Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
152/19.6T8OLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: ÁGUAS NASCIDAS EM PRÉDIO ALHEIO
BENFEITORIAS ÚTEIS
DESTINO DO TERRENO A FIM QUE NÃO SEJA O DA CULTURA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
DIREITO DE PROPRIEDADE
DIREITO DE SERVIDÃO
FACTOS CONSTITUTIVOS
FACTOS IMPEDITIVOS
ÓNUS DA PROVA
SERVIDÃO DE AQUEDUTO
TERRENOS CONFINANTES
USUCAPIÃO
VIABILIDADE LEGAL DE AFECTAÇÃO DO TERRENO DIFERENTE DO DA CULTURA
Data do Acordão: 05/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 216.º, 342.º, N.º 1, E N.º 2, 1273.º, 1380.º, N.º 1, 1381.º, ALÍNEA A), 1561.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) Quem invoca o direito de preferência por referência a uma compra e venda de terrenos confinantes tem o ónus de alegar e provar que foi efectuada a venda de prédio com área inferior à unidade de cultura, que o preferente é dono de prédio confinante com o alienado, que o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura, e que o adquirente do prédio não é proprietário confinante.

II) O direito de preferência referido em I) é excluído no caso do terreno alienado se destinar a algum fim que não seja a cultura, competindo a quem se pretenda prevalecer dessa exclusão alegar e provar a intenção de destinar o terreno a esse fim diverso do da cultura e, ainda, a viabilidade legal dessa distinta destinação.

III) A aquisição por usucapião de um direito de propriedade ou de servidão sobre águas nascidas em prédio alheio depende da subsistência do corpus e do animus pelo tempo legalmente indispensável para o efeito, assim como da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou a nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

IV) Não pode reconhecer-se o direito a uma servidão de aqueduto a quem não demonstre o direito (de propriedade, de servidão, de usufruto…) à água que se pretende conduzir.

V) O direito à indemnização por benfeitorias úteis só pode ser reconhecido se for alegado e demonstrado, por quem se arroga a tal direito, a valorização do local onde foram realizadas as obras, o custo das despesas efectuadas, o seu valor actual e a deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias.

Decisão Texto Integral:





         Acordam, os Juízes, em audiência, na 1.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                      ***      

I – RELATÓRIO

A(…) e M(…), residentes em (…), concelho de (…), instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C(…), J(…) e Lagar L(…) - CRL, peticionando (a) a condenação destes a reconhecerem o direito de preferência dos AA. na compra do prédio rústico melhor identificado nos pontos 5) e 6) da petição inicial, (b) a condenação dos réus adquirentes para que estes abram mão do aludido prédio a favor dos AA., substituindo-se estes àqueles em qualquer inscrição predial feita ou a fazer, (c) devendo ainda ordenar-se o cancelamento do registo de aquisição do aludido prédio bem como o cancelamento de qualquer ónus ou encargos posteriores a 06 de Setembro de 2019.

Alegam os autores, no essencial e em síntese, que são proprietários do prédio rústico sito em (…) , freguesia (…) , concelho de (…) , composto de pastagem e cultura com 2 macieiras, com a área de 2.400m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 13641 (anterior art.º 10288 da extinta freguesia de (...) a confrontar do norte com …, sul e poente com …, nascente com …, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o nº 2765/20090414; que a ré C(…) vendeu aos réus J(…) e L(…)– CRL (na proporção de 2/5 e 3/5, respectivamente), por documento particular de compra e venda outorgado a 06 de Setembro de 2019, um prédio rústico, o qual confina a poente com o seu prédio, sem comunicar aos autores a sua intenção de venda (projeto de venda e das respetivas cláusulas) negociais do prédio rústico e sem efetuar aos mesmos qualquer comunicação prévia para preferir; que o prédio supra identificado tem uma área inferior à unidade de cultura para a região.

Concluem os autores pedindo, no exercício do direito de preferência de que se arrogam titulares, que os réus sejam condenados a reconhecer esse direito, e, consequentemente, que lhes seja reconhecido o direito a haver para si o prédio alienado aos réus, ordenando-se a substituição deste na titularidade do direito de propriedade do prédio inscrito a favor da mesma, com o correspondente cancelamento do registo da aquisição.

Válida e regularmente notificados, os 2º e 3º Réus apresentaram contestação, defendendo-se por impugnação e por exceção perentória.

Destarte, os réus defendem que o autor marido, na qualidade de cooperante da ré L(…), teve conhecimento dos elementos essenciais da compra/venda, tendo renunciado verbalmente ao direito de preferência.

Por exceção, a ré  L(…) defende que a aquisição do prédio – objecto dos presentes autos - se destine a um fim que não seja diferente, mormente, armazenamento das lenhas para aquecimento da água do lagar, bagaços e maquinaria, estação de tratamento de águas e lugar de estacionamento de veículos dos cooperantes; por outro lado, o réu J(…) defende que adquiriu os 2/5 do prédio para fazer dele um estaleiro de lenhas para aquecimento na prossecução do seu comércio de venda de lenhas para queimar e para parquear os veículos que destina ao transporte das madeiras e lenhas, balanças e demais maquinaria.

Defendem, igualmente, que inexiste qualquer norma legal que impeça as projetadas mudanças de destino pretendidas.

Em reconvenção, a ré L(…) sustenta que no prédio alienado existe um poço que represa águas que ali nascem e que desde 1990 são utilizadas exclusivamente por si, por serem sua pertença; com efeito, a ré sustenta que adquiriu tal água e a servição de a encanar por doação verbal de J(...), há mais de 29 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou constrangimento, captando-a, derivando-a e transportando-a através de tubos e canos soterrados e a descoberto no prédio a preferir, pelo que adquiriu os direitos de propriedade da água que ali nasce e da servidão de aqueduto, por usucapião; mais assevera que, para proceder à limpeza do poço, à manutenção e reparação do motor e substituição dos anos, foi consentida pelos pais da ré a construção de um caminho, com sinais visíveis e inequívocos de trânsito, tendo adquirido, por usucapião, a servidão legal de passagem que onera o prédio alienado.

Por último, a ré L(…) alega que dotou o prédio a preferir de um pilar e nova ligação à corrente elétrica de baixa tensão, requerendo o pagamento das respectivas quantias.

Concluem pela improcedência do pedido formulado pelos autores e consequente absolvição dos réus, uma vez que o tribunal deverá dar como provado a comunicação do projeto de venda aos AA., ou, se assim não for, deve a exceção perentória prevista na 2ª parte da al. a) do art.º 1381.º do Código Civil, ser julgada procedente e, em consequência, manterem-se válidos os documentos particulares autenticados de compra e venda. Caso o tribunal julgue procedente a acção, deverão os AA. ser condenados a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e bem assim condenados a reconhecer que por sobre o mesmo prédio e no modo e forma alegados, se encontra constituída uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, condenados a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação e condenados, por litigantes de má-fé, em multa e indemnização em montante que se julgar mais adequado à sua conduta, nos termos do art.º 543.º do C. P. Civil.

Em réplica, os Autores impugnam os factos alegados pela ré L(…) na reconvenção deduzida, sustentando ser falso que alguma vez esta tenha adquirido tal água por doação verbal do pai da Ré C(..) e a servidão de a escarnar, admitindo apenas que, durante o período de laboração, cerca de dois a três meses por ano, a ré estava autorizada a servir-se da água existente no poço; nunca existiu ou foi contruído qualquer caminho que conduzisse à constituição de uma servidão legal de passagem por usucapião, sendo apenas permitido que os funcionários da ré entrassem no prédio tendo em vista o uso da água durante a laboração do lagar; mais defendem que a ré não poderá desconhecer as regras de gestão de combustíveis à volta das edificações e aglomerados populacionais que impedem o armazenamento de lenhas, dada a proximidade inferior a 50 metros de casas de habitação bem como as apertadas regras impostas pela Agência Portuguesa do Ambiente, no que diz respeito ao bagaço e azeitona; no mais, concluem, peticionando a condenação dos RR. como litigantes de má-fé, acusando-os de alterem os factos e deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar.

Foi proferido despacho saneador por escrito – face às dificuldades técnicas de realização audiência prévia através da plataforma Webex -, onde se procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 591.º, n.º 1, al. f) e 596.º, n.º 1, ambos do CPC e se admitiu os requerimentos probatórios apresentados pelas partes nos respetivos articulados, tendo sido ainda designada data para a realização da audiência de julgamento.

 

Procedeu-se ao julgamento com observância das formalidades legais - conforme se constata das respetivas atas.

Mantiveram-se inalterados os pressupostos de validade e regularidade da instância que presidiriam à prolação do despacho saneador, nada tendo ocorrido posteriormente que influísse na validade e regularidade da instância e obstasse ao conhecimento do mérito da casa.

Em sede de “Questões a resolver” consignou-se o seguinte:

“Atendendo à causa de pedir e respectivos pedidos formulados pelos autores e em face da posição assumida pelos dois últimos réus na contestação deduzida, importa apurar se os autores têm direito a haver para si o prédio alienado pela 1ª ré aos réus, pelo preço convencionado na alienação, com fundamento na violação do seu direito legal de preferência, por omissão, pelos obrigados à preferência, do dever de comunicação do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato ou se estamos perante uma das excepções previstas na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, o que implica verificar se os adquirentes do prédio sobre o qual os AA. pretender exercer esse direito o destinam a algum fim que não seja a cultura e se essa mudança de destino é legalmente possível.

Em caso de resposta negativa, cumpre conhecer do pedido reconvencional deduzido pela ré, ou seja, se esta adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre a água, uma servidão de aqueduto e uma servidão de passagem a pé bem como se tem direito a receber as quantias que despendeu no prédio a preferir.

Por último, importa analisar se alguma das partes litigiou com má-fé e, em caso afirmativo, retirar as devidas consequências.”

Na sentença, oportunamente proferida, foi decidido:

“Nestes termos e em face do exposto, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, em consequência,

a. Condeno os RR. C(…), J(…) e L(…) - CRL, a reconhecerem aos AA. A(…) e M(…) o direito de preferência na compra do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de (..) sob o número 5875/20190930 da freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 13642 da actual freguesia de …, proveniente do artigo 10289 da extinta freguesia de …, nomeadamente, substituindo-se os AA. aos RR. compradores na venda nas quotas adquiridas por cada um deles, com a transferências para os AA. do mencionado prédio;

b. Condeno os Réus J(…) e L(…)– CRL a abrir mão do prédio identificado em a) em favor dos AA. A(…) e M(…), substituindo-se estes àqueles em qualquer inscrição predial feita ou a fazer;

c. Determino o cancelamento do registo de aquisição do prédio identificado em a) que tenha sido feita com base naquele documento particular de compra e venda bem como o cancelamento de quaisquer ónus ou encargos posteriores a 06 de Setembro de 2019.

d. Julgo totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida pela ré L(…)– CRL contra os AA A(…) e M(…), absolvendo-os de todos os pedidos formulados contra si formulados;

e. Julgar não verificada a litigância de má-fé dos Autores A(…) e  M(…) e dos RR. J(…)e L(…)– CRL.

f. Custas a cargo exclusivo dos RR.

