Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4701/10.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: VIAGEM TURÍSTICA
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 5.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 209/97 DE 13/8, DL Nº 263/2007 DE 20/7, DL Nº 61/2011 DE 6/5, ARTS. 483, 485, 563 CC
Sumário: 1 - A mera aquisição em agência de viagens dos bilhetes de avião não configura uma viagem turística.

2 - Por isso, à agência não está legalmente cometido o dever de informar o cliente sobre a necessidade de obtenção de vistos para o destino.

3. - Não tendo os autores demonstrado que solicitaram à agência de viagens a prestação de tal serviço, não existe responsabilidade contratual da ré pela prestação de informação, pelo que, a omissão da mesma não constitui a ré na obrigação de os indemnizar.

4. Mesmo que se tivesse demonstrado que a ré prestou aos autores a informação de que não eram necessários os vistos, não se tendo demonstrado qualquer uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 485.º do CC, também não impenderia sobre a ré o dever de os indemnizar.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A (…) e M (…), instauraram contra VIAGENS (…), S.A., a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de €25.760,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram com o seu comportamento, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 26 de Setembro de 2007 até integral reembolso.

Em fundamento, alegaram, a omissão de informação, por parte da ré, da necessidade de visto para entrada na Índia, país de destino das viagens que adquiriram na agência desta em Leiria e onde o primeiro autor se deslocava a fim de participar, como palestrante, num Congresso de médicos dentistas, o que implicou a deportação dos autores para Portugal, no mesmo dia, após permanecerem mais de 2 horas na zona de controlo de entrada de estrangeiros do aeroporto de Mombai.

A título de danos patrimoniais peticionam o valor das viagens e estadia que despenderam, no montante de €5.760,00 e a título de danos não patrimoniais reclamam, o primeiro autor a quantia de €15.000,00, e o segundo autor €5.000,00, pelo vexame de se verem expostos à deportação, pelo transtorno de não terem podido chegar ao hotel e descansar após a cansativa viagem de ida, antes sendo obrigados a fazer a viagem de regresso sem tempo nem condições para descansar, por verem goradas as expectativas de visitar e conhecer o país, como pretendiam e, no caso do 1.º autor, pela repercussão na sua carreira profissional do impedimento de apresentar a sua prelecção, em cuja preparação dedicou inúmeras horas de trabalho, vendo-se obrigado a apresentar desculpas às entidades organizadoras e ao corpo de colegas que o haviam convidado.

2. Contestou a R., a Ré, por excepção, invocando a sua ilegitimidade entendendo não poder ser responsabilizada pelos montantes peticionados nos autos, pois as viagens compradas pelos autores apenas respeitavam às passagens aéreas, não lhes tendo sido vendida pela ré a estadia no país de destino, estando assim excluída a obrigação de informação prévia sobre a necessidade de vistos imposto pelo artigo 18.º, n.º 1, do DL n.º 263/2007, de 20 de Julho, apenas aplicável às vendas de viagens turísticas e não à venda de serviços avulsos, em que a agência apenas intervém como intermediária; a ilegitimidade dos autores, em virtude de os serviços terem sido prestados à «Clínica de Ortodontia A(…)» e não aos próprios e, no mais, impugnando a versão vertida na petição inicial.

Termina pedindo a sua absolvição da instância e do pedido.

Requereu ainda a intervenção provocada acessória de «D (…)», companhia aérea que efectuou os voos adquiridos pelos autores e que permitiu o embarque destes sem que fossem portadores de vistos, quando, nos termos das condições de contrato e outros avisos importantes patentes na IATA, devia ter recusado o transporte dos autores no momento do check in em Portugal, assistindo-lhe, em caso de condenação na presente demanda, direito de regresso sobre esta fornecedora de bens ou serviços relativamente às quantias pagas no cumprimento da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 39.º, n.º 2 do DL n.º 263/2007, de 20 de Julho.

3. Responderam os AA., considerando que as excepções de ilegitimidade invocadas devem ser julgadas improcedentes por não provadas, reiterando o pedido formulado e concluindo como na petição inicial.

4. Por despacho de fls. 59 e ss foi admitida a intervenção provocada acessória de «D (…)»[1].

5. A interveniente D (… (LUFTHANSA), contestou, sustentando não poder ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos invocados pelos autores, na medida em que das condições do contrato de transporte da «LUFTHANSA» - que os autores aceitaram ao adquirirem um bilhete para viajar nessa companhia -, mormente das cláusulas n.º 13.1.1 e 13.1.2, está expressamente excluída a sua responsabilidade perante qualquer passageiro por quaisquer consequências para ele decorrentes do facto de não dispor dos documentos de viagem necessários ou vistos, cuja responsabilidade de obtenção recai sobre o próprio passageiro.

Impugnou determinados factos alegados pelos autores e quanto aos demais, aderiu à contestação apresentada pela ré, aduzindo inexistir nexo de causalidade entre os factos relatados pelos autores e a quantificação apresentada que ademais não se encontra circunstanciada ou comprovada.

6. Os autores responderam à contestação da interveniente, reiterando o pedido formulado na petição inicial.

7. Foi proferido despacho saneador, onde foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade passiva e activa deduzidas pela ré e afirmados os pressupostos de validade e regularidade da instância, mais se procedendo à selecção da matéria de facto assente e controvertida, que não foi objecto de reclamação.

8. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, no início da qual pela ré foi solicitada a eliminação da alínea A) dos factos assentes por estar em contradição com o facto levado à base instrutória sob o artigo 25.º (então renumerado) – no que respeita à estadia adquirida pelos autores na agência da ré em Leiria, pretensão que foi indeferida, com os fundamentos constantes do despacho proferido na respectiva acta e que faz fls. 96 e ss dos autos, designando-se data para resposta à matéria de facto, cujo despacho não foi objecto de qualquer reclamação.

9. Seguidamente foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, consequentemente, absolveu a ré do pedido.

10. Inconformados, os autores apresentaram o presente recurso de apelação da sentença proferida, formulando as seguintes conclusões:

(…)

12. A interveniente D (…) (LUFTHANSA), também apresentou contra-alegações, finalizando a respectiva minuta com as seguintes conclusões:

«(…)

Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[2].

As questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem em saber se:

- a resposta de “não provado” à matéria do artigo 4.º da  base instrutória deve ser alterada e considerada “provada”.

- a Apelada está obrigada a indemnizar os Apelantes pelos prejuízos sofridos em virtude da invocada errada informação por si prestada.


*****

III – Fundamentos

III.1. – De facto

Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida:

1) Os autores adquiriram em 21/09/2007 na agência da companhia ré em Leiria, duas viagens com destino em Mombai, Índia, viagens essas que apenas diziam respeito às passagens aéreas Lisboa-Frankfurt-Bombaim para o dia 26 de Setembro de 2007 e Bombaim-Frankfurt-Lisboa para o dia 01 de Outubro de 2007 (alínea A) dos factos assentes e resposta positiva ao artigo 25.º da base instrutória).

2) No dia 26 de Setembro de 2007 os autores apresentaram-se no aeroporto de Lisboa, procederam ao embarque e seguiram com destino a Mombai, Índia (alínea B) dos factos assentes).

3) Os autores pagaram pelas viagens referidas em 1) a quantia de €5.760,00 (alínea C) dos factos assentes).

4) A ré emitiu os bilhetes da companhia aérea «Lufthansa» para o transporte de passageiros dos autores (alínea D) dos factos assentes).

5) A companhia aérea «Lufthansa» permitiu o embarque dos autores sem que estes fossem portadores de vistos (alínea E) dos factos assentes).

6) O autor é médico dentista (artigo 1.º da base instrutória).

7) E deslocava-se à cidade de Mombai na Índia para participar num congresso – 1st. Asian Micro Implante Anchorage – nos dias 29 e 30 de Setembro de 2007, para o qual tinha sido convidado (artigo 2.º da base instrutória).

8) Dada a sua antecipada confirmação como palestrante, o seu nome constava já no programa e nos cartazes publicitários do evento (artigo 3.º da base instrutória).

9) O 1.º autor é pai do 2.º autor (artigo 5.º da base instrutória).

10) E viaja com regularidade para o estrangeiro, utilizando os serviços daquela agência nas viagens que efectuava, sempre satisfeito com os serviços prestados por aquela (artigos 6.º, 7.º e 8.º da base instrutória).

11) Após o desembarque no aeroporto, já no local de controlo de entrada, os autores foram confrontados com a necessidade de visto para entrar no país, exigido pelas autoridades locais (artigo 10.º da base instrutória).

12) Após permanecerem mais de 2 horas na zona de controlo de entrada de estrangeiros do aeroporto, foram deportados para Portugal nesse mesmo dia (artigo 11.º da base instrutória).

13) Ambos ficaram completamente destroçados (artigo 12.º da base instrutória).

14) O 1.º autor não conseguia sequer encontrar forma de explicar a sua falta às entidades que o haviam convidado como palestrante naquele referido congresso (artigo 13.º da base instrutória).

15) Os autores manifestaram o seu desagrado junto da agência da ré e reclamaram por uma forma de se verem ressarcidos dos danos que tão desagradável situação lhes causou (artigo 14.º da base instrutória).

16) A ré marcou uma reunião com os autores para o dia 02/10/2007 (artigo 15.º da base instrutória).

17) Os autores viajaram 36 horas de avião (artigo 18.º da base instrutória).

18) Cansados e naturalmente saturados com tão longa viagem, qualquer deles o que mais desejava era chegar ao hotel e poder descansar (artigo 19.º da base instrutória).

19) Ao invés, foram obrigados a fazer a viagem de regresso sem tempo nem condições para descansar (artigo 20.º da base instrutória).

20) Ambos os autores viram goradas as expectativas que levavam de visitar e conhecer o país como pretendiam (artigo 21.º da base instrutória).

21) O 1.º autor foi obrigado a apresentar desculpas às entidades organizadoras e ao corpo de colegas que o haviam convidado (artigo 22.º da base instrutória).

22) E viu não lhe servirem para nada as várias páginas que comportavam a sua dissertação e as inúmeras horas que teve de roubar à sua actividade profissional para a preparar (artigos 23.º e 24.º da base instrutória).


*****

III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – Alteração da matéria de facto

            (…)


*****

III.2.2. – Da responsabilidade civil

Conforme decorre dos autos, os apelantes fundaram o seu recurso na alteração da resposta dada ao artigo 4.º da base instrutória que em seu entender devia ser considerado provado e, em face da demais matéria de facto provada, determinar a procedência da acção.

Por isso, tendo sido julgada improcedente a pretendida alteração e sendo a matéria em questão o facto primordial que fundaria a responsabilidade da ré, como os Recorrentes assumem nas suas próprias alegações, o presente recurso de apelação está votado ao insucesso, sendo de confirmar a sentença recorrida, o que podia até fazer-se nos termos do artigo 713.º, n.º 5, do CPC.

No entanto, considerando que a Mm.ª Juiz fundou a respectiva decisão na responsabilidade contratual, enquadrando o caso em apreço na regulamentação do exercício da actividade das agências de viagens e turismo, enquanto os autores a enquadram, em sede de alegações de recurso – já que na petição inicial não referiram qualquer disposição legal -, na responsabilidade civil por facto ilícito, cumpre proceder ao enquadramento jurídico que se tem por pertinente, embora, diga-se, desde já, tal venha a ser irrelevante em sede de decisão final.

Conforme se referiu na sentença recorrida, o exercício da actividade das agências de viagens e turismo, encontra-se actualmente regulado pelo DL n.º 61/2011, de 06 de Maio[3], cujo artigo 48.º revogou o DL n.º 209/97, de 13 de Agosto[4]. Considerando, porém, que à data da aquisição das viagens objecto dos presentes autos, se encontrava em vigor o regime decorrente deste DL n.º 209/97, de 13 de Agosto, na redacção conferida pelo DL n.º 263/2007, de 20 de Julho, será a regulação por este operada aquela a que tem de atender-se para a respectiva apreciação, em face do que dispõe o artigo 12.º, n.º 1, do CC.

Ora, para melhor compreender o espírito do regime vale a pena lembrar que como decorre logo do preâmbulo deste diploma, há que ter presente que o mesmo resultou da revisão do Decreto-Lei n.º 198/93, de 27 de Maio, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva, do Conselho das Comunidades Europeias, n.º 90/314/CEE, de 13 de Junho de 1990, sobre viagens, férias e circuitos organizados, a qual veio estabelecer regras de protecção dos consumidores no domínio das viagens organizadas, e que foi além do que era exigido pela Directiva com sérios prejuízos para as agências de viagens portuguesas.

Por isso, procurou-se traçar um quadro das actividades desenvolvidas pelas agências de viagens e turismo, distinguindo entre actividades próprias e acessórias, adoptando-se quanto às actividades próprias o conceito de viagens turísticas, abrangendo entre outras as viagens organizadas, definidas de acordo com a noção constante da mencionada directiva, e as viagens por medida, as quais são viagens preparadas pela agência a pedido do cliente para satisfação das solicitações por este estabelecidas, e traçou-se o respectivo regime, sempre na perspectiva de protecção do consumidor.

Tendo presente que a responsabilidade imputada à Ré, assenta na violação do dever de informação, vejamos se tal dever existia ou não no caso em apreço.

