Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2245/19.0T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
PLURALIDADE DE EXECUÇÕES SOBRE OS MESMOS BENS
PENHORA MAIS ANTIGA EFECTUADA EM PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
VENDA DO BEM PENHORADO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 4.º DA LEI N.º 13/2016, DE 23/5
ARTIGO 822.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 786.º, 1 E 5; 791.º; 794.º, 1 E 4 E 850.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 148.º; 239.º; 240.º; 244.º; 246.º, 1 E 248.º DO CPPT
Sumário: I. Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, deve ser sustada a execução nos autos em que a penhora tiver sido posterior, tendo o exequente de reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

II. Se a penhora mais antiga tiver sido efectuada num processo de execução fiscal, é nestes autos que se deve promover a venda do bem penhorado.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

Proc.º n.º 2245/19.0T8ACB.C1

                                               1.- Relatório

1.1.– A exequente Banco 1..., com sede na Avenida ...,..., contra os executados AA e BB, ambos residentes na Rua... ... ..., referindo que os executados são seus devedores da quantia total € 195.533,79 (cento e noventa e cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e setenta e nove cêntimos),refente à soma dos valores apurados nos dois contratos celebrados com a ora Exequente, acrescido das despesas de cobrança, ao qual acrescem os respectivos juros e despesas até integral e efectivo pagamento.

Entretanto veio a H..., S.A., ao abrigo do disposto no DL n.º 42/2019, de 28/03, requerer a sua habilitação como adquirente do crédito exequendo para, assim, assumir a posição de exequente nos autos.

Em 6/9/2022, foi a mesma considerada habilitada na posição de exequente, por despacho do seguinte teor:

“…Considerando a documentação apresentada, o silêncio da parte contrária e afigurando-se estarem reunidos os requisitos do procedimento simplificado previsto nos arts. 2.º e 3.º do DL n.º 42/2019, de 28/03, quanto à invocada cessão de créditos em massa, abrangendo o crédito exequendo (entre outros), a requerente considera-se habilitada na posição de exequente, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do aludido diploma.

Notifique. DN.”.

No mesmo despacho foi decidido arquivar os autos, porquanto se entendeu, que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822.º do C. Civil e o disposto no art.º 794.º, n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior, do teor que se transcreve:

Importa assinalar, em primeiro lugar, que resulta dos autos que se encontra registada uma penhora anterior sobre o imóvel penhorado (ref. 6371764), o que determinou a sustação da execução quanto ao imóvel, nos termos do art. 794.o, n.o 1, do CPC, e a subsequente extinção nos termos do art. 794.o, n.o 4, do CPC (ref. 8002368), sem prejuízo da renovação.

Mesmo que a situação dos autos se subsuma ao art. 244.o, n.o 2, do CPPT, face à natureza do imóvel e atenta a informação da AT no doc. 1 anexo à ref. 8587604, tendo presente as razões invocadas a respeito da Lei n.o 13/2016, de 23/05, cabe salientar, conforme defende Delgado Carvalho, “As alterações introduzidas pela Lei n.o 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores”, disponível em blogippc.blogspot.pt, que “o impedimento legal [de venda no processo de execução fiscal] se aplica, não em função da natureza do processo onde se realiza a venda, mas antes de acordo com a natureza da garantia real invocada pela administração fiscal”, ou seja, “se houver concurso do crédito fiscal com os créditos dos outros credores do executado, seja qual for a natureza (fiscal ou não fiscal) do processo executivo em que for admitido o concurso de credores, já a venda daquele imóvel pode realizar-se”.