*

Registe e notifique.”

Inconformados, os RR. L(…) CRL e J(…), interpõem o presente recurso de apelação, pretendendo que a decisão recorrida seja revogada – por violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto na al. a), última parte, do art.º 1381º, do C. Civil - e substituída por outra que os absolva dos pedidos formulados pelos AA., ou, assim se não entendendo, julgar-se igualmente procedente o recurso nos termos requeridos por exclusão de cada um dos invocados fundamentos.

Para o efeito, apresentam a motivação do recurso e respetivas conclusões.

OS AA., ora recorridos, em resposta ao recurso, defendem a manutenção da douta sentença recorrida, por a mesma não merecer censura.

Para o efeito, apresentam a contra motivação e respetivas conclusões.

Em 10.11.2020 foi recebido o recurso nos seguintes termos:

Inconformados com a sentença proferida em 31 de Agosto de 2020, vieram os Réus L(…) CRL e J(…) interpor recurso de apelação.

Considerando que a presente acção tem valor superior ao da alçada deste Tribunal e que a decisão proferida é desfavorável aos Réus em montante superior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), é admissível recurso ordinário.

Em consequência do recurso apresentado, vieram os Autores apresentar contra-alegações.

**

Destarte, por ter sido apresentado tempestivamente, a decisão ser recorrível, estar devidamente instruído com alegações e conclusões, os Recorrentes gozarem de legitimidade, terem liquidado a devida taxa de justiça, admite-se o recurso interposto pelos Réus/Recorrentes L(…) CRL e J(…) , o qual é de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - conforme artigos 638.º, 639.º, 641.º, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

Por legal e tempestiva, admite-se, ainda, a contra-alegação apresentada pelos Autores/Recorridos.

**

Neste sentido, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em conformidade com do preceituado no artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e no artigo 32.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e anexo I desta Lei, dando conhecimento disso às partes.”

 

Nesta Relação, foi, oportunamente, admitido o recurso e mantida a espécie, efeito e regime de subida fixados pela 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.

Corridos os vistos, cumpre, pois, em audiência, apreciar e decidir.

                                                             ***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

É pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o seu objeto – cfr., designadamente, as disposições conjugadas dos art.ºs 5.º, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil – sem prejuízo da apreciação das eventuais questões de conhecimento oficioso.

Face às conclusões da motivação do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1 - Saber se, face à prova produzida: a) O Tribunal recorrido julgou erroneamente os pontos 13. a 17. dos Factos Provados e a al. d. dos Factos não Provados – que devem passar, respetivamente, a não provados e provado; b) Deve aditar-se à matéria de facto provada: “27. O prédio tem viabilidade legal de afetação a destino diferente do da cultura, designadamente aos fins pretendidos pelos RR. L(…) CRL e J(…).” e  c) Deve ser eliminada a al. f. dos Factos Não Provados.

2 – Saber se, consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto na al. a), última parte, do art.º 1381.º, do C. Civil - e substituída por outra que absolva os Réus recorrentes dos pedidos formulados pelos AA. ou, assim se não entendendo, se deve julgar-se procedente o recurso no que diz respeito ao pedido reconvencional, condenando-se os AA. a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e, bem assim, a reconhecer que sobre o mesmo prédio se encontram constituídas, por usucapião, uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, e ainda a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação, a título de benfeitorias, ou seja, € 1.873,23 e € 9. 526,90, respetivamente para o Réu J(…) e Ré L(…).

2. Os Factos

Porque parcialmente impugnados, os factos apurados consignar-se-ão mais adiante.

3. O Direito

Como referimos supra, as questões a decidir são as seguintes:

1 - Saber se, face à prova produzida: a) O Tribunal recorrido julgou erroneamente os pontos 13. a 17. dos Factos Provados e a al. d. dos Factos não Provados – que devem passar, respetivamente, a não provados e provado; b) Deve aditar-se à matéria de facto provada: “27. O prédio tem viabilidade legal de afetação a destino diferente do da cultura, designadamente aos fins pretendidos pelos RR. L(…) CRL e J(…).” e c) Deve ser eliminada a al. f. dos Factos Não Provados.

2 – Saber se, consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto na al. a), última parte, do art.º 1381.º, do C. Civil - e substituída por outra que absolva os Réus recorrentes dos pedidos formulados pelos AA. ou, assim se não entendendo, se deve julgar-se procedente o recurso no que diz respeito ao pedido reconvencional, condenando-se os AA. a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e, bem assim, a reconhecer que sobre o mesmo prédio se encontram constituídas, por usucapião, uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, e ainda a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação, a título de benfeitorias, ou seja, € 1.873,23 e € 9. 526,90, respetivamente para o Réu J(…) e Ré L(…).

