Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292/18.9T8TCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
COLISÃO DE VEÍCULOS
REPARTIÇÃO DE RESPONSABILIDADES
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - TRANCOSO - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.483, 503, 570 CC, 24, 49, 88 CE
Sumário: I – Em acidentes de viação, a repartição da responsabilidade entre os diversos intervenientes deve ser feita mediante a avaliação global das circunstâncias e da sua interferência causal no acidente.

II – Num acidente de viação correspondente a um embate de dois veículos em que:

a) O condutor de um veículo ligeiro decide entrar numa densa “coluna” de fumo que se lhe apresentava na faixa de rodagem por onde circulava, sem adotar as condições de segurança necessárias e imprescindíveis face às condições de menor visibilidade que tal à partida representava;

b) O proprietário e condutor do veículo tractor tinha este ao te deixado estacionado este na berma da estrada mas a ocupar parte da faixa de rodagem e sem qualquer aviso para essa situação de perigo, agravado pela circunstância de o mesmo ficar invisível para quem circulasse naquela via, dada a densa “coluna” de fumo resultante das queimadas a que procedia no local, revela-se ajustada a repartição das responsabilidades pela colisão em 65% para o condutor do veículo ligeiro, e 35% para o proprietário e condutor do tractor.

III – Em tais circunstâncias, a infração que emerge como a causa principal do acidente é a do autor, acidente que era evitável e poderia ter sido evitado se, apesar do ilícito e não sinalizado perigo do estacionamento do tractor, o autor tivesse sido mais sagaz na avaliação da situação de perigo que se lhe apresentava, e, em qualquer caso, tivesse adequado a velocidade ao mínimo que se lhe impunha e/ou seguisse com o máximo de cautelas imprescindíveis em face das circunstâncias.

Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)

                                                           *

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

J (…), , residente (…) , intentou a presente acção declarativa, sob a forma única de processo comum, contra “Z (…)”, , com sede (…) Lisboa, e A (…), , residente (…) , peticionando que as rés sejam condenadas a pagar ao autor a quantia global de €18.590,00, acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, bem como a quantia diária de €2,50 desde 20.11.2018 até efectiva indemnização do autor, a título de paralisação do veículo.

Para tanto alegou, em suma, que no dia 28 de Março de 2018, pelas 16:30 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Municipal 583, Carapito, Aguiar da Beira, Guarda, acidente esse causado exclusivamente pelo proprietário do tractor agrícola, de marca Kubota L2550, com a matrícula BQ (...) , o aqui segundo réu.

Por fim, referiu que, em virtude do dito acidente, teve danos, os quais discriminou.

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Regularmente citada, veio a primeira ré, em síntese, alegar que o aludido acidente de viação se deveu a culpa exclusiva do autor.

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O segundo réu não deduziu contestação.

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Realizou-se audiência prévia nos termos constantes de fls. 54/5, tendo sido proferido despacho saneador, nos termos do qual foi, designadamente, fixado o objecto do litígio e definidos os temas da prova.

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Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, tal como consta das respetivas atas.

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Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, se tinha de considerar que o autor agiu com culpa exclusiva relativamente ao embate ajuizado, donde, ao abrigo do disposto no artigo 570.º do Código Civil, a ré não era obrigada a indemnizar o autor nas quantias por este peticionadas, termos em que se concluiu pela improcedência da ação, com a consequente absolvição dos RR.. do pedido.

                                                           *

            Inconformado com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

            Por sua vez, apresentou a Ré “Z (…)” contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

(…)

                                                                      *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo A. nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- incorreta valoração da prova produzida, que levou ao incorreto julgamento dos factos “provados” sob “12.”, “14.”, “17.” e “25.” [para os quais propõe uma distinta redacção, que enuncia], que o facto dado como “não provado” sob a al. “a.” devia figurar entre os factos “provados”, e que também devia fazer parte do elenco dos “factos provados” um ponto factual alegado na p.i. [que especifica] e bem assim dois    factos instrumentais que haviam resultado da audiência [cujo teor especifica];

- incorreto julgamento de direito  [deveria o Réu A (...) ser considerado como único responsável pelo sinistro dos autos, sendo que pelo estacionamento do tractor sem sinalização, deveria responder a primeira Ré, Z (...) , seguradora do BQ, e pelo fumo causado que impedia a visibilidade dos utentes da via pública, sem qualquer sinalização de perigo, deveria o segundo Réu, A (...) , responder a título pessoal].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância:

            «Factos provados

Resulta provado os seguintes factos (alegados nos articulados ou constantes dos documentos, com relevo para decidir, excluindo factos conclusivos e conceitos jurídicos):

1. O autor é proprietário do veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW 535D, com a matrícula BE (...) (adiante BE).

