Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/10.5 TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: RECURSO PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM PROCESSO DE CONTRA ORDENAÇÃO
ÂMBITO E EFEITOS
CRITÉRIO DE DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA
Data do Acordão: 06/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5.º, N.º 4, POR REMISSÃO PARA A ALÍNEA B) DO ANEXO I, E 14.º, N.º S 1 E 2, AMBOS DO DECRETO-LEI N.º 152/97, DE 19 DE JUNHO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 149/2004, DE 22 DE JUNHO E 18.º, DO DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO
Sumário: 1 Pese embora o disposto no artigo 75.º n.º 1, do RGCO, como ao processo de contra-ordenação é subsidiariamente aplicável o processo criminal, nada impede que o tribunal da Relação tome conhecimento dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, e que conheça da inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (n.º 3 deste último artigo).

2.Na ponderação do benefício económico a que se refere o artigo 18º do RGCO, deve ter-se em conta o não desembolso pelo agente da quantia correspondente ao custo de um equipamento adequado à satisfação das exigências legais que devia ter adquirido e não adquiriu.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. O Município de M, além da medida de admoestação resultante da prática de uma outra contra-ordenação[1], cujas autoria e sancionamento não controverte, viu ser-lhe administrativamente imposta pelo Sr. Subinspector-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, no uso de competência delegada, uma coima no montante de € 25.000,00, isto porquanto ademais agente de uma infracção prevista e punida através das disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 4, por remissão para a alínea B) do Anexo I, e 14.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 149/2004, de 22 de Junho.

Inconformado, impugnou-a judicialmente, e com parcial ganho de causa, pois que, por sentença adrede proferida, foi reduzido o montante de tal coima para € 20.000,00.

1.2. Todavia, porque persiste irresignado, recorre agora para este Tribunal da Relação, extraindo do respectivo requerimento de interposição, após motivação, a seguinte ordem de conclusões:

1. A matéria de facto dada por assente na decisão recorrida não se mostrava susceptível de suportar o montante da coima cominado ao recorrente, isto atentando-se ao que dispõe o artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro [doravante, vulgo RGCO]. Na verdade,

2. A culpa do recorrente em grau não elevado; o não apuramento concreto da sua situação económica; a não concretização da lesão efectiva dos valores ambientais que constituem o bem jurídico tutelado na contra-ordenação apontada e, bem assim, a conduta já adoptada com vista ao tratamento do efluente em causa, determinavam antes o sancionamento pelo mínimo legal previsto, isto é, de € 2.500,00.

3. A situação verificada não foi despoletada de forma instantânea pelo recorrente, antes se ficou a dever ao aumento populacional ocorrido ao longo dos últimos 20 anos e consequente aumento do caudal no equipamento em questão.

4. Até ao terminus da construção da nova ETAR, os efluentes aludidos não podem deixar de ser tratados e lançados no domínio hídrico nos moldes que actualmente se verificam, pois á recorrente nenhuma alternativa se mostra possível.

5. O recorrente agiu com um grau diminuto de culpa, já que a necessidade de substituição da ETAR da L… por outra com a capacidade necessária para tratamento de efluentes, apenas se foi paulatinamente revelando ao longo dos anos.

6. Necessidade essa que o recorrente considerou quando elaborou e concluiu um projecto de remodelação deste órgão de tratamento, apenas não o tendo já executado porque decidiu proceder à sua total desactivação e à consequente condução, através de um colector, de todo o efluente, para uma grande unidade de tratamento a construir a jusante de T, M.

7. O recorrente não se limitou a decidir iniciar o procedimento com vista à solução da situação objecto dos autos, mas encontra-se a executar os actos necessários e imprescindíveis à construção de uma nova ETAR, como o demonstra o procedimento concursal para tal construção, cujo se encontra já na fase de análise das propostas dos concorrentes, isto é, na sua fase final.

8. Do que decorre mostrar-se diminuto o fim preventivo da sanção aplicada, atenta a consciencialização assim demonstrada em actos concretos, da ilegalidade da situação constatada.

9. A decisão recorrida descurou a concreta situação económica do recorrente; dos autos não resulta concretizada a lesão efectiva que alegadamente se verifica em consequência da actuação que lhe é imputada; também não atentou no esforço financeiro já por si suportado, na ordem de € 2.000.000,00.

10. O que tudo comporta preterição ao estatuído no citado artigo 18.º, do RGCO.

Terminou pedindo que no provimento do recurso, seja o sancionamento do recorrente fixado no apontado mínimo legal – de € 2.500,00 –.

