Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2206/07.2TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
EDIFÍCIO
DEFEITO DE CONSERVAÇÃO
DEVER DE PREVENÇÃO
DANOS
NULIDADE DA SENTENÇA
PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS492, 563, 1346, 1347, 1348 CC, 615, 662 CPC.
Sumário: I - Ainda que hoje a decisão da matéria de facto esteja inserida na sentença, não podem confundir-se os vícios privativos desta, previstos taxativamente no artº 615º do CPC, que implicam a sua nulidade, com os vícios privativos daquela decisão que acarretam a sua anulação, modificação ou o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC.

II - Porque quem aprecia a prova é o juiz, ademais acobertado por alguma margem de álea na formação da sua convicção, ao recorrente da decisão sobre a matéria de facto está vedado operar uma insurgência sobre todos ou quase todos os factos dados como provados e não provados, com necessidade de perscrutação de toda a prova produzida, e com o intuito de substituir a sua convicção à do julgador.

III - Em todo o caso, porque a imediação e a oralidade são factores de relevância determinante na formação da convicção, a decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser censurada, máxime quando alicerçada em prova pessoal, se os elementos de prova invocados impuserem decisão diversa, ie., permitam à Relação formar uma convicção diversa inequívocamente e sem margem de dúvidas.

IV - A cada vez maior complexidade, magnitude e relevância dos direitos e interesses de terceiros, rectius de vizinhos, um desejável bom ordenamento e relacionamento social, e o atalhe a evitáveis conflitos, clama uma acrescida obrigação de prevenção dos danos que potencialmente se revelem ou possam emergir da coisa, vg., em função do seu estado periclitante ou da sua perigosidade.

V - Provadas deficiências estruturais de prédio centenário, existentes ao longo de décadas, como sejam fendas nas paredes e desnivelamentos de pisos e outras estruturas, é de concluir pela presença do requisito «defeito de conservação» do artº 492º do CC, pelo que, se o proprietário ou usufrutuário não ilidirem a presunção de culpa deste preceito, eles são responsáveis pelos prejuízos causados pela derrocada do imóvel.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

H (…), Lda., (hoje insolvente e representada pela respetiva administradora da insolvência), instaurou contra  E (…), casada com A (…) no regime da separação de bens,  A (…),   (falecido tendo sido julgados habilitados E (…) e F (…)) e em que foram intervenientes B (…) e J (…)  (ambos hoje falecidos tendo sido julgados habilitados os seus herdeiros incertos), M (…) (hoje falecida tendo sido julgadas habilitados M (…) e M (…), ação declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediu:

Que os RR. sejam condenados a pagar-lhe, de forma solidária, a quantia global de 59.203,81 euros (cinquenta e nove mil duzentos e três euros e oitenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescido dos juros de mora sobre aquele valor, calculados à taxa legal, desde a data da citação da presente ação até efetivo e integral pagamento.

E, ainda, condenados, solidariamente, a pagar-lhe o valor correspondente às rendas, relativas ao 2.º andar, que se vencerem na pendência da presente ação até ser possível à A. utilizar aquele espaço com o fim a que o arrendamento se destina.

Para tanto alegou, em síntese:

- É arrendatária do rés-do-chão e 2º andar do edifício sito na Rua X (...) em (...) .

- No dia 1 de Dezembro de 2006, cerca das 17 horas, na Rua Y (...), em (...) , ocorreu a derrocada do edifício propriedade da 1.ª R., que identifica.

- Na sequência daquela derrocada, foi arrastado um segundo edifício (edifício 2) sito na Rua Y (...), n.º 1, 3, 5 e Travessa Y (...) n.º 8.

- Na sequência da derrocada, o rés-do-chão e o 2º andar do edifício do qual a A. é arrendatária, acima identificado, foram afetados pelos escombros do prédio que ruiu que foram projetados em direção ao edifício no qual a A. possui o seu estabelecimento comercial.

- Com a derrocada do edifício 1 sofreu danos patrimoniais na quantia global de 59.203,81 euros (cinquenta e nove mil duzentos e três euros e oitenta e um cêntimos) e o correspondente ao pagamento das rendas devidas pela A. relativamente ao 2.º andar que se vencerem na pendência da presente ação até ser possível à A. utilizar aquele espaço com o fim a que o arrendamento se destina.

Os RR. E (…9 e A (…) contestaram.

Imputando as causas da derrocada ao estado de degradação do edifício 2 e alegando ainda que a derrocada ocorreu devido à chuva e por falta de cuidado e erros com que, do ponto de vista técnico, foi abordada a situação pelos serviços competentes da Câmara.

A autora replicou.

Manteve a sua versão mas, considerando que face à posição dos RR. tal pode implicar responsabilidade partilhada com os proprietários do edifício 2, requereu a intervenção principal provocada de B (…), J (…) e M (…)

Conclui que caso não seja dada procedência ao pedido formulado a título principal, deverá ser reconhecida a responsabilidade dos 1ºs RR. e dos ora Chamados pelo ressarcimento dos danos causados à A., em virtude da derrocada do edifício identificado no art.º 4.º da p.i.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente por provada e em conformidade, condeno os RR. E (…9 e F (…) a pagar à autora a quantia de € 61.132,86 (sessenta e um mil cento e trinta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo os restantes intervenientes do pedido.»

3.

Inconformada recorreu a ré E (…).

Rematando as suas alegações com as seguintes, massivas, conclusões:

(…)

As intervenientes/recorridas M (…) e a MASSA INSOLVENTE DE H (…), LDA., contra alegaram, pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

Contra alegações das intervenientes:

(…)

Contra alegações da Massa Insolvente:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença  por não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar e por haver condenação ultra petitum.

2ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª – Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Estatui, no que para o caso interessa, o artº 615º do CPC:

1 - É nula a sentença quando:

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Da omissão de pronúncia.

Este segmento normativo ínsito na al. d) do artº 615º do CPC  conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.

 Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464

Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

Da decisão ultra petitum.

Dispõe o artº 609º nº1 que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir».

E dispõe o artº 615º nº 1 al. e) que «é nula a sentença quanto o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir».

Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Condenando em quantidade superior ou em objeto diverso o juiz excede o limite imposto por lei ao seu poder de condenar e infringe o princípio do dispositivo que assegura à parte a faculdade de circunscrever o thema decidendum.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante.

Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, p.06A2464  in dgsi.pt

Sendo ainda de notar que, no caso de pedidos plúrimos ou parcelares, tal vício inexiste se o juiz, mesmo condenando a mais num dos pedidos, o montante condenatório final ainda quede ínsito no pedido global final.

5.1.2.

No caso vertente  a recorrente taxa a sentença de nula por omissão de pronuncia no entendimento de que:

«o Meritíssimo Juíz a quo não podia proferir a decisão final tal como a decretou, pois não valorou, nem classificou todo um conjunto de factos considerados fundamentais para a boa decisão da causa, que lhe permitiam assim, formular uma decisão sólida, coesa.».