Consequentemente, “Isto significa também que os credores comuns cujos créditos tenham sido reclamados ficam no mesmo plano que o Estado sob o ponto de vista dos poderes processuais. Podem aqueles credores, por isso, requerer o prosseguimento da execução fiscal para realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente na hipótese de o funcionário da administração fiscal decidir não proceder à venda, mesmo que este aja no cumprimento de orientações funcionais do serviço de finanças”, “Em suma, podendo a execução comum continuar a ser sustada nos termos do art. 794.o, n.o 1 do nCPC, não existe alteração do critério para a determinação do processo no qual se realiza a venda: a venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo se encontrar primeiramente penhorado no âmbito de processo de execução fiscal, continua a realizar-se na execução fiscal por ser o processo em que a penhora é mais antiga”.

Portanto, com o devido respeito por opinião contrária e sabendo-se que a questão se mostra controversa, entende-se que não pode a presente execução prosseguir (salvo cancelamento da penhora anterior), devendo antes a exequente, enquanto credor reclamante (ainda que espontâneo, se for caso disso – art. 240.o, n.o 4, do CPPT), diligenciar em conformidade pela venda no processo de execução fiscal, sendo que se surgir eventual decisão impeditiva do prosseguimento no âmbito do processo de execução fiscal, caberá à exequente reagir nessa sede, incluindo através do recurso aos TAF, consoante possa caber – ou seja, não se verifica um impedimento à venda no âmbito da execução fiscal uma vez que se entende que o credor reclamante, ora exequente, pode impulsionar ou promover essa venda, o que, por sua vez, significa que a execução fiscal pode retomar a sua dinâmica processual – sendo que, aliás, conforme inicialmente referido, a presente execução (civil) não se encontra a correr, nem suspensa, estando antes extinta, sem prejuízo da sua renovação.

Neste sentido, entre outros, o Ac. da RC de 25/05/2020, disponível em www.dgsi.pt:

“A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.o 2 do art.o 244o do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e o direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado. Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.o 244o, n.o 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.o 850o, n.o 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244o, n.o 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo. Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.o 822o do C. Civil e o disposto no art.o 794o, n.o 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior”.

Dito isto, importa ressalvar que se afigura que o prosseguimento da presente execução cível, mantendo-se a penhora anterior no âmbito da execução fiscal, poderá ser eventualmente equacionado se a ora exequente não lograr obter o prosseguimento da execução fiscal após esgotar todos os meios ao seu dispor para tal efeito (ou seja, se tal pretensão for formalmente indeferida pelo órgão da execução fiscal e não for possível obter a sua revogação judicial, nos competentes Tribunais), para assim, face à ausência de alternativa, possibilitar o ressarcimento do crédito exequendo. Neste contexto, se e quando se verificar o esgotamento e frustração dos mecanismos legais para prosseguimento da execução fiscal, caberá então à exequente, com certidão da decisão final pertinente, vir aos presentes autos suscitar a questão para o eventual prosseguimento (renovação) desta execução (e só nessa hipótese de renovação da execução poderá eventualmente relevar a matéria atinente à Lei n.o 1-A/2020, de 19/03, a qual, por isso, ora não cabe apreciar).

Notifique e oportunamente, nada obstando, arquivem-se novamente os autos”

                                                           ***

1.2. – Inconformada com tal despacho dela recorreu a exequente - H..., S. A., E – terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

I. No âmbito dos autos de execução sumária supra melhor id., em que a recorrente assume a qualidade de exequente, com crédito garantido por hipoteca sobre imóvel penhorado a fls..., foi a execução extinta nos termos do artigo 794.o n.o 4 do Código de Processo Civil, por sustação integral por força da pendência de penhoras anteriormente registadas sobre aquele bem.

II. Sobre o bem imóvel penhorado encontram-se, anteriormente, registadas duas penhoras a favor da Fazenda Nacional para pagamento da quantia exequenda total global de € 51.395,96.

III. Ora, cf. documento junto aos autos por requerimento da exequente em 04/04/2022, segundo informação do serviço de finanças, o primeiro dos referidos processos de Execução Fiscal está findo e o segundo está pendente desde 2017, e assim continuará, encontrando-se a presente execução impedida de prosseguir os seus regulares trâmites desde o início por esse motivo e o ora Exequente impedido de ver o seu crédito ressarcido.

