Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
185/17.7PFCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PENA ACESSÓRIA;
MEDIDA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 65.º E 69.º DO CP
Sumário:
I – Denominam-se penas acessórias as que só podem ser decretadas conjuntamente com uma pena principal.
II – A pena acessória não é um efeito automático da prática do crime que a prevê, porque tem que ser decretada numa sentença condenatória, dependendo a sua aplicação da verificação de pressupostos autónomos, em função de cada crime, da existência de uma moldura abstracta privativa e da valoração dos critérios gerais de determinação das penas criminais.
III – Condição necessária da aplicação da pena acessória é a condenação do agente numa pena principal mas não é, sua condição suficiente pois torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 197).
IV – As penas acessórias são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34).
V – São-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais o que significa dever, em princípio, ser observada uma certa proporcionalidade entre as medidas concretas da pena principal e da pena acessória mas sem, todavia, esquecer, que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

Por sentença de 25 de Outubro de 2017, proferida oralmente e depositada no dia imediato [fls. 32], foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de oitenta e cinco dias de multa à taxa diária de € 7,50, perfazendo a multa global de € 637,50 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de quatro meses e vinte dias.
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Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
A – O arguido deve ser absolvido da pena acessória aplicada, ou subsidiariamente,
B – A mesma deve ser reduzida para o seu limite mínimo.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.
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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1. Inconformado com a sentença proferida nos autos à margem identificados – que o condenou pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos artºs 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a), ambos do CP, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 20 dias - veio o arguido interpor recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que não o condene na pena acessória ou, a ser aplicada tal pena, que esta seja fixada no seu limite mínimo.
2. Para tanto, o arguido invocou o princípio do caráter não automático dos efeitos das penas e alegou que a sua conduta se reveste de reduzido grau de ilicitude, sendo concretamente reduzidas exigências de prevenção especial.
3. Porém, afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente.
4. Com efeito, no direito português, o princípio do caráter não automático dos efeitos das penas é um princípio jurídico-constitucional e político-criminal, com assento nos artºs 30.º, nº 4 da CRP e 65º, do CP.
5. Deste princípio decorre que nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.
6. Porém, dispõe o artº 65º, nº 2, do CP que “A lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões.”.
7. As aludidas normas proíbem os efeitos necessários das penas, (que se traduzam em perda de direitos civis, profissionais ou políticos: que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática, independentemente de decisão judicial, por efeito direto da lei, uma outra «pena»);
8. Tal proibição de efeitos necessários das penas, abarca os efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de determinados crimes.
9. Assim, no direito português, as penas acessórias não podem ser automáticas (um efeito de condenação noutra pena ou um efeito da prática de um crime), nem fixas.
10. Ora, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é “uma verdadeira pena acessória” e, por isso, a sua aplicação pressupõe juízos de valoração e de ponderação, sendo graduada dentro de uma moldura abstrata, segundo critérios gerais de determinação das penas previstos nos artigos 40.º e 71.º do CP.
11. O seu pressuposto material é o de que o exercício da condução se tenha revelado especialmente censurável.
12. O crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez é punível com pena de prisão ou multa e, por força do disposto na al. a) do nº 1 do art. 69º do CP, com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período compreendido entre três meses e três anos.
13. Na determinação da medida concreta da pena acessória, tem o Tribunal de atender aos referidos critérios gerais, embora a sua finalidade tenha um âmbito mais restrito;
14. A proibição de conduzir visa – para além da proteção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade – censurar a perigosidade do agente e contribuir para a sua emenda, tendo também um efeito de prevenção geral negativa, a funcionar dentro do limite da culpa.
15. Ora, in casu, o Tribunal a quo – apreciando e valorando a prova produzida à luz das regras da experiência e do normal acontecer – concluiu pela verificação do pressuposto material da condenação do arguido na pena acessória, considerando a sua conduta especialmente censurável.
16. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor foi fixada em 4 meses e 20 dias, tendo por referência a moldura abstracta e segundo os critérios gerais de determinação das penas, previstos nos artigos 40.º e 71.º do CP;
17. Na determinação da medida da pena o Tribunal atendeu a todas as circunstâncias relevantes que militavam a favor e contra o arguido, designadamente a falta de antecedentes criminais e a sua confissão, mas também à elevada TAS de que era portador aquando da fiscalização;
18. Em face da matéria de facto provada, o Tribunal considerou que são muito elevadas as exigências de prevenção geral.
19. Concordamos com a decisão do Tribunal a quo, afigurando-se-nos que não podia deixar de condenar o arguido na pena acessória, pois a condução de um veículo automóvel com uma TAS de pelo menos 2,156 g/l, nas circunstâncias de tempo e de lugar mencionadas no auto de notícia é uma conduta especialmente censurável.
20. Por outro lado, o Tribunal fixou o quantum da pena muito próximo do seu limite mínimo.
21. Uma pena acessória mais baixa do que a fixada pelo Tribunal recorrido, não cumpriria as finalidades que o ordenamento jurídico-penal lhe confere.
22. Pelo exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida é justa e adequada e que deve ser mantida.
Termos em que, deverão Vªs Exas. negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, assim fazendo, JUSTIÇA.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando os argumentos da resposta do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A “absolvição” da pena acessória [por não justificação da sua aplicação];
- A excessiva medida da pena acessória.
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Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:
A) Nela foram considerados provados os seguintes factos [tanto quanto resulta do seu registo gravado]:
- [1] Os factos imputados [i) O arguido AA conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ---, no dia 21 de Outubro de 2017, cerca das 08h25m, na Rua ---, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 2,156 g/l, correspondente à TAS de 2,27 g/l registada, deduzido o erro máximo admissível; ii) O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que se tratava de via pública e que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, as quais, pela quantidade qualidade, determinariam necessariamente uma TAS superior a 1,20 g/l, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal].
- [2] O arguido não tem antecedentes criminais.
- [3] O arguido confessou os factos, integralmente e sem reservas.
- [4] O arguido mostrou arrependimento.
- [5] O arguido fez um percurso de 10 km e não foi interveniente em acidente de viação.
- [6] O arguido é engenheiro florestal, aufere cerca de € 700 mensais, vive em casa dos pais, não tem filhos, é considerado condutor cuidadoso e responsável e necessita da carta de condução para o exercício das funções profissionais.
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Da “absolvição” da pena acessória [por não justificação da sua aplicação]
1. Alega o recorrente – conclusão A – que que devia ser absolvido da pena acessória aplicada pretendendo significar, ao que cremos, face aos argumentos levados ao corpo da motivação, que não se encontram verificados os pressupostos de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pois esta não tem carácter automático, dependendo a sua aplicação da comprovação pelo juiz de um particular conteúdo ilícito que a justifique e, em concreto, o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do agente são injustificados.
Com ressalva do respeito devido, não lhe assiste razão.
Denominam-se penas acessórias as que só podem ser decretadas conjuntamente com uma pena principal. No entanto, a pena acessória não é um efeito automático da prática do crime que a prevê, porque tem que ser decretada numa sentença condenatória, dependendo a sua aplicação da verificação de pressupostos autónomos, em função de cada crime, da existência de uma moldura abstracta privativa e da valoração dos critérios gerais de determinação das penas criminais. É que, como decorre do princípio geral estabelecido no art. 65º, nº 1 do C. Penal, nenhuma pena envolve, como efeito necessário a perda de direitos, civis, profissionais ou políticos.
Condição necessária da aplicação da pena acessória é a condenação do agente numa pena principal mas não é, sua condição suficiente pois torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 197).
In casu, o recorrente conduzia na via pública um veículo automóvel, sendo portador de uma TAS de 2,156 g/l, condução que fazia de forma livre, voluntária e consciente, ciente de que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade e qualidade que necessariamente lhe causariam uma TAS superior a 1,20 g/l e de que a sua conduta era proibida por lei, assim preenchendo o tipo objectivo e subjectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não for cominada por outra disposição legal, e com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de três meses a três anos.
O recorrente foi condenado, por força do disposto nas citadas normas legais, em pena de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de quatro meses e vinte dias, pena esta encontrada dentro da moldura abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da medida da culpa.
