Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
20/10.7GCALD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 56º Nº 1 B) CP
Sumário: Em caso de suspensão simples da execução da pena de prisão, a prática de um crime durante o período em que vigorava essa suspensão, só deve constituir causa de revogação, quando essa prática, em concreto (tendo em conta o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a gravidade da situação, entre outros), demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Decisão Texto Integral: Precedendo conferência, acordam na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I. Relatório.

1.1. A..., arguido devidamente identificado nos autos acima referenciados, não se conformando com o despacho que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão que antes aí lhe fora aplicada/facultada, recorre para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as conclusões seguintes:

1. O despacho recorrido procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação das normas contidas nos art.ºs 40.º, n.º 1; 55.º e 56.º, todos do Código Penal.

2. Pois que em virtude da situação pessoal do recorrente o Tribunal a quo deveria ter concluído que não estão comprometidas as finalidades que estiveram na base da decisão de suspensão da execução da pena de prisão, as quais, inclusive, poderiam ser alcançadas por meio de outras medidas, se necessário, de acordo com as possibilidades do art.º 55.º, do mesmo Código Penal.

3. O recorrente foi casado – de 26.08.1994 até 28.07.2006 – com B..., de cujo matrimónio resultaram dois filhos: C... , nascido em 28.05.1993, e D... , nascida em 19.02.1998. Sucede, que em 28.07.2006 veio a falecer a mulher do recorrente, vítima de neoplasia gástrica, sendo que a mesma apenas sobreviveu escassos 12 meses entre a data do diagnóstico e a data da morte.

4. No referido período de 12 meses em que acompanhou a sua mulher nos últimos dias da sua vida, o recorrente viu ainda a sua mãe acometida de doença similar (um cancro no peito), sendo que também ela foi alvo de diversos tratamentos e cirurgias no Instituto Português de Oncologia, no Porto.

5. Todas estas circunstâncias marcaram profundamente o recorrente, provocando-lhe um intenso trauma e desgosto que desde então tem vivido.

6. Contudo, ainda assim, o recorrente sempre acompanhou e zelou pelo bom crescimento dos seus dois filhos, menores à data da morte da mãe, os quais dependem inteiramente do pai, uma vez que são estudantes e a filha mais nova ainda é menor.

7. O recorrente, fruto da desorientação emocional e psíquica que tem vivido, acabou por não conseguir cumprir o que resultara da condenação, nos presentes autos, em pena de prisão suspensa na sua execução. De facto, ulteriormente veio a ser condenado por idêntico crime, no âmbito do processo n.º 380/10.0 GBAVV, que correu termos no Tribunal Judicial dos Arcos de Valdevez, tendo já cumprido integralmente a pena de prisão efectiva de 4 meses em que fora condenado.

8. O facto de ter ficado privado de liberdade, durante 4 meses, no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo foi decisivo para o recorrente. A acrescer ao sofrimento que já trazia consigo pela morte da sua mulher, teve que assistir à revolta e à dor dos seus dois filhos, que ficaram privados de um pai e tiveram que ser amparados pela sua família. Mais ainda: o recorrente tem consciência de que é responsável por todo este sofrimento, vivido pelos seus dois filhos e ainda pelos seus pais e irmãos, circunstância de que muito se penitencia e se arrepende sinceramente.

9. Acresce ainda que, por força do cumprimento da pena de prisão, o recorrente se viu impedido de trabalhar e de contribuir financeiramente para o sustento dos seus filhos, que subsistiram graças ao apoio incondicional da sua família.

10. Por tudo isto, o recorrente tem perfeita consciência da gravidade da sua conduta e das consequências que dela resultam, e arrepende-se amargamente de tudo o que fez. A detenção e a reclusão em estabelecimento prisional foram, pois, suficientes para dissuadir o recorrente da prática, no futuro, de comportamentos idênticos aos que originaram a sua condenação, e está certo de que, atentas as suas circunstâncias pessoais, no futuro conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer qualquer infracção.

11. De todos estes factos procurou o recorrente dar conta em face do Tribunal a quo, quando foi ouvido presencialmente no âmbito do procedimento de revogação da suspensão da execução da pena de prisão. No entanto, esse Tribunal não fez uma correcta valoração das declarações do recorrente, parecendo delas retirar um efeito contrário.

12. Como se consignou no despacho sob censura, “[é] claro que não basta afirmar o cometimento de novo crime no período de suspensão da execução da pena, para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante para a aplicação dessa suspensão.”

13. Por outro lado, o critério material para a decisão da revogação é exclusivamente preventivo e deve reportar-se ao momento em que o Tribunal aprecia a situação e não ao momento em que o agente cometeu o crime pelo que se deve considerar todo o tempo decorrido entre o momento da condenação inicial e a data da audiência do tribunal [neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, anotação ao art.º 58.º].

14. Atente-se que, em regra, o cumprimento da pena de prisão cuja suspensão for revogada deveria preceder a execução da pena aplicada ao segundo crime [cfr. igualmente, Paulo Pinto de Albuquerque, idem].

15. No entanto, não foi isso que sucedeu na presente situação, tendo o recorrente, no momento em que o Tribunal a quo apreciou a revogação da suspensão, já cumprido integralmente uma pena de prisão efectiva de 4 meses.

16. Ora, em face de tudo quanto vem de ser exposto, as circunstâncias pessoais do recorrente – note-se: no momento em que foi apreciada a revogação da execução, e não no momento das condenações – permitem concluir em sentido diverso do Tribunal a quo, já que delas resulta claramente que as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas, o que determinava a ter de aplicar, caso assim entendesse, alguma das medidas previstas no art.º 55.º, do Código Penal.

Terminou pedindo consequentemente a revogação do despacho prolatado.

1.2. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, contra-alegou o Ministério Público junto do Tribunal a quo, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, sustentado nesta sintética ordem de razões:

a) Decorre do art.º 56.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e dos entendimentos doutrinais e jurisprudências concernentes, que a revogação da suspensão da execução da pena não opera automaticamente, incumbindo ao tribunal, nessa sede, atender às finalidades da punição, seja de prevenção geral ou reintegração, seja de prevenção especial (art.º 40.º, do Código Penal).

b) Implicando aferir se a prática de novo crime infirma definitivamente o juízo de prognose favorável que presidiu à suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, há que atender a todas as circunstâncias que permitam ao Tribunal fazer aquele juízo, quanto ao comportamento do arguido no futuro e, ainda, sobre se a suspensão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

c) In casu, e tal como entendimento do Tribunal a quo, afigura-se-nos não ser possível manter e fazer um juízo de prognose favorável, desde logo nos termos vertidos na promoção proferida nos autos.

d) Por um lado, por se entender que as anteriores advertências penais e a aplicação de sanções da natureza da pretensão do recorrente não lograram afastar o arguido da prática de comportamentos relevantes desse ponto de visto, o que reflecte que a pena aplicada não surtiu no arguido o efeito pretendido, nomeadamente, que a mera ameaça de cumprimento da pena de prisão, o afastaria da prática de factos criminalmente ilícitos e pelo cumprimento das regras de dever-ser impostas pelo Direito Penal, o que não sucedeu.

e) Tal conclusão retrai-se, aliás, da condenação em pena privativa da liberdade por ter considerado aquele tribunal ser impossível a realização de um juízo de prognose favorável ao arguido, sendo de realçar que a mesma foi proferida no ano transacto.

f) Acresce que o arguido não invoca qualquer circunstância objectiva, ligada à sua personalidade e/ou susceptível de ser determinada pela sua vontade, que revele uma efectiva mudança de atitude e comportamento que pudesse afastar a total insensibilidade face às anteriores condenações, não obstante, a data da prática dos factos.

g) Por outro lado, ao praticar tais factos num hiato temporalmente próximo da condenação nos presentes autos, o arguido comprometeu de forma censurável e indesculpável, quer o juízo de prognose, quer as finalidades da punição.

h) Donde conclusão não possa ser outra, senão a de que a manutenção da suspensão da pena de prisão poria em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a realização contrafáctica das expectativas comunitárias.

1.3. Proferido despacho admitindo o recurso, ordenada e efectuada a sua instrução, foram os autos remetidos a esta instância, em separado dos autos principais.