2. A primeira ré é uma companhia de seguros.

3. O segundo réu é proprietário do tractor agrícola, de marca Kubota L2550, com a matrícula BQ (...) (adiante BQ).

4. No âmbito da sua actividade, através da apólice n.º 005303049, a primeira ré celebrou com o segundo réu um contrato de seguro do ramo automóvel, através do qual este transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do tractor agrícola, de marca Kubota L2550, com a matrícula BQ (...) .

5. No dia 28 de março de 2018, pelas 16:30 horas, na Estrada Municipal 583, Carapito, Aguiar da Beira, Guarda, o autor encontrava-se a conduzir o veículo BE, no sentido Trancoso/Carapito.

6. Ao lado do condutor encontrava-se L (…), esposa do autor.

7. A referida estrada tem 4,20 metros de largura.

8. A referida estrada encontra-se dividida, através de uma linha longitudinal contínua, em duas hemi-faixas de rodagem, com dois sentidos.

9. A referida estrada desenvolve-se em recta, em plano patamar.

10. No dia referido em 5, estava sol.

11. Na referida estrada, o condutor do BE depara-se, a cerca de 10 a 15 metros, com uma concentração de fumo muito densa, a sair da mata existente do lado direito da estrada, atento o sentido de marcha do dito veículo.

12. Perante o dito fumo, o autor, apesar de saber que ia perder a visibilidade por completo, optou por continuar a circular e por reduzir a velocidade e, em tempo não concretamente apurado, deixou de ter visibilidade.

13. Após, o veículo BE embate com a sua frente na roda traseira esquerda do veículo BQ, na hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha do veículo BE.

14. Sequente ao referido embate, o veículo BE percorreu cerca de 30 metros e, após, imobilizou.

15. O veículo BQ, na altura do referido embate, encontrava-se a ocupar parte não concretamente apurada da hemi-faixa de rodagem da via da direita, atento o sentido de marcha do veículo BE.

16. O reboque do referido veículo BQ, na altura do referido embate, encontrava-se a ocupar parte não concretamente apurada da hemi-faixa de rodagem da direita da via da direita, atento o sentido de marcha do veículo BE.

17. O segundo réu tinha, momentos antes, imobilizado o veículo BQ na referida estrada para colocar no mesmo algum mato.

18. O segundo réu realizava umas queimadas no terreno sito do lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo BE.

19. As ditas queimadas deram origem ao fumo referido no ponto 11.

20. O veículo BQ não se encontrava sinalizado.

21. Não existia no local qualquer sinalização inerente à realização das queimadas descritas no ponto 18.

22. O autor teve que despender a quantia de € 85,00, a título de certidão da participação do acidente de viação.

23. Do escrito denominado por relatório de perda total resulta que a primeira ré estimou, sem desmontagem do veículo BE, para efeitos de reparação do dito veículo, a quantia de €14.000,51.

24. Do escrito denominado por relatório de perda total resulta que a primeira ré concluiu que a reparação do veículo BE não era economicamente viável, atribuindo ao veículo BE o valor comercial de €18.000,00 e aos salvados o valor de € 1.200,00.

25. O autor até à presente data não conseguiu vender os salvados.

26. Em consequência do embate descrito nos pontos 13 e 14, o veículo BE ficou impedido de circular no dia 28 de março de 2018.

27. A ré enviou ao autor a missiva datada de 11 de junho de 2018, com os dizeres: “Terminadas aquelas diligências, informamos que a Z (…) não assume qualquer responsabilidade, uma vez que a culpa pela ocorrência do acidente não é imputável ao condutor do veículo que seguramos, pelos seguintes motivos: concluímos que a total responsabilidade é imputável ao condutor do seu veículo por ao tentar concluir a ultrapassagem e voltar a sua faixa de rodagem ir embater no rodado do veículo que garantimos.”»

                                                                       ¨¨

«Factos não provados

Nada mais se provou com relevância para a decisão, designadamente que:

a. O autor seguia, no dia e hora constante dos factos provados, pela hemi-faixa de rodagem da direita, na sua mão-de-trânsito, a uma velocidade nunca superior a 50 km/h.

b. O condutor do veículo BE só se apercebe da existência do veículo BQ quando está a 1 (um) metro deste.

c. O condutor do veículo BE ao constatar a existência do veículo BQ desvia-se para a esquerda e consegue contornar o reboque do veículo BQ.

d. O veículo BE era utilizado diariamente pelo autor para todas as deslocações inerentes ao seu dia-a-dia, mormente idas ao supermercado, médicos e farmácias, para além de visitas a amigos e familiares e momentos de lazer.

e. O autor, sem o veículo BE, passou a circular noutro veículo de sua propriedade que era utilizado apenas para a actividade profissional deste, sem o mesmo conforto do veículo BE.

f. Desde o dia 28 de março de 2018 até à presente data, o veículo BE não foi objecto de reparação.

g. Desde o dia 28 de março de 2018 até à presente data, o veículo BE não se encontra a circular.»