IV. Acresce que, no referido processo de execução fiscal, não se encontra agendada a venda do imóvel, nem tão pouco irá ser agendada, uma vez que o imóvel se trata de casa de morada de família, conforme informação do próprio serviço de finanças junta e caderneta predial junta aos autos.

V. A Autoridade Tributária encontra-se, no caso em concreto, impedida de prosseguir com a venda do imóvel ao abrigo do no 2 do art. 244º do CPPT, ou seja, a venda do imóvel nunca será agendada/concretizada, impedimento esse que não existe no âmbito do processo executivo.

VI. Pelo motivos referidos nos artigos que antecedem, a ora recorrente requereu, por requerimento de 04/04/2022, a renovação da execução, com o prosseguimento da acção, tendo em vista as necessárias diligências de venda do imóvel penhorado, cumprindo o disposto no artigo 786o do CPC, nomeadamente citando a Autoridade Tributária e Aduaneira para vir reclamar os seus créditos.

VII. O referido requerimento foi indeferido pelo Meritíssimo Juiz do tribunal a quo com fundamentos com os quais não se concorda, por erro na interpretação das normais legais, como se demonstra de seguida.

VIII. Dispõe o art. 794o, no 1, do Código de Processo Civil (de ora em diante designado de CPC) que, “pendendo mais de uma ação sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.

IX. Por sua vez, o no 3 do mesmo preceito estabelece que o Exequente pode desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e nomear outros em sua substituição.

X. Significa isto que o Exequente pode seguir uma de duas vias: reclama o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, dentro do prazo fixado no no 2 do Art.o 794o do CPC; ou desiste da penhora relativa ao bem apreendido no outro processo e nomeia outros bens em sua substituição.

XI. Analisando o espírito da lei, quanto ao disposto no Art.o 794o do CPC, o preceito “não se inspira em razão de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos com penhora prévia; susta-se o processo em que a penhora se efetuou em segundo lugar, ainda que a execução respetiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora. O que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar” – Alberto dos Reis, in Processo de Execução, Vol. II, pág 287.

XII. Ora, resulta da ratio legis do preceito que, de modo a este ter conteúdo útil, a primeira execução deve estar, senão em movimento, pelo menos em fase processual onde a sua prossecução seja possível.

XIII. Ou seja, só se demonstra utilidade no regime do Art.o 794o do CPC se ambas as execuções se encontram a correr termos, pois só assim é que o Exequente e/ou Reclamante podem atingir os fins através do pagamento dos seus créditos pela via executiva.

XIV. Ora, se é assim no momento da reclamação de créditos, também deve entender-se, de idêntico modo, nos casos em que se reclamou o crédito na execução cuja penhora é anterior e depois por qualquer razão – não interessa o motivo – esta “parou”.

XV. Se assim não fosse, ficariam bloqueadas ambas as execuções; a originária porque vigorava o despacho de sustação de acordo com o Art.o 794o do CPC; a outra por estar “parada” e sem que o reclamante aí pudesse processualmente impulsionar, frustrando-se, assim, o espírito do Art.o 794o a que supra se faz referência.

XVI. Tal é o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/01/2005, in Base de Dados no M. J, sob o no J200506090013587, assim como no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/10/2006 (Processo 8559/2006- 8):“Sustada a execução nos termos do artigo 871o do Código de Processo Civil, se a execução, onde houve penhora anterior e onde foi reclamado o crédito da execução sustada, vier a ficar suspensa, interrompida ou por qualquer modo “parada”, pode prosseguir a instância na execução sustada para, assim, se evitar o impasse em ambas as execuções”.