                                                                *

(…)

Decorrentemente, a matéria de facto, definitivamente provada e não provada, é a seguinte:

A) Factos Provados:

1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o n.º 2765, o prédio rústico sito em (...), freguesia de (…), concelho de (...), composto de pastagem e cultura com 2 macieiras, com a área de 2.400m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 13641 (anterior art.º 10288 da extinta freguesia de (..) a confrontar do norte com (..), sul e poente com (..), nascente com (..).

2. A propriedade deste imóvel encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de (..) a favor de M(…), casada na comunhão de adquiridos com A(…), através da Ap. 3284 de 14/04/2009.

3. Os autores adquiriram a propriedade do imóvel melhor identificado em 1) por sucessão hereditária e partilha por morte de K (..) e W(..).

4. Há mais de 60 anos que autores, por si e pelos seus antepossuidores, têm estado na posse do prédio identificado no ponto 1), dele colhendo os frutos e utilidades que produzem, à vista de toda a gente e de todos os possíveis interessados e do público em geral, praticando neles todos os necessários e adequados à sua exploração e rentabilidade.

5. Os autores e os seus antepossuidores, há mais de 60 anos, que, no prédio identificado no ponto 1), apanham lenha e pinhas, roçando o mato, de forma pacífica e ininterruptamente, na convicção de que tal prédio lhes pertence.

6. Por documento particular de compra e venda, outorgada em 06 de Setembro de 2019, no escritório do solicitador I(...), a ré C(…), na qualidade de única e universal herdeira de J(...) e mulher N(...), vendeu ao 2º réu J(…) , pelo preço de € 1.610,33 (mil, seiscentos e dez euros e trinta e três cêntimos), 2/5 do prédio rústico, sito em (...), com a área de 7.700m2, composto de pastagem e cultura com quatro oliveiras, então omisso na Conservatória do Registo Predial de (...) e inscrito na matriz sob o artigo 13642 da freguesia de (...), proveniente do artigo 10289 da extinta freguesia de v.

7. Por documento particular de compra e venda, outorgada em 06 de Setembro de 2019, no escritório do solicitador I(...), a ré C(..), na qualidade de única e universal herdeira de J(...) e mulher N(...), vendeu à 3ª ré L(…), CRL, pelo preço de €8.000,00 (oito mil euros), 3/5 do prédio rústico, sito em (...), com a área de 7.700m2, composto de pastagem e cultura com 4 oliveiras, então omisso na Conservatória do Registo Predial de (...) e inscrito na matriz sob o artigo 13642 da freguesia de (...), proveniente do artigo 10289 da extinta freguesia de (...).

8. O réu  J(… )e a ré L(…), CRL não são donos nem legítimos possuidores de nenhum prédio confinante com o prédio por estes adquirido e melhor identificado no ponto 6) e 7) dos factos provados.

9. O prédio identificado em 6) e 7) dos factos provados e o prédio identificado em 1) dos factos provados confinam um com o outro a poente.

10. O prédio identificado em 1) confina a nascente com o prédio de falecido J(...), pai da ré C(…).

11. O prédio identificado em 1) dos factos provados tem uma área inferior à unidade de cultura para a região.

12. No dia 20.11.2019, os autores procederam ao depósito, à ordem dos presentes autos, da quantia de €10.522,73, referente ao preço da alienação do prédio (€1.610,33+€8.000,00), ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (€80,52+€400,00), ao Imposto de Selo (€12,88+€64,00), ao custo referente ao emolumento do registo de aquisição global dos imóveis objeto da compra e venda (€87,50+€87,50) e despesas notariais (€80,00+€100,00).

13. A direcção da ré L(…) deliberou adquirir os 3/5 do prédio objecto de  preferência, para aí contruir um armazém para guardar as lenhas utilizadas para aquecimento de água do L(…) bem como, no futuro, aí vender ao público o azeite.

14. A direcção da ré L(…) deliberou, igualmente, adquirir os 3/5 do prédio objecto de preferência, porquanto aí se encontra a água por si utilizada para a destilaria.

15. O réu J(…) adquiriu os restantes 2/5 do prédio a preferir para fazer dele um estaleiro de lenhas para aquecimento na prossecução do seu comércio de venda de lenhas para queimar.

16. Ali vai passar a depositar a lenha, para depois cortar e rachar com o rachador acoplado a tractor agrícola.

17. O terreno servirá igualmente para parquear os veículos que destina ao transporte das  madeiras e lenhas e toda a demais maquinarias para o exercício do seu comércio.

18. No prédio identificado em 7) foi construído, em data não concretamente apurada, um poço que represa águas que ali nascem.

19. O aludido poço, coberto com uma placa de cimento, era utilizado por J(...), pai da ré C(…), para a cultivo de produtos agrícolas, tarefa que realizou até data não concretamente apurada.

20. Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre 1989/1990, a ré L(…) decidiu construir, no seu prédio, uma destilaria para produção de aguardente de medronho e bagaço.

21. Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre 1989/1990, J(...) permitiu que a ré L(…) utilizasse, durante a época do Inverno, a água do poço para a destilaria.

22. Para tanto, ré L(…) colocou, com a ajuda do falecido J(...), um motor, uma bomba elétrica para extrair a água do poço bem como a tubagem para a derivação da água numa barraca por este construída.

23. A bomba está situada no interior de uma casota que foi construída pelo falecido J(...).

24. Assim, desde, pelo menos, o ano de 1990, a ré L(…) utiliza essas águas para a sua indústria, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, captando-a, derivando-a e transportando-a, através de canos e tubos soterrados e a descoberto no prédio a preferir, com bocas de entrada e de saída de água, travessando-o, por via aérea o prédio dos Autores, a estrada nacional (CM125) até às instalações do lagar.

25. Em data posterior à aquisição do prédio identificado no ponto 7) dos factos provados, a ré L(…) colocou um pilar e nova ligação à corrente elétrica de baixa tensão para o motor que tira a água existente no poço, tendo gasto a quantia de €875,00.

26. Em data posterior à aquisição do prédio identificado no ponto 7) dos factos provados, a ré L(…) despendeu, igualmente, a quantia de €2.091,00 pela instalação eléctrica para o recinto do motor feita junto ao pilar identificado em 24).

B) Factos não Provados:

a. O Autor marido, na qualidade de cooperante da L(…) tivesse tido conhecimento dos elementos essenciais da compra/venda, uma vez que esteve presente na assembleia geral onde foi dado a saber aos cooperantes a razão da pretendida aquisição dos 3/5 do prédio a preferir e o destino a dar ao mesmo bem como o preço e condições de pagamento.

b. Nessa assembleia geral, o Autor Marido tivesse renunciado verbalmente ao direito de adquirir o prédio identificado no ponto 7) dos factos provados.

c. A ré C(…) tenha comunicado aos AA. o projecto de venda e os elementos essenciais.

d. Os últimos réus tenham aferido junto das autoridades administrativas competentes sobre a possibilidade legal de afectação do prédio para os fins enunciados nos pontos 15) a 18) dos factos provados.

e. A ré L(…) tivesse adquirido a propriedade da água por doação verbal de J(...), pai da ré C(…), há mais de 29 anos.

f. A ré L(…) utilize a água do poço com o animus de que são donos e legítimos possuidores de coisa própria.

g. Na faixa de terreno onde se encontra o tubo no prédio objecto de preferência, exista um caminho com sinais visíveis de trânsito a pé.

                                                                   * 

2 - Relativamente à segunda questão colocada (Saber se, consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada – por violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto na al. a), última parte, do art.º 1381.º, do C. Civil - e substituída por outra que absolva os Réus recorrentes dos pedidos formulados pelos AA. ou, assim se não entendendo, se deve julgar-se procedente o recurso no que diz respeito ao pedido reconvencional, condenando-se os AA. a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e, bem assim, a reconhecer que sobre o mesmo prédio se encontram constituídas, por usucapião, uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, e ainda a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação, a título de benfeitorias, ou seja, € 1.873,23 e € 9. 526,90, respetivamente para o Réu J(…) e Ré L(...).

Concluem, neste âmbito, os recorrentes:

Feita a prova do destino do prédio a outro fim, que não o da cultura, incumbe aos titulares do direito de preferência o ónus de provar que a mudança de destino não é legalmente possível, que o destino não pode ser diferente do de cultura, o que os AA. não lograram fazer, razão pela qual terá de improceder o pedido por estes formulado.

Ainda sem conceder,

Para ser concedido o direito de preferência, era mister, que os AA. alegassem e provassem que pretendiam haver para si o prédio alienado para o agricultar, o que não sucedeu razão pela qual terá de improceder o pedido por estes formulado.

Por razões de mero patrocínio judiciário, mas sem conceder,

O tribunal recorrido, entendeu não dar razão à recorrente por ter resultado não provado que:

"f) A ré L(…)utilize a água do poço com o animus de que são donos e legítimos possuidores de coisa própria."

Deu-se como provado que:

"22. Para tanto, ré L(…) colocou, com a ajuda do falecido J(...), um motor, uma bomba eléctrica para extrair a água do poço bem como a tubagem para a derivação da água numa barraca por este construída.

24. Assim, desde, pelo menos, o ano de 1990, a ré L(…) utiliza essas águas para a sua indústria, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, captando-a, derivando-a e transportando-a, através de canos e tubos soterrados e a descoberto no prédio a preferir, com bocas de entrada e de saída de água, atravessando-o, por via aérea o prédio dos Autores, a estrada nacional (CM125) até às instalações do lagar."

Quanto ao animus, a presunção estatuída no art.º 1252º do CCivil, dispensa -uma vez demonstrada a materialidade dos actos possessórios-, a respectiva prova, não dispensando a sua alegação por parte do respectivo interessado.

O recorrente alegou de forma expressa, factualidade quanto ao apontado animus possessório, i. é, a intenção de exercer essa posse pela forma correspondente à do direito de propriedade invocado, como dono da água, o que nos artigos 7º e 9º do petitório.

Quanto à servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, resultou provado que:

"24. Assim, desde, pelo menos, o ano de 1990, a ré L(…) utiliza essas águas para a sua indústria, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, captando-a, derivando-a e transportando-a, através de canos e tubos soterrados e a descoberto no prédio a preferir, com bocas de entrada e de saída de água, atravessando-o, por via aérea o prédio dos Autores, a estrada nacional (CM125) até às instalações do lagar."

Assim sendo, é óbvio que se trata de servidão aparente, já que se revela por sinais visíveis e permanentes e, como tal, passível de constituição através da usucapião, uma vez que os ora aludidos sinais, fora de toda a dúvida razoável, revelam a existência da alegada servidão de águas.

Atento os factos provados e alegados pode concluir-se que os recorrentes adquiriram o invocado direito de propriedade sobre as águas que nascem no referido poço e se constituiu a alegada servidão de aqueduto, por usucapião.

Sem conceder,

As obras descritas nos pontos 25. e 26. dos factos provados são, todas elas, benfeitorias úteis, porque aumentaram o valor do prédio, através do melhoramento das respectivas utilidades e foram feitas de boa-fé, atento a qualidade de quem as fez - um dos donos do prédio.

Estando obrigado a entregar o prédio, o L(…) entrega um prédio com benfeitorias cujos custos suportou, disso resultando um enriquecimento dos AA. recorridos à sua custa.

Assim sendo, deverão os AA. restituir à recorrente L(…) o valor do enriquecimento injustificado, de acordo com o disposto nos art.ºs 473º e 479º do C. Civil, a que corresponderá a quantia de € 2.966,00, tudo, uma vez mais, sem prejuízo de se julgar válida a causa impeditiva do direito de preferência prevista na al. a) 2ª parte do art.º 1381º do C. Civil, julgando-se o pedido formulado pelos AA., improcedente.

Ao não ter decidido da forma como é pugnada no presente recurso, o tribunal à quo violou e fez errada interpretação e aplicação do disposto na al. a) última parte do art.º 1381º do C. Civil.

Nestes termos, e nos demais supridos por Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva os RR. do pedido formulado pelos AA., ou se assim não for entendido, julgar-se igualmente procedente o recurso nos termos sobreditos por exclusão de cada um dos invocados fundamentos.

Quid Juris?

Defendem, em primeira linha, que os recorrentes que seja revogada a decisão recorrida e seja substituída por outra que absolva os Réus recorrentes dos pedidos formulados pelos AA..

Subsidiariamente, assim se não entendendo, pretendem que seja julgado procedente o pedido reconvencional, condenando-se os AA. a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e, bem assim, a reconhecer que sobre o mesmo prédio se encontram constituídas, por usucapião, uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, e ainda a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação, a título de benfeitorias, ou seja, € 1.873,23 e € 9. 526,90, respetivamente para o Réu J(…) e Ré L(…).

Vejamos.

Em relação ao primeiro ponto, verificamos que se não mostra provado que:

a. O Autor marido, na qualidade de cooperante da L(…) tivesse tido conhecimento dos elementos essenciais da compra/venda, uma vez que esteve presente na assembleia geral onde foi dado a saber aos cooperantes a razão da pretendida aquisição dos 3/5 do prédio a preferir e o destino a dar ao mesmo bem como o preço e condições de pagamento.

b. Nessa assembleia geral, o Autor Marido tivesse renunciado verbalmente ao direito de adquirir o prédio identificado no ponto 7) dos factos provados.

c. A ré C(…) tenha comunicado aos AA. o projecto de venda e os elementos essenciais.

Ora, estes factos, porque impeditivos do direito de preferência dos AA., deviam ter sido demonstrados pelos RR., nos termos gerais do princípio do ónus da prova – art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil.

Não o tendo feito, verifica-se que os AA. beneficiam do direito de preferência, na compra do terreno aludido nos autos.

Com efeito, desde logo, dispõe-se nos art.ºs 1376.º, 416.º e 1410.º, estes dois últimos aplicáveis ex vi do n.º 4, do art.º 1380.º, todos do C. Civil:

“Art.º 1376.º:

1. Os terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fracionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno.

2. Também não é admitido o fracionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura.

3. O preceituado neste artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos.

Art.º 1380.º:

1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:

a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;

b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.

3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.

Art.º 416.º:

1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

Art.º1410.º:

1 - O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

2. O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial.”

Por outro lado, dispõe-se no 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de 25 de outubro:

1 - Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura.

2 - Os preferentes referidos no número anterior não gozam do direito de preferência em relação aos terrenos que, integrados numa área a emparcelar, sejam adquiridos pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola para fins de emparcelamento após a aprovação ou a autorização para elaboração do respectivo projecto.”

Por sua vez, sobre a unidade de cultura, dispõe-se no art.º 3.º e Anexo II a ele respeitante, da Portaria n.º 219/2016, de 09.08:

“A unidade de cultura a que se refere o artigo 1376.º do Código Civil, para Portugal continental e por NUT III nos termos do Regulamento (UE) n.º 868/2014 da Comissão, de 8 de agosto de 2014, é a constante do anexo II da presente portaria e que dela faz parte integrante.

 ANEXO II

Unidade de cultura para Portugal continental

NUTS II                 NUTS III                   Unidade de cultura (em hectares)

                                                                  Terreno de regadio /Terreno de sequeiro

Centro                    Beira Baixa   …..       4                     /           8. ”

Ora, in casu, verificamos que os AA. lograram fazer a prova dos pressupostos/elementos constitutivos do seu direito à preferência, porquanto: foi efetuada uma venda, o terreno vendido confinava com aquele que é propriedade dos AA., os beneficiários da venda não têm qualquer terreno que confine com aquele que adquiriram e, finalmente, o prédio dos AA. tem área inferior à unidade de cultura que, de acordo com a Portaria n.º 219/2016, de 09 de Agosto, que procedeu à revogação da portaria 207/70, de 21 de Abril, é, na Beira Baixa, para culturas de sequeiro, de 4 hectares, e, para culturas de regadio, de 8 hectares.