Respigando a materialidade assente, resultou apurado que os autores adquiriram por intermédio da ré, através da sua agência de Leiria, duas viagens com destino a Mombai, Índia, viagens essas que apenas diziam respeito às passagens aéreas Lisboa-Frankfurt-Bombaim para o dia 26 de Setembro de 2007 e Bombaim-Frankfurt-Lisboa para o dia 01 de Outubro de 2007, e cujos bilhetes foram emitidos da companhia aérea «Lufthansa». A ré actuou, portanto, no exercício duma actividade própria, nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1, alínea c) do DL n.º 209/97, de 13 de Agosto, na redacção então vigente.

Ora, o dever de informação ao viajante pelas agências de viagens, encontra-se previsto no artigo 18.º, n.º 1, do citado DL, para as viagens turísticas, impondo-se à agencia que antes da venda de uma viagem turística informe, por escrito ou por qualquer outra forma adequada, os clientes que se desloquem ao estrangeiro sobre a necessidade de documento de identificação civil, passaportes e vistos, prazos legais para a respectiva obtenção e formalidades sanitárias e, caso a viagem se realize no território dos estados membros da União Europeia, a documentação exigida para a obtenção de assistência médica ou hospitalar em caso de acidente ou doença.

Da definição consagrada no artigo 17.º, n.º 1, decorre que são viagens turísticas as que combinem dois dos serviços seguintes: a) Transporte; b) Alojamento; c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento; sendo viagens organizadas as definidas no n.º 2 do preceito, ou seja, as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para venda a um preço com tudo incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida: a) Transporte; b) Alojamento; c) Serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento, nomeadamente os relacionados com eventos desportivos, religiosos e culturais, desde que representem uma parte significativa da viagem; e sendo definidas como viagens por medida as viagens turísticas preparadas a pedido do cliente para satisfação das solicitações por este definidas.

Considerando, portanto, as definições legais e a matéria de facto, tendo os autores adquirido através da ré, apenas os bilhetes de avião para deslocação à Índia, logo se vê que as mesmas não se enquadram em qualquer uma das referidas, consagrando expressamente o n.º 4 do artigo 17.º que não são havidas como viagens turísticas aquelas em que a agência se limita a intervir como mera intermediária em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente.

Desta sorte, não sendo a mera aquisição dos bilhetes de avião havida como viagem turística, o regime jurídico que regula a actividade das agências de viagens, não faz impender sobre a ré o dever de informar o cliente sobre a necessidade ou desnecessidade de vistos.

De facto, nos termos do artigo 39.º, n.º 6 do mesmo diploma “quando as agências intervierem como meras intermediárias em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente, apenas serão responsáveis pela correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte”, e quanto à emissão dos bilhetes, os autores nada aduzem contra a actuação da ré.

Como tal, a responsabilidade imputada pelos autores à ré, não podia estribar-se neste regime legal.

Vejamos, pois, se a mesma lhe poderia ser assacada, como pretendem os autores, por via da responsabilidade civil por factos ilícitos, acção por excelência destinada à reposição da situação que existiria na esfera do credor caso não tivesse ocorrido o facto ilícito levado a cabo pelo devedor, assentando a ocorrência do evento danoso na errada informação prestada pela ré sobre a desnecessidade de vistos para entrada na Índia.

Nos termos do artigo 342.º do Código Civil[5], aos autores incumbia a prova dos factos consubstanciadores do direito invocado, enquanto fundamentadores dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, como a configura o artigo 483.º do Código Civil, preceito que consagra os respectivos princípios gerais, e que dispõe:

            "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

            Os pressupostos deste tipo de responsabilidade, designada por responsabilidade por factos ilícitos, agrupam-se num elenco de cinco, a saber: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano[6].

Assim, o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como ocorre quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar[7].

            Já quanto à imputação do facto ao lesante, a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente perante o facto, consistindo, em sentido amplo, na referida imputação do facto ao agente[8], ou ainda num enquadramento normativo, entendido como a omissão da diligência que seria exigível ao agente medida de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[9], sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do CC).

Por seu turno, no tocante ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o artigo 563.º do CC, consagrou a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, na sua formulação positiva, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja causa adequada do dano; e, na sua formulação negativa, a condição deixa de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, a mesma era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para a ocorrência desse dano[10].

            Já no que respeita à existência de um dano, este é condição essencial da obrigação de indemnizar: o facto ilícito e culposo tem que causar um prejuízo a alguém, o sofrimento de uma perda nos seus interesses patrimoniais ou mesmo não patrimoniais.

Acresce que, não só a actuação positiva (o facto do agente) dá lugar à obrigação de indemnizar verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil. Efectivamente, por força do disposto no artigo 486.º do CC, também as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando havia por força da lei ou de negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido.

No caso em apreço não existem quaisquer dúvidas que o facto de terem viajado sem visto e de, por essa razão, não terem podido entrar na Índia e serem obrigados a viajar de imediato para Portugal, causou aos autores, para além dos evidentes incómodos que só a descrição da situação já reflecte, danos patrimoniais e não patrimoniais.

Porém, a obrigação de indemnizar tais danos só nasceria se comprovadamente, tivesse havido qualquer actuação ou omissão da Ré que tivesse sido a respectiva causa.

Ora, não existindo obrigação legal que sobre a ré impendesse de, neste tipo de serviço, prestar informação sobre a necessidade de vistos para a viagem em questão, e não tendo os autores demonstrado que haviam solicitado à ré que lhe prestasse tal serviço acessório de obtenção dos vistos, que esta tivesse concordado em fornecer tal serviço, e que em execução desse serviço tivesse prestado uma informação errada sobre a necessidade de vistos, fica afastada a possibilidade de a ré ser responsabilizada nos termos do disposto no artigo 486.º e também nos termos do n.º 2 do artigo 485.º, ambos do CC, já que a mesma dependeria, respectivamente, da prova da existência de um negócio jurídico ou de um dever jurídico que, como vimos, não se demonstrou.

Finalmente, resta dizer que mesmo que se tivesse demonstrado, e não demonstrou, que a ré tivesse prestado a informação de que não era necessário visto, a título de simples informação, nos termos do n.º 1 do artigo 485.º do CC, a mesma não responsabilizaria a ré, a não ser que os autores tivessem demonstrado e também não o fizeram, que a ré havia assumido a responsabilidade pelos danos, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
Termos em que, improcedem todas as conclusões de recurso.


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III.3. - Síntese conclusiva

I - A mera aquisição em agência de viagens dos bilhetes de avião não configura uma viagem turística.

II - Por isso, à agência não está legalmente cometido o dever de informar o cliente sobre a necessidade de obtenção de vistos para o destino.

III - Não tendo os autores demonstrado que solicitaram à agência de viagens a prestação de tal serviço, não existe responsabilidade contratual da ré pela prestação de informação, pelo que, a omissão da mesma não constitui a ré na obrigação de os indemnizar.

II - Mesmo que se tivesse demonstrado que a ré prestou aos autores a informação de que não eram necessários os vistos, não se tendo demonstrado qualquer uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 485.º do CC, também não impenderia sobre a ré o dever de os indemnizar.


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      IV - Decisão

      Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelos autores, confirmando-se a sentença recorrida.

      Custas pelos autores.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Carvalho Martins

  Carlos Moreira


[1] Conforme salientou a Mm.ª Juiz no relatório da sentença recorrida, penas por lapso aí consta a menção à intervenção principal provocada, quando o concreto peticionado e o sentido da fundamentação do aludido despacho apontam inequivocamente tratar-se de intervenção provocada acessória.
[2] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[3] Que entrou em vigor 30 dias após a data da sua publicação, nos termos do respectivo artigo 49.º, e que entretanto já foi alterado e republicado pelo DL n.º 199/2012, de 24 de Agosto.
[4] Com as alterações sucessivamente introduzidas pelos DL n.º 12/99, de 11 de Janeiro, 76-A/2006, de 29 de Março, e 263/2007, de 20 de Julho.
[5] Doravante CC.
[6] No entender do Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 478, entendimento que é maioritariamente seguido. Já o Professor Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra - 1995, pág. 55, reduz esses mesmos pressupostos a dois: acto ilícito e prejuízo reparável.
[7] Cfr. Antunes Varela, obra citada, págs. 486 a 497.
[8] No dizer de Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, pág. 346. Note-se que esta imputação do facto ao agente, para além do dolo em qualquer uma das suas modalidades, pode ainda resultar, no âmbito da denominada mera culpa, de negligência consciência - quando o agente prevê a produção de um facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, e só, por isso, não toma as providências necessárias para o evitar -, ou mesmo de negligência inconsciente, que ocorre quando o agente não chega sequer a conceber a possibilidade de o facto se verificar, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, págs. 394 e 395.
[9] Vd. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, I, 8ª edição, 2009, pág. 313; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1990, pág. 309.
[10] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pág. 651 e ss..