XVII. Veja-se, ainda, o entendimento jurisprudencial do Tribunal da Relação de Lisboa mais recente, e que tem vindo a decidir que: «O disposto no n.o 1 do artigo 794o do Código de Processo Civil deve ser lido como referindo a pendência de execuções efetivas, com potencialidade de atingirem o seu fim último de materialização coerciva de direitos, incidentes sobre os mesmos bens, o que afasta do seu âmbito as execuções definitivamente inviabilizadas antes de atingirem a sua finalidade última ao abrigo do estabelecido no n.o 2 do artigo 244.o do Código de Procedimento e de Processo Tributário»

E

“Sustada a execução comum por existência de penhora registada anteriormente em sede de execução fiscal e encontrando-se esta última suspensa (art. 244/2 CPPT), nada impede o prosseguimento daquela (execução comum), com vista à venda do bem imóvel, podendo a Fazenda Nacional reclamar nesta (execução comum) o seu crédito, que será objecto de verificação e graduação de créditos, com vista ao ressarcimento do crédito do credor (s) exequente, afastando- se a aplicação do art. 794/1 CPC.”

E

“I - Pelo facto de se encontrar registada penhora sobre imóvel inscrita a favor da Autoridade Tributária, com registo anterior à efetuada numa execução comum, não obsta ao prosseguimento desta execução com a venda desse bem, quando naquela execução tal venda não possa ocorrer, por força do disposto no art. 244o, no 2 do CPPT, por o imóvel constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.

II – O art. 244o, no 2 do CPPT, apenas proíbe a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, desde que essa venda ocorra no âmbito de uma execução fiscal.

III – Não podendo a penhora ser levantada no âmbito da execução fiscal, a não ser que a dívida seja paga ou anulada, e nem podendo prosseguir a impulso dos credores reclamantes, não tem aplicação na execução civil, o estatuído no art. 794o, no 1, do CPCivil.” – Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/07/2019 (processo 985/15.2T(AGH-A.L1-6), de 05/21/2020 (processo 19356/18.2T8SNT-B.L1-8), de 06/04/2020 (13361/19.9T8SNT-A.L1-2), de 21-05-2020 (processo 19356/18.2T8SNT-B.L1-8), do Tribunal da Relação de Évora de 12-07-2018 (processo 893/12.9TBPTM.E1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-05-2019 (processo 2132/17.7T8VCT-B.G1).

XVIII. É contrário ao princípio do aproveitamento dos actos processuais, sustar uma penhora/execução em curso em virtude da existência de uma penhora prévia em processo impedido, à partida, de promover a venda de casa de morada de família.

XIX. O entendimento que nada impede que o credor, que já deu início a um processo de execução comum, elaborando o respectivo requerimento inicial (executivo), com os respectivos custos, vá ainda, reclamar créditos e impulsionar processo em que é exequente um terceiro (a Fazenda Nacional), é ofensivo daquele princípio e lesivo dos interesses do credor por implicar repetição de actos e não ser célere a respectiva tramitação.

XX. Evidencie-se quanto ao especificamente referido na douta decisão que os credores podem impulsionar os processos de execução fiscal, é consabido que estes têm uma tramitação substancialmente mais morosa que os processos de execução comum, chegando a decorrer anos para se concretizar a venda, ou para ser elaborada a respectiva sentença de graduação de créditos e posterior pagamento aos credores que, assim, demoram mais anos a ver-se ressarcidos dos seus créditos,

XXI. Com claro prejuízo para si mas também para os devedores/executados que vêm aumentar os valores em dívida, atento o vencimento diário dos juros até efectivo e integral pagamento.

XXII. É, ainda, dificultado o acesso ao processos de execução fiscal que não são tramitados em plataformas informáticas como a plataforma citius a que se recorre para tramitar os processos comuns.

XXIII. Para além de que os processos de execução fiscal não avançam com a tramitação processual para ressarcimento de outro credor, por impulso deste, pois continua a tratar-se de processo de execução fiscal e esse prosseguimento não garante o ressarcimento da AT, razão pela qual não acontece, ainda mais tendo o outro credor garantia hipotecária.

