Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5020/08.4TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: SIMULAÇÃO
PRESTAÇÃO
ALIMENTOS
CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 5º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 240.º; 241.º; 2012.º A 2014.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O intuito de enganar terceiros aludido na norma do artigo 240.º do Código Civil basta-se com o mero animus decipiendi, ou seja, com o propósito de iludir qualquer terceiro, não sendo de exigir prova da intenção de causar um prejuízo (o animus nocendi), e, ainda menos, a demonstração da verificação de um qualquer prejuízo concreto.

2. É simulado o acordo em que uma das partes declara que se obriga a pagar uma quantia mensal de alimentos como remuneração de trabalho, pelo facto de lhe “dar mais jeito em termos de despesas”.

3. Não havendo razões formais que o impeçam, deve ficar a valer o negócio dissimulado – o relativo ao pagamento dos alimentos – uma vez que o acordo sobre alimentos foi a convenção que ficou encoberta pelo contrato de trabalho e que à luz do regime decorrente do art.º 241 do Código Civil se tem por válida.

4. Quando o nº 2 do art.º 2004 do CC se reporta à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência está a evidenciar que o alimentando deve realizar os esforços razoáveis para alcançar os proventos necessários à satisfação das suas próprias necessidades. Mas não há que presumir que o alimentando não procura esses proventos. Essa circunstância tem que ser precisa e concretamente alegada e provada.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... propôs no 5º Juízo cível do Tribunal Judicial de Leiria uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra B... alegando, em síntese:

Que se divorciou do R. por decisão já transitada em 22/03/2007; que apesar de no requerimento do divórcio apresentado na Conservatória do Registo Civil de Santarém ter declarado que prescindia de alimentos do R., este já se tinha comprometido a pagar-lhe, a esse título, a quantia mensal de € 600,00; que, no entanto, por imposição e por exclusiva conveniência do R., este valor foi satisfeito como remuneração laboral, decorrente de um contrato de trabalho escrito a termo certo, que em 1/02/2007 a A. teve de subscrever; por via disso, e até 9/07/2008, recebeu do R. € 550 por mês, acrescido de duas mensalidades em Agosto e Dezembro, como se fossem subsídio de férias e natal, mas desde a referida data o R., denunciou o contrato e deixou de cumprir o acordado; que sem a referida quantia não consegue fazer face às despesas correntes, incluindo as prestações com o empréstimo bancário a que está vinculada e os gastos com uma filha que tem a seu cargo; que o R. não podia cessar os pagamentos senão com base numa decisão judicial.

Remata pedindo se declare que o valor que lhe tem vindo sendo satisfeito pelo R. ao abrigo do aludido contrato de trabalho consistia numa autêntica prestação de alimentos; e, de todo o modo, se condene o R. a pagar-lhe a quantia de € 600,00 mensais, ou como efectivamente acordada, ou como correspondente aos alimentos devidos à A..

Contestou o R., afirmando que, tal como declarou no divórcio, a A. prescindiu efectivamente de alimentos porquanto deles não carecia; que não é verdade que alguma vez se tenha obrigado a pagar alimentos à A., mas tão só a comparticipar no pagamento do empréstimo para a casa que a mesma continuou a habitar; que o contrato de trabalho celebrado se destinou à prestação pela A. de serviços de contabilidade no cartório que explora; entendendo-se que houve simulação, o negócio é nulo, não podendo produzir quaisquer efeitos; que nem a A. precisa de alimentos nem o R. os pode prestar, pelo que a acção tem de improceder.

Replicou a A. reiterando o que já aduzira na petição e concluindo nos mesmos termos.

A final foi a acção julgada parcialmente procedente, condenando-se o R. a pagar à A. a quantia mensal de € 550,00 desde a data da instauração da acção, deduzidos os montantes entretanto já pagos a título de alimentos provisórios, e absolvendo-se o R. do demais peticionado.