                                                                       *

            3.2 – O A./recorrente invoca o erro na decisão da matéria de facto

Esta é efetivamente a primeira questão a que importa dar solução.

Vejamos a situação ponto por ponto, sem prejuízo da apreciação conjunta quando a unicidade ou similitude da argumentação o justificar.

Começando, naturalmente, pelos factos “provados” relativamente aos quais vem manifestada a discordância, vai-se rememorar em relação a cada um deles o respetivo teor literal e o sentido em que se pretende a alteração.

Vejamos.

Está consignado

«12. Perante o dito fumo, o autor, apesar de saber que ia perder a visibilidade por completo, optou por continuar a circular e por reduzir a velocidade e, em tempo não concretamente apurado, deixou de ter visibilidade.»

Pretende o A./recorrente que passe a figurar

«12. Perante o dito fumo, o autor, optou por continuar a circular e por reduzir a velocidade e, em tempo não concretamente apurado, deixou de ter visibilidade.»

Para tanto, o A./recorrente invoca, no essencial, as declarações do próprio autor, transcrevendo uma parte ainda relativamente extensa do seu depoimento em que as circunstâncias de modo e tempo do acidente foram pelo mesmo descritas, sendo certo que, neste particular, a tese recursiva contesta basicamente o segmento em que está afirmado que o autor optou por continuar a circular ante uma concentração de fumo muito densa [cf. facto “provado “ sob “11.” imediatamente antecedente] que se lhe apresentava na estrada, atento o seu sentido de marcha, «apesar de saber que ia perder a visibilidade por completo».

Recorde-se que na “motivação” da sentença recorrida foi feito constar o seguinte:

«No que tange à dinâmica do acidente de viação (materialidade provada n.ºs 6, 11 a 21), cumpre referir que o autor J (…), em sede de declarações de parte, admitiu ter conduzido o veículo BE, com a sua esposa ao seu lado e avistado uma nuvem/um túnel de fumo a uns 10 a 15 metros de distância.

Referiu, assim, que perante as ditas circunstâncias, optou por continuar a circular com o seu veículo BE, reduzindo a velocidade, mesmo perdendo a visibilidade por completo, na medida em que confiou que, passando o dito fumo, retornaria a ter visibilidade (utilizando a expressão “o fumo cobria as duas faixas”).

Ademais, realçou que o dito túnel de fumo era tão denso que não viu o veículo BQ e apenas se apercebeu que se tratava de um tractor quando, após a imobilização do seu veículo, saiu do mesmo e foi verificar em que é que tinha embatido. Ou seja, o autor admitiu que na altura em que se encontrava a conduzir o dito veículo no dia e hora mencionado nos factos provados, mormente aquando do embate entre os veículos BE e BQ, não teve qualquer visibilidade.

Por fim, referiu que optou por não parar o seu veículo, já que não havia qualquer sinalização a avisar da existência do veículo BQ.»

Que dizer?

Que, em nosso entender, o segmento questionado não foi afirmado literal e expressamente pelo autor, nem, aliás, salvo o devido respeito, é esse o sentido do seu depoimento.

Senão vejamos.

Com efeito, tendo-se procedido à audição integral da gravação das declarações do autor, o que se retira é que referiu que o acidente ajuizado ocorreu numa reta com mais de 150 metros, e que no início da mesma avistou logo uma «coluna de fumo» na via, o qual saía de uma mata adjacente, a andar para a esquerda, com uma extensão no máximo de 15 m [considerando uma posição longitudinal face a si], sendo nessas circunstâncias que entra em tal manto de fumo, momento em que perde totalmente a visibilidade, e embate então num obstáculo qualquer.

Mais esclareceu este autor que «consoante entro no fumo, perco a visibilidade total, não vi nada» e que a sua ideia era «Passar o fumo, sendo só o fumo eu passava, pronto e reduzi a velocidade e entrei nunca pensando que lá estava nada no meio».

Neste conspecto, não nos parece curial e ajustada a conclusão de que o autor optou por continuar a circular apesar de saber que ia perder a visibilidade «por completo».

O Autor não admitiu expressamente uma tal circunstância, não a deixou implicitamente afirmada, nem ela, aliás, corresponderia a uma atuação de um condutor no seu perfeito e normal juízo, antes corresponderia a um comportamento completamente temerário e mesmo grosseiramente irresponsável.

Ora, como não vislumbramos razões face à descrição da dinâmica do acidente feita pelo autor, para qualificar a condução do mesmo na circunstância como expressão de uma tal ocorrência [comportamento completamente temerário e mesmo grosseiramente irresponsável], entendemos que a melhor e mais correta convicção face à prova produzida é a que expurga do facto em causa esse particular segmento.