A recorrente mistura conceitos e realidades jurídicas distintas: a não consideração/valoração de certos factos  que ela taxa de relevantes para a decisão da causa e a pronúncia/decisão, na sentença, tout, court,  sobre as questões colocadas pelas partes no processo.

Aquela realidade coloca-se, a montante, em sede de seleção da fatualidade  alegada pelas partes e que é pertinente para a boa decisão da causa: no domínio do código antigo, reportava-se à seleção da matéria de facto – artº 511º do CPC; no âmbito do novo código refere-se, desde logo e numa fase anterior, à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova – artº 596º do CPC.

Ora se naquela fase – temas de prova – a questão, meridianamente, não se prende com a nulidade da sentença,  seja com que fundamento for, vg. por omissão de pronuncia, mesmo na fase da sentença e nesta própria outrossim não.

Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu – a qual se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.

Assim, na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta  a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzido ou se o julgador se pronunciou e relevou todos os factos com interesse para a decisão.

 Já na sentença final urge apenas verificar se a decisão final está alicerçada, ou não, em factualismo pertinente e nas normas legais atinentes e foi curialmente prolatada.

Já  no domínio do CPC pretérito se entendia que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.

Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004  dgsi.pt.p. 04B3896.

Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e  a decisão final -  são,  na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo  a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.

Os do artº 615º,  são taxativos, reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a  sua nulidade.

A falta  ou insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto,  ou a desconsideração de factos relevantes apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para  cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d).

Nesta conformidade, facilmente se alcança que o vício não é de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes, eventualmente, de  (i)legalidade da decisão sobre a matéria de facto, ex vi  da sua deficiência, cuja consequência não está prevista no artº 615º, mas antes no artº 662º nº2 al. c).

Já no que tange ao vício da nulidade por condenação além do pedido, a confusão da recorrente é idêntica.

Efetivamente, ela  brande tal argumento recursivo no entendimento de que:

«a apelante discorda desde logo dessa posição (condenação nos prejuízos sofridos)  porque é de opinião que não se verificaram quaisquer danos, na medida em que não foram comprovados, quer por documento, …quer por depoimento testemunhal, …Desta feita, os danos não podem ser contabilizados tal como o foram pelo Meritíssimo Juíz a quo, dado que não foram comprovados, podendo mesmo até arriscar-se a afirmar, que por isso, não existem. Se não existem, não há o que ressarcir. Pelo que, tendo Juíz a quo calculado o valor indemnizatório nos temos em que o fez, necessariamente inquinou a decisão de nulidade, por condenar em valor superior ao pedido da A.».

Mais uma vez a ré confunde decisão ultra petitum da sentença, com os factos  dados como provados, ou não provados, na decisão sobre a matéria de facto.

Certo é que ela não concorda com os factos dados como provados relativamente aos prejuízos, com base nos quais o julgador alicerçou a atinente condenação, e, assim, a sua irresignação.

Mas tal, obviamente, não taxa a sentença nula por condenação para além do pedido.

Perante os factos dados como provados pelo Sr. Juiz, e o pedido formulado, tal condenação é legal e   contém-se dentro do impetrado pelos autores.

Questão diversa é saber se os factos aludidos não deviam ser dados como provados, como defende a insurgente.

Mas tal, naturalmente, mais uma vez, se atém à (i)legalidade da decisão sobre a matéria de facto e não à nulidade da sentença.

Em todo o caso sempre se dirá que os factos que a ré entende terem sido indevidamente ignorados, não assumem, designadamente em função da distribuição do ónus da prova, atento o modo de defesa pelo réu, dignidade suficiente para taxar tal desconsideração como deficiência essencial da decisão sobre a matéria de  facto que tenha influído na decisão da causa.

Na verdade, e como é consabido, o réu pode defender-se por impugnação ou por exceção.

Na defesa por impugnação, o réu não aceita a versão do autor, opondo-se a ela, quer, pura e singelamente, negando-a (direta), quer aduzindo factos que a possam infirmar (motivada).

Já na defesa por exceção, o réu aceita como verdadeiros os factos aduzidos pelo autor, mas invoca outros factos, novos, que, a provarem-se,  impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos invocados pelo demandante – artº- 571º do CPC.

Ora no caso de o réu se defender por exceção, e salvo casos excecionais, vg. para efeitos de má fé, que ao caso não vêm, a posição do réu não tem de ser considerada, porque desnecessária e «excrescente», na terminologia do Mestre Prof. Alberto dos Reis.

É que, perante este tipo de defesa, provada que seja a posição do autor, a versão do réu, porque  apenas  impugnatória/contraditória daquela, não pode,  lógica e necessariamente,  ser provada, devendo soçobrar.

No caso vertente, os factos  8.º, 10.º a 14.º; 19º, 39º, 44º a 48º, 54º, 55º, 58º, 59º, 66º a 71º da Contestação não consubstanciam,  pelo menos na sua essencialidade relevante, defesa por exceção, mas simples e  mera defesa por impugnação, quer direta, quer motivada.

Pois que o fundamento nuclear da pretensão da autora – qual seja, a situação de pré-ruína do prédio 1, motivada por deficiências de conservação por banda da ré – esta não aceita.

Pelo que, provadas todas as anomalias e defeitos do prédio da ré – e, aqui e agora, independentemente de se saber se foram, ou não, bem provadas, o que infra se analisará -  as quais revelam que o prédio se encontrava em muito mau estado e negligenciado, logicamente não poderia dar-se como provados os dois argumentos nucleares contradizentemente aventados pela ré como causadores da derrocada, a saber:

-«Infiltrações das chuvas nos locais menos visíveis ao longo de largos anos, décadas até…; Intervenção e avaliação incorrecta dos técnicos da Câmara que assumiram o comando das operações, ao escorar e seguir a metodologia adoptada».

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina,  ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão, a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância ou seja, um julgamento latitudinário - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1,  de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 e de 07.09.2017, p. 959/09.2TVLSB.L1.S1, todos  in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Na verdade:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; …»

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.2.3.

No caso vertente.

Pretendem a ré que se dêem como provados os factos dados como não provados  relativos aos artºs 7.º, 18.º-A, 21.º, 22.º, 29, 30.º, 33.º a 37º, o mais alegado em 38.º, 40.º, 43.º, 53.º, 56.º,57.º e 63.º a 65.º.

E, que se deem como não provados os factos dados como provados nos pontos 9.º, 11.º a 39.º, 43.º a 47.º, 49.º, 53.º a 77.º.

O Sr. Juiz fundamentou as respostas nos seguintes, nucleares, termos:

«Para além da prova documental supra referida no elenco dos factos provados, designadamente o relatório da Comissão de Avaliação e Inquérito efetuado na sequência da derrocada dos dois edifícios, o tribunal ponderou e conjugou a ainda prova testemunhal produzida em audiência.»

Passando, de seguida, a discriminar o verbalizado pelas testemunhas.