Inconformado, deste veredicto recorreu o R., recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância sem qualquer impugnação:

1) Autora e Réu foram casados entre si, tendo-se divorciado, na Conservatória do Registo Civil de Santarém, por decisão transitada em julgado em 22/03/2007 (alínea a) dos factos assentes).

2) No requerimento de divórcio, ambos declararam prescindir reciprocamente de alimentos (alínea b) dos factos assentes).

3) Por carta datada de 09/07/2008, o Réu denunciou o contrato que teve início em 1/2/2007 (alínea c) dos factos assentes).

4) A Autora recebe do réu a quantia de € 155,00 mensais, a título de pensão de alimentos para a filha de ambos, à data da instauração da acção, com 11 anos de idade (alínea d) dos factos assentes).

5) A Autora paga mensalmente de condomínio o montante de € 45,91 (alínea e) dos factos assentes).

6) A filha de ambos tem aulas de ballet como única actividade extracurricular (o que praticava ainda na vigência do casamento dos pais), com o custo mensal de € 32,50 (alínea f) dos factos assentes).

7) A casa onde a Ré vive ainda é pertença do casal, sendo que sobre a mesma incidem três hipotecas, para garantia de mútuos contraídos junto do Banco C...(sendo um de aquisição, outro por a o terceiro como reforço para obras) (alínea g) dos factos assentes).

8) O Réu é notário com cartório em D..., onde vive (alínea h) dos factos assentes).

9) Apesar da declaração referida em b), aquando das negociações do divórcio, o Réu comprometeu-se a pagar à Autora uma quantia mensal a título de pensão de alimentos (resposta ao artigo 1º da base instrutória).

10) Sendo o Réu notário, disse então à Autora que lhe dava mais jeito, em termos de despesas, pagar-lhe aquele montante como remuneração de trabalho (resposta ao artigo 2º da base instrutória).

11) O Réu pagaria € 550,00 por mês, e em Agosto e Dezembro pagaria mais uma mensalidade, como se fosse subsídio de férias e de Natal (resposta ao artigo 3º da base instrutória).

12) E para tal celebraram um “contrato de trabalho” a termo certo (resposta ao artigo 4º da base instrutória).

13) O “contrato” teve início em 01/02/2007, tendo a duração inicial de 6 meses, prorrogáveis (resposta ao artigo 5º da base instrutória).

14) A Autora nunca trabalhou para o Réu ao abrigo do referido contrato de trabalho (resposta ao artigo 7º da base instrutória).

15) O Réu sempre foi pagando, mensalmente, o valor de cerca de € 550,00 (resposta ao artigo 8º da base instrutória).

16) O Réu não fez qualquer pagamento em Agosto de 2008 (resposta ao artigo 11º da base instrutória).

17) A Autora, à data da instauração da acção, auferia a quantia de € 299,28 mensais, como empregada de escritório a tempo parcial (resposta ao artigo 12º da base instrutória).

18) Além do montante referido em 17), a Autora, à data da instauração da acção, recebia ainda, trimestralmente, a quantia de € 175,00, por serviços de contabilidade (resposta ao artigo 13º da base instrutória).

19) A Autora tem despesas não inferiores a € 160,00 mensais com alimentação, vestuário para si e para a sua filha, educação desta e com água, gás, luz e comunicações (artigo 14º da base instrutória).

20) O Réu efectuava o pagamento das prestações do mútuo directamente ao C..., descontando metade do valor à autora (resposta ao artigo 15º da base instrutória).

21) O Réu creditava na conta da Autora (de que ambos são titulares), a quantia da “remuneração” e, acto contínuo, creditava a seu favor a quantia correspondente a metade das prestações da casa (resposta ao artigo 16º da base instrutória).

22) Nos meses de Junho e Julho de 2008, naqueles termos, o Réu creditou na referida conta bancária o montante de € 550,08 e debitou €348,49 (resposta ao artigo 17º da base instrutória).

23) O Réu antes de ser notário era bancário (resposta ao artigo 19º da base instrutória).

24) As instalações do cartório notarial do Réu foram adquiridas com recurso a leasing imobiliário (resposta ao artigo 21º da base instrutória).

25) O Réu vive em moradia própria (resposta ao artigo 22º da base instrutória).

26) Enquanto estiveram casados, Autora e Réu tomavam algumas das refeições fora aos fins-de-semana e a família fazia, por vezes, férias no estrangeiro (resposta ao artigo 26º da base instrutória).

27) Após o divórcio a Autora tem sido ajudada financeiramente por alguns familiares (resposta ao artigo 28º da base instrutória).

28) As prestações dos 3 (três) empréstimos bancários contraídos junto do C... para a aquisição da fracção, onde a Autora continua e nunca deixou de morar após o divórcio, que, em Outubro de 2008, ascendiam aos montantes de €433,20, €50,84 € e €206,67, foram pagas nas circunstâncias descritas em 20) e 21) (resposta ao artigo 31º da base instrutória).

29) A Autora ficou a viver na referida casa que se encontrava mobilada (resposta ao artigo 32º da base instrutória).

30) A Autora possui veículo próprio (resposta ao artigo 33º da base instrutória).

31) O Réu suporta despesas correntes com água, electricidade, gás e telefone, em montante não inferior a € 150,00 (resposta ao artigo 38º da base instrutória).

             

                                                                                *

A apelação.

Nas conclusões que fecha a respectiva alegação o apelante circunscreve o âmbito do recurso às seguintes questões:

1ª - Se não houve qualquer simulação para ocultar o negócio entre A. e R. relativo à prestação de alimentos por este àquela;

2º - Se não ficou demonstrada a necessidade de alimentos por parte da A..

A A. respondeu pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Quanto à questão da falta dos requisitos da simulação.

A sentença recorrida veio a asseverar que o contrato de trabalho junto aos autos, por força do qual a A. começou a receber € 550/mês, durante 14 meses, dissimulou um verdadeiro contrato de alimentos, devendo valer com esse conteúdo, por a isso não se anteporem obstáculos de tipo formal, de acordo com o disposto no art.º 241 do CC; que ocorrera uma verdadeira simulação, uma vez que, atentos os elementos integradores do negócio simulado, tanto a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, como o acordo entre o declarante e o declaratário, exigidos no art.º 240 do CC, se mostravam “provados à exaustão”. E ainda que se podia concluir que tudo foi feito “no intuito de enganar terceiros, designadamente o Estado, por forma a possibilitar ao réu uma maior dedução de despesas no âmbito da sua actividade profissional.”

Discorda o Réu, ora recorrente, quanto à demonstração dos requisitos da simulação, apenas no que concerne a este último ponto, fazendo apelo à ideia de que a matéria provada não seria bastante para a respectiva comprovação.

Não elenca, porém, o teor dos factos que, na sua análise, teriam sido inadequadamente valorados, impedindo o enquadramento de que a sentença se socorreu.

Cremos, todavia, que esta dissensão do recorrente não tem fundamento.

Sobre o âmbito da actuação simulada das partes uma nota introdutória se impõe.

Alegou a A. que nas negociações tendentes à dissolução do vínculo matrimonial por mútuo consentimento o R. se comprometeu a pagar-lhe € 600,00 mensais como alimentos (art.º 3º da p.i) e que lhe teria dito então que “lhe dava mais jeito” que essa verba fosse satisfeita como remuneração laboral (art.º 4º da m. peça).

Mas também foi aduzido pela A. (art.º 2º da p.i.) que no requerimento de divórcio ambos prescindiram reciprocamente de alimentos por suposta desnecessidade.

Importa, assim, delimitar a extensão da simulação cuja declaração vem pedida..

Tendo havido conluio simulatório na criação da aparência de existência de uma relação de trabalho - pelo documento que formaliza o que as partes intitularam de “contrato de trabalho”, assinado pelas partes em 1/02/2007 e que se acha junto a fls. 22-24 - a declaração da A. de que abdicava de qualquer prestação alimentar veio, no entanto, a integrar o requerimento de divórcio cerca de um mês após a elaboração de tal documento. Dúvidas não podem restar, dada esta estreita sequência, que uma tal declaração deve ser perspectivada como inserida na estratégia do próprio conluio, constituindo, também ela, um acto simulado.

A declaração que instruiu o divórcio surge, portanto, como um acto acessório da simulação que foi projectada quando as partes forjaram a aparência de uma relação de trabalho. O reconhecimento da simulação do contrato de trabalho compreende, assim, de modo necessário, a própria declaração emitida pela A. aquando do divórcio de que prescindia de alimentos do R..

Donde que, tanto o contrato de trabalho referido na decisão recorrida, como a declaração de abdicação de alimentos constante do requerimento de divórcio, se devam considerar como abrangidos pelo acordo simulatório.

Nos termos do art.º 240 do C.Civil, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”

Tem sido entendido que o intuito de enganar terceiros aludido na norma se basta com o mero animus decipiendi, ou seja, com o propósito de iludir qualquer terceiro, não sendo de exigir prova da intenção de causar um prejuízo (o animus nocendi), e, ainda menos, a demonstração da verificação de um qualquer prejuízo concreto[1].

Da factualidade apurada - cfr. os factos provados em 9 e 10 - retirar-se que a obrigação assumida pelo R. de pagar uma quantia mensal de alimentos como remuneração de trabalho se deveu à circunstância de lhe “dar mais jeito em termos de despesas”.

O que só pode significar que sem a aparência de pagar uma retribuição laboral o R. não poderia apresentar integralmente o valor da prestação alimentar como despesa.

Tudo aponta para que sob a veste de uma retribuição laboral o R., com a adesão da A., visasse, directa ou indirectamente, a obtenção de uma vantagem de índole fiscal.

Na verdade, aquele facto reflecte inequívocamente o intuito do Réu de mediante a fachada de uma remuneração de natureza laboral poder repercutir na sua contabilidade de notário a despesa correspondente, sendo que, como dívida alimentícia já não poderia fazer, ou, pelo menos, não a poderia repercutir com o mesmo impacto final. O que necessariamente (quando não por via de uma simples presunção judicial[2]) conduz à certeza de que, subjacente à configuração dada ao negócio que envolveu a obrigação de alimentos, esteve o propósito do R. de, através dela, vir a reduzir o seu lucro tributável, isto é, de enganar o Estado.

Temos, pois, como insusceptível de reparo a solução encontrada na decisão recorrida de que A. e R. realizaram um acordo simulatório que se destinou a ocultar o pagamento à primeira de uma obrigação de alimentos com o valor de € 550,00 durante 14 meses.

E como igualmente acertada a consequência extraída de que por virtude da regra do art.º 241 do CC deve ficar a valer o negócio dissimulado - o relativo ao pagamento dos alimentos à A. - por não haver razões formais que o impeçam.

É que o acordo sobre alimentos foi a convenção que ficou encoberta pelo contrato de trabalho e que à luz do regime decorrente do art.º 241 do CC se tem por válida.     

Quanto à questão da necessidade da A. dos alimentos em causa.

A obrigação de alimentos pode resultar da lei ou de contrato, mas, ainda que fixados contratualmente, a sua alteração só pode ocorrer - na falta de acordo - por decisão judicial desde que haja circunstâncias determinantes da sua fixação que se hajam modificado - art.ºs 2012 a 2014 do CC.

Uma vez consolidada a tese da sentença de que os alimentos devidos pelo R, o são com fonte contratual, e não tendo sido invocada qualquer patologia do negócio assim celebrado, deixa de fazer sentido discutir a necessidade da A. de os receber, pois o seu crédito resulta do funcionamento do princípio universal pacta sunt servanda.

Objecta o apelante que a A. trabalha a tempo parcial, não podendo resignar-se à sua situação e deixar de prover à sua integral subsistência.

Não é evidente da matéria apurada que a A. trabalhe apenas a tempo parcial, pelo menos na acepção de que venha recusando a ocupação do seu tempo disponível noutras actividades remuneráveis.

Em todo o caso sempre se dirá que essa factualidade sempre permite concluir pela efectiva necessidade da A. dos alimentos na quantia que foi fixada.

Com efeito, está demonstrado que:

Auferia mensalmente € 299,28 como empregada de escritório à data da instauração da acção;

E trimestralmente € 175 por serviços de contabilidade;

Paga de condomínio € 45,91 mensais;

Despende em alimentação, vestuário para si e para a filha, educação, água, luz e comunicações € 160,00 mensais;

Sobre a casa onde habita incidem três hipotecas para garantia de mútuos contraídos junto do C... € 433,20, € 50,84 e € 206,67;

Por outro lado, no que concerne à situação do R., ficou provado que:

O R. é notário com cartório em D... e vive em moradia própria, tendo de despesas com água, gás, electricidade e telefone € 150,00.

Os alimentos devem ser proporcionados às necessidades de quem os recebe e às possibilidades de quem os presta, sem que fique em causa a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência - art.º 2004, nºs 1 e 2 do CC.

Comentando o citado art.º 2004 do Código Civil, os profs. Antunes Varela e Pires Lima (in Código Civil Anotado, Vol. V, págs. 580 e 581) escrevem a dado passo: “ O art.º 2004 procurou sintetizar as coordenadas fundamentais pelas quais o Juiz, sempre apoiado nos critérios de bom senso, se há-de orientar para fixar o montante da prestação alimentícia. Sabe-se que o fim genérico da obrigação de alimentos é o de garantir a satisfação das necessidades primárias da vida à pessoa desprovida de condições bastantes para viver (...). Muito significativamente a primeira coordenada que a lei aponta para o cálculo do montante da prestação alimentícia é a dos meios de quem haja de prestá-los; não, obviamente, para permitir o recurso a eles até à exaustão, mas para prescrever, muito mais sensatamente, que os alimentos hão-de ser proporcionados a esses meios.           
“...A segunda coordenada, que o citado art.º 2004 manda considerar...é a necessidade de quem recebe, ou seja, do credor da prestação.”

Tendo em atenção o estatuto económico do Réu, e as despesas comprovadas de A. e R., a verba estipulada de € 550,00/mês afigura-se ajustada.

Coloca o recorrente o problema de a A. não angariar maior receita por falta de empenhamento próprio.

Como acima se salientou, a matéria de facto reunida não respalda o entendimento de que a A. pudesse angariar maiores proventos.

Quando o nº 2 do art.º 2004 se reporta à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência está a evidenciar que o alimentando deve realizar os esforços razoáveis para alcançar os proventos necessários à satisfação das suas próprias necessidades. Mas não há que presumir que o alimentando não procura esses proventos. Essa circunstância tem que ser precisa e concretamente alegada e provada. Ora nada foi alegado para além de que a A. seria “uma mulher culta e informada, detentora de formação académica e técnica na área da contabilidade” (ponto que nem sequer foi dado como provado). E também não emerge do acervo provado que o trabalho executado pela A. o seja - como invoca o recorrente - a título parcial.

Donde que os argumentos do recurso não devam ser acolhidos.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença.

Custas pelo recorrente.

Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] Manuel de Andrade (Teoria Geral, Almedina, 1972, V. I, p. 171-172) lembra que a intenção de enganar pode não implicar qualquer prejuízo e que, inclusivamente, poder mesmo ter por fim avantajar ou beneficiar o terceiro.
[2] Fundadas em juízos correntes de probabilidade, assentes nas regras da experiência - art.ºs 349 e 351 do CC.