1.3. Cumprido o disciplinado no artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento da impugnação.

1.4. Proferido despacho admitindo-a, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer apontando idêntico improvimento da oposição.

Deu-se acatamento ao disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo normativo, considerou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se a recolha dos vistos devidos, o que se verificou, e posterior submissão dos autos à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. A matéria de facto considerada como provada na decisão recorrida é do teor seguinte:

1. O Município de M, pessoa colectiva n.º 501… com sede no Largo … M., é o proprietário/explorador da ETAR da L/M sita Zona Industrial da L, M.

2. Na sequência de uma acção inspectiva realizada à referida ETAR em 1 de Julho de 2008 – cfr. Relatório de Inspecção n.º 884/2008 –, constatou-se que a ETAR efectua o tratamento de efluente de características urbanas e que se encontrava em funcionamento à data da inspecção, sendo composta por quatro tanques.

3. O resultado do tratamento é descarregado efluente para a linha de água com uma cadência maioritariamente contínua, encontrando-se a descarregar na data da inspecção.

4. Foi realizada uma recolha de amostra composta de 24 horas de efluente bruto e ao efluente tratado da ETAR, de forma a comprovar as condições impostas no Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de Junho, nomeadamente aos parâmetros Sólidos Suspensos Totais (SST), Carência Química de Oxigénio (CQO) e Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO).

5. A colheita foi efectuada com recurso a amostrador automático que foi instalado à entrada da primeira lagoa e junto à caixa de visita na última lagoa, tendo permanecido no local durante a recolha da amostra composta.

6. O efluente final foi enviado após a sua colheita para o laboratório da Agência Portuguesa do Ambiente, conforme Autos de Colheita n.º 95/2008 e n.º 96/2008.

7. De acordo com os relatórios de ensaio n.º 2008/02744 (afluente/entrada) e n.º 2008/02745 (efluente/saída), o arguido não cumpre os Valores Limite de Emissão (VLE) estipulados, 25 mg/L O2 para CBO, 125 mg/L O2 para CQO e 35 mg para SST, uma vez que apresenta valores à saída de 120mg/L O2 para CBO, 800 mg/L O2 para CQO e 570 mg/L para SST.

8. O arguido não cumpre igualmente as percentagens mínimas de redução, uma vez que apresenta valores de 25% para o CBO para um valor imposto de 70-90%, 14,89% para a CQO para um valor de 75% e não apresenta redução nos sólidos a que corresponde uma percentagem de 0% para os SST (isto é, os Sólidos Suspensos Totais são de 240 mg/l à entrada da ETAR, ou seja, efluente bruto, e de 570 mg/l à saída da ETAR, ou seja, efluente tratado – cfr. relatório de fls. 14-verso), para um valor imposto de 70%.

9. As descargas de efluente com as características monitorizadas têm um impacte negativo para o ambiente e directamente para a linha de água receptora.

10. O arguido não dispõe de licença de descarga de águas residuais, uma vez que o efluente final é rejeitado para a linha de água.

11. O arguido procedeu à abertura de concurso público para uma nova ETAR.

12. Ao utilizar os recursos hídricos sem a respectiva licença, o arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

13. Ao proceder à descarga de águas residuais em violação das normas de qualidade, o arguido não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

14. A construção do órgão de tratamento ora em questão (ETAR) data de há mais de 20 anos.

15. Tendo, na altura, sido dimensionado para servir uma população de cerca de 500 habitantes.

16. Com o crescimento demográfico, o referido equipamento deixou de servir uma população de 500 habitantes para passar a receber os efluentes de um maior número de habitantes, actualmente cerca de 3.000.

17. O aumento populacional verificado ao longo dos últimos 20 anos provocou um aumento do caudal no referido equipamento.

18. Em tempos, a recorrente elaborou e concluiu um projecto de remodelação deste órgão de tratamento.

19. Por se tratar de uma zona fortemente residencial, entendeu que a solução não passaria pelo projecto de remodelação, mas antes pela desactivação total daquele órgão de tratamento.

20. E a consequente condução, através de um colector, de todo o efluente para uma grande unidade de tratamento a construir a jusante de T, M

21. Unidade essa, cujo procedimento concursal se encontra (em Fevereiro de 2010) na fase de análise das propostas dos concorrentes.