XXIV. Acresce ainda que só desconhecendo totalmente a realidade do que se passa nas execuções fiscais se pode afirmar a Lei 13/2016 não veda a possibilidade de o Reclamante impulsionar a execução fiscal.

XXV. O Credor Reclamante está impedido de prosseguir com a execução fiscal, pois, nos termos do artigo 265o do CPPT, o apenso de verificação e graduação de créditos só prosseguirá se houver venda dos bens penhorados – veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de Fevereiro de 2016 (in wwwdgsi.pt), onde se decidiu: “O arto. 265o, n.o 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário apenas admite a não sustação do apenso de credores quando haja venda dos bens penhorados”.

XXVI. Assim, estando a execução fiscal numa situação de suspensão quanto ao imóvel em causa, não sendo ordenada a venda do imóvel sobre o qual o Recorrente/Exequente tem hipoteca, não pode obter a cobrança coerciva dos seus créditos, o que significa, na prática, uma clara denegação de Justiça, insustentável num Estado de Direito.

XXVII. Analisando o artigo 218o do actual Código de Procedimento e Processo Tributário, vemos que, em termos práticos, apesar de o Recorrente/Exequente poder reclamar o seu crédito na execução fiscal, a verdade é que o seu direito enquanto credor está praticamente anulado.

XXVIII. É que, mesmo reclamando o seu crédito, se a execução fiscal se mantiver parada ou suspensa o Estado mantém a sua garantia, sem que o credor (que até tem hipoteca) possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução.

XXIX. O credor reclamante, neste caso credor hipotecário não pode requerer o  prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma.

XXX. Fica, assim, perante uma situação de impasse, pois o Código de Procedimento e Processo Tributário não prevê a possibilidade de a execução prosseguir por impulso do Reclamante em situação deste tipo.

XXXI. Estando os referidos autos de execução fiscal suspensos, como comprovadamente estão, não se verifica, neste caso concreto, o circunstancialismo do artigo 794o, no 1, do CPC - pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem.

XXXII. E, se os presentes autos prosseguirem, é citada a Fazenda Nacional, como credor e como titular inscrito de um ónus registado sobre o imóvel em questão, para reclamar os seus créditos.

XXXIII. E, assim, nem aquele órgão, nem o Recorrente ficariam prejudicados, pois ambos poderiam obter o pagamento do seu crédito na presente execução, se for o caso.

XXXIV. Mais, não tem o credor hipotecário outro meio para se fazer valer, pois fica impedido de cobrar os seus créditos só lhe restando a hipótese de requerer a insolvência dos devedores.

XXXV. A não se admitir o prosseguimento da execução nestes casos, em que há um impedimento legal à venda do imóvel nas execuções fiscais, são postos em crise os princípios constitucionais da proporcionalidade de e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos artigos 18o, n.o 2 e 62o, n.o 1 da Constituição, isto na medida em que o Recorrente fica sujeito a uma intolerável compressão do exercício dos seus direitos, nomeadamente do seu direito à satisfação do seu crédito, indelevelmente ligado ao direito à propriedade privada, sendo que, por outro lado, sempre ficaria sujeito às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada pelo impedimento legal à venda do imóvel, sem que, quanto a essas, tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requerer o prosseguimento.

XXXVI. Com efeito, tem sido entendimento dos tribunais superiores de que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é espelho que: “não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela actuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação.

Entendimento contrário, cremos, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.o 62.o, n.o 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.o 18.o da CRP).”

XXXVII. Perfilhamos tal entendimento, pois que, de facto os bens jurídicos lesados com a impossibilidade de venda do imóvel pela Autoridade Tributária, sobrepõem-se àquele que supostamente a norma do n.o 2 do art.o 244.o do CPPT, tenta proteger, até porque a norma salvaguarda a venda da casa de morada de família apenas em atenção às pequenas dívidas fiscais, limitando a força do aparelho do estado, mas já assim não é, quando a divida fiscal atinge valor correspondente à taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano – cifra art.o 244.o n.o 3 do CPPT.

