Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/08.9GBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PENA DE PRISÃO
SUBSTITUIÇÃO MULTA
FALTA DE PAGAMENTO
MANDADO DE CAPTURA
Data do Acordão: 01/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43º,47º,49º CP
Sumário: 1. A limitada remissão constante do art. 43º do CP, restringindo a aplicação do art. 49º CP ao respectivo nº 3, evidencia, na economia da lei, o intuito assumido de excluir a possibilidade de pagamento da multa a todo o tempo.
2. Revogada a pena de multa de substituição (pena de multa substitutiva de pena de prisão) por falta de pagamento não pode ainda o condenado proceder ao seu pagamento e evitar assim o cumprimento da pena de prisão.
3. O facto de no mandado de captura constar erradamente que o condenado pode evitar o cumprimento da pena de prisão procedendo ao pagamento da multa e efectuado esse pagamento, não fica prejudicado o despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão substituída.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

No processo comum da competência do tribunal singular que correu termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz e que originou os presentes autos de recurso em separado, o arguido G... foi condenado pela autoria material de um crime de desobediência qualificada, p. p. pelo art. 348º, nºs 1 e 2 do Código Penal, por referência ao art. 22º, nºs 1 e 2 do DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão substituída por 130 (cento e trinta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 780,00 (setecentos e oitenta euros).
Não tendo o arguido procedido ao pagamento da multa, foi revogada a pena de multa de substituição e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, por despacho com o seguinte teor:
“G..., arguido nos presentes autos, foi condenado, por sentença, transitada em julgado, como autor material de um crime de desobediência qualificada, p, e p, pelo art. 348° nº.s 1 e 2 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão que, nos termos do disposto no art. 43º, nº 1 do Código Penal, foi substituída por 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão de € 6,00 (seis euros) por dia no total de € 780,00 (setecentos e oitenta euros).
Apesar de notificado e advertido de que o não pagamento da multa implicaria o cumprimento da pena principal - pena de 5 meses de prisão - o arguido não pagou a pena de multa substitutiva em que foi condenado, não requereu o seu pagamento em prestações, nem informou o Tribunal da eventual verificação de algumas das situações previstas no art. 80°, nº 1, do Código Penal, pelo que ao abrigo do disposto no art. 43°, nºs 1 e 2 do Código Penal (antes, art. 44º, nºs 1 e 2 do Código Penal vigente à data da prática dos factos);
a) Revogo a pena de multa de substituição que foi aplicada ao arguido;
b) Determino o cumprimento por parte do arguido G... da pena de prisão aplicada na sentença, ou seja 5 (cinco) meses de prisão.
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Consigna-se porém que a execução da pena de prisão pode ser suspensa, por um período de 3 (três anos), nos termos previstos do art. 49º, nº 3 "ex vi" do art. 43°, nº 2, parte final, ambos do Código Penal.
Notifique.
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Após trânsito em julgado do presente despacho (actualmente o recurso tem efeito suspensivo - cfr. art. 408°, nº 2, al. c) do C. Proc. Penal), proceda à emissão dos competentes mandados de captura e entregue ao Ministério Público para expedição e cumprimento.
Nos mandados a emitir, oportunamente, faça-se menção do disposto no art. 49°, nº 3 do Código Penal”.

Resulta do despacho certificado a fls. 130 que por ocasião do cumprimento dos mandados de captura, o arguido pagou voluntariamente a quantia correspondente à multa de substituição que lhe tinha sido imposta na sentença condenatória. O referido despacho tem o seguinte teor:
“Por sentença de fls. 73 e segs. dos autos, já transitada em julgado, foi o arguido condenado, além do mais, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 130 dias de multa à taxa diária de € 6,00, no montante global de € 780,00.
Por decisão de fls. 115, transitada em julgado, foi a aludida pena de multa de substituição revogada, tendo sido determinado o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão aplicada.
Aquando do cumprimento dos mandados de detenção, o arguido pagou voluntariamente a aludida quantia de € 780,00.
Cumpre decidir:
Nos termos do disposto no artigo 44º, nº 2, do Código Penal, “Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artigo 490º”.
ln casu, compulsados os autos verifica-se que o arguido não efectuou tempestivamente o pagamento da multa que substituiu a pena de prisão que lhe foi aplicada e não indicou quaisquer razões justificativas desse não pagamento, sendo certo que não resultam dos autos quaisquer elementos que permitam concluir que a razão do não pagamento de tal multa não é imputável ao arguido.
Assim sendo, deverá o arguido cumprir a pena de prisão aplicada na sentença - 5 (cinco) meses -, tal como já decidido, sendo que o pagamento que o arguido agora efectuou, porque feito após o trânsito em julgado da aludida decisão de fls. 115, nunca poderá servir para que se dê sem efeito a revogação da pena de multa de substituição.
Termos em que deverá devolver-se ao arguido o montante por este depositado, devendo o arguido cumprir a pena de prisão de 5 (cinco) meses, aplicada na sentença, nos termos do disposto no artigo 44°, nº 2, do Código Penal, o que se determina.
Notifique.
Passe novos mandados para detenção e condução do arguido ao estabelecimento prisional, por forma a que cumpra a pena de prisão que lhe foi aplicada.
Notifique o arguido também para informar nos autos se tem ou teve processos pendentes contra si instaurados em que tenha sofrido algum dia de detenção, tenha estado sujeito às medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação ou prisão preventiva, devendo, na afirmativa, indicar o nº do respectivo processo bem como o respectivo Tribunal onde o mesmo corre/correu termos, atenta a actual redacção do art. 80°/1 CP.
Solicite com urgência à Direcção Geral dos Serviços Prisionais informação se o arguido esteve preso preventivamente e, na afirmativa, por que período de tempo e à ordem de que processo(s), tendo em vista o disposto no art. 80°/1 CP (redacção actual)”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. Na verdade, ao considerar no mandado emitido a possibilidade de o arguido fazer o pagamento da multa, admitiu o Mmº Juiz que este ainda estava em tempo de o fazer.
2. Não podendo por isso o Mmº Juiz a quo, no despacho recorrido, vir a decidir em sentido contrário, determinando agora a devolução da quantia paga.
3. O artigo 49º, nº 2, é aplicável ao caso dos autos, podendo a pena de multa ser liquidada a todo o tempo.
4. Pelo que ao recorrente deveria ter sido considerado o pagamento por si efectuado.
5. Por outro lado, sendo a aplicação da pena de prisão uma decisão que afecta pessoalmente o arguido este deveria ter sido ouvido, em obediência ao princípio do contraditório em conformidade com o artigo 61º, nº 1, al. b) do Código Penal.
6. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado, e seja considerado o pagamento já efectuado pelo recorrente, determinando-se a extinção da pena aplicada.
7. Improcedendo tal pedido, deverá ser dada a possibilidade do arguido beneficiar do previsto no nº 3 do art. 49º do C. Penal, sendo notificado para o efeito, uma vez que se o não fez, tal ficou a dever-se ao facto de ter optado pelo pagamento da multa, opção essa que lhe foi facultada aquando do mandado de detenção.

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, admitindo que efectivamente, tal como refere o arguido na motivação do seu recurso, do texto do mandado de detenção remetido à PSP, por lapso, reconhecia-se ao arguido a possibilidade de, a todo o tempo, proceder ao pagamento da multa como se de uma pena de prisão subsidiária se tratasse, erro que levou a que o arguido efectuasse o pagamento do montante da pena de multa quando a mesma já havia sido revogada.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
O recorrente respondeu, mantendo a posição anteriormente assumida.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Revogada a pena de multa de substituição (pena de multa substitutiva de pena de prisão em que o arguido foi condenado) por falta de pagamento, poderá ainda o condenado proceder ao seu pagamento e evitar assim o cumprimento da pena de prisão?
- O facto de no mandado de captura constar erradamente que o condenado pode evitar o cumprimento da pena de prisão procedendo ao pagamento da multa e efectuado esse pagamento, fica prejudicado o despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão substituída?

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Em causa neste recurso está, essencialmente, a falta de pagamento da multa de substituição da pena de prisão imposta ao arguido G... nos termos previstos no art. 43º, nº 1, do Código Penal (diploma a que se reportam as demais normas citadas sem menção de origem). Estipula aquela norma que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no art. 47º”. Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49º”. Por fim, o art. 49º, nº 3, para onde remete o nº 2 do art. 43º, dispõe que “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”.
Este regime é absolutamente distinto daquele outro previsto para a eventualidade de falta de pagamento de multa fixada a título principal nos termos previstos no art. 47º. Apenas para este último caso, em que a falta de pagamento voluntário ou coercivo da multa não tenha sido substituída por trabalho, devendo assim ser cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, prevê a lei a possibilidade de o condenado poder a todo o tempo evitar total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado (nº 2 do art. 49º).
A limitada remissão constante do art. 43º, restringindo a aplicação do art. 49º ao respectivo nº 3, evidencia, na economia da lei e sem margem para dúvidas, o intuito assumido de excluir a possibilidade de pagamento da multa a todo o tempo. Como adverte o Prof. Figueiredo Dias, esta pena de multa de substituição “… não é a pena pecuniária principal (…). Diferença esta donde resultam (ou onde radicam), como de resto se esperaria, consequências prático-jurídicas do maior relevo, maxime, em tema de medida e de incumprimento da pena de substituição” - “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 361.. Assim, se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, terá lugar o cumprimento da pena de prisão como se esta não tivesse sido substituída por multa - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Anotado”, 13ª Ed. pág. 190 e Figueiredo Dias, ob. cit. e ainda RLJ, pags. 201/202.. Na verdade, são distintos os institutos da pena de prisão e da pena de multa e essas diferenças repercutem-se nos termos do respectivo cumprimento. Consequentemente, imposta ao condenado a título principal uma pena de multa, se esta não for paga nem substituída por trabalho, tem lugar o cumprimento de prisão subsidiária, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (art. 49º, nº 1), podendo o condenado a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando total ou parcialmente a multa a que foi condenado. E assim sucede – a todo o tempo pode o condenado pagar a multa, obstando à prisão subsidiária – porque a pena determinada a título principal foi a pena de multa, que prevalece até ao termo do respectivo cumprimento. Já no caso da multa de substituição, a pena imposta a título principal é uma pena de prisão. A multa, aqui, tem natureza de pena de substituição. Se não for paga, a pena de substituição – a multa – desaparece, havendo lugar ao cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença (1ª parte do nº 2 do art. 43º) - Cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 15/02/2006 e da Relação de Coimbra, de 03/02/2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, no caso vertente, foi imposta ao arguido uma pena de prisão substituída por multa. Esta multa de substituição não foi paga, apesar de o arguido ter sido notificado para o fazer e de ter sido advertido de que o não pagamento implicaria o cumprimento da pena principal, de 5 meses de prisão. Tão-pouco foi requerido o pagamento em prestações, assim como não foi invocada qualquer situação que pudesse justificar o incumprimento. Verificam-se, pois, as condições que justificavam a revogação da pena de substituição, implicando o cumprimento da pena de prisão imposta a título principal, tendo transitado o despacho que ordenou o cumprimento da pena de prisão.

Contudo, incompreensivelmente, os mandados de captura não foram emitidos de acordo com o despacho que os ordenou, pretendendo agora o recorrente socorrer-se desse erro como fundamento para que lhe seja ainda aceite o pagamento da multa para obstar ao cumprimento da pena de prisão. Trata-se, manifestamente, de um erro, imputável tanto à secretaria como a quem assinou os mandados, erro que não foi inócuo, tanto assim que permitiu que levou a que o ora recorrente se eximisse à captura, procedendo, com base no que constava dos mandados, ao pagamento da multa num momento em que essa possibilidade já se encontrava completamente ultrapassada, como de resto o recorrente bem sabia, já que tinha sido notificado do despacho que ordenou o cumprimento da pena de prisão. Contudo, independentemente da “trapalhada” processual que esse erro gerou, não é função do mandado conferir ou retirar direitos a quem quer que seja, mas apenas e tão só viabilizar o cumprimento do despacho que ordena a sua emissão. O acto judicial relevante é a decisão que ordena a passagem dos mandados de captura. O mandado constitui apenas e tão-só o modo de executar aquela decisão, não tendo a virtualidade de alterar o decidido. Não estando os mandados em conformidade com a decisão que ordenou a sua emissão, hão-de considerar-se abrangidos pelo vício da inexistência, por falta de suporte processual, não podendo produzir quaisquer efeitos, devendo ser emitidos novos mandados em rigorosa conformidade com o despacho que os ordenou.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído no recurso que interpôs, condena-se o recorrente na taxa de justiça, já reduzida a metade, de 3UC.

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Jorge Miranda Jacob (Relator)

Maria Pilar de Oliveira