Quanto à causa das derrocadas, o Julgador valorou especialmente o depoimento de certas testemunhas com conhecimentos técnicos, como sejam:

- A... , professor catedrático departamento engenharia civil, acompanhou as questões relacionadas com a derrocada em colaboração com a CMC,  o qual disse que “Nunca existe uma razão única quando há um acidente destes mas a falta de manutenção do edifício é uma delas”.

Os prédios que ruíram não manifestavam quaisquer problemas de fundações.

Chegaram à conclusão que as alvenarias dos edifícios que ruíram estavam fracas. O problema destes edifícios era água da cobertura que acaba por se infiltrar no meio das paredes e provocam variações de humidade deteriorando pavimentos de madeira e provocando mais cedo ou mais tarde problemas na estrutura.

Esclareceu que a intervenção não foi feita de forma correta  e que foram menosprezadas deformações que o edifício estava a ter. Quando os técnicos fizeram a avaliação, erradamente,  não colocaram a hipótese de ruína e que a intervenção em termos de escoramento foi errada também.

- R... , engenheira civil, que era diretora do Departamento de Habitação da CMC  em 2006, disse que  o proprietário do edifício 1 o qual já faleceu concordou em fazer obras antes da derrocada que eram acompanhadas pela CMC. Na altura da derrocada o prédio estava a ser intervencionado na sequência dessas obras que eram obras de recuperação de uma parede exterior. Não encontrou relação de causa efeito entre aquelas obras e a derrocada  e não conseguiram identificar claramente qual poderia ter sido a causa da queda do prédio.

Chegaram à conclusão que o prédio 2 foi arrastado pelo prédio 1 pois que se tivesse sido o prédio 2 a ruir primeiro cairia para dentro.

O Sr. Juiz considerou esta explicação plausível, desde logo perante  a experiência comum das coisas.

S (…) engenheiro civil na CMC na Divisão de Reabilitação Urbana, também subscreveu o relatório da comissão de avaliação.

No filme que viu percebia-se claramente que a ruína se iniciou pela derrocada do edifício 1 e que arrastou o edifício 2. Além disso era difícil um edifício com dois pisos empurrar o outro com cinco pisos. A  derrocada   deu-se para o lado em que estava a ser feita a intervenção no edifício 1.

No atinente aos danos alegados pela autora e dados como provados, o julgador outrossim fundamentou-se na prova pessoal e nos documentos juntos ao processo que identificou e reportou a cada facto.

No que concerne aos factos dados como não provados, entendeu que:

 «não foi produzida prova documental nem testemunhal suficientemente esclarecedora. Os orçamentos não evidenciam a efetiva realização das obras aludidas em 7º e 18º-A da contestação. No que respeita ao alegado em 56º da contestação salienta-se que o que resultou do depoimento da testemunha (…) foi que a avaliação que os técnicos fizeram não lhes permitiu concluir que havia risco de queda e na sua opinião essa avaliação foi errada. Mas não foi descrita uma melhor solução e muito menos referido que se fosse outra a avaliação os edifícios não se teriam desmoronado.»

Por seu turno a recorrente entende que as respostas deviam ser dadas no sentido por ela propugnado porque assim a prova o indica, designadamente a testemunhal e a documental.

E, neste particular, verberando o julgador, por, no seu entender, ter valorado plenamente os documentos  juntos com a petição Inicial, rectius o Relatório da Comissão de Avaliação e Inquérito elaborado pela Câmara Municipal – docs. 17 a 23 da pi -  em detrimento dos documentos por si apresentados, como sejam os docs. 8 e 9 da contestação.

Foi apreciada a prova.

Em primeiro lugar  há que dizer, bem vistas as coisas, que a recorrente pretende atacar, em bloco e na sua globalidade, toda a factualidade relevante quanto às  causas a derrocada e dos danos sofridos pela autora.

Pois que se insurge contra todos,  ou quase todos, os factos que, nestes conspetos, foram dados como provados e não provados.

Ora na sequência do que supra se expôs em 5.2.2., é de concluir que esta sua pretensão seria, desde logo por razões processuais-formais, inadmissível, ou, concedendo, de muito difícil consecução.

É que, com tal postura, o que a insurgente pretende é fazer vingar a sua análise e interpretação dos meios probatórios produzidos sobre a análise e interpretação efetivadas pelo Sr. Juiz, ou seja,  pretende substituir-se ao julgador, dando, pura e simplesmente como provada a sua posição/tese e como não provada a alegação da autora.

O que, como se viu, e por razões obvias, não pode ser concedido.

E mesmo que assim não fosse ou não se entenda, mais se conclui que a prova  por si invocada e a postura exegética que sobre a mesma efetiva, não têm força e dignidade bastantes para impor uma “reviravolta” total dos factos provados e não provados no que tange às causas do sinistro e aos danos por ele provocados.

Efetivamente, e dilucidada a prova, conclui-se que a posição do julgador encontra cobertura na mesma, senão, e relativamente a todos os factos dados como provados e não provados, de um modo absolutamente inequívoco, pelo menos com prova ainda sita dentro da dúvida razoável e da margem de álea pelo direito probatório permitida.

Na verdade, no Relatório da Comissão de Avaliação de Inquérito da CMC, expende-se, expressamente, que «O processo de rotura dos edifícios foi desencadeado a partir do colapso da parede de fachada do Edifício 1 virada para a Travessa Y (...), ao nível do teto do R/Chão/pavimento do 1.º andar. A cedência desta parede provocou a rotação dos pisos superiores para o lado da Travessa Y (...), com o subsequente desabamento em bloco destes pisos».

Este relatório é subscrito por  cinco peritos ou técnicos, professores doutores, engenheiros.

É, assim, mais do que admissível, até exigível, que este facto nuclear, vertido no artº 39.º, tivesse sido dado como provado.

Certo é que este documento, mesmo com a tecnicidade demonstrada, não se impõe probatoriamente ao julgador de um modo inexorável.

Mas, como é consabido, eivado ele de tal jaez, apenas uma prova muito forte e/ou de cariz similar, poderia  contrariar ou infirmar o seu conteúdo.

O que não se verificou, tendo, inclusive, e como supra se mencionou, a ocorrência de tal facto sido corroborada pelas testemunhas mais credenciadas, porque com razão de ciência mais fiável.

Já quanto aos factos não provados que a recorrente considera serem as causas da derrocada, eles ou não se provaram com a suficiência bastante para, ao menos com dúvidas razoáveis, poderem ser dados como assentes, ou não relevam.

A chuva intensa irreleva.

Na verdade, a chuva é um fenómeno meteorológico comum, frequente (infelizmente, presentemente, nem tanto), e, assim, previsível.

Bem como são sobejamente conhecidas as suas consequências nefastas, porque, ao menos gradualmente e ao longo dos anos, desgastantes de qualquer edificação.

Naturalmente que a chuva e as infiltrações de águas também foram contribuindo, aliadas ao passar do tempo,  para o desgaste dos materiais do edifício da ré.

Mas, precisamente por isso, e porque tal é uma evidência, ou, ao menos, do senso comum, impunha-se-lhe que, dada a proveta idade do mesmo, ela operasse uma vigilância acrescida e efetivasse as reparações que se impusessem.