22. A qual irá ser responsável pelo tratamento de parte dos esgotos da cidade de M.

23. As cisternas limpa-fossas, ao contrário do que se efectuava antes da autuação, presentemente não fazem qualquer descarga na referida ETAR.

24. Actualmente, e ao contrário do que se efectuava antes da autuação, a recorrente procede à limpeza periódica dos sólidos e das lamas acumulados na ETAR e colocou a obra de entrada do órgão (grelha colectora dos sólidos de maiores dimensões).

2.2. Por seu turno, a matéria de facto não provada aí consignada é como segue:

Factos não provados: (todos os restantes factos alegados pela recorrente, designadamente):

a) A ETAR instalada recebe um efluente industrial com pré-tratamento controlado pela Câmara Municipal, resultante do Grupo PSA (Citroen) o que se revela imprescindível à laboração desta empresa;

b) O funcionamento da nova ETAR está previsto para final de 2009;

c) A curto prazo a recorrente vai proceder à desactivação do referido órgão de tratamento, solucionando de forma definitiva a questão suscitada.

2.3. Por fim, é do teor seguinte a motivação probatória inserta na decisão sindicada:

Quanto aos factos 3.1. a 3.13., o tribunal fundou a sua convicção do Inspector do Ambiente, Eng. de Recursos Naturais, T. Esta testemunha efectuou a inspecção da ETAR e lavrou o auto de notícia de fls. 8 e segs. O relato que nos fez do estado de funcionamento da ETAR por altura da inspecção (1 de Julho de 2008) está “carregado de cores escuras”:

- A ETAR estava num estado de abandono;

- Trata-se de uma ETAR com sistema de quatro lagoas;

- À entrada das lagoas não existia a chamada obra de entrada (ou seja, uma grelha colectora de sólidos de maiores dimensões), de modo que plásticos, pensos higiénicos e outras sólidos de maiores dimensões tinham entrada livre nas lagoas;

- A quantidade de sólidos acumulados nas lagoas era muito grande, sendo que no caso da primeira lagoa estava na cota máxima (ou seja, a primeira lagoa, estava cheia de resíduos sólidos urbanos), o que tornas as lagoas ineficientes;

- A zona da ETAR não estava vedada, pelo que qualquer criança poderia ter acesso à zona das lagoas, com evidentes perigos de segurança;

- A lagoa funcionava de tal forma deficiente que a quantidade de sólidos suspensos totais (SST) à saída (após alegado tratamento) era superior à quantidade constatada à entrada.

Esse testemunho tem a força de quem exerce funções de inspector na área de ambiente e tem formação académica em engenharia do ambiente.

Ainda quanto aos mesmos factos, o tribunal teve presente o relatório de fls. 12, designadamente os valores registados nas descargas de águas residuais, referidos no facto 3.7., e documentos de 36 a 43, juntos pela recorrente na fase administrativa do processo.

De resto, lembro que a recorrente não colocou em causa a matéria de facto constante da decisão administrativa.

Relativamente aos factos 3.14 a 3.24, além dos já referidos documentos de fls. 36 a 43, o tribunal teve ainda presentes os testemunhos de A (encarregado geral da Câmara Municipal de M) e S (técnica superior ao serviço da Câmara Municipal, que tem a seu cargo a gestão das infra-estruturas de saneamento básico). Através destas testemunhas, o tribunal apurou, além do mais, que a Câmara ponderou em tempos a remodelação da ETAR, projecto que abandonou para optar pela construção de nova ETAR, deslocalizada, cujo concurso público está neste momento na fase de apreciação das propostas apresentadas e que após a inspecção a que se reporta os autos a Câmara deixou de lançar nas lagoas os resíduos urbanos que recolhe em veículo cisterna, colocou o órgão de entrada na ETAR e procede à limpeza periódica dos sólidos e das lamas acumulados na mesmas.

Quanto ao facto não provado sob a al. a), devo dizer que nenhuma prova se fez relativamente ao mesmo. Os factos não provados sob as als. a) e b) estão desmentidos pelos documentos pelo decurso do tempo.


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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Atentando-se ao disposto no artigo 75.º, n.º 1, do RGCO[2], o âmbito do presente recurso apenas pode incidir sobre matéria de direito.

Todavia, como ao processo das contra-ordenações é subsidiariamente aplicável o processo criminal[3], nada impede que se tome conhecimento dos vícios da sentença, mesmo relativos à matéria de facto, desde que resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, e desde que tenham alguns dos fundamentos indicados no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal. Também nada impede que se conheça de requisito cominado sob pena de nulidade e que não deva considerar-se sanada (n.º 3 deste último artigo).

Ainda de não olvidarmos que o âmbito do recurso é igualmente delimitado através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigo 412.º, n.º 1, do diploma adjectivo penal).

Tudo conjugado, e sendo certo que não descortinamos fundamento para a aludida intervenção oficiosa [como infra demonstraremos, e no que podia configurar um pretenso vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada], decorre, então, que o thema decidendum consistirá, conforme conclusões do recorrente – que sequer controverte a instituição no pagamento de uma coima, realce-se –, em indagarmos se o montante da mesma deve reduzir-se ao mínimo legalmente previsto de € 2.500,00.

3.2. A decisão recorrida contém assertivas considerações a propósito deste segmento cuja ponderação lhe era devida. Por outro lado, pese embora o esforço argumentativo do recorrente, certo é que se não descortina fundamento bastante ao ora expendido. Donde que mais nos limitemos a corroborar a bondade do sentenciado, do que a vislumbrar pontos de concordância com o arguido.

Com efeito:

Inquestionável mostrar-se o recorrente incurso na prática de uma contra-ordenação abstractamente punível com coima a fixar entre € 2.500,00 e € 44.890,00[4].

Sanção que por isso cumpriria arbitrar-se, de acordo com o estipulado no artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, rectius:

«1. A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.»

Precisemos, pois, de cada um destes itens.

Vendo-se a matéria de facto assente, primeira conclusão a de se mostrar acentuada a gravidade da infracção.

Com efeito, instituída na obrigação de proceder a um tratamento secundário que adequasse as águas provenientes de uma ETAR que mantinha em funcionamento aos parâmetros legalmente definidos, por incúria e desleixo, excedeu-os em montantes assaz significativos [relembramos: devendo conter-se, à saída, nos valores máximos de 25 mg/l para CBO (Carência Bioquímica de Oxigénio); de 125 mg/l para CQO (Carência Química de Oxigénio) e de 35 mg/l para SST (Sólidos Suspensos Totais), apresenta, respectivamente, valores de 120 mg/l; 800 mg/l e 570 mg/l].

Também a própria eficiência da ETAR [obtida através da ponderação entre o nível de poluição do resíduo urbano líquido à sua entrada, com o nível de poluição do efluente à respectiva saída, após tratamento] era deveras  questionável, pois que se deveriam verificar-se reduções de 70-90% para CBO (Carência Bioquímica de Oxigénio); de 75% para CQO (Carência Química de Oxigénio) e de 90% para SST (Sólidos Suspensos Totais), certo é que foram concretamente mensurados valores respectivos de 25%; 14,89% e de 0% [?!].

Aliás, como bem se anota na decisão recorrida, inclusive sucedia que ao nível dos últimos – sólidos suspensos totais –, o efluente à saída, após pseudo-tratamento, era superior (570 mg/l) ao da entrada (240 mg/l). Noutras palavras, a própria ETAR desempenhava o sinistro papel de grande agente poluidor do efluente!

Já no que respeita ao grau de culpa, mesmo sem menosprezarmos a forma menos intensa [porque negligente] que se descortinou na sua actuação, também não pode deixar de se referir o grau elevado de desleixo que tem, forçosamente, de se vislumbrar.

O equipamento em causa, construído há mais de 20 anos, foi dimensionado para uma população de 500 pessoas. Actualmente serve 3.000 em razão do crescimento populacional.

Ora, constatação óbvia a de que ele funciona inadequadamente há vários anos, assim se mantendo à data da acção inspectiva dos autos presentes (Julho de 2008) e manterá, uma vez que apesar da abertura do concurso para a construção de uma nova ETAR, em Fevereiro de 2010 ainda se apreciavam as propostas apresentadas…

Acrescem as circunstâncias de, pese embora o recorrente conhecer o sub-dimensionamento da ETAR, ainda lhe lançar os efluentes das cisternas limpa-fossas, tudo determinando que as descargas de efluente com as características monitorizadas tivessem um impacte negativo para o ambiente e directamente para a linha de água receptora.

E não pode o Município alegar qualquer surpresa com o aumento populacional.

Concedendo limitações que tais entidades possam encontrar a nível do ordenamento do território, sempre alguns lhe são facultados. Sucede é serem bastantes discutíveis as prioridades que os representantes dos seus órgãos vão concedendo ao que são as necessidades das populações para as quais dirigem o correspondente mandato. Casos como o presente que de excepção deviam ser a regra, podem malogradamente considerar-se em lógica inversa.

Donde que deva atribuir-se-lhe o desvalor acentuado.

Pressuposto a dever também aquilatar-se o da situação económica do agente.

Sem o invocar expressamente, alega o recorrente, a propósito, pretensa insuficiência da matéria de facto provada para a decisão[5].

Sendo de notório alarde a “penúria” económica dos Municípios no País, não menos verdade é que ainda assim comportam alguns deles, mormente os situados ao nível de dimensão do recorrente, razoáveis contrapartidas económico-financeiras do poder central e que uma moldura punitiva como a ora em causa por forma alguma belisca de forma significativa, ao menos concedendo o montante arbitrado e aquele susceptível ainda de ponderação. O que em recta contas traduzirá um menor peso relativo desta variável na operação reclamada, mas que, sublinha-se, a decisão recorrida não descurou, fazendo menção aos fluxos financeiros que o recorrente ao longo dos anos em que se manteve relapso acabou por receber do OE.

Por fim, de ponderar o benefício económico obtido pelo recorrente e traduzido, in casu, no não desembolso da quantia correspondente ao custo de um equipamento adequado à satisfação das exigências legais e que logrou fixar-se na ordem dos € 2.000.000,00 (propostas de fls. 42/3).

Em contraponto, de relevar os encargos suportados traduzidos nos custos inerentes ao lançamento de um concurso para a construção de uma nova ETAR; no ter deixado de efectuar na ETAR as descargas das cisternas limpa-fossas; no proceder à limpeza periódica dos sólidos e das lamas acumulados na ETAR e no haver colocado a obra de entrada do órgão (grelha colectora dos sólidos de maiores dimensões).

Assim, tudo sopesado, mostra-se criteriosa e por isso de manter, a opção feita na decisão recorrida de ponderação de um limiar situado sensivelmente a meio da medida abstracta da pena cominada para o agente da infracção em causa.

Nada justifica, como clama o recorrente, uma sua fixação no limiar mínimo a impor, aliás, o funcionamento de circunstâncias por forma alguma comprovadas nos autos.

Mormente as que invocou em seu auxílio e a de se mostrar assegurado o fim preventivo da sanção. Aqui, ao invés, pensamos que sobre os poderes públicos recai um dever acrescido de conduta que apenas factos excepcionais (em nada demonstrados, bem pelo contrário) possibilitariam considerar.


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IV – Decisão.

São termos pelos quais se nega provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UCs.

Notifique.


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Coimbra, 9 de Junho de 2010



[1] Prevista e punida através das disposições conjugadas dos artigos 81.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

[2] «Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.»
[3] Cfr. artigo 41.º, do RGCO:
«1. Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.
2. No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.»

[4] Isto atentando-se na acervo fáctico acolhido, que urge manter, e porquanto:

Nos termos do artigo 5.º do mencionado Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de Junho:

«1. A descarga de águas residuais urbanas só poderá ser licenciada quando se submeta a um tratamento secundário, salvo o disposto nos artigos 6.º, 7.º e 8.º. A entidade licenciadora poderá permitir que a obtenção do referido tratamento seja faseada no tempo, desde que sejam respeitados os prazos mencionados no número seguinte.

2. As entidades mencionadas no n.º 1 do artigo 4.º deverão adoptar as medidas necessárias para que as despesas já existentes ou previstas à data da entrada em vigor do presente diploma sejam precedidas de um tratamento secundário dentro dos seguintes prazos …

 (…)

4. Os requisitos a que devem obedecer as descargas de águas residuais urbanas provenientes das estações de tratamento a que se referem os n.ºs 1, 2 e 3 deste artigo são os constantes da alínea B) do anexo I ao presente diploma.»

E, de acordo com o subsequente artigo 14.º do mesmo diploma, mas redacção conferida através do Decreto-Lei n.º 149/2004, de 22 de Junho:

«1. Sem prejuízo da aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto, a violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º, nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 5.º … do presente diploma constitui contra-ordenação punível com coima de € 1.250 a € 3.740, quando praticada por pessoa singular, e de € 2.500 a € 44. 890, quando praticada por pessoa colectiva.» (sublinhado nosso)

[5] Vale por dizer que um dos vícios previstos pelo artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, concretamente sua alínea a).