XXXVIII. Nesse sentido, cfr. Ac. TRÉvora, de 12/07/2018, proc. n.o 893/12.9TBPTM.E1 (disponível em www.dgsi.pt), para o qual se  remete, pois versa sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação.

XXXIX. Assim, e conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09/12/2019, proc. n.o 1183/18.9T8SNT.L1-2 (disponível em www.dgsi.pt): “Se o processo fiscal, em que foi feita uma penhora anterior de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, não pode levar à venda do imóvel, por força do impedimento do art.244/2 do CPPT na redacção dada pela Lei 13/2016, o processo comum onde foi feita a penhora posterior não deve ser suspenso, mas sim prosseguir para a venda, notificando-se a AT para reclamar os créditos fiscais na execução comum.”

Termos em que, e nos demais de direito que V. Exas suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho Recorrido e sendo o mesmo substituido por outro Despacho que ordene o levantamento da sustação da execução e admita o prosseguimento dos autos com as diligências de venda do imóvel penhorado, com a citação da AT para, querendo, vir reclamar créditos, prosseguindo os autos os seus normais trâmites processuais, assim se fazendo a costumada Justiça!

                                                           ***

1.3.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. não houve resposta.

                                                           ***

1.4. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

Atento o disposto no art. 306.o, n.o 3, do CPC, fixa-se o valor para efeitos de recurso quanto ao despacho ref. 101134602, segunda parte, no valor corresponde à quantia exequenda indicada no r.e. (art. 297.o, n.o 1, do CPC).

Por tempestivo, ter a recorrente legitimidade e a decisão ser recorrível, admite-se o recurso interposto, o qual é de apelação, com efeito devolutivo, a subir imediatamente e em separado – arts. 852.o, 853.o, n.os 2, alínea a), e 4, 629.o, n.o 1, 631.o, n.o 1, 638.o, n.o 1, 639.o, 641.o, 644.°, n.o 2, alínea g), e 647.°, n.o 1, todos do CPC (salvo melhor opinião, não se acompanha a posição da recorrente quanto às normas aplicáveis ao recurso, uma vez que a decisão recorrida não determinou a suspensão da instância, certo que, antes dessa decisão, a execução havia sido declarada extinta por decisão do AE, afigurando-se, por isso, tratar-se de uma situação equiparada a decisão posterior à decisão final, reportada à extinção pelo AE).

Notifique, sendo a recorrente ainda para, em 10 dias, proceder à indicação das peças de que pretende certidão, que deve obter, para instruir o recurso, face ao modo de subida ora fixado (art. 646.o do CPC), sob pena de, não o fazendo, se considerar um desinteresse no prosseguimento do recurso, equivalendo a desistência do mesmo. Caso seja feita a indicação e satisfeitos os encargos da emissão de certidão, autue por apenso o recurso com as alegações, a certidão com as peças processuais que sejam indicadas (e o respectivo requerimento de indicação) e o presente despacho, abrindo conclusão nesse apenso; na hipótese contrária, abra nova conclusão na presente execução”.

                                                           ***

1.5. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2.- Fundamentação

São com interesse para a decisão são factos constantes no relatório supra.

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    3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

No caso em apreço, a questão a decidir, consiste em saber – Se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído, por acórdão, que ordene o levantamento da sustação da execução e admita o prosseguimento dos autos com as diligências de venda do imóvel penhorado, com a citação da AT para, querendo, vir reclamar créditos, prosseguindo os autos os seus normais trâmites processuais.

Vejamos.

Como se sabe a questão não é pacifica. Advogou a sentença recorrida, pelas razões, explicitas na sua decisão, acima transcrita, que não havia lugar ao seguimento dos autos para a venda pretendida, pela agora, recorrente.