Apesar de ela as alegar, algumas o tribunal não deu como provadas, como as indiciadas pelos docs. 8 e 9 da contestação.

Esta não prova é admissível, porque sendo tais documentos meros orçamentos que não foram corroborados pela subsequente emissão de faturas, exigíveis e naturalmente emitidas caso os orçamentos fossem aceites e as obras efetivadas, eles podem ser, acrescidamente, livremente apreciados.

Finalmente,  considerar que a intervenção da CMC para obstar à queda do edifício foi, ela própria, a causa da ruína do mesmo,  constituiria, no mínimo, uma conclusão intoleravelmente arriscada.

Na verdade, tal intervenção verificou-se precisamente devido ao muito mau estado do mesmo e para acudir aos possíveis efeitos de indícios – vg. fissuras – que poderiam descambar na ruína.

Obviamente que tais indícios já vinham de trás, e a existência dos mesmos só pode ser imputada à inação dos sucessivos donos do prédio.

No atinente aos danos, a prova dos mesmos alicerçou-se nos documentos juntos aos autos pelos autores em concatenação com os depoimentos das testemunhas (…).

Ambas as testemunhas apontaram, na sua essencialidade relevante, no sentido do provado, complementando/corroborando, ou sendo complementados/corroborados, pelos aludidos documentos.

Acresce que outros factos -  que devem ser tidos como provados, atentos , vg., os documentos juntos e os depoimentos das testemunhas, como seja a referida (…) -, demonstram a violência com que a parte do prédio onde se situava o estabelecimento comercial  da autora foi atingida.

São eles:

43.º Na sequência da derrocada, os rés-do-chão e o 2º andar do edifício do qual a A. é arrendatária, acima identificado, foram afetados pelos escombros do prédio que ruiu [art61PI].

44.º Que foram projetados em direção ao edifício no qual a A. possui o seu estabelecimento comercial [art63PI].

45.º Entrando pelas janelas e portas do prédio onde a A. laborava [art63PI],

46.º Rasgando vãos na fachada virada para a Travessa Y (...), consequência do impacto de blocos de maiores dimensões dos edifícios em colapso (cfr. doc. 3 e doc.s que se juntam sob os n.ºs 4 e 5 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais) [art64PI

Nesta conformidade, a prova da existência dos danos mencionados, meridianamente, e o valor dos mesmos, aqui ainda dentro da margem de álea em direito probatório permitida, é de aceitar, ou, noutra nuance ou perspectiva, não é, em função do supra exposto em 5.2.1 e 5.2.2., de censurar.

5.2.4.

Decorrentemente, e no indeferimento da presente pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1º A A. é uma sociedade por quotas que se dedica ao exercício da atividade comercial de venda de produtos óticos [art1PI].

2.º A A. foi arrendatária do rés-do-chão e 2º andar do edifício sito na Rua X (...) em (...) [cfr. documentos de fls. 31 a 34] [art2PI].

3.º No rés-do-chão do citado edifício a A. possuía uma loja de material ótico denominada “ K... ”, sendo o 2º andar destinado a armazém e oficina [art3PI].

4.º A 1.ª R. é dona e proprietária do prédio urbano sito na Rua Y (...), com os n.s de polícia 7, 9, 11, 13 e 15 e Travessa Y (...) nº10, com o artigo matricial urbano n.º (...) da freguesia de (...) em (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número (...) /18820513, que de ora em diante se identifica como edifício 1, por facilidade de identificação [cfr. certidão da conservatória de registo predial junta a fls. 36. O registo predial destina-se essencialmente a publicitar a situação jurídica dos prédios em benefício da segurança do comércio jurídico, assegura a quem adquire direitos de alguém sobre um prédio que a ter existido esse direito, ele ainda se conserva.

O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artigo 7º do C. Registo Predial)] [art4PI].

5.º Que adquiriu o citado prédio no estado de casada no regime de separação de bens [art5PI].

6.º O 2.º R. é legítimo possuidor do prédio urbano identificado no art.º 4.º, figurando na certidão do registo predial que se junta como doc. 2 como usufrutuário do mesmo [art6PI].

7.º Assumindo tal qualidade desde 16/7/2003 (cfr. doc. 2) [art7PI].

8.º No dia 1 de Dezembro de 2006, cerca das 17 horas, na Rua Y (...), em (...) , ocorreu a derrocada do edifício propriedade da 1.ª R. – edifício 1 (cfr. doc. que se junta sob o n.º 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Trata-se de cópia certificada do processo de inquérito da Câmara Municipal de (...) referente à derrocada de edifícios na Rua Y (...)) [art9PI].

9.º Na sequência daquela derrocada, foi arrastado um segundo edifício sito na Rua Y (...), n.º 1, 3, 5 e Travessa Y (...) n.º 8 - edifício 2 - com o artigo matricial urbano n.º 539, da freguesia de (...) , em (...) (cfr. doc. 3) [art10PI].

10.º O edifício do qual a 1.ª R. era dona e legítima possuidora (edifício 1) era de construção centenária [art11PI].

11.º Em 1990, através de vistoria realizada por funcionários da CMC às águas furtadas, constatou-se que aquele espaço se apresentava sinais de infiltrações ao nível da cobertura (cfr. doc. 3) [art14PI].

12.º Em 1997/1999, a empresa que realizou trabalhos ao nível das paredes e tetos da loja que situava no rés-do-chão do citado prédio, constatou que, por baixo da escada, se registava um rebaixamento no pavimento da loja de cerca de 20 cm (cfr. doc. 3) [art15PI].

13.º Ao longo dos últimos anos, observou-se, em determinadas alturas, escorrimentos superficiais de águas, provenientes do interior da parede da fachada do edifício acima identificado com edifício 1, virada para a Travessa Y (...) (cfr. doc. 3) [art16PI].

14.º Em 2003/2004, registaram-se infiltrações ao nível do 2.º andar (cfr. doc. 3) [art17PI].

15.º Continuando a verificar-se, com frequência, a queda de pequenos detritos provenientes dos revestimentos das paredes (cfr. doc. 3) [art19PI].

16.º Igualmente na mesma data, na parede interior, contígua ao edifício que também ruiu (identificado no art.º 10.º desta p.i.), existia uma fissura vertical (cfr. doc. 3) [art20PI].

17.º Em 2004, verificou-se a existência de um desnivelamento ao nível do pavimento original do 1º andar (cfr. doc. 3) [art21PI].

18.º No Verão de 2004, observou-se a existência de fissuras na empena do edifício acima identificado como edifício 1 (cfr. doc. 3) [art22PI].

19.º Fissuras essas que foram apenas colmatadas (cfr. doc. 3) [art23PI].

20.º Entre 2004 e 2005, foram detetadas as seguintes patologias: a degradação de revestimentos das paredes de fachada, fruto da presença de água; fissuras verticais e inclinadas, no embasamento do edifício; assentamento diferencial de fundações, reduzido e localizado; pequenas fissuras nos cantos dos vãos, manifestando sinais de concentração de tensões; escorrências, musgos e bolores, bem como envelhecimento e destacamento de revestimentos; deformação da estrutura do pavimento do 1.º andar; apodrecimento e ataque biológico no pavimento do 2.º andar; sinais evidentes de degradação de paredes interiores e revestimentos do 2.º andar, com fissuração generalizada das paredes divisórias e ocorrência de humidades (cfr. doc. 3) [art24PI].

21.º Em Janeiro de 2006 era visível ao nível do 1.º andar, um abaulamento para o exterior da parede da fachada virada para a Travessa Y (...) (cfr. doc. 3) [art25PI].

22.º Apresentando o pavimento de um compartimento do 3.º andar (…) alguma inclinação, com pendente para a Travessa Y (...) (cfr. doc. 3) [art26PI].

23.º Desde o início de 2006, o revestimento exterior da parede da fachada virada para a Travessa Y (...) aparentava estar húmido (cfr. doc. 3) [art27PI].

24.º Em Setembro/Outubro de 2006, no 1.º andar do edifício 1, constatou-se a existência de uma fenda com cerca de 1 cm de espessura, entre as placas de gesso cartonado e a parede da fachada virada para a Travessa Y (...) (cfr. doc. 3) [art28PI]

25.º Bem como uma fenda vertical com cerca de 1 cm de espessura, junto ao tubo de queda (cfr. doc. 3) [art29PI]

26.º Encontrando-se os rebocos nesta zona soltos até ao nível do 1.º andar (cfr. doc. 3) [art30PI].

27.º Em Outubro de 2006, parte do reboco da fachada virada para a Travessa Y (...) começou a soltar-se (cfr. doc. 3) [art31PI]

28.º Tendo-se registado a existência de uma fenda com cerca de 1 cm de espessura entre a ombreira de pedra da porta da entrada e as placas de gesso cartonado colocadas no interior (cfr. doc. 3) [art32PI].

29.º A abertura de tal fenda foi aumentando, apresentando uma espessura de 3 cm duas semanas mais tardes (cfr. doc. 3) [art33PI].

30.º Na mesma altura, a porta de acesso à casa de banho do 1.º andar apresentava-se empenada (cfr. doc. 3) [art34PI]

31.º Verificando-se infiltrações junto ao teto contíguo à janela virada para as Escadas Y (...), em períodos de chuva intensa (cfr. doc. 3) [art35PI].

32.º Em finais de Novembro de 2006, eram visíveis fissuras no interior da casa de banho do 1.º andar, na parte da fachada virada para a Travessa Y (...) (cfr. doc. 3) [art36PI]

33.º Sendo ainda visíveis fissuras nas paredes da caixa de escadas e na parede contígua ao prédio vizinho (cfr. doc. 3) [art37PI].

34.º Ao longo dos meses anteriores, a inclinação do aro da porta de entrada do prédio foi evoluindo, apresentando uma inclinação facilmente visível na semana anterior à derrocada (cfr. doc. 3) [art38PI].

35.º “No dia 28 de Novembro de 2006, eram visíveis, na porta de entrada do edifício, grãos de areia” (cfr. doc. 3) [art39PI].

36.º “A porta da entrada, localizada no 3.º andar, deixou de fechar com duas voltas de chave” (cfr. doc. 3) [art40PI].

37.º “Os lanços das escadas que se desenvolviam, paralelos à Travessa Y (...), apresentavam uma ligeira inclinação para aquela Travessa, que foi aumentando ao longo dos últimos dias” (cfr. doc. 3) [art41PI].

38.º Como se pode observar pelo Relatório junto à presente petição como doc. n.º 3, entre 1990 e 2006, apesar dos sinais evidentes de degradação graves acima descritos, foram realizadas apenas pequenas intervenções no citado edifício, sem aptidão para atacar os vícios aí existentes (cfr. doc. 3) [art42PI].

39.º O processo de rotura dos edifícios foi desencadeado a partir do colapso da parede de fachada do Edifício 1 virada para a Travessa Y (...), ao nível do teto do R/Chão/pavimento do 1.º andar. A cedência desta parede provocou a rotação dos pisos superiores para o lado da Travessa Y (...), com o subsequente desabamento em bloco destes pisos (cfr. doc. 3) [art57PI].

40.º O edifício acima identificado no ponto 2.º, no qual a A. possui uma loja de material óptico denominada “ K... ”, bem como um armazém e oficina, situa-se a sudeste do edifício do qual o R. era dono e legítimo possuidor (edifício 1) [art58PI].

41.º Possuindo duas fachadas: a dianteira, virada para a R. X (...); e a traseira, virada para a Travessa Y (...) [art59PI].

42.º Correspondendo ao edifício marcado com o n.º 6, constante da planta presente a fls. 5 do Relatório junto como doc. 3, e com a configuração aí expressa [art60PI].

43.º Na sequência da derrocada, os rés-do-chão e o 2º andar do edifício do qual a A. é arrendatária, acima identificado, foram afetados pelos escombros do prédio que ruiu [art61PI].

44.º Que foram projetados em direção ao edifício no qual a A. possui o seu estabelecimento comercial [art63PI].

45.º Entrando pelas janelas e portas do prédio onde a A. laborava [art63PI],

46.º Rasgando vãos na fachada virada para a Travessa Y (...), consequência do impacto de blocos de maiores dimensões dos edifícios em colapso (cfr. doc. 3 e doc.s que se juntam sob os n.ºs 4 e 5 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais) [art64PI].

47.º Na sequência da derrocada e como sua consequência directa, em 5 de Dezembro de 2006, a A. foi notificada pelo Departamento de Habitação da Câmara Municipal de (...) para proceder ao encerramento do estabelecimento óptico que possui no rés-do-chão do edifício correspondente aos n.º (...) na Rua X (...), em virtude do mesmo não apresentar condições mínimas de  segurança para o seu funcionamento (cfr. documento de fls. 77 que foi junto sob o n.º 6 com a PI) [art65PI].

48.º Em 10 de Janeiro de 2007, a A. foi notificada pelo Departamento de Habitação da Câmara Municipal de (...) para reabrir o estabelecimento de óptica que possui no rés-do-chão, “com a condição de não serem utilizados os pisos superiores e deles serem previamente removidas todas as cargas existentes” (cfr. documento de fls. 78 que foi junto sob o n.º 7 com a PI) [art66PI].

49.º A A. teve de encerrar a sua loja de produtos óticos desde o dia 1 de Dezembro de 2006 pelo menos até ao dia 19 de Janeiro de 2007, em virtude dos danos provocados no edifício por força da derrocada do edifício 1 [art67PI].

50.º A A. paga mensalmente à proprietária do edifício sito na R. X (...), n.ºs (...), a título de renda pela utilização do 2º andar a quantia de 31,04 euros, e do rés-do-chão a quantia de 103,24 euros (cfr. cópias de recibos de renda juntos como documento n.º 8 da PI a fls. 79) [art69PI].

51.º A A. tem vindo ainda a pagar, mensalmente, à proprietária do citado edifício a renda devida pela utilização do 2.º andar [art71PI].

52.º No entanto, desde 1 de Dezembro de 2006 e até à data da declaração da sua insolvência em 11/1/2013 [vide documentos de fls. 112 e 115 a 122 do apenso B no que concerne à declaração de insolvência], devido aos danos provocados pela derrocada, a A. tem-se visto privada de utilizar aquele espaço como armazém [art72PI].

53.º Devido à derrocada, algum equipamento e produtos que a A. possuía no referido prédio onde laborava foram atingidos pelos escombros do edifício identificado no ponto 4.º, ficando inoperacionais e inutilizados (cfr. as  fotografias juntas como docs. sob os n.ºs 9 a 15 da PI nas quais é bem visível a destruição de equipamento e produtos) [art76PI].

54.º A A. necessitava diariamente dos aparelhos referidos, pelo que se viu na necessidade de adquirir novos equipamentos [art77PI].

55.º Assim, fruto da derrocada, foi atingido pelos escombros do edifício 1, o aparelho X88001-Leitor centralizador Essilor Gamma [art78PI].

56.º Tendo-se partido e ficado inutilizado [art79PI].

57.º Contactada a marca, a A. foi informada ser impossível substituir as peças partidas por peças novas (cfr. doc. junto sob o n.º 16 a fls. 87 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) [art80PI].

58.º Pelo que a A. necessitou de adquirir um novo aparelho para sua substituição – o conjunto Kappa Ctd, no valor de 43.324,05 euros (cfr. doc. 16 e doc. junto sob o n.º 17 a fls. 88 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) [art81PI].

59.º Valor esse que a A. pagou (cfr. doc. 17) [art82PI].

60.º Outro aparelho que ficou partido por ter sido atingido pelos escombros do edifício 1, foi o aparelho Frontofocometro automat CLE60, que a A. havia adquirido há menos de 1 ano, no valor de 3.250,00 Euros acrescido de IVA (cfr. doc. que se junta sob o n.º 18 a fls. 89 e que aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais) [art84PI].

61.º Contactada a marca, a A. foi informada ser impossível reparar o aparelho mencionado (cfr. doc. que se junta sob o n.º 19 a fls. 90 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) [art85PI].

62.º O valor deste aparelho novo é de 3.932,50 euros (3.250 euros + IVA a 21%) [art86PI].

63.º Nas fracções identificadas no art.º 2.º deste articulado, a A. guardava ainda o seu stock de lentes oftálmicas e de lentes de contacto [art88PI].

64.º Stock esse que foi totalmente destruído [art89PI].

65.º Por ano, a A. vende, em média, em lentes oftálmicas, a quantia correspondente a 5.000 euros [art90PI].

66.º Em 31 de Dezembro de 2004, a A. possuía 4708 unidades de lentes oftálmicas, que correspondiam a 17.168,34 euros (cfr. doc. que se junta sob o n.º 20 da PI a fls. 91/92) [art91PI].

67.º Em 31 de Dezembro de 2005, a A. possuía 1226 unidades de lentes oftálmicas, que correspondiam a 12.013,16 euros (cfr. doc. junto sob o n.º 21 a fls. 93) [art92PI].

68.º Ao longo do ano de 2005, a A. vendeu lentes oftálmicas do seu stock, no montante de 5.155,18 euros [art93PI].

69.º A A. vende sensivelmente o mesmo montante de stock todos os anos [art94PI].

70.º No final daquele ano e na altura da derrocada, a A. possuía um stock de lentes oftálmicas no valor de 6.857,98 euros (seis mil oitocentos e cinquenta e sete euros e noventa e oito cêntimos) [art96PI].

71.º Stock esse que foi totalmente destruído [art97PI].

72.º Da mesma forma, por ano, a A. vende, em média, em lentes de contacto, a quantia correspondente a 1.500 euros [art99PI].

73.º Em 31 de Dezembro de 2004, a A. possuía, em stock, lentes de contactos, que correspondiam a 7.574,32 euros (cfr. doc. junto sob o n.º 22 a fls. 94-97) [art100PI].

74.º Em 31 de Dezembro de 2005, a A. possuía, em stock, lentes de contacto, que correspondiam a 6.073,36 euros (cfr. doc. que se junta sob o n.º 23 a fls. 98- 101) [art101PI].

75.º Ao longo do ano de 2005, a A. vendeu lentes de contacto do seu stock, no montante de 1.500,96 euros [art102PI].

76.º No final daquele ano e na altura da derrocada, a A. possuía um stock de lentes de contacto no valor de 4.572,40 euros (quatro mil quinhentos e setenta e dois euros e quarenta cêntimos) [art105PI].

77.º Stock esse que foi totalmente destruído [art106PI].

78º O edifício 2 encontrava-se solidarizado com o edifício 1 dada a existência de uma parede meeira (cfr. ponto 4.2 do relatório da comissão de avaliação) [art3contestação].

79º Os dois prédios que ruíram tinham no que respeita ao estado de conservação uma classificação de 4 (numa escala de 1 a 5) em estudo encomendado à autarquia à Universidade de (...) para diagnóstico desta zona da cidade (documento de fls. 133) [art5contestação].

80º As autoridades e técnicos envolvidos no dia 28 de novembro de 2006 na análise da estrutura do prédio dos RR. concluíram que o mesmo não apresentava sinais de ruir [art6contestação].

81º O R. fez duas denúncias à Câmara Municipal de (...) aludindo à ruína e abandono do edifício nº 2 conforme documentos de fls. 145 e 146 cujo teor se dá por reproduzido [art9contestação].

82º No edifício 2 as obras realizadas por volta de 1998”descalçaram” ao nível do 1º andar , parte da parede da fachada deste prédio virada para a Rua Y (...)   (ponto 4.2 do relatório da Comissão de Avaliação e Inquérito) [art15contestação].

83º Em fevereiro de 2001 apresentava reboco danificado, vãos com vidros partido, janelas abertas e a cobertura em ruína, situação esta que originava infiltrações na parede meeira [art16contestação].

84º Em 2 de fevereiro de 2001 teve lugar uma vistoria da Câmara Municipal aos prédios sitos na Travessa Y (...) nº 10 e 8 (documento de fls. 148) [art18contestação].

85º Em informação camarária de 2003/1730 (cfr. documento de fls. 149/50) levantou-se a possibilidade de execução coerciva de obras no imóvel sito na Travessa Y (...) nº 8 [art20contestação].

86º Os proprietários do edifício nº 2 foram notificados pela CMC para procederem à realização de obras (cfr. documento de fls. 147 [art23contestação].

87º Em 28 de março de 2003 foi efetuada nova vistoria ao edifício 2 conforme auto de vistoria cuja cópia consta de fls. 151 cujo teor se dá por reproduzido [art24contestação].

88º E (…) foi notificada para proceder ao despejo sumário do edifício 2 conforme ofício cuja cópia consta de fls. 152 cujo teor se dá por reproduzido [art26contestação].

89º No verão de 2004 foram executadas pela arrendatária obras na cobertura (ponto 4.2 do relatório) [art27contestação].

90º O telhado do edifício 2 situa-se ao nível do 3º andar do edifício 1 (fotografias de fls. 153) [art28contestação]

91º No edifício 2 no verão de 2006 foi retirado o lanço de escadas de acesso à loja com entrada pela Travessa Y (...) (ponto 4.2 do relatório) [art31contestação].

92º Em novembro de 2006 construiu-se uma escada de madeira de acesso ao piso de cima; procedeu-se ao corte de uma parede divisória; o pavimento, os tetos e as paredes foram revestidos com materiais leves de acabamento (ponto 4.2 do relatório) [art32contestação].

93º As fissuras foram reparadas através de obras realizadas pelos RR. no prédio [art38contestação].

94º Os valores das quantidades de precipitação ocorridos em Portugal continental nos meses de setembro a outubro de 2006 foram superiores às médias dos últimos 42 anos (documentos de fls. 164 a 183) [art52contestação].

95º Em 28 de novembro de 2008 compareceram no local elementos da proteção civil municipal [art59-61contestação].

96º A pedido de um engenheiro da CM o empreiteiro (…) colocou escoras no edifício 1 aplicando tubos (fotografia de fls. 186) [art62contestação].

5.3.

Terceira questão.

A julgadora, alcandorada em doutrina e jurisprudência pertinentes, decidiu a causa com invocação do seguinte, nuclear, discurso argumentativo:

« Em conformidade com o disposto no artigo 492, nº 1, do Código Civil, “o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.”

 “neste artigo, como no anterior e no seguinte, uma mera presunção de culpa, e não uma responsabilidade objetiva do proprietário ou possuidor. Estes podem fazer a prova de que não tiveram culpa ou de que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.”…

A situação prevista no artigo 492º do CC configura uma daquelas em que o lesado beneficia de uma presunção de culpa do lesante…

Todavia, a presunção de culpa do alegado lesante, de modo algum pode ignorar ou afastar os pressupostos contidos nessa mesma disposição legal e, designadamente, os pressupostos da própria presunção de culpa do alegado lesante (no caso, os RR.), cujo ónus da respetiva prova recai sobre o lesado (no caso, os AA.), recaindo sobre aqueles o ónus da prova da ausência de culpa…

Ressalta ainda da factualidade provada que o edifício propriedade da ré E (…) era um edifício centenário e vinha apresentando sinais de degradação desde 1990 (cfr. pontos 10º a 37º do elenco dos factos provados). Além disso provou-se que apesar dos sinais evidentes de degradação graves acima descritos, foram realizadas apenas pequenas intervenções no citado edifício, sem aptidão para atacar os vícios aí existentes (cfr. ponto 38º dos factos provados). E provado ficou ainda que o processo de rotura dos edifícios foi desencadeado a partir do colapso da parede de fachada do Edifício 1 virada para a Travessa Y (...), ao nível do teto do R/Chão/pavimento do 1.º andar. A cedência desta parede provocou a rotação dos pisos superiores para o lado da Travessa Y (...), com o subsequente desabamento em bloco destes pisos (cfr. ponto 39º do elenco dos factos provados).

Analisada a factualidade descrita, conclui-se que foi efetuada prova no sentido de que a derrocada resultou de um falta ou deficiente manutenção do edifício propriedade da ré... E assim sendo, conclui-se que estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil a que se alude no artº 492º CC.

Com efeito, para além do mais, imputando os RR. as causas da derrocada ao estado de degradação do edifício 2 e alegando ainda que a derrocada ocorreu por falta de cuidado e erros com que, do ponto de vista técnico, foi abordada a situação pelos serviços competentes tal não veio a encontrar eco nos factos apurados.».

Este discurso

Os recorrentes entendem que:

não se provou que o prédio 1 apresentava qualquer risco de ruír, dado que as degradações visíveis de que o prédio padecia, não permitiam conduzir a essa conclusão…que o prédio tinha óptimas condições e que as mazelas que se verificavam não eram alarmantes, mas comuns a tantos outros prédios antigos. Que aliás, apenas nas vésperas do prédio ruír, é que os sinais se tornaram significativos, pois até aí, nunca houve necessidade de qualquer intervenção por parte do dono do prédio…Que manutenção era-lhe exigida se o prédio dela não necessitava? …levou a cabo todo um conjunto de obras, que foram devidamente documentadas no processo e comprovadas pelo próprio que as realizou. Obras que se revelaram a olho nú, serem as mais adequadas, até porque não se comprovou quais as obras específicas que competia ao lesado realizar, para evitar a queda do prédio, nem se demonstrou qual o vício causador da ruína e para que legalmente exista uma presunção de culpa».

A a subsunção e interpretação jurídica operada pelo julgador apresenta-se, em tese, curial, e, atentos os factos apurados, adequadamente perspectivada.

E, sdr., à recorrente não assiste razão, a qual, quando muito, apenas lhe caberia, se a alteração dos factos fosse efectivada nos termos por eles propugnados.

Na verdade:

«Cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios implica limitações ao exercício do direito de propriedade – que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC (como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346.º a 1348.º ou 1350.º, ou as dos arts. 492.º e 493.º) – através da ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, para fundar um direito à protecção do proprietário através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um dever geral de prevenção do perigo.

 Das normas consagradas no art. 128.º do RGEU e art. 493.º, n.º 1, do CC, resulta a imposição de os donos dos prédios os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupados ou para a dos prédios vizinhos, sob pena de responsabilidade pelos danos que a coisa imóvel causar.» - Ac. do STJ de 14.02.2017, p. 528/09.7TCFUN.L2.S1., in dgsi.pt.

Ou, por outras palavras:

«Traduzindo uma faceta de desenvolvimento do direito que melhor corresponde às necessidades da vida corrente… as normas dos arts. 492º, 493º, 1347º e 1348º do CC representam “afloramentos especiais de um princípio geral de recorte mais amplo” em que se funda, além do mais, “o dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado pelo proprietário”…permite identificar a existência de um dever de prevenção que incidia sobre a R., relativamente às consequências que a sua conduta ...provocou e continuou a provocar…» - Ac. do STJ de 29.03.2012, p. 6150-06.2TBALM.L1.S.

(sublinhado nosso)

Por outro lado:

Importa ter presente que o artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.

Sendo que, e no que concerne à responsabilidade por facto ilícito culposo, esta doutrina deve interpretar-se de forma mais ampla, com o significado de que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Acresce, finalmente.

Para que um dano seja considerado efeito adequado de certo facto não tem que se tornar previsível para o seu autor.

A previsibilidade é decerto exigível relativamente, v. g., ao requisito da culpa, visto constituir um elemento (intelectual) desta em qualquer das suas modalidades; mas não em relação aos danos - Cfr, entre outros, os Acs. do STJ de.10.2005, de  07.04.2005, de 29.06.04 e de 09.10.2003, in dgsi.pt, p.05B2286, 03B4474,  05B294 e 03B2680 respectivamente, e Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. p.503.

Assim:

«A aferição global da causalidade adequada, não se referindo a um facto e ao dano isoladamente considerados, deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano.» - Ac. do STJ de 14.02.2017, sup. Cit.

Ora perante os factos apurados é perfeitamente aceitável e até plausível, não apenas exigir que os réus previssem que o estado degradado do seu prédio podia descambar na sua ruína, como resultou, como, outrossim, éra-lhes exigível que prognosticassem as consequências e os danos que esta acarretou, e, bem assim, considerar tal ruína como causa adequada destes prejuízos.

Na verdade, o prédio, já centenário, apresentava, já ao longo de extenso lapso temporal – décadas -, ou seja, pelo menos desde o ano de 1990, indícios de que a sua derrocada era possível.

Pois que, vg., estava sujeito a infiltrações e, sinótica e essencialmente,  apresentava:

- fissuras nas paredes que foram apenas colmatadas, ou seja, tapadas, sem que se interviesse na preservação estrutural das mesmas; desnivelamento ao nível do pavimento original; assentamento diferencial de fundações, reduzido e localizado; deformação da estrutura do pavimento do 1.º andar; fissuração generalizada das paredes divisórias; abaulamento para o exterior da parede da fachada virada para a Travessa Y (...); pavimento de um compartimento do 3.º andar (…) alguma inclinação, com pendente para a Travessa Y (...); uma fenda com cerca de 1 cm de espessura, entre as placas de gesso cartonado e a parede da fachada virada para a Travessa Y (...); uma fenda com cerca de 1 cm de espessura entre a ombreira de pedra da porta da entrada e as placas de gesso cartonado colocadas no interior a qual foi aumentando, apresentando uma espessura de 3 cm duas semanas mais tarde; uma fenda vertical com cerca de 1 cm de espessura, junto ao tubo de queda;  fendas estas constatadas em Setembro/Outubro de 2006; parte do reboco da fachada virada para a Travessa Y (...) começou a soltar-se, em finais de Novembro de 2006; eram visíveis fissuras no interior da casa de banho do 1.º andar, na parte da fachada virada para a Travessa Y (...)  bem como fissuras nas paredes da caixa de escadas e na parede contígua ao prédio vizinho, ao longo dos meses anteriores; a inclinação do aro da porta de entrada do prédio foi evoluindo, apresentando uma inclinação facilmente visível na semana anterior à derrocada; e “os lanços das escadas que se desenvolviam, paralelos à Travessa Y (...), apresentavam uma ligeira inclinação para aquela Travessa, que foi aumentando ao longo dos dias.

Finalmente, the last but not the least, passe o anglicismo, apurou-se que:

«entre 1990 e 2006, apesar dos sinais evidentes de degradação graves acima descritos, foram realizadas apenas pequenas intervenções no citado edifício, sem aptidão para atacar os vícios aí existentes».

Atento este acervo fáctico, queda inadmissível o entendimento dos recorrentes de que não ficou demonstrado quais as concretas intervenções, para além das que eles alegadamente fizeram, se lhe impunham, para obviar à derrocada.

A resposta é clara: perante os vastos indícios de grave afectação da estrutura do prédio,  ao longo de tão dilatado período de tempo, a(s) intervenção (ões) exigível (is) era(m) precisamente a este nível – estrutural -  pois que só elas evitariam aquilo que claramente já se antevia.

Mas os réus não as efetivaram, limitando-se a operar intervenções, passe o termo e sem intuito pejorativo, «de fachada», ou intervenções que, como ficou demonstrado pela superveniência da derrocada, se revelaram insuficientes ou inadequadas para  esta evitar.

Mas, como dimana dos arestos supra citados, hodiernamente é entendimento pacífico ou ao menos predominante, que o proprietário ou possuidor, deve assumir - ex vi da cada vez maior complexidade, magnitude e relevância dos direitos e interesses de terceiros, rectius de vizinhos, de um desejável bom ordenamento e relacionamento social, e de atalhe a evitáveis conflitos-, uma cada vez maior e acrescida obrigação de prevenção dos danos que potencialmente  se revelem ou possam emergir da coisa, vg., em função do seu estado periclitante ou da sua perigosidade.

O facto de o prédio 2 outrossim estar em elevado estado de degradação irreleva.

Pois que o primeiro  a ruiu  e a desencadear o processo de rotura dos edifícios foi o Edifício 1, concretamente a partir do colapso da parede da sua fachada – ponto 39 dos provados.

Por outro lado, a menos boa e adequada perscrutação dos serviços camarários na verificação e diagnóstico quanto à perigosidade das deficiências do prédio, outrossim  não iliba os réus da sua responsabilidade.

É que as anomalias estruturais já vinham de há longos anos, e as  simples e meras obras «de lavagem de cara» que eles efetivaram no edifício, certamente, ou com grande probabilidade, ainda juridicamente atendível, induziram tais técnicos em erro, ou impediram-nos de avaliar o efectivo e real risco de derrocada.

Finalmente, o efeito desgastante da chuva outrossim não é de atender, pois que como supra se expendeu, ele é consabidamente conhecido, pelo que, com maior pertinência e acuidade, se impunha aos réus, ex vi de tal efeito nocivo, uma maior vigilância e intervenção reparadora.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - Ainda que hoje a decisão da matéria de facto esteja  inserida na sentença, não podem confundir-se  os vícios privativos desta, previstos taxativamente no artº 615º do CPC, que implicam a sua nulidade, com os vícios privativos daquela decisão que  acarretam a sua anulação, modificação ou  o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC.

II - Porque quem aprecia a prova é o juiz,  ademais acobertado por alguma margem de álea na formação da sua convicção, ao recorrente da decisão sobre a matéria de facto está vedado operar uma insurgência sobre todos  ou quase todos os factos dados como provados e não provados, com necessidade de perscrutação de toda a prova produzida, e  com o intuito de substituir a sua convicção à do julgador.

III - Em todo o caso, porque a imediação e a oralidade são factores de relevância determinante na formação da convicção, a decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser censurada, máxime quando alicerçada em prova pessoal, se os elementos de prova invocados impuserem decisão diversa, ie., permitam à Relação formar uma convicção diversa inequívocamente e  sem margem de dúvidas.

IV - A cada vez maior complexidade, magnitude e relevância dos direitos e interesses de terceiros, rectius de vizinhos, um desejável bom ordenamento e relacionamento social, e o atalhe a evitáveis conflitos, clama uma acrescida obrigação de prevenção dos danos que potencialmente  se revelem ou possam emergir da coisa, vg., em função do seu estado periclitante ou da sua perigosidade.

V - Provadas deficiências estruturais de prédio centenário, existentes ao longo de décadas, como sejam fendas nas paredes e desnivelamentos de pisos e outras estruturas, é de concluir pela presença do requisito «defeito de conservação» do artº 492º do CC, pelo que, se o proprietário  ou usufrutuário não ilidirem a presunção de culpa deste preceito, eles são responsáveis pelos prejuízos causados pela derrocada do imóvel.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2017.12.19.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos