram o seu bom nome e idoneidade.
11. Nas afirmações referidas em 6, bem como ao longo de toda a entrevista, o arguido não identificou o nome do assistente, nem afirmou que tais expressões se dirigiam àquele.
12. O código do produtor (ILT) impresso no rótulo do KIT referido em 1, relativamente ao queijo, dizia respeito a um produtor de Castelo Branco, PT-ILT-139-CE … .
13. O queijo presente no KIT referido em 1 era queijo produzido no concelho de W....
14. Com a conduta referida em 6 o arguido quis ofender a honra e consideração do assistente.
15. O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito de ofender o assistente na sua honra e consideração, o que conseguiu.
16. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.
17. O assistente é deputado da Assembleia Municipal de W... pelo
movimento "…".
18. O assistente é casado, tem um filho menor e trabalha numa unidade de produção de queijo da serra, auferindo rendimentos do seu trabalho, dos quais vive.
19. O assistente é pessoa conhecida socialmente e respeitada em W....
20. O pai do assistente foi funcionário da Câmara Municipal de W..., sendo pessoa conhecida e respeitada nesse meio.
21. O jornal "Nova Guarda" era um jornal da Guarda, de periodicidade semanal, sendo que a publicação de 21 de Julho de 2010 teve uma tiragem de 5100 exemplares.
22. As afirmações referidas em 6 foram alvo de comentários e tomadas de posição, conhecidas publicamente, tendo sido nelas identificada a pessoa do assistente.
23. As afirmações referidas em 6 foram alvo de comentários colocados em fóruns na internet.
24. Como consequência das afirmações referidas em 6 o assistente ficou abalado, perturbado e preocupado com a família, sentindo-se humilhado.
25. Nos tempos que antecederam a entrevista referida em 5 e 6 foram colocados vários comentários em Blogs na internet, a colocar em causa a seriedade do arguido, sendo formulados ataques à sua pessoa, bem como às suas competências pessoais e profissionais.
26. Após a publicação da entrevista referida em 5 e 6 foram colocados vários comentários em Blogs na internet, sobre o KIT referido em 1, colocando em causa a proveniência dos produtos comercializados nesse mesmo KIT, bem como a seriedade e honorabilidade do arguido.
27. Atentas as divergências politico - partidárias, as relações entre o arguido e o assistente foram sempre de crispação.
28. O arguido confessou que proferiu as afirmações de que vem acusado e que as mesmas se referiam ao assistente.
29. O arguido efectuou um pedido de desculpas ao assistente no início da audiência de julgamento.
30. O arguido reconheceu que se excedeu ao proferir as afirmações referidas em 6. 31. O arguido é pessoa estimada e respeitada no meio W....
32. O arguido é tido pelos amigos como pessoa impulsiva, que "ferve em pouca água" e que "tem um feitio curto"
33. O arguido nasceu a 10/06/1964 e é casado.
34. É gestor de empresas e Vereador na Câmara Municipal de W..., com o pelouro financeiro e de turismo, em regime de permanência a tempo inteiro, actualmente, sem exclusividade.
35. O arguido é presidente da associação dos Bombeiros Voluntários de W....
36. Aufere mensalmente, pelo menos, o montante de 1.200,00€.
37. O seu agregado familiar é composto pela sua esposa e duas filhas, uma das quais menor.
38. A sua esposa é técnica de empresas, auferindo mensalmente a quantia de 1.000,00€.
39. O arguido reside em casa própria, pela qual paga a prestação mensal de 550,00€ de empréstimo ao banco.
40. De habilitações literárias o arguido possui uma licenciatura em gestão de empresas.
41. O arguido não tem antecedentes criminais.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, designadamente, que:
a) A publicação do jornal "Nova Guarda", de 21 de Julho de 2010, foi profusamente difundida na região.
b) A publicação do jornal "Nova Guarda", de 21 de Julho de 2010 consta do site do referido jornal, em www.novaguarda.pt.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
O Tribunal formou a sua convicção na análise de toda a prova produzida em audiência de julgamento e a constante dos autos, de acordo com as regras da experiência comum e critérios de normalidade e razoabilidade, à luz do princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos no artigo 1270 do Código de Processo Penal, conforme se expõe de seguida.
Quanto aos factos provados:

O arguido prestou declarações em audiência de julgamento onde admitiu ter proferido as expressões pelas quais se encontra acusado, bem como o contexto em que as mesmas foram proferidas.
Deste modo, os factos constantes dos pontos 1 a 10 da matéria de facto foram, assim, considerados provados, uma vez que para além de o arguido os ter admitido em audiência de julgamento, os mesmos constam das actas da assembleia municipal de W... juntas aos autos, bem como da edição do jornal "Nova Guarda", de 21 de Julho de 2010 e de 28 de Julho de 2010, onde foi publicada a entrevista em causa, bem como o direito de resposta (fls. 9 e segs).
Apesar de, conforme também resultou provado, nem nas afirmações proferidas pelo arguido, nem em qualquer outro momento da entrevista, o arguido identificou o nome do assistente, nem afirmou que tais expressões se dirigiam àquele, o próprio arguido admitiu em audiência de julgamento que as afirmações proferidas eram dirigidas ao assistente.
O ponto 12 dos factos provados resultou dos elementos juntos aos autos, designadamente, da cópia do rótulo do KIT, onde consta o ILT (código do produtor), bem como da tabela onde se faz corresponder o referido IL T ao produtor de Castelo Branco, … (cfr. fls. 11 e 12).
Relativamente ao ponto 13, resultou provado que o queijo presente no KIT era queijo produzido no concelho de W..., após um inquérito efectuado, o que foi confirmado pelo Dr. … , advogado da empresa municipal W..., a quem foi pedido o referido inquérito, bem como pela generalidade das testemunhas que depuseram em audiência de julgamento, uma vez que todas elas confirmaram que, mais tarde, se veio a saber que tinha existido um erro de impressão do ILT e que o queijo constante do KIT era efectivamente de W.... Tais depoimentos foram prestados de forma objectiva e coerente entre si, pelo que tal matéria resultou provada.
Os pontos 17 a 20, que dizem respeito à situação pessoal e de vida do assistente resultaram provados em virtude dos depoimentos das testemunhas …………, amigos do assistente, que depuseram de forma isenta, coerente e objectiva e que afirmaram conhecer a situação de vida do arguido. No mais, tais factos foram também confirmados pela generalidade das testemunhas apresentadas pelo arguido e não foram postos em causa por quaisquer outros elementos de prova, pelo que resultaram os mesmos como provados.
As testemunhas supra referidas acrescentaram ainda que as afirmações proferidas pelo arguido e publicadas no jornal foram alvo de comentários e tomadas de posição pela sociedade W..., tendo nelas sido identificada a pessoa do assistente, apesar de na entrevista em causa o nome do mesmo nunca ser referido.
Atentas as regras da experiencia comum, e num meio pequeno como W..., é possível concluir que, mesmo sem ler o jornal, as noticias vão passando de "boca em boca", principalmente quando tal situação põe em causa pessoas conhecidas no concelho, ainda mais, políticos. Desta forma, com facilidade as pessoas comentam e emitem opiniões, tendo estas testemunhas afirmado que tais comentários existiram e que as próprias assistiram a alguns deles.
A maioria afirmou que o texto foi por eles lido, uns mais cedo, outros mais tarde e que tiveram conhecimento de que outras pessoas em W... o leram, sendo certo que foi a testemunha … quem denunciou a existência da entrevista no jornal ao assistente.
Os mesmos afirmaram também o estado em que o assistente ficou depois de ter conhecimento das afirmações em causa, uma vez que todas as testemunhas acabaram por estar com o arguido no próprio dia da publicação do jornal, à noite. Todos afirmaram de forma peremptória e objectiva que o assistente se encontrava nervoso, perturbado, abalado e preocupado com a sua família, designadamente, com a mãe e com o filho, para além de se sentir humilhado.
Do conjunto da prova resultou demonstrado que com as referidas afirmações o arguido qUIS por em causa que o assistente exercesse outra profissão para além de ser deputado municipal, e que, dessa forma o mesmo seria governado pela mãe e dormiria até à uma da tarde. No mais, quis também por em causa a incapacidade do assistente, chamando-o de atrasado mental.
O arguido é pessoa suficientemente esclarecida e, por isso, capaz de entender o alcance das suas palavras, pelo que resultou provado que o arguido quis atingir a honra e consideração do assistente, fazendo-o de forma livre, voluntária e consciente.

As testemunhas de acusação fazem parte do núcleo de pessoas que apoiam politicamente o assistente, assim como as de defesa apoiam politicamente o arguido, sendo que algumas das testemunhas são ou foram membros da Assembleia Municipal de W....
A tiragem do jornal "Nova Guarda", na publicação de 21 de Julho de 2010, consta do próprio jornal, no fim da última página do mesmo, junto aos autos a fls. 344 e 345.
Os comentários existentes nos blogs, a que se referem os pontos 26 e 27 resultaram provados atentos os elementos juntos aos autos, a fls. 323 e segs, com impressões desses mesmos comentários, pelo que resultou tal matéria como provada.
Por seu lado, para a prova do ponto 24 da matéria de facto provada, o Tribunal alicerçou-se na página de um fórum junta aos autos a fls. 343, bem como nos depoimentos prestados pelas testemunhas ……………, que confirmaram isso mesmo.
As divergências politico partidárias entre o arguido e o assistente resultaram claras dos depoimentos de todas as testemunhas, quer de acusação, quer de defesa, bem como das declarações do próprio arguido e do conteúdo das actas juntas aos autos.
Todas as testemunhas depuseram de forma circunstanciada e esclarecedora quanto às circunstâncias políticas que rodearam o presente caso.
Da generalidade dos depoimentos transpareceu, aSSIm, existir disputa política entre arguido e assistente.
A situação pessoal e de vida do arguido resultou das suas declarações prestadas em audiência de julgamento, as quais não foram postas em causa por qualquer outro meio de prova.
Mais levámos em consideração os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas do arguido, as quais, sendo amigos daquele afirmaram que o mesmo é pessoa estimada e respeitada no meio W..., sendo também considerado, no seu meio, pessoa impulsiva e que ferve em pouca água.
Relativamente aos rendimentos auferidos pelo arguido, apesar de tal questão ter sido suscitada pelo assistente, nenhuma prova foi produzida ou junta aos autos que ponha em causa as declarações prestadas pelo arguido a esse nível.

É certo que foi junto aos autos pelo assistente uma cópia de uma certidão camarária, datada de 18 de Janeiro de 2012, em que se propõe que, a partir daquela data, o aqui arguido passe a estar como vereador em regime de permanência a tempo inteiro, com exclusividade.
Contudo, da mesma não resulta quais as repercussões no aspecto financeiro do arguido, nem se tal deliberação já foi ou não tomada.
Termos em que, resultou provado que o arguido aufira mensalmente pelo menos a quantia de 1.200,00€.
Em relação aos antecedentes criminais, teve-se em consideração o certificado de registo criminal constante de fls. 213 dos autos.
Quanto aos factos não provados:
Quanto à matéria de facto dada como não provada, o Tribunal considerou que, da discussão da causa, a mesma não resultou demonstrada.
Desde logo, não resultou dos autos nem foi produzida prova clara e concreta em audiência de julgamento que a publicação do jornal "Nova Guarda" de 21 de Julho de 2010 tivesse sido profusamente difundida na região, uma vez que, apesar de ter resultado provado que tal publicação teve uma tiragem de 5100 exemplares, não resultou provado o número de jornais efectivamente vendidos e qual o número correspondente às sobras do mesmo.
No mais, também não resultou provado que tal publicação constasse do site do referido jornal, uma vez que tal site já não se encontra activo, visto que o jornal já deixou de ser editado, pelo que tal facto não pôde ser por nós comprovado, nem nenhuma prova resultou nesse sentido em audiência de julgamento.

* * *

O recurso interposto é exclusivamente de direito, uma vez que o arguido não só não impugnou a factualidade provada como expressamente declarou aceitá-la, ainda que entendendo dever ser outra a correspondente subsunção jurídico-penal.
Em síntese, num primeiro momento sustenta o recorrente que as expressões que proferiu, reconduzindo-se a um contexto de confronto político-partidário, logo por aí isentam a sua conduta de qualquer tipo de censura penal, na medida em que ainda que essas afirmações possam preencher, em abstracto, o conceito de difamação, no contexto que lhes deu origem outro comportamento não lhe seria exigível.
É notório, no entanto, no próprio teor da motivação do recurso, o incómodo e a dificuldade com que o recorrente lida com as afirmações proferidas, renovando penosamente em cada frase o esforço de esterilização duma afirmação insusceptível de ser considerada como inócua para efeitos penais em matéria de crimes contra a honra. O cerne da questão é esta: Na publicação do jornal “Nova Guarda”, de 21 de Julho de 2010, no espaço de entrevista semanal denominado “sem papas na língua”, o arguido foi questionado sobre se “o queijo adquirido pelo … é todo de produtores de W... ou pode ser adquirido a outros produtores”, referindo-se ao queijo constante do KIT referido em 1 da matéria de facto (para onde se remete, por comodidade de exposição) e se “esta questão foi levantada por um deputado municipal”, tendo o arguido respondido, visando o assistente B... que “É de um deputado que é governado pela mãe e que dorme até à uma da tarde, e portanto, quanto a atrasados mentais eu não respondo. Esse deputado só faz intervenções para denegrir a imagem das pessoas”.
Ora, bem vistas as coisas, o tribunal recorrido, que teve aqueles factos como assentes e que considerou ainda como provado que «O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito de ofender o assistente na sua honra e consideração, o que conseguiu» e que «O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime», limitou-se a retirar da prova produzida todas as ilações por ela consentidas.
Chamar a alguém atrasado mental é manifestamente ofensivo, para mais tratando-se de alguém que exerce funções públicas para as quais foi democraticamente eleito. Não funciona aqui a causa de justificação prevista na al. a) do nº 2 do art. 180º do Código Penal, já que não se trata de imputação de factos para realizar um interesse legítimo. Aquela expressão não traduz uma imputação de factos, mas uma formulação de juízos de valor ofensivos. Assim sendo, e na impossibilidade de funcionamento da causa de justificação do art. 180º, nº 2, do Código Penal, dada a inadmissibilidade da exceptio veritatis, deverão funcionar as regras gerais constantes do art. 31º do Código Penal, em cujos termos “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, nomeadamente, nos termos da al. b) do respectivo nº 2, quando o facto for praticado “no exercício de um direito”, havendo no entanto que ter em especial atenção os princípios da ponderação de interesses e/ou da adequação social - Cfr. A. Oliveira Mendes, “O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal”, pag. 63..
Sendo este o enfoque adequado à situação concreta, teremos que nos perguntar então se se oferece como razoável que o arguido tivesse fundamento sério para formular aquele juízo ofensivo da honra e consideração do assistente. Não será, contudo, na subjectividade do entendimento do arguido que haverá que procurar a resposta, mas sim no enquadramento concreto da situação, ponderando o conhecimento possível do arguido sobre o tema, quando não mesmo o conhecimento que lhe era exigível. E por mais que se afirme que a querela que resvalou para aquela afirmação infeliz – porventura, não terá sido mais do que isso – se limitava a uma contenda política, a verdade é que a densidade dos direitos em questão não permite afirmar uma manifesta supremacia do direito do arguido de se pronunciar politicamente sobre os factos da contenda em causa sacrificando o direito ao bom-nome e reputação do assistente, tanto mais que as circunstâncias concretas do caso não exigiam o sacrifício do último daqueles direitos para funcionamento do direito do arguido, que é como quem diz, este último não carecia em absoluto da formulação do juízo ofensivo para fazer valer o seu ponto de vista, razão pela qual não poderá prevalecer-se da causa de justificação.
Consequentemente, revela-se ajustada a condenação do arguido pelo crime de difamação através da comunicação social.

A segunda questão suscitada prende-se com a medida da pena que lhe foi imposta. A moldura abstracta correspondente ao caso é a de pena de prisão até dois anos ou multa de 120 a 360 dias.
O tribunal a quo, em ponderada avaliação, considerou adequadamente que a pena não privativa da liberdade realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, optando pela pena de multa.
O passo seguinte, autónomo relativamente ao momento da escolha da pena, consistia na sua graduação dentro da correspondente moldura legal.
Como é sabido, o Código Penal utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas, uma primeira, em que se determina o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e uma segunda operação em que se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 13ª Ed., pág. 198..
Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal - Remissão introduzida pela revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, se bem que já antes se entendesse ser este o critério a aplicar, por interpretação da norma na harmonia do sistema., o critério de fixação da pena de multa é o previsto no nº 1 do art. 71º, donde resulta a necessidade de recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados - a culpa do agente e as exigências de prevenção - com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2).
À culpa é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.
A prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, fornecida pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss..
Revertendo ao caso concreto, a sentença recorrida considerou na concretização da pena a verificação de uma ilicitude elevada, ponderando a circunstância de o arguido ter imputado ao assistente factos e juízos de valor manifestamente ultrajantes e objectivamente atentatórias da sua honra, tendo tais declarações sido proferidas no âmbito de uma entrevista a um jornal que viria a ser publicada, levando a que fossem proferidos comentários sociais e tomadas de posição e a que as pessoas que tivessem conhecimento de tais afirmações ficassem com uma imagem distorcida do assistente. Ponderou também o facto de tais afirmações terem chegado ao conhecimento de quem teve acesso ao jornal onde se encontrava publicada a entrevista, ou seja, a um número considerável de pessoas. Ponderou ainda o dolo directo subjacente à conduta, bem como as exigências de prevenção, valorando o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, encontrar-se profissional e familiarmente inserido, ter admitido que proferiu as afirmações pelas quais vem acusado, ter efectuado um pedido de desculpas ao arguido e ter admitido que exagerou ao proferir tais afirmações. Com base nessa subsunção, determinou uma pena de 200 dias de multa, o que numa moldura penal de 120 a 360 dias, corresponde a uma pena situada entre ¼ e ½ da moldura penal.
Retomando o que se escreveu supra, a propósito da concretização da pena de multa, a postular o recurso ao critério do art. 71º, não se vislumbram razões que justifiquem a graduação da pena acima de ¼ da moldura penal (sem que deva ler-se nesta consideração um regresso à discussão que campeou nos primeiros anos de vigência do Código Penal de 1982, relativa ao ponto de partida na moldura legal, com vista à fixação concreta da pena), tanto mais que a 1ª instância parece ter utilizado para a graduação da pena uma circunstância que é elemento constitutivo do tipo agravado previsto no art. 183º, nº 2, do Código Penal, (cometimento do crime através da comunicação social), pelo que não poderá ser autonomamente considerada como agravante.
A pena ajustada ao caso, delimitada pela culpa e pelas exigências de prevenção, nos termos expostos, situa-se nos 160 (cento e sessenta) dias de multa, havendo assim que alterar a sentença recorrida em conformidade.
Quanto à taxa diária da multa, face ao que se teve como provado quanto às condições pessoais do recorrente, não vemos razão para a alterar (diga-se, já agora, atenta a pretensão esboçada pelo assistente, que a matéria de facto a atender é exclusivamente a fixada pelo tribunal de 1ª instância e não qualquer outra). Segundo o disposto no nº 2 do art. 47º do Código Penal, a quantia correspondente a cada dia de multa é fixada pelo tribunal, dentro dos limites legais, ou seja, entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. A amplitude estabelecida neste preceito quanto ao quantitativo diário da multa teve em vista eliminar ou, pelo menos, esbater, as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver, realizando assim o princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios - Cfr. Maia Gonçalves, ob. cit., págs. 198/199 e Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 126 e ss.. De todo o modo, o montante encontrado não deverá esvaziar a noção de pena, que enquanto censura social de um comportamento desconforme com o pressuposto pela ordem jurídica, há-de implicar necessariamente um sacrifício para o condenado, de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura, cumprindo assim a função preventiva que qualquer pena envolve, sob pena de se desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça - Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 13/07/95, in C.J., ano XX, tomo 4, pág. 48.. Vista a decisão recorrida à luz da matéria de facto provada e tendo presentes as considerações que antecedem, não se poderá de modo algum considerar excessiva a taxa fixada. Na verdade, se a pena de multa concretamente fixada não implicar um sacrifício para o condenado, deixará de cumprir a função de censura que lhe é assinalada, não salvaguardando as exigências de prevenção que a determinaram.

O recorrente impugna ainda a sentença na vertente da condenação civil decretada. Não obstante, tal actuação está-lhe vedada, por falta de verificação dos pertinentes requisitos legais. Dispõe, com efeito, o nº 2 do art. 400º do Código de Processo Penal que “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. No caso vertente não ocorre esta verificação conjunta de requisitos, porquanto a decisão impugnada, tendo condenado o recorrente no pagamento da indemnização no valor de € 2.000,00 (dois mil euros) não é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, que é actualmente de € 5.000,00 - Cfr. art. 24º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), na redacção conferida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto..

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se parcial provimento ao recurso interposto e consequentemente condena-se o recorrente A..., pela prática de um crime de difamação cometido através de meio de comunicação social, p. e p. pelos artigos 180°, n° 1 e 183°, nº 2, do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros), o que perfaz o montante global de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros).
Em tudo o mais, improcede o recurso.
Sem tributação, uma vez que o recurso obteve parcial provimento.

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Coimbra, ____________
(texto processado e revisto pelo relator)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)




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(Vieira Marinho – Presidente da Secção)