Advogamos a posição defendida na sentença recorrida, já por nós defendida no processo n.º 7389/17.0T8CBR-A.C1, acórdão datado de 13/11/2019, bem como no processo, citado na decisão recorrida, onde escrevemos: «Preceitua o n.º 1 do art.º 794.º do C.P.Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.

Por sua vez, reza o n.º 4 do preceito: “a sustação integral da execução” equivale à extinção da execução, sem prejuízo de o exequente poder requerer a renovação da execução, indicando outros bens à penhora.

Em regra, existindo uma dupla penhora, segundo o disposto no art.º 794º citado, na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior. Caso em que o exequente da segunda execução (ou sustada), para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, sendo, pois, nessa execução que o crédito há-de ser reconhecido, verificado e graduado, cfr. art.º 791.º do C.P.Civil, a fim de ser pago pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.

No caso em apreço está provado que existe e mantêm-se vigente uma penhora em sede de processo de execução fiscal efectuada em data anterior à dos presentes autos e incidente sobre o imóvel em causa, do executado.

Perante tal situação, entendeu o tribunal “a quo”, no caso que temos entre mãos, nestes autos, indeferir o levantamento da sustação execução, como já referimos.

No que concerne à execução fiscal, preceitua o art.º 244.º do Código do

Procedimento e do Processo Tributário, daqui em diante designado por CPPT, que:

Realização da venda”

1 – A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. (aditado pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio).

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado”.

A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Sendo de aplicação imediata e ainda aos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

O art.º 244.º faz parte do CPPT e dispondo sobre o processo de execução fiscal, tem subjacente, conforme se preceitua no art.º 148.º do mesmo diploma, que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:

a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;

b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.

c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:

a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;

b) Reembolsos ou reposições”.

Cabe salientar que esta Lei (Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio) não impede a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias, como a presente (cfr. art.º 4º), limitando-se, nesse caso, a prevenir que “quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível” (nº 1) e bem assim que “enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda” (nº2).

Por conseguinte, a tutela dos direitos dos restantes credores na cobrança coerciva continua a ser assegurada.

Mas sendo assim, como é, como se concretiza?

Na execução fiscal (a primeira), ou na execução comum (a segunda)?

Nesta vertente as opiniões não são uniformes.

Uns advogam que terá de ser na primeira (execução fiscal) referindo:

A execução fiscal destina-se ao pagamento coercivo de dívidas fiscais.

Logo a proibição da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim, prevista no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor, quanto às dívidas do devedor de outra natureza não preceitua, nem pode preceituar, o CPPT, pois nada nos indicia que o legislador quis criar, ainda que indirectamente, um entrave ao prosseguimento das execuções cíveis.

Nesta medida mantem-se vigente a penhora incidente sobre o imóvel do devedor (que esteja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do mesmo ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim) em sede de execução fiscal, até porque o dito Código não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais) o levantamento dessa penhora, nem a suspensão da execução fiscal, todavia, esta “suspensão” existirá de facto.

Assim, a impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que, à partida, não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

Assim, entendem os defensores desta posição que a interpretação do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, de que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, não viola qualquer preceito legal ou constitucional (cfr. Ac. da Rel. Porto de 2019.03.08 – Proc.º n.º 11128/11.1TBVNG-C.P1, relatado por Anabela Dias da Silva e Ac. da Rel. de Coimbra de 24 de Outubro de 2017, proc.º n.º 249/13.6TBSPS, relatado por Sílvia Pires, bem como os citados nos mesmos arestos e doutrina citada e decisão singular proferida no processo n.º 1325/16.9T8ACB.C1 desta Relação, datada de 8/4/2019, proferida por Falcão de Magalhães, do qual somos adjunto.