Estão, pois, verificados os pressupostos legais de aplicação da pena acessória com que o recorrente foi sancionado.
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Da excessiva medida da pena acessória
2. Alega o recorrente – conclusão B – que a pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo, densificando a alegação no corpo da motivação, dizendo que os fundamentos apresentados para a determinação da sua medida concreta não relevaram a inexistência de antecedentes criminais e as suas condições pessoais e situação profissional, com especial enfoque na premente necessidade da licença de condução para o exercício da sua actividade profissional e o inerente risco de ficar desempregado.
Vejamos.
O C. Penal prevê as penas acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime específico para a sua determinação. Elas pressupõem, como vimos, a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 34).
São-lhes, portanto, aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais o que significa dever, em princípio, ser observada uma certa proporcionalidade entre as medidas concretas da pena principal e da pena acessória mas sem, todavia, esquecer, que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.
3. O art. 69º, nº 1 do C. Penal prevê um período de três meses a três anos para a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
A fundamentação da determinação da medida concreta da pena acessória que consta da sentença recorrida [como se ouve no registo gravado da audiência de julgamento] feita de forma breve, limitou-se à afirmação prévia das elevadas exigências de prevenção geral, determinantes da necessidade de aplicação da sua [da pena acessória], à enumeração das circunstâncias a ponderar a saber, a concreta TAS verificada, o número de quilómetros a percorrer, a ausência de perigo para utentes da via, a ausência de antecedentes criminais, a confissão integral, a manifestação de arrependimento e a essencialidade da licença de condução para o exercício da profissão, para de imediato, fixar a pena acessória no período de quatro meses e vinte dias de proibição de conduzir veículos com motor.
Como se vê, a Mma. Juíza a quo ponderou todos os aspectos que tinha que ponderar os quais, aliás, contemplam tudo o que o recorrente invocou na motivação, excepção feita à adjectivação utilizada.
Pois bem.
O grau de ilicitude é elevado uma vez que a concreta TAS acusada pelo recorrente em muito excede o limiar da tipicidade e corresponde já a um estado de intoxicação alcoólica grave.
A inexistência de perigo para os demais utentes da via é, em bom rigor, irrelevante, dada a natureza do crime em questão (crime de perigo abstracto).
O recorrente agiu com dolo directo, sendo, portanto, elevada a sua intensidade.
São prementes as exigências de prevenção geral, dada a frequência, sem sinais de abrandamento, com que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez vem sendo cometido, com graves consequências ao nível da sinistralidade rodoviária, em muito contribuindo para as negras estatísticas rodoviárias nacionais.
Assim, as circunstâncias de o recorrente não ter antecedentes criminais, ter confessado os factos, integralmente e sem reservas [com pouco relevo, diga-se, para a descoberta da verdade, posto que detido em flagrante delito], ter-se mostrado arrependido, ter necessidade, por razões profissionais, da licença de condução, e de não se fazerem sentir exigências de prevenção especial, por um lado, e a elevada ilicitude do facto revelada pela concreta TAS – com inerente reflexo na juízo de perigosidade do condutor – e as prementes exigências de prevenção geral, por outro, tendo por pano de fundo uma moldura que vai dos três meses aos três anos de proibição de conduzir veículos com motor, a medida da pena acessória fixada, privilegiando as necessidades profissionais do recorrente, é benévola e por isso, insusceptível de ser reduzida, mas não deixa de dar satisfação às exigências de prevenção geral, sendo, por outro lado, e como é evidente, plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente.
Em suma, não merece censura a medida da pena acessória fixada pela 1ª instância, pelo que é a mesma de manter.

Improcedem, portanto, as conclusões do recurso.
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (arts. 513º, nº do C. Processo Penal e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).
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Após baixa dos autos, a 1ª instância diligenciará pela notificação do recorrente para que proceda à entrega da carta de condução, no prazo de dez dias e sob a cominação devida.
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Coimbra, 16 de Maio de 2018

Heitor Vasques Osório (relator)
Helena Bolieiro (adjunta)