Tanto mais que, se bem interpretamos o depoimento da testemunha L (…) [esposa do autor e com ele seguia no veículo BE na circunstância], esta referencia também a falta de visibilidade, mas depois de ingressarem na coluna de fumo…

Assim, em resultado de reapreciação autónoma nesta instância de recurso da prova produzida, entende-se reformular a redacção dada a este ponto de facto “provado” sob “12.”, o qual passa doravante a figurar com o seguinte teor:

«12. Perante o dito fumo, o autor, apesar de se aperceber que podia perder a visibilidade, optou por continuar a circular e por reduzir a velocidade, mas em momento imediatamente subsequente deixou de ter qualquer visibilidade.»

                                                           ¨¨

Está consignado

«14. Sequente ao referido embate, o veículo BE percorreu cerca de 30 metros e, após, imobilizou.»

Pretende o A./recorrente que passe a figurar

«14. Sequente ao referido embate, o veículo BE percorreu cerca de 30 metros e, após, imobilizou, sem que o autor tivesse travado.»

Como é bom de ver está a ser direta e mais incisivamente questionado o último segmento de tal facto, a saber, «sem que o autor tivesse travado».

Para fundamentar a alteração em referência, o A./recorrente invoca, mais uma vez, as declarações do próprio autor.

É certo que o autor referiu que depois de sentir o embate, não travou nem fez qualquer manobra, que o carro foi parar mais à frente e parou por si próprio.

Sucede que, não é pelo facto de o autor o afirmar que tal pode ou deve ser acriticamente acolhido.

Acresce que, salvo o devido respeito, tal nem parece muito plausível.

Então se estamos perante uma estrada que se desenvolve em recta, em plano patamar [cf. facto “provado” sob “9.”], a imobilização do veículo, a não ser fruto de travagem, só se compreenderia como resultado de uma desaceleração total.

Só que isso é outro quadro factual, pelo que, sem necessidade de maiores considerações, improcede uma tal pretensão.

                                                           ¨¨

Está consignado

«17. O segundo réu tinha, momentos antes, imobilizado o veículo BQ na referida estrada para colocar no mesmo algum mato.»

Pretende o A./recorrente que passe a figurar

«17. O segundo réu tinha imobilizado o veículo BQ na referida estrada para colocar no mesmo algum mato.»

Como é bom de ver está a ser direta e mais incisivamente questionado o segmento temporal de tal facto, a saber, «momentos antes».

Para fundamentar uma tal alteração, o A./recorrente, tanto quanto é dado perceber, invoca as incongruências resultantes das declarações do réu A (...) , que sabemos ser o proprietário do tractor BQ, o qual estando estacionado na berma direita daquela estrada [considerando o sentido de trânsito do veículo do autor], veio a ser embatido pelo veículo BE do autor.

Vejamos.

Importa reconhecer que as declarações deste dito réu A (...) são o único meio de prova que temos sobre essa particular circunstância.

Ora, na verdade, o sentido que se extrai das suas declarações, devidamente interpretadas, não permite que esse segmento subsista na redacção desse ponto de facto.

É que, tendo-se procedido à audição integral da gravação das declarações deste dito réu, o que se retira é que o mesmo teria chegado ao local cerca de uma hora antes da ocorrência ajuizada, isto ainda que se dê integral crédito ao afirmado pelo mesmo no sentido de que apenas tinha acendido a fogueira uns 5 minutos antes do embate ter ocorrido.

Tal, s.m.j., é o que retira insofismavelmente de quando o mesmo afirmou que «Então eu algum dia ia, numa hora que lá estive ia por a mata toda a arder» [com destaque da nossa autoria], e bem assim do seguinte segmento:

«Advogado - A fogueira não estava acesa quando o senhor chegou?

A (…) - Não, foi quando eu cheguei para a mata e acendia com fósforo.

Advogado - Agora quero perguntar o senhor consegue dizer ao tribunal mais ou menos quanto tempo passou desde o momento em que o senhor acendeu a fogueira, até ao momento em que ouviu o estrondo e se apercebeu do acidente?

A (…) - Alguns 5 minutos.» [com destaque da nossa autoria]  

Sendo certo que em momento anterior dessas mesmas declarações, este mesmo réu tinha esclarecido o seguinte:

«Meritíssima Juíza - Senhor (…), então já sabe o que estamos aqui a tratar, diga lá o que é que aconteceu?

A (…) - Senhora doutora, peguei no trator e encostei a uma berma na valeta, a mata está a metro e meio de altura, eu saí do trator e fui para a mata.

(…)

Meritíssima Juíza - Encostou aonde?

A (…) - Encostei à berma da mata, ali à valeta. E o trator ficou ali encostado, direito.» [com destaques da nossa autoria]

Assim sendo, salvo o devido respeito, não se encontra de todo fundamento para subsistir neste ponto de facto a referência de que a imobilização do veículo tractor tinha sucedido «momentos antes».

Termos em que, no acolhimento deste concreto ponto da impugnação à decisão sobre a matéria de facto e em autónoma reapreciação nesta instância de recurso da prova produzida, entende-se reformular a redacção dada a este ponto de facto “provado” sob “17.”, o qual passa doravante a figurar com o seguinte teor:

«17. O segundo réu tinha imobilizado o veículo BQ na referida estrada para colocar no mesmo algum mato.»

                                                           ¨¨

Está consignado

«25. O autor até à presente data não conseguiu vender os salvados.»

Pretende o A./recorrente que passe a figurar

«25. O autor não vendeu os salvados.»

Para tanto, o A./recorrente invoca uma vez mais as declarações do próprio autor, mais concretamente por este ter afirmado/esclarecido que optou por não vender os salvados, fruto da resolução de reparar por sua conta e risco o veículo BE, em ordem a nele continuar a circular.

E, na medida em que a corroborar esta afirmação/esclarecimento, o mesmo juntou documentos/fotografias do veículo em estado de parcial, senão mesmo total reparação [cf. fls. 109 vº a 112 vº], impõe-se dar igualmente acolhimento a esta pretensão do A./recorrente.

Assim, em resultado de reapreciação autónoma nesta instância de recurso da prova produzida, entende-se reformular a redacção dada a este ponto de facto “provado” sob “25.”, o qual passa doravante a figurar com o seguinte teor:

«25. O autor não vendeu os salvados.»

                                                           ¨¨

É tempo da apreciação do requerido no tocante ao ponto de facto “não provado” sob a al. “a.”, relativamente ao qual o A./recorrente requer que passe a figurar entre os factos dados como “provados”.  

Rememoremos antes de mais o seu teor literal, a saber:

«a. O autor seguia, no dia e hora constante dos factos provados, pela hemi-faixa de rodagem da direita, na sua mão-de-trânsito, a uma velocidade nunca superior a 50 km/h. »

Tanto quanto é dado perceber, o A./recorrente invoca no sentido de sustentar esta sua pretensão mais uma vez as declarações do autor.

Só que, manifestamente quanto a este ponto não lhe assiste qualquer razão.

É que das ditas declarações, o que resulta é, ao invés, a afirmação de que vinha a uma velocidade superior aos ditos 50 km/h.

Neste sentido o seguinte segmento da gravação das suas declarações:

«Meritíssima Juíza - A quanto é que estava a conduzir?

J (…) - Não faço ideia, para aí a 40km/h, 50km/h, não sei.

Meritíssima Juíza - E reduziu para quanto?

J (…) - Não, antes vinha a mais, quando foi na parte do embate é que é capaz de ter batido para aí a 40km/h, 50km/h, não sei, não me recordo, não deu para ver, porque eu quando entro no fumo perdi a visibilidade, nem sequer travei nem nada, com o embate, depois começaram a rebentar os airbags, aquilo era só fumo lá dentro do carro, e não fiz nada, só...» [com destaque da nossa autoria]  

 Por outro lado, a afirmação de que circulava «pela hemi-faixa de rodagem da direita, na sua mão-de-trânsito» também não pode ser positivamente acolhida: é que tendo aquela estrada 4,20 metros de largura [cf. facto “provado” sob “7.”], mesmo na versão mais favorável de que roda traseira esquerda do trator BQ estava a 1,30 metros do eixo da via [cf. “croquis” da G.N.R., a fls. 10 vº][2], tendo como tinha o veículo BE do autor a largura entre eixos de 2,888 m [[cf. D.U.A. respetivo, a fls. 11 vº], daqui decorre que este sempre estaria a invadir a hemi-faixa destinada ao trânsito em sentido contrário em 1,288 metros (2.888 m + 0,50 m – 2,10 m)…

Termos em que manifestamente improcede esta pretensão.

                                                           ¨¨

E que dizer relativamente ao requerido no sentido de que devia fazer parte do elenco dos “factos provados” um ponto factual com o seguinte teor [«o seguinte facto alegado na petição inicial»]:

 «- Foram levantados dois autos de contra-ordenação ao Réu A (…), em virtude de surgirem fortes indícios da prática de contra-ordenações que concorrem para a causa do acidente: o auto de contra-ordenação n.º 9 2894501 4, por infracção ao n.º 2 art.º 88º do C.E. punido pelo n.º 7 do art.º 88º do C.E. e o auto de contra-ordenação n.º 9 2894486 7, por infracção alínea b) do n.º 2 do art.º 49º do C.E. punido pelo n.º 4 do art.º 49.º do C.E..»

A redacção proposta configuraria claramente em causa um juízo normativo, para além de que, obviamente, o que relevaria quanto a este particular seria uma condenação, que não o mero “levantamento” de autos de contra-ordenação [é isto o que consta efetivamente do doc nº 6 invocado no art. 32º da p.i.], pelo que, sem necessidade de maiores considerações, vai indeferida uma tal pretensão.

¨¨

            Vejamos, para finalizar, o pedido de que devia ser aditado ao elenco dos factos “provados” o teor de factos “instrumentais que teriam resultado da audiência, a saber:

«- após o local onde se encontrava imobilizado o tractor, atento o sentido Trancoso/Carapito, existe uma curva para a direita;»

«- o local do acidente localiza-se fora de uma localidade, pelo que o limite de velocidade que vigorava no local era de 90 km/h.»

            É esta também pretensão que necessariamente improcede, na medida em que, consabidamente, e conforme decorre do art. 607º, nº4 do n.C.P.Civil, os factos instrumentais não têm que figurar discriminadamente, para o que ora releva, no elenco dos factos “provados”.[3]

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão neste particular supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, que ocorreu incorreto julgamento de direito [deveria o Réu A (...) ser considerado como único responsável pelo sinistro dos autos, sendo que pelo estacionamento do tractor sem sinalização, deveria responder a primeira Ré, Z (…), seguradora do BQ, e pelo fumo causado que impedia a visibilidade dos utentes da via pública, sem qualquer sinalização de perigo, deveria o segundo Réu, A (...) , responder a título pessoal].

Será assim?

Naturalmente que uma resposta afirmativa passaria por se poder afirmar que a factualidade apurada permite assacar a culpa exclusiva pelo acidente ocorrido à conduta do réu A (...) .

E será que ela o permite?

Em nosso entender não se pode dar integral acolhimento a uma tal pretensão do autor, posto que a factualidade apurada, enquadrada juridicamente, aponta antes e mais verdadeiramente para uma conculpabilidade e co-responsabilidade de ambos os condutores em causa – o autor enquanto condutor do veículo ligeiro BE, e o réu A (...) enquanto condutor e proprietário do veículo tractor BQ.

Senão vejamos e começando pelo autor.

Com efeito, nos termos do art. 24º, nº 1, do Cód. da Estrada, para além de o A. estar obrigado a respeitar o limite objetivo de velocidade que vigorava naquela Estrada Municipal [relativamente ao que apenas se sabe que reduziu a velocidade à aproximação da “coluna” de fumo e no momento em que entrou nela], temos que o mesmo deveria regulá-la de modo a, face às condições ambientais que se faziam sentir, pudesse cumprir as condições de segurança inerentes à circulação e manobras estradais.

Na verdade, o referido artigo preceitua que:

«1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

2 - Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.»

 Ora, temos que as circunstâncias factuais apuradas, mais concretamente, a “coluna” ou “túnel” de fumo, pela sua densidade e extensão, isto é, a invadir o ponto da estrada por onde pretendia prosseguir, traduziam-se num aviso de falta de visibilidade para além dele ou para quem por ele entrasse, donde, tinha o dever de adequar a sua circulação de forma a que pudesse executar com segurança uma qualquer manobra cuja necessidade fosse de prever ou surgisse.

Ora essa necessidade ocorreu e traduziu-se na necessidade de ele ter que efectuar uma ultrapassagem ao veículo tractor BQ que se encontrava estacionado na berma mas a ocupar parte da falta de rodagem.

Mas onde é que residiu a culpa do autor?

Segundo a sentença recorrida porquanto «o autor ao avistar, a cerca de 10 a 15 metros, uma concentração de fumo muito densa, a sair da mata existente do lado direito da estrada, apta a lhe retirar visibilidade, não devia ter optado por reduzir a velocidade e, em consequência, deixar de ter visibilidade e prosseguir a sua marcha. Devia ter parado o veículo e apenas prosseguir a sua marcha com visibilidade, única opção que lhe permitia cumprir as condições de segurança inerentes à circulação e manobras estradais (cfr., artigo 24.º do Código da Estrada).

Com o aludido fumo, impunha-se ao autor extremo cuidado até porque se não conseguiu ver o veículo BQ (tractor com reboque de dimensões com relevo) facilmente não veria uma pessoa (por exemplo, criança – incapaz de culpa) ou um animal.»

Sucede que neste ponto já não podemos acompanhar integralmente a linha de argumentação constante da sentença recorrida quanto à verificação e caracterização da culpa do autor [condutor do veículo ligeiro BE].

É que, quanto a nós, mormente em consequência da alteração da redacção dada ao ponto “12.” da matéria de facto “provada”, não é legítimo nem adequado afirmar e concluir que o autor teve no momento que antecede a entrada na “coluna” de fumo a noção exacta e precisa de que ia perder completamente a visibilidade ou, numa outra perspetiva da situação, que essa “coluna” de fumo fosse de tal modo densa que implicava necessariamente para si, ao nela entrar, perder completamente a visibilidade.

Com efeito o que resulta da matéria “provada”, quanto a esse particular aspeto, é que «Perante o dito fumo, o autor, apesar de se aperceber que podia perder a visibilidade, optou por continuar a circular e por reduzir a velocidade, mas em momento imediatamente subsequente deixou de ter qualquer visibilidade»!

Ora se assim é, não pode subsistir a apreciação de que o autor se apercebeu ou soube que ia atravessar uma “coluna” de fumo que era apta a retirar-lhe por completo e na totalidade a visibilidade, tendo nesse contexto prosseguido com a sua marcha sem tomar qualquer outra precaução para além de reduzir a visibilidade.

No quadro fáctico que ora temos para apreciar e julgar, resulta antes que o autor foi temerário e menos cauteloso em avançar no quadro que se lhe deparava, a saber, que «apesar de se aperceber que podia perder a visibilidade, optou por continuar a circular e por reduzir a velocidade»…

Ademais, também não podemos agora acompanhar a argumentação da sentença recorrida quando inculca a obrigação para o autor de, nas circunstâncias que se lhe depararam, ter a obrigação de parar e esperar, antes de retomar a circulação, por que voltasse a ter visibilidade.

Na nossa interpretação, o condutor mediano e normalmente avisado e prudente [critério que consabidamente serve para aferir a culpa], naquele quadro teria reduzido a velocidade para uma medida mínima e prosseguido com as máximas cautelas.

Era isso que impunha uma condução com o grau de cuidado e segurança que devia nortear todo e qualquer condutor em circunstâncias semelhantes.

Acontece que não se pode dizer que o autor assim atuou, pois que nem resulta ter avançado com as máximas e exigíveis cautelas, nem que tivesse reduzido a velocidade do seu veículo a uma medida que lhe permitisse afrontar com segurança qualquer imprevisto que lhe pudesse surgir.

Mas dito isto, será que se pode continuar a afirmar a culpa única e exclusiva do autor no embate ocorrido?

Cremos que a resposta já se adivinha, pois que os factos apurados igualmente revelam uma atuação ilícita e culposa por parte do réu A (…), enquanto proprietário e condutor do veículo tractor BQ, ao ter deixado estacionado este na berma da estrada mas a ocupar parte da faixa de rodagem e sem qualquer aviso para essa situação de perigo.

Na verdade dispõe o art. 88º, nº2, do já citado Cód. da Estrada que:

«É obrigatório o uso do sinal de pré-sinalização de perigo sempre que o veículo fique imobilizado na faixa de rodagem ou na berma ou nestas tenha deixado cair carga, sem prejuízo do disposto no presente Código quanto à iluminação dos veículos.»

Sendo que, por sua vez, preceitua o art. 49º, nº2, do mesmo normativo que:

«Fora das localidades, é ainda proibido:

 a) Parar ou estacionar a menos de 50 m para um e outro lado dos cruzamentos, entroncamentos, rotundas, curvas ou lombas de visibilidade reduzida;

 b) Estacionar nas faixas de rodagem;

 c) Parar na faixa de rodagem, salvo nas condições previstas no n.º 3 do artigo anterior.»

Donde, em nosso entender a apontada atuação deste último foi igualmente causal do embate/acidente ocorrido, pois que, sem ela, aquele não se teria verificado.

Desde logo pela meridiana circunstância de que só a existência daquele obstáculo material em parte da faixa da rodagem concretizou o embate da lateral direita/frente do veículo ligeiro BE do autor na roda traseira esquerda do veículo tractor BQ.

Depois, porque nas circunstâncias em que esse veículo se encontrava estacionado [em parte da faixa de rodagem], numa situação de total falta de visibilidade no momento em que o autor com ele se confrontou, não permitiram a este evitar o dito embate.

Ora é por assim ser que não se pode de todo acompanhar o seguinte passo da sentença recorrida:

«Por outro lado, nem se diga que o autor confiou e circulou com o veículo BE, já que não existia sinalização inerente quer às queimadas quer à existência do veículo BQ. Ora, tais comportamentos – mesmo que o segundo réu os tivesse adoptado – não tinham a virtualidade de obnubilar a culpa do autor.

Com efeito, a partir do momento em que o autor circula sem qualquer visibilidade não pode adivinhar/confiar/facilitar que possam ocorrer e/ou existir outros obstáculos não sinalizados, obstáculos esses não controláveis pela acção humana, por exemplo, como vimos, um animal.»

 De facto, se o réu tivesse adotado outros comportamentos o embate/acidente não teria ocorrido: se o veículo tractor não estivesse estacionado a ocupar parte da faixa de rodagem, não teria constituído um obstáculo físico/material para o veículo do autor; e se essa situação de estacionamento em perigo tivesse sido objeto de aviso para o autor, este tinha possibilidade e condições de normalmente evitar o embate.

Tanto mais que esse mesmo réu, deixou estacionado o seu veículo tractor durante período de tempo não concretamente apurado [cf. nova redacção do ponto de facto “provado” sob “17.”], o que se revelou agravado pela circunstância de o mesmo ter realizado no local queimadas que originaram a densa “coluna” de fumo já anteriormente referida [cf. factos “provados” sob “18.” a “21.”].  

Sem embargo do vindo de dizer entendemos que a conduta do autor emerge como a causa principal do acidente, por se divisar que a solução ajustada ao caso passa pela atribuição ao autor de um grau de responsabilidade mais elevado, tendo em conta o grau de culpa inerente ao facto de ter decidido entrar numa densa “coluna” de fumo sem adotar as condições de segurança necessárias e imprescindíveis face às condições de menor visibilidade que tal à partida representava.

É na verdade esta a infração que emerge como a causa principal do acidente, o qual era evitável e poderia ter sido evitado se, apesar do ilícito e não sinalizado perigo do estacionamento do tractor, o A. tivesse sido mais sagaz na avaliação da situação de perigo que se lhe apresentava, e, em qualquer caso, tivesse adequado a velocidade ao mínimo que se lhe impunha e/ou seguisse com o máximo de cautelas imprescindíveis em face das circunstâncias.

O que tudo serve para dizer que sendo mais intensa a violação dos deveres por parte do autor, no quadro da apurada conculpabilidade e co-responsabilidade de ambos os condutores, mostra-se justa e adequada a repartição na proporção de 65% para o autor e 35% para o réu A (…).

Nestes termos, impõe-se revogar o juízo de irresponsabilidade da Ré seguradora para quem se encontrava transferida a responsabilidade pela condução do veículo tractor BQ por contrato de seguro válido e em vigor à data [cf. facto “provado” sob “4.”] .

Mas quais os danos indemnizáveis?

Face ao quadro fáctico apurado resumem-se eles ao estado de perda total que sobreveio para o veículo BE do autor [cf. facto “provado” sob “23.”].

Na verdade, é apenas a ele que se encontra circunscrito o objeto do recurso, sendo certo que os dados de facto para o dano da privação do uso resultaram “não provados” [cf. factos “não provados” sob as alíneas “d.” a “g.”].  

Ora, quanto àquele dano da perda total do veículo BE, a indemnização consistirá no valor comercial do mesmo [de € 18.000,00 de acordo com o facto “provado” sob “24.”], deduzido do valor dos salvados [de  € 1.200,00 de acordo com o mesmo facto “provado” sob “24.”].

Temos, assim, o valor de € 16.800,00 [ =  € 18.000,00 - € 1.200,00], mas, na medida em que a responsabilidade do réu A (...) é de 35% por esse dano, a Ré seguradora está obrigada a indemnizar o autor apenas pelo valor de € 5.880,00 [= 16.800,00 x 35%].

Montante este de € 5.880,00 a que não acrescem quaisquer juros vencidos, por esse montante só ter resultado líquido nesta instância de recurso e por força da decisão vinda de proferir.

Nestes precisos termos procedendo o presente recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Em acidentes de viação, a repartição da responsabilidade entre os diversos intervenientes deve ser feita mediante a avaliação global das circunstâncias e da sua interferência causal no acidente.

II – Num acidente de viação correspondente a um embate de dois veículos em que:

a) O condutor de um veículo ligeiro decide entrar numa densa “coluna” de fumo que se lhe apresentava na faixa de rodagem por onde circulava, sem adotar as condições de segurança necessárias e imprescindíveis face às condições de menor visibilidade que tal à partida representava;

b) O proprietário e condutor do veículo tractor tinha este ao te deixado estacionado este na berma da estrada mas a ocupar parte da faixa de rodagem e sem qualquer aviso para essa situação de perigo, agravado pela circunstância de o mesmo ficar invisível para quem circulasse naquela via, dada a densa “coluna” de fumo resultante das queimadas a que procedia no local, revela-se ajustada a repartição das responsabilidades pela colisão em 65% para o condutor do veículo ligeiro, e 35% para o proprietário e condutor do tractor.

III – Em tais circunstâncias, a infração que emerge como a causa principal do acidente é a do autor, acidente que era evitável e poderia ter sido evitado se, apesar do ilícito e não sinalizado perigo do estacionamento do tractor, o autor tivesse sido mais sagaz na avaliação da situação de perigo que se lhe apresentava, e, em qualquer caso, tivesse adequado a velocidade ao mínimo que se lhe impunha e/ou seguisse com o máximo de cautelas imprescindíveis em face das circunstâncias.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, na parcial procedência da apelação, revogar a sentença recorrida, condenando-se agora a Ré “ Z (...) ” a pagar ao autor o montante de € 5.880,00 (cinco mil oitocentos e oitenta euros).  

            Custas em ambas as instâncias pelo A e Ré “ Z (...) ” na proporção dos respetivos vencimentos.       

                                                          

Coimbra, 4 de Fevereiro de 2020

                                                          

 Luís Filipe Cravo ( Relator )

 Fernando Monteiro

Ana Márcia Vieira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira

[2] Atente-se que o autor referenciou que estava a 50 cm do eixo da via…
[3] Cf., neste sentido, LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª ed.., Livª Almedina, 2017, a págs. 707.