Assim, porque demonstraram todos estes requisitos/pressupostos, isto é, os elementos constitutivos do direito de preferência, tem os AA. direito a exercer a preferência na venda efetuada pela primeira R. aos segundos RR., o que vieram pedir a juízo.

Ou seja, dos factos provados resulta que a vendedora, a ré C(…), não cumpriu o seu dever de comunicação aos autores o projeto de venda e as respetivas cláusulas do negócio projetado.

Ao invés, os autores observaram o ónus que sobre si impendia de alegar e provar os elementos constitutivos do direito de preferência - a) foi efetuada venda ou dação em cumprimento de prédio com área inferior à unidade de cultura; b) o preferente é dono de prédio confinante com o alienado; c) o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura; e d) o adquirente do prédio não é proprietário confinante -, sendo que sobre a 1ª ré recaia o ónus de provar que procedeu à comunicação em crise[1]

No entanto, importa ter presente que os proprietários de terrenos confinantes não gozam do direito de preferência quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura, o que constitui matéria de excepção na acção de preferência.

Exceção essa prevista no art.º 1381.º, alínea a), do C. Civil, sendo que os 2.ºs RR invocam a constante na segunda parte, ou seja, a relativa a terreno que se destine a algum fim que não seja a cultura.

Mas será que o 2.ºs RR. demonstraram a referida excepção – como lhes competia, por ser impeditiva do direito de preferência dos AA., nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil -, impedindo, assim, os AA. de preferir?

Pensamos que não.

Vejamos.

Dispõe-se no art.º 1381.º, do C. Civil:

“Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.” (Itálico nosso)

Ora, neste âmbito, nos autos demonstrou-se que:

A direcção da ré L(…) deliberou adquirir os 3/5 do prédio objecto de preferência, para aí contruir um armazém para guardar as lenhas utilizadas para aquecimento de água do L(…) bem como, no futuro, aí vender ao público o azeite.

A direcção da ré L(…) deliberou, igualmente, adquirir os 3/5 do prédio objecto de preferência, porquanto aí se encontra a água por si utilizada para a destilaria.

O réu J(…) adquiriu os restantes 2/5 do prédio a preferir para fazer dele um estaleiro de lenhas para aquecimento na prossecução do seu comércio de venda de lenhas para queimar.

Ali vai passar a depositar a lenha, para depois cortar e rachar com o rachador acoplado a tractor agrícola.

O terreno servirá igualmente para parquear os veículos que destina ao transporte das madeiras e lenhas e toda a demais maquinarias para o exercício do seu comércio.

Face a estes factos provados verificamos que os réus provaram que o prédio objeto do negócio, embora rústico, se destinava a um fim diverso da cultura, o que afastaria o direito de preferência dos autores, por força do disposto na alínea a) do artigo 1381.º do C. Civil.

No caso concreto, a intenção de afetar o prédio a finalidade diversa da cultura desde a respetiva aquisição, estriba-se numa intenção que ocorreu em momento anterior ao negócio, ou seja, foi essa intenção que ditou a aquisição levada a efeito pelos compradores.

Conclui-se, assim, que o prédio adquirido pelos réus, ainda que dotado de aptidão agrícola para o cultivo – e, nessa medida, suscetível de, em abstrato, estar afeto à cultura/atividade agrícola - se destina, em concreto, a um fim que não é a cultura/atividade agrícola.

Por outro lado, provado que o prédio se destina a um fim diferente do da cultura, é necessário igualmente, a alegação e prova – pelos compradores, ora réus, entenda-se, por ser facto impeditivo do direito de preferência dos ora AA., nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil - de que o mesmo é legalmente admissível.

Neste sentido, e aludidos na douta decisão recorrida, v. g., Ac. STJ de 4.10.2007, Santos Bernardino, Ac. STJ de 25.3.2010, Oliveira Rocha, Ac. STJ de 6.5.2010, Oliveira Vasconcelos e Ac. STJ de 9.5.2002, Araújo de Barros, todos in www.dgsi.pt.: “Na verdade, para que o facto impeditivo do direito de preferência aludido na 2ª parte da al. a) do art. 1381 do CC opere os seus efeitos, é necessário que o adquirente alegue e prove não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura mas também que a projectada mudança de destino seja permitida por lei.”

Quer dizer,  como bem se salienta na douta decisão recorrida, não basta, portanto, a mera intenção, ainda que substanciada na conduta fáctica apurada, é necessário que (sob pena de se defraudar a intenção do legislador) o destino pretendido para o terreno seja legalmente possível, pois “se assim não fosse ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito” - Ac. STJ, de 21.6.94, BMJ n.º 438, pág. 450 e Ac. STJ, de 14.3.2002, CJ. 2002, tomo I, pág. 133, ambos citados no Ac. STJ de 9.5.2002, e Ac. STJ de 11.12.2008, Alberto Sobrinho, in www.dgsi.pt)”[2]

Por outro lado, como igualmente se decidiu na 1.ª Instância, entendemos que a possibilidade de afetar um terreno de cultura, por exemplo, a finalidade  diferente, depende de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da colectividade, de acordo com os planos de ordenamento do território[3].

Ou seja, a prova da viabilidade legal da construção é, assim, um elemento essencial para que o facto impeditivo do direito de preferência referido na 2ª parte da al. a) do art.º 1381.º do C. Civil opere os seus efeitos.[4]  

Ora, nos presentes autos, como resulta dos factos provados e não provados, verificamos que os RR. não demonstraram que aferiram junto das autoridades administrativas competentes da possibilidade/viabilidade legal de afetação do prédio para os fins enunciados nos pontos 13) a 17) dos factos provados.

Por conseguinte, não tendo os réus logrado provar a viabilidade legal de afetação do prédio a um destino diferente do da cultura, não se encontra demonstrada a causa impeditiva do direito de preferência prevista no art.º 1381.º, al. a), 2.ª parte, do C. Civil, bem andou o Tribunal recorrido quando julgou improcedente esta excepção perentória.

Mantém-se assim, por não merecer censura, a douta decisão recorrida na medida em que reconheceu o direito de preferência dos AA. na compra do aludido prédio, vendido pela primeira aos segundos réus, e, consequentemente, condenou em conformidade os RR. nos pedidos deduzidos pelos AA..

Em segunda linha, pedem os recorrentes que, assim se não entendendo, deve julgar-se procedente o recurso no que diz respeito ao pedido reconvencional, condenando-se os AA. a reconhecer o direito de propriedade sobre a água do poço existente no prédio a preferir e, bem assim, a reconhecer que por sobre o mesmo prédio se encontram constituídas, por usucapião, uma servidão de aqueduto com vista à derivação de tal água para o lagar, bem como de uma servidão de passagem de pé que o onera, e ainda a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação, a título de benfeitorias, ou seja, € 1.873,23 e € 9. 526,90, respetivamente para o Réu J(…) e Ré L(…) .

Também, salvo o devido respeito, perante os factos provados e não provados, lhes não assiste a razão.

Vejamos.

Em primeiro lugar, a ré peticiona que lhe seja declarado e reconhecido o direito de propriedade sobre a água do poço por a terem adquirido por doação verbal do dono do prédio e por usucapião.

Ora, neste âmbito, por um lado, mostra-se provado o seguinte:

No prédio identificado em 7) foi construído, em data não concretamente apurada, um poço que represa águas que ali nascem;

O aludido poço, coberto com uma placa de cimento, era utilizado por J(...), pai da ré C(…), para a cultivo de produtos agrícolas, tarefa que realizou até data não concretamente apurada;

Em data não concretamente, mas seguramente entre 1989/1990, a ré L(…) decidiu construir, no seu prédio, uma destilaria para produção de aguardente de medronho e bagaço;

Em data não concretamente, mas seguramente entre 1989/1990, J(...) permitiu que a ré L(…) utilizasse, durante a época do Inverno, a água do poço para a destilaria;

Para tanto, ré L(…) colocou, com a ajuda do falecido J(...), um motor, uma bomba elétrica para extrair a água do poço bem como a tubagem para a derivação da água numa barraca por este construída;

A bomba está situada no interior de uma casota que foi construída pelo falecido J (...);

Assim, desde, pelo menos, o ano de 1990, a ré L(…) utiliza essas águas para a sua indústria, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, captando-a, derivando-a e transportando-a, através de canos e tubos soterrados e a descoberto no prédio a preferir, com bocas de entrada e de saída de água, travessando-o, por via aérea o prédio dos Autores, a estrada nacional (CM125) até às instalações do lagar.

Por outro lado, não resultou provado o seguinte:

Que a ré L(…) tivesse adquirido a propriedade da água por doação verbal de J(...) , pai da ré C(…), há mais de 29 anos;

Que ré L(…) utilize a água do poço com o animus de que são donos e legítimos possuidores de coisa própria.

Desde logo, perante os aludidos factos provados e não provados, verificamos que os RR. não adquiriram a propriedade da referida água do poço existente no prédio comprado.

Com efeito, o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão e demais modos previstos na lei – art.º 1316.º do C. Civil.

Ora, os RR. alegam a sua aquisição por doação verbal do dono do prédio e por usucapião.

Que os RR. não demonstraram que adquiriram a referida água por doação verbal, verifica-se naturalmente pela não prova do seguinte facto: Que a ré L(…) tivesse adquirido a propriedade da água por doação verbal de J(...), pai da ré C(…), há mais de 29 anos;

Relativamente à alegada aquisição por usucapião, verificamos que, como refere a douta sentença recorrida, para que um terceiro possa adquirir por usucapião[5]8, o direito de propriedade ou de servidão sobre a água nascida em prédio alheio, será necessário que: se verifiquem todos os requisitos da usucapião de imóveis, previstos nos art.ºs 1293.º e seguintes do C. Civil - nomeadamente, a existência do corpus e do animus, enquanto elementos indispensáveis à afirmação da posse, pelo tempo exigido em função das suas características; e esses requisitos sejam acompanhados da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou a nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.

Por outro lado, no caso subjudice, esta posse não se mostra exercida em termos de direito de propriedade, já que esse exercício não era/é efectuado em termos de direito de propriedade pleno e, em princípio, ilimitado, sobre a água, envolvendo a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água pode prestar, o que não é o caso dos autos.

Com efeito, desde logo, a água é, exclusivamente, utilizada para a destilaria, ou seja, a indústria exercida pela ré; e, por outro lado, não é em exclusivo, uma vez que o falecido  J(...) a utilizava, até data não concretamente, para o cultivo de produtos agrícolas.

De facto, face ao alegado pela ré e à matéria dada como provada, