Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
131/14.0TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: JUROS DE MORA
SUBSÍDIO
SUBSÍDIO POR MORTE
SUBSÍDIO DE FUNERAL
INÍCIO
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. LOCAL – INST. CENTRAL – SEC. TRBALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 56º, Nº 2 DA LEI Nº 98/2009 (NLAT) E 135º DO CPT.
Sumário: I – Os juros devidos sobre as quantias devidas a título de subsídio por morte e subsídio de despesas de funeral devem ser contados a partir do dia seguinte ao da morte do sinistrado.

II – No caso do subsídio por morte, a constituição em mora ocorreu no dia seguinte ao da morte, pois nesse dia, para além do mais, encontra-se perfeitamente definido o quantitativo devido a esse título, sendo que a mora no pagamento se verifica independentemente de culpa do devedor.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Frustrada a tentativa de conciliação realizada na fase não contenciosa do processo veio, com o patrocínio do MºPº, A... , por si e em representação de B... e C... , instaurar a presente acção para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra os RR. D... e COMPANHIA DE SEGUROS E..., S.A. pedindo que:

I. Seja reconhecido e declarado que o acidente ocorrido no dia 24 de Março de 2014, de que resultou a morte, em 25 de Março de 2014, de F... , ocorreu por falta de avaliação do risco, prévia à realização dos trabalhos de que foi incumbido pelo réu, e de implementação das medidas de segurança necessárias e adequadas a prevenir a queda do sinistrado ou a protegê-lo das consequências da mesma;

II. Seja o réu D... condenado, nos termos do artigo 18º, nº 1 e 4 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, a pagar aos beneficiários legais por morte do sinistrado as seguintes prestações:

1. À viúva, A... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 3 802,05 €, a partir de 26 de Março de 2014;

ii. Um subsídio por morte do sinistrado no valor de 2.766,84 €;

iii. As despesas com o funeral do sinistrado, no montante de 2 065,00 €;

iv. As despesas com transportes no valor de 54,72 €.

2. Ao filho C... :

i. Uma pensão anual e temporária no valor de 2 534,70 €, a partir de 26 de Março de 2014 e até Setembro de 2014, inclusive, data em que terminou a frequência escolar;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

3. À filha B... :

i. Uma pensão anual e temporária no valor de 2.534,70 €, a partir de 26 de Março de 2014, até aos 18 anos, ou até aos 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou superior, ou cursos equiparados;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009);

III. Seja a ré COMPANHIA DE SEGUROS E... , S.A. condenada – nos termos do artigo 79º, nº 3 e 4 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, e com base na responsabilidade que lhe foi transferida pelo réu – a satisfazer o pagamento aos beneficiários legais por morte do sinistrado das seguintes prestações:

1. À viúva, A... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 2 661,44 €, a partir de 26 de Março de 2014;

ii. Um subsídio por morte do sinistrado no valor de 2.766,84 €;

iii. As despesas com o funeral do sinistrado, no montante de 2 065,00 €;

iv. As despesas com transportes no valor de 54,72 €.

2. Ao filho C... :

i. Uma pensão anual e temporária no valor de 1 638,36 €, a partir de 26 de Março de 2014 e até Setembro de 2014, inclusive, data em que terminou a frequência escolar;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

3. À filha B... :

i. Uma pensão anual e temporária no valor de 1 638,36 €, a partir de 26 de Março de 2014 até aos 18 anos, ou até aos 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou superior, ou cursos equiparados;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

IV. SUBSIDIARIAMENTE, na eventualidade, de não vir a provar-se que o acidente de que resultou a morte de F... ocorreu por inobservância, por parte do réu, das regras de segurança que, no caso, eram legalmente exigíveis, sempre os réus deverão ser condenados a pagar aos autores:

A. A ré COMPANHIA DE SEGUROS E... , S.A.com base na responsabilidade transferida pelo réu, no valor anual de 8 871,46 €:

1. À viúva, A... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 2 458,29 €, a partir de 26 de Março de 2014;

ii. Um subsídio por morte do sinistrado no valor de 2. 766,84 €;

iii. Uma comparticipação nas despesas do funeral do sinistrado, no valor de 1 907,38€;

iv. Uma comparticipação nas despesas com transportes no valor de 50,54 €.

2. Ao filho C... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 1 638,36 €, a partir de 26 de Março de 2014 e até Setembro de 2014, inclusive, data em que terminou a frequência escolar;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

3. À filha B... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 1 638,36 €, a partir de 26 de Março de 2014, até aos 18 anos, ou até aos 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou superior, ou cursos equiparados;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

B. O réu D... , com base na diferença entre a retribuição anual auferida pelo sinistrado (8 871,46 €) e a comunicada à ré para efeito de seguro (8 194,30 €):

1. À viúva, A... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 203,15 €, a

partir de 26 de Março de 2014;

ii. Um subsídio por morte do sinistrado no valor de 2.766,84 €;

iii. Uma comparticipação nas despesas com o funeral do sinistrado, no valor de 157,62 €;

iv. Uma comparticipação nas despesas com transportes no valor de 4,18 €.

2. Ao filho C... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 135,93 €, a partir de 26 de Março de 2014 e até Setembro de 2014, inclusive, data em que terminou a frequência escolar;

ii. Subsídio por morte no valor de 1.383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

3. À filha B... :

i. Uma pensão anual e vitalícia no valor de 135,93 €, a partir de 26 de Março de 2014 até aos 18 anos, ou até aos 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou superior, ou cursos equiparados;

ii. Subsídio por morte no valor de 1 383,43 € (artigo 65º, nº 2 da Lei nº 98/2009).

V. Em qualquer caso, são devidos juros de mora sobre todas as prestações, à taxa legal, desde o respectivo vencimento até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, tal como consta da sentença, que no dia 24 de Março de 2014, F... foi vítima de acidente de trabalho, quando prestava a sua actividade de pedreiro ao serviço do réu, resultante da falta de avaliação prévia do risco dos trabalhos, por parte do réu, que não instalou equipamento individual e colectivo de segurança adequado a prevenir a ocorrência do acidente ou a proteger o sinistrado na queda.


+

Citados os réus, a «Companhia de Seguros E... , S.A.» contestou, tal como também consta da sentença, alegando a culpa do réu na produção do acidente, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Também o réu D... contestou negando a sua responsabilidade, concluindo pela sua absolvição do pedido e a condenação da ré a pagar até ao limite da responsabilidade que lhe foi transmitida.


***

II - Saneado o processo, e seleccionada a matéria de facto assente e aquela que constituiu a base instrutória, procedeu-se à audiência de julgamento tendo, a final, sido proferida sentença que decidiu tal como consta do respectivo dipositivo:

I. Reconhecer e declarar que o acidente ocorrido no dia 24 de Março de 2014, de que resultou a morte, em 25 de Março de 2014, de F... , ocorreu por falta de implementação das medidas de segurança necessárias e adequadas a prevenir a queda do sinistrado ou a protegê-lo das consequências da mesma.

II. Condenar os réus:

i. COMPANHIA DE SEGUROS E... , S.A. a pagar aos autores as seguintes prestações:

1. À autora A... :

a. A pensão anual e vitalícia no valor de € 2 458,29 (dois mil quatrocentos cinquenta e oito euros vinte e nove cêntimos), montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 26 de Março de 2014 até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do eventual aumento no valor da pensão a introduzir quando a autora atingir a idade da reforma;

b. A quantia de € 2 766,84 (dois mil setecentos sessenta e seis euros oitenta e quatro cêntimos), a título de subsídio por morte, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;

c. A quantia de € 2 065,00 (dois mil sessenta e cinco euros), a título de subsídio de funeral, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;

d. A quantia de € 54,72 (cinquenta e quatro euros setenta e dois cêntimos), montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;

2. À autora B... :

a. O capital de remição, no valor de € 10 734,53 (dez mil setecentos trinta e quatro euros cinquenta e três cêntimos), de uma pensão anual e temporária no valor de € 1 638,86 (mil seiscentos trinta e oito euros oitenta e seis cêntimos), sendo este último montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 26 de Março de 2014 até integral e efectivo pagamento;

b. A quantia de € 1 383,43 (mil trezentos oitenta e três euros quarenta e três cêntimos), a título de subsídio por morte, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;

3. Ao autor C... :

a. O capital de remição, no valor de € 4 557,67 (quatro mil quinhentos cinquenta e sete euros sessenta e sete cêntimos), de uma pensão anual e temporária no valor de € 1 638,86 (mil seiscentos trinta e oito euros oitenta e seis cêntimos), sendo este último montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 26 de março de 2014 até integral e efectivo pagamento;

b. A quantia de € 1 383,43 (mil trezentos oitenta e três euros quarenta e três cêntimos), a título de subsídio por morte, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento;

ii. D... a pagar aos autores as seguintes prestações:

1. À autora A... , a pensão anual e vitalícia no valor de € 1 343,77 (mil trezentos quarenta e três euros setenta e sete cêntimos), montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde26 de Março de 2014 até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo da eventual diminuição no valor da pensão a introduzir quando a autora atingir a idade da reforma;

2. À autora B... , o capital de remição, no valor de € 5 867,76 (cinco mil oitocentos sessenta e sete euros setenta e seis cêntimos), de uma pensão anual e temporária no valor de € 895,84 (oitocentos noventa e cinco euros oitenta e quatro cêntimos), sendo este último montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 26 de Março de 2014 até integral e efectivo pagamento;

3. Ao autor C... , o capital de remição, no valor de € 2 491,33 (dois mil quatrocentos noventa e um euros trinta e três cêntimos), de uma pensão anual e temporária no valor de € 895,84 (oitocentos noventa e cinco euros oitenta e quatro cêntimos), sendo este último montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 26 de março de 2014 até integral e efectivo pagamento.

III. Condenar os autores A... , B... e C... , bem como os réus D... e Companhia de Seguros E... , S.A., no pagamento das custas do processo, na proporção de 30% (trinta por cento) para os primeiros, 30% (trinta por cento) para o réu e de 40% (quarenta por cento) para a ré, sem prejuízo da isenção de custas dos autores.


****

III – Inconformado com esta decisão dela apelaram os autores, alegando e concluindo:

[…]


+

Apenas o co- R. D... apresentou contra alegações as quais, foram mandadas desentranhar.

***

IV – Posteriormente à apresentação da apelação, a sentença impugnada veio a ser objecto de reforma nos termos de despacho transitado em julgado, que se transcreve, e no qual se decidiu: “Reformar a sentença, excluindo-se da parte decisória a condenação dos réus «Companhia de Seguros E... , S.A.» e D... no pagamento aos autores B... e C... de um capital de remição, subsistindo a condenação no pagamento das pensões ali referidas, sendo que a pensão do autor C... tem como limite temporal o dia 30 de Setembro de 2014, sendo, a partir dessa data, a proporção da pensão devida à autora A... de 60% (sessenta por cento) e à autora B... de 40% (quarenta por cento), sendo esta última devida até completar 18, 22 ou 25 anos de idade, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou superior ou cursos equiparados”.

Sem objecto de qualquer impugnação, decidiu-se ainda nesse despacho “não admitir o recurso interposto pelos autores A... , B... e C... , no que concerne ao valor das pensões que lhes foram atribuídas, à responsabilidade de cada um dos réus e à responsabilidade pelas custas da acção, por falta de legitimidade para o recurso” e admitir “o recurso interposto e motivado pelos autores A... , B... e C... , a fls. 200-206 / referência 485951, restrito à questão dos juros de mora, uma vez que os recorrentes têm legitimidade para o efeito, a decisão é recorrível e o recurso foi interposto tempestivamente [artigos 79º, alínea b), 80º, nº 1, 82º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, e 631º, nº 1, do Código de Processo Civil]”.


***

V – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

[…]


***

V - As conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso.

Vistas estas conclusões e bem assim, e delimitação do objecto do recurso por efeito das decisões da 1ª instância acima descritas, importa apreciar e decidir a partir de que data são devidos juros de mora sobre as quantias devidas a título de subsídio por despesas de funeral e de subsídio por morte

A este propósito decidiu-se que “sobre todos os montantes são devidos juros de mora (artigo 135º do Código de Processo do Trabalho), sendo contados desde o dia seguinte ao da morte quanto às pensões devidas (artigo 56º, nº 2, da Lei dos Acidentes de Trabalho) e desde a data da citação quanto às restantes prestações”.

Os recorrentes, por seu turno, ainda que não aduzindo quaisquer razões jurídicas para tal, entendem que os juros de mora sobre o valor do subsídio de funeral, devem contar-se desde a primeira interpelação do responsável para proceder ao respectivo pagamento, pelo menos desde a data da tentativa de conciliação realizada em 13/11/2014 e sobre o subsídio por morte, desde o dia seguinte ao óbito do sinistrado.

Decidindo:

Relativamente as pensões devidas, a lei – artº 56º nº 2 – da LAT – fixa a data a partir das quais são as mesmas devidas, ou seja, a data do seu vencimento (dia seguinte ao da alta).

No que concerne ao subsídio por morte e às despesas de funeral já a lei não estabelece qualquer data de vencimento (cfr. artºs 65º e 66º da LAT, respectivamente).

Daí que os juros devidos deverão ser calculados a partir da data em que o responsável pela reparação se constituiu em mora.

A mora do devedor, como se sabe, consiste no atraso culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a ainda a prestação a ser possível (artº 804º nº 2 do CC).

Mas o devedor só se constitui em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir tal como decorre do disposto no nº 1 do artº 805º do CC, salvo nas situações previstas no nº 2 do citado preceito em que há mora independentemente de interpelação.

Um dos casos previstos na lei em que a constituição em mora dispensa a interpelação refere-se às obrigações provenientes de facto ilícito (al. b) do citado nº 2).

Conforme ensina Pedro Romano Martinez in Direito do Trabalho, 3ª edição, p. 809 “a responsabilidade civil objectiva por acidentes de trabalho, não obstante constituir um ius singulare, continua a assentar nos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana (ius commune) cujas regras, quando não sejam especialmente afastadas, encontram aplicação”

Ainda que se possa questionar a aplicação das regras comuns sobre a responsabilidade civil subjectiva (v. ob. citada p. 809 e 810) nos casos de acidente de trabalho ocorridos por culpa do empregador ou do seu representante (artº 18º da LAT), sempre a responsabilidade por acidentes de trabalho se caracteriza como responsabilidade extracontratual ou aquiliana e, portanto, enquadrável na citada al. b) do nº 2 do artº 805º do CC.

Daí que o devedor só se constitua em mora desde a citação[1], a menos que, sendo o crédito líquido, já haja mora anterior (nº 3 do artº 805º do CC).

Este o regime geral sobre a mora debitoris.

Todavia, não se pode olvidar que nos encontramos no domínio da reparação infortunística onde regem normas especiais atento os interesses que se visam tutelar.

Lê-se no Ac. da RP de 29.05.2006, procº 0610535 in www.dgsi.pt que “o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-02-02 - P. 2285 - definiu a seguinte doutrina, conforme o sumário que se transcreve:

O artº 138º do Código de Processo do Trabalho é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora.

Tem carácter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor.

[cfr. Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Actualização n.º 35, Novembro de 1990, com anotação de Cruz de Carvalho]

Daí que se venha entendendo que os juros de mora sejam devidos mesmo que o sinistrado ou beneficiário não os tenha pedido, independentemente de interpelação, por se tratar de direitos de existência e exercício necessários, pelo que o Tribunal deve fixá-los oficiosamente, se não forem pedidos. Trata-se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objectiva. Por outro lado, sendo um regime especial, afasta a aplicação das regras do direito civil também quanto à questão da liquidez da dívida, pois o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária, por exemplo, não impede a constituição em mora – cfr. o disposto nos Art.ºs 804 e 805.º, ambos do Cód. Civil. Assim, trata-se mais de reintegrar - com os juros - o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento.

Assim, verificado atraso no pagamento, são devidos juros, desde que a mora não seja imputável a culpa do credor. Repare-se que se o sinistrado, por exemplo, tendo discordado do resultado do exame médico efectuado na fase conciliatória, requerer exame por junta médica, o retardamento do pagamento das prestações derivado do processado mais complexo a que deu causa, gera juros de igual forma, porque a mora, embora imputável ao credor, não o é a título de culpa, derivando apenas de vicissitudes processuais e de orgânica judiciária”[2].

O artº 138º do antigo CPT corresponde ipsis verbis ao actual artº 135º pelo que não perdeu actualidade o entendimento de que atrás se deu nota.

Acontece que, no caso em análise, não está em causa o pagamento de pensões nem verdadeiramente de indemnizações mas antes o pagamento de subsídios por morte e por despesas de funeral, prestações estas que a lei claramente distingue das indemnizações como forma de reparação em dinheiro (artº 23º al. b) da LAT).

Não obstante, apesar do actual artº 135º do CPT (assim como o anterior artº 138º) não se referir expressamente aos subsídios, considerando os interesses tutelados, não vemos razões para, numa interpretação extensiva, não seguir o entendimento acolhido relativamente à constituição em mora e ao respectivo pagamento de juros no que respeita às pensões e indemnizações

Ora, o subsídio por morte é igual a 12 vezes o valor de 1,1 do indexante de apoios sociais (IAS) nos termos do nº 2 do artº 65º da LAT.

Portanto trata-se de uma quantia perfeitamente definida quantitativamente desde a data do evento gerador da reparação, ou seja líquida, bastando para obter o seu valor a realização de uma simples operação aritmética multiplicado 1,1 do IAS em vigor à data da morte por 12.

Assim, ainda que fosse de aplicar o disposto artº 805º nº 3 do CC sobre a liquidez da prestação, sempre a mora existia antes da citação para a acção.

Ou seja, no caso do subsídio por morte, a constituição em mora ocorreu no dia seguinte ao da morte pois nesse dia, para além do mais, encontra-se perfeitamente definido o quantitativo devido a esse título sendo que o mora no pagamento se verifica independentemete de culpa do devedor.

No que concerne ao subsídio por despesas de funeral o seu valor é igual ao montante das despesas efectuadas com o mesmo, com o limite de quatro vezes o valor de 1,1AS, aumentado para o dobro se houver trasladação.

Para o cálculo deste subsídio é necessário saber previamente a importância em que importou o funeral, sendo que só no dia 30.04.2014 o serviço fúnebre foi facturado no valor de € 2.65,00 (cfr. factura de fls. 33).

Seja como for, considerando o que acima ficou dito, mais concretamente que a mora nos casos de prestações por acidente de trabalho dispensa a verificação da liquidez da dívida e da culpa do devedor, a data de constituição em mora deve também fixar-se no dia seguinte ao da morte([3].


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VI - Termos em que, na parcial revogação da decisão impugnada, se decide que os juros sobre as quantias devidas a título de subsidio por morte e subsídio de despesas de funeral devem ser contados a partir do dia seguinte ao da morte (25.03.14), no mais se mantendo o decidido.

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Custas a cargo dos apelados.

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Coimbra 15 de Setembro de 2016

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Videira do Paço)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] A isso não obstando a iliquidez do crédito.
[2] Sublinhado nosso.
[3] Que se fixa independentemente do pedido dada a natureza dos processos de acidente de trabalho em que o tribunal não está sujeito ao peticionado.