1.4. Aqui, continuados com vista, nos termos e para os efeitos do art.º 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento, alicerçado na resposta dada pelo Ministério Público na 1.ª instância, além de que, a pretextada situação pessoal do recorrente, acrescentou, “… tem sido naturalmente tida em conta sucessivamente nas diferentes situações em que o mesmo arguido se tem voluntariamente envolvido como agente da prática de crimes, para além de que alguns factos ocorreram já há algum tempo para que possam continuar a ser justificação para o seu comportamento delituoso.”

1.5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.

1.6. Aquando do exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se que nenhuma circunstância determinava a apreciação sumária do recurso, ou obstava ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever o mesmo prosseguir, com a recolha de vistos, o que se verificou, e submissão dos autos a conferência.

Dos trabalhos desta emerge a presente apreciação e decisão.


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II. Fundamentação.
2.1. Matéria de facto.

O despacho recorrido é do seguinte teor (transcrição):

«Por sentença proferida nos presentes autos em 07.05.2010, transitada em julgado em 11.06.2010, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão suspensa na sua execução por um ano (cfr. fls. 47 e seguintes).

O arguido foi pessoalmente notificado da sentença em 21.05.2010 (fls. 66).

Entretanto, a fls. 205 e seguintes, foi junta certidão da sentença proferida em 25.01.2012, no processo n.º 380/10.0 GBAVV, do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, transitada em julgado em 26.03.2012, na qual o arguido foi condenado na pena de 4 (quatro) meses de pena de prisão, pela prática, em 18 de Julho de 2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

A fls. 220 dos autos, foi designada data para a tomada de declarações ao arguido.

Tomadas declarações ao arguido, o mesmo declarou, em suma, que praticou o crime durante o período da suspensão, tendo dado como explicação para a prática do mesmo o facto de ter sido “uma coisa má que lhe deu”, coincidindo com uma época de azares, entre os quais a morte da sua esposa, em 2006, por doença prolongada, que originou problemas de relacionamento com os dois filhos.

No mais, disse que tinha consciência que não podia praticar nenhum tipo de crime no período da suspensão da pena aplicada nestes autos e que sabia quais as consequências se o viesse a praticar.

Referiu ter já cumprido, na íntegra, a pena de prisão efectiva a que foi condenado no processo n.º 380/10.0 GBAVV e que este tempo que passou na cadeia fê-lo compreender a censurabilidade da sua conduta.

A fls. 238 a 239, o Ministério Público manifestou-se no sentido da revogação da suspensão da execução da pena, considerando que o tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado no período da suspensão, a sua reiteração, bem como a sua elevada gravidade, as quais frustraram as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena aplicada que não puderam, por meio dela, ser minimamente alcançadas.

Concedido ao arguido, na pessoa do seu Ilustre Defensor Oficioso, um prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciar sobre a promovida revogação da execução da pena de prisão, o mesmo veio a fls. 245 e 246, requerer a extinção da pena a que o arguido foi condenado, alegando que o mesmo já interiorizou o desvalor de todo o historial da sua conduta criminal e admite já ter superado os seus défices de adequação às normas sociais. Acrescenta que na sentença proferida nos autos, mais propriamente na determinação da pena a aplicar, consideraram-se moderados o grau de ilicitude das factos e da culpa, sendo que também não há qualquer notícia que o arguido, após o cumprimento da pena de prisão no processo n.º 380/10.0 GBAVV, tenha continuado a actividade criminosa.


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Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal, «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»

Deste modo, o actual regime exige dois requisitos para a revogação da suspensão com base nesta alínea: a prática de um crime durante o período da suspensão da pena, naturalmente reconhecida por sentença transitada em julgado; e que se constate que as finalidades que estavam na base da suspensão não foram atingidas.

O primeiro requisito encontra-se manifestamente demonstrado nos autos, por sentença transitada em julgado e junta a fls. 205 a 218, sendo claro que o arguido, no dia 18 de Julho de 2011 – portanto, durante o período da suspensão, antes de ter decorrido um ano após o trânsito da condenação dos presentes autos –, cometeu um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Não obstante, a revogação da execução da pena de prisão não é automática.

Para que possa ser revogada a suspensão da execução da pena, torna-se imprescindível que se constate que as finalidades que estão na base da suspensão da pena, e que foram reconhecidas na sentença, se vejam frustradas.

No fundo, o juízo de prognose favorável ao arguido realizado na sentença, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, levá-lo-iam a respeitar os valores essenciais do ordenamento jurídico e a se manter afastado da prática de crimes, tem de ser infirmado.

É necessário avaliar se face à natureza e circunstâncias do crime cometido, ao passado do condenado, às suas circunstâncias pessoais actuais, e às necessidades de protecção do bem jurídico violado, e de reintegração daquele na sociedade, é conveniente revogar a suspensão da pena, por ter sido infirmado de forma definitiva o juízo de prognose que alicerçou a convicção de que a suspensão se revelava suficiente 1.

Se estes são os requisitos materiais da revogação, no plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, a audição do condenado. Só através dessa averiguação se poderá concluir com segurança pela eficácia ou ineficácia da manutenção da suspensão, pré-ordenada às finalidades visadas pela pena suspensa, sendo certo que tratando-se de motivações de ordem subjectiva ninguém melhor do que o condenado estará em condições de explicar as razões do incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação, ou mesmo as razões que conduziram ao cometimento de novo crime no período da suspensão.

É esta, aliás, a finalidade por excelência do direito que reconhecidamente assiste ao condenado, de ser ouvido antes da decisão de revogação: permitir-lhe fornecer uma explicação que de alguma forma contribua para reduzir ou afastar o impacto negativo do incumprimento em que incorreu ou da nova actuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas e que justificaram a suspensão da execução da pena.

Apreciemos, pois, à luz das considerações que antecedem, a situação concreta retratada nos autos.

Como vimos, o arguido, que já anteriormente à condenação imposta nos presentes autos, tinha cometido vários crimes, um da mesma natureza e dois de natureza diversa, voltou a cometer novo crime no período de suspensão da pena.

É claro que não basta afirmar o cometimento de novo crime no período de suspensão da execução da pena, para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante para a aplicação dessa suspensão.

No entanto, constatamos que, da análise do registo criminal do arguido, esta não é uma condenação isolada por crime sem particular importância para o juízo relativo à desconformidade ético-social do comportamento do arguido.

Pelo contrário, para além da prática anterior de dois crimes de natureza diversa (desobediência e falsidade de declaração), o arguido totaliza presentemente três condenações pela prática do crime de condução em estado de embriaguez facto que não pode ser alheio ao juízo de conformidade do arguido com o Direito.

Com efeito, a análise dos antecedentes criminais do arguido, evidencia por si só que a personalidade do arguido é fortemente refractária do dever de respeito à lei, denotando incapacidade de assimilar a carga negativa associada aos comportamentos penalmente associados.

Não obstante a sucessão de condenações anteriormente sofridas atente-se que o arguido já havia sido condenado em pena de prisão efectiva, por crime da mesma natureza – foi o mesmo confrontado nos presentes autos com uma pena de prisão suspensa na sua execução, tendo esta suspensão ocorrido já como “última oportunidade” dada pelo tribunal ao arguido, conforme relata o acórdão, tendo o mesmo decidido voltar a praticar novo crime, da mesma natureza, durante o período da suspensão.

Como convencer, então, da subsistência do bem fundado do juízo de prognose que levou à suspensão da execução da pena? Quantas condenações pela prática do mesmo tipo de crime serão necessárias para que seja fundado um juízo de prognose negativo?

E ainda que se entendesse que tal condenação seria insuficiente para se considerar como esgotadas todas as possibilidades de, com a suspensão, virem a ser alcançadas as finalidades da punição, bastaria atentar nas declarações do arguido.

Nas suas declarações, não foi o arguido capaz de esclarecer cabalmente o Tribunal quanto às motivações que o levaram a cometer aquele crime no período da suspensão. Começa por dizer que “foi uma coisa má que lhe deu”, acrescentando que esses factos coincidiram com uma época de azares, entre os quais a morte da sua esposa, em 2006, por doença prolongada, que originou problemas de relacionamento com os dois filhos.

Ainda que se compreenda que a perda de um ente querido seja passível de abalar fortemente o arguido, facto é que a morte da esposa já tinha ocorrido quatro anos antes dos factos, o que reduz o impacto do abalo.

Assim, é tempo de o arguido entender que a condenação em pena suspensa não é um formalismo desprovido de consequências nem representa uma forma de desculpabilização de actos criminalmente censuráveis. Bem pelo contrário, traduz solene aviso para a gravidade da conduta censurada e, quando imposta em crimes puníveis em alternativa com pena de multa ou de prisão, significa o reconhecimento da insuficiência da pena de multa para a tutela dos bens jurídicos protegidos pela norma violada; e significa também que a sua conduta se encontra já num patamar elevado de censurabilidade, com a consequente advertência para a redução da tolerância da ordem jurídica para com futuros comportamentos idênticos.

No caso vertente, essa solene advertência transmitida sob a forma de pena de substituição pena de prisão suspensa na sua execução – não evidenciou revestir o grau de dissuasão da prática de novos crimes de que supostamente estaria dotada. Bem pelo contrário, revelou-se ineficaz para assegurar as finalidades apontadas às penas criminais (a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade). O juízo de prognose positiva foi, pois, deslegitimado pela actuação do próprio arguido.

Repare-se que já na sentença de 25.01.2012, o Meritíssimo Juiz concluiu pela inadequação de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, uma vez que, “tendo em conta o extenso historial de conduta criminosa registado no certificado de registo criminal do arguido, inclusive pela prática do mesmo tipo de crime, tendo já sido condenado na pena de prisão, embora suspensa na sua execução, claramente revelam que o arguido tem graves problemas em adoptar conduta conforme ao Direito.”

Conclui-se, assim, que as várias condenações do arguido, não têm sido suficientes para o inibir de continuar a praticar crimes, demonstrando indiferença perante o solene juízo de censura que a condenação por um tribunal representa e não ter interiorizado a censurabilidade jurídico-criminal da sua conduta.

Em face de tal conduta posterior à prática do crime dos autos, da personalidade do arguido, à necessidade de protecção do bem jurídico violado e de reintegração daquele na sociedade, não se mostra mais possível efectuar um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, inibam o arguido da prática de novos crimes. Sendo tal sanção criminal a única apta a afastar no futuro o arguido da prática de novos crimes, visando a prevenção da reincidência.

Não se mostra, pois, suficiente para o Tribunal assentar um juízo de prognose favorável a melhoria no comportamento demonstrado pelo arguido na sua articulação com a DGRS, ou a sua estabilidade em termos familiares.

Acresce ainda que, resulta das declarações prestadas pelo arguido, que o mesmo tinha consciência que durante o período da suspensão da pena de prisão a que foi condenado não poderia praticar crime e, mesmo assim, querendo o fez, o que revela uma insuficiência e desadequação, na presente data, das finalidades que fundamentaram a aplicação da suspensão da pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos, uma vez que, em curto lapso temporal o arguido voltou a praticar um crime da mesma natureza.

Razão pela qual se considera estar infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável efectuado na sentença, subjacente à convicção de que a suspensão da execução da pena de prisão se mostrava suficiente a acautelar as finalidades da punição.

Nos termos expostos, revogo a suspensão da execução da pena de prisão imposta nos presentes autos ao arguido A..., determinando, em consequência, o cumprimento por este de 120 (cento e vinte) dias de prisão.

Notifique.


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Após trânsito, remeta novo Boletim do Registo Criminal e passe os respectivos mandados de detenção.

1 Cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 12.05.2010, Processo n.º 1803/05.5 PTAVR.C1; e da Relação de Guimarães de 12.07.2010, Processo n.º 246/08.3 GACBT.G1, e de 22.03.2010, Processo n.º 276/00.3 JABRG-A.G1; todos in www.dgsi.pt.»


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2.2. Como se mostra por demais consabido, de acordo com o art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem de apreciar [cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 335, bem como a jurisprudência uniforme do STJ - cfr. Ac. de 28 de Abril de 1999, in CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência aí citada -], mas isto sem prejuízo todavia das de conhecimento oficioso.

Porquanto se não vislumbra emergir fundamento conducente a tal intervenção oficiosa, atentando às conclusões do recorrente, a questão objecto do presente recurso consiste pois em apurarmos se não se justifica a decretada revogação da suspensão da execução da pena de cento e vinte dias de prisão em que o arguido fora condenado.

2.3. A suspensão da execução da pena de prisão pode mostrar-se sob uma dupla modalidade:

- Ser decretada sob condição, pois que subordinada: i) ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime (art.º 51.º, do Código Penal); ii) à imposição ao condenado de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a reintegração do agente do crime na sociedade (art.º 52.º, do Código Penal); iii) a acompanhamento de regime de prova, se o tribunal o considerar adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade (art.º 53.º, do Código Penal); ou,

- Ser decretada sem subordinação a quaisquer um de tais deveres ou obrigações, isto é, incondicionadamente.

Tal destrinça assume particular relevo no regime que o legislador depois transportou para os art.ºs 55.º e 56.º, do mesmo diploma penal.

Com efeito, disciplinou no primeiro as consequências que podem advir para o condenado do incumprimento culposo das condições que subordinaram a suspensão da execução da pena, estatuindo, que:

Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano da reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.

Depois, estabeleceu no seguinte art.º 56.º, um regime mais gravoso, consignando, que:

1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos no plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Facilmente sobressai destes normativos uma diferença essencial entre eles.

Na verdade, ao passo que, no primeiro, existe um poder dever do tribunal em optar por uma das situações referidas nas als. a) a c) quando verificado o requisito da violação culposa, pelo condenado, do cumprimento de qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, no segundo caso, a pena será sempre revogada (já não existindo essa dimensão de poder dever) se o condenado, no decurso da suspensão, infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

No caso concreto, a condenação do arguido nos autos principais não foi sujeita a qualquer uma das aludidas “condições”, e daí que se mostrasse efectivamente afastado o regime do falado art.º 55.º e 56.º, n.º 1, al. a). Certificado, porém, que no decurso do prazo de suspensão de execução da pena cometeu crime pelo qual foi condenado, já se impunha, como sucedeu, ponderar da aplicação do regime decorrente então do art.º 56.º, n.º 1, mas sua al. b).

Do que se cuida nesta norma, é de efectuar a avaliação sobre se a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena implica a revogação da suspensão quando e se a prática desse crime puser em causa, definitivamente, o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja a expectativa de que através da suspensão se manteve o condenado no futuro afastado da criminalidade.

A prática de um crime durante o período em que vigorava a suspensão da pena, só deve constituir causa de revogação dessa suspensão quando essa prática, em concreto (tendo em conta o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a gravidade da situação, entre outros), demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Trata-se de formular um juízo de prognose sustentado em factos ocorridos no passado, que permitem um juízo de previsibilidade de uma acção ou de um comportamento futuro.

Nesse sentido, o juízo de prognose a efectuar pelo tribunal deve permitir-lhe concluir favorável ou desfavoravelmente do passado e do presente para o futuro relativamente à conduta de quem está em causa.

No caso em apreço, relembramos, o que se demonstra é o seguinte: por sentença aqui proferida no dia 07.05.2010, que lhe foi pessoalmente notificada no dia 21.05.2010, e que transitou em julgado a 11.06.2010, o arguido viu-se condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; entretanto, no processo n.º 380/10.0 GBAVV, do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, pela prática, em 18 de Julho de 2010, de um crime de igual natureza, foi o mesmo arguido condenado, por sentença transitada em julgado a 26.03.2012, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, que já expiou.

Mostra-se conceptualmente adquirido que a suspensão da execução da pena de prisão é, no actual regime penal, uma verdadeira pena, de carácter autónomo e não institucional, traduzindo medida de índole reeducativa e pedagógica, por um lado, fundada num juízo de prognose positiva quanto ao comportamento futuro do agente e, por outro, para evitar os danos associados ao cumprimento de uma pena de prisão, desde que devidamente fiquem salvaguardadas as finalidades da punição.

Conforme Figueiredo Dias [in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias, 1993, pág. 339], «a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição.

Tendo presentes as finalidades da punição – a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, conforme art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal –, assenta na conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente tais finalidades (art.º 50.º, n.º 1, desse diploma substantivo), fundada, designadamente, no pressuposto material de que se configure prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente.

Tem a finalidade de afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, consentâneo ainda com o conteúdo mínimo de socialização.»

Segundo Fernanda Palma [in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, págs. 25/51, e em “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, Almedina, págs. 32/33], «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.»

Como dito já, a decisão controvertida declara-se proferida ao abrigo do disposto no art.º 56.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, que, na sequência referencial conjugada com o art.º 55.º surge como reserva da afectação do resultado máximo às situações limite. Tais normas inserem-se no quadro amplo de normas e de princípios, legais, constitucionais e internacionais, que tratam a determinação da pena. E os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da necessidade da pena cobrem todo o processo aplicativo, subsistindo até à extinção da pena.

O sentido de ultima ratio da revogação da suspensão da prisão é revelado pela própria evolução histórica do preceito.

Da versão da norma introduzida na revisão de 1995, passou a resultar que mesmo o cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão de pena é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição. Pôs fim à anterior redacção “profundamente criticável do ponto de vista político-criminal” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, pág. 356].

“O acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição.” [Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105].

Mesmo a condenação por crime cometido no período de suspensão da execução da pena de prisão não ditará, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição, que ditará a opção entre o regime do art.º 55º ou do art.º 56.º do Código Penal.
E tem vindo a ser considerado que, em princípio, “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” [cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque,
in Comentário ao Código Penal, 2.ª edição, pág. 236; e os acórdãos deste TRC, 28.03.2012 e 11.05.2011; do TRP de 02.12.2009, e do TRE de 25.09.2012].

Assim, mesmo nos casos em que o condenado em pena suspensa comete novo crime no decurso do período da suspensão, o tribunal deve ponderar a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição.

No caso presente, a sequência temporal objectiva que se colhe da condenação do recorrente nestes autos e nos autos n.º 380/10, é deveras impressiva no sentido da (quase absoluta) inutilidade da advertência que constituiu a condenação aí imposta, pois, assim não fora, volvidos escassos dois meses, por certo não teria reincidido exactamente na prática de factos de igual natureza aos que por se vira condenado. Maior insensibilidade e logo frustração do fim da pena aplicada não se vislumbra poder deixar de detectar.

O apelo que faz à sua situação de desorientação pessoal em virtude das circunstâncias da morte de sua esposa e da doença de sua mãe que tenderiam a explicar o sucedido, ressalvado o devido respeito, pouco colhe: o hiato temporal era já algum e mesmo numa ampla concessão apenas pode minorar em pouco o sucedido, que não verdadeiramente explicá-lo.

Por outro lado, a menção de que o cumprimento da pena aplicada no processo n.º 380/10 o fez adquirir a consciência da gravidade da sua conduta, a ser verdadeira, apenas é de aplaudir, pois que um dos fins prosseguidos pela reacção penal cominada. Mas não subverte o total alheamento à advertência contida na condenação destes autos, cerne em discussão. E, por outro lado, mais não traduz do que uma proclamação do recorrente que, malogradamente, a sua conduta anterior e o CRC fazem questionar.

O despacho recorrido mostra-se assaz fundamentado, donde que mais adiantar mera redundância traduziria. Por seu turno, e nos termos sobreditos, a defesa ora oposta, é a “justificação” que adiantou quando no âmbito do contraditório e defesa que antecedeu o despacho em crise, prestou declarações (cfr. auto de fls. 14 a 16), mas que o mesmo despacho, adequadamente, refutou.

Donde a conclusão de que nenhuma censura urge fazer ao despacho recorrido.


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III. Dispositivo.

São termos em que pelos fundamentos mencionados, negamos provimento ao recurso interposto.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs – art.ºs 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na actual versão, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e art.º 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo citado Decreto-Lei 34/2008, conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Notifique.


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Brízida Martins (Relator)

Orlando Gonçalves