Outros advogam que terá de ser na segunda (execução comum) referindo:

Que para além de não se prever sequer no CPTT o impulso da execução fiscal por banda dos credores reclamantes, parece claro que a Lei nº 13/2016, de 23 de Maio, impede efectivamente que em tais processos de execução, instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, haja lugar à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado fora dos casos aí previstos, o que se depreende das alterações ao CPTT pela mesma Lei efectuadas é que o bem permaneça penhorado e por consequência por esse motivo se conserve o direito do Estado de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art.º 822º, n.º 1 do Código Civil) mas que não se entre na fase da venda - artigos 248.º e seguintes do CPTT – e seja por essa via que se realize o valor necessário para proceder ao pagamento das dívidas (exequenda e reclamadas).

Assim, dizem os defensores desta tese que não faz sentido suspender a execução da subsequente penhora, nos termos do art.º 794.º do C.P.C., quando a execução fiscal está “suspensa” por esse motivo, ser casa de habitação própria.

É que a aplicabilidade do art.º 794º do CPC pressupõe que na primeira das execuções possam ser praticados os actos necessários para o exequente e os demais credores recebam as quantias a que têm direito.

O objectivo de tal norma é o de impedir que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens.

Se a venda não se pode legalmente concretizar no primeiro, o mesmo é dizer que nada impede que se realize no segundo, o da execução comum.

Esta é, aliás, a solução que melhor acautela, segundo estes, os interesses dos demais credores do executado que só deste modo realizarão o seu direito de serem pagos pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado, não tendo, por essa razão, aplicação ao caso o disposto no art.º 794º do CPC, impondo-se, em contrapartida, que a execução comum prossiga os seus ulteriores termos, promovendo-se a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito (art.º 786º, nº1, b) do CPC) o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado (art.º 791º do CPC) no lugar que lhe competir (cfr. neste sentido entre outros Ac. Rel. de Guimarães, 30 de maio de 2019 – Proc.º n.º 2677/10.0TBGMR.G1, relatado por Alcides Rodrigues, da mesma Relação de 17 de janeiro de 2019, proc.º n.º 956/17.4T8GMR-C.G1, relatado por Alexandra Rolim Mendes, da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc.º n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1, relatado por Fonte Ramos e Ac. Rel. de Évora, 12 de Julho de 2018, proc.º n.º 893/12.9TBPTM.E1, relatado por Maria João Sousa e Faro e os demais citados nos referidos arestos).

Advogamos, como já referimos, a primeira posição, de se dever promover a venda na execução fiscal, por ser aquela que, em nossa opinião, melhor se coaduna com o espirito da lei.

E isto porque preceitua o art.º 239.º do CPPT - “Citação dos credores preferentes e do cônjuge” que:

“1 - Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.

2 - Os credores desconhecidos, bem como os sucessores dos credores preferentes, são citados por éditos de 10 dias”.

Continuando o art.º 240.º do CPPT –“Convocação de credores” que:

“1 - Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados.

2 - O crédito exequendo não carece de ser reclamado.

3 - O órgão da execução fiscal só procede à convocação de credores quando dos autos conste a existência de qualquer direito real de garantia.

4 - O disposto no número anterior não obsta a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados”.

No caso presente o exequente/recorrente é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT, pelo que, se for reclamado o crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º 1 do art.º 244.º do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir.

É certo que o CPPT não contém uma norma idêntica à prevista no n.º 2 do art.º 850.º do C.P.Civil, todavia trata-se de uma lacuna que terá de ser suprida por interpretação analógica, até porque segundo o disposto no art.º 246.º, n.º 1 do CPPT “Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código”.

Assim sendo, a resposta há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação, a venda da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, mas, quanto a nós, não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Esta é a interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução, tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior».

Face ao exposto a pretensão da recorrente terá de improceder.

                                                           ***

4. Decisão

Nos termos expostos, decide-se, por acórdão, julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 12 de abril de 2023

Pires Robalo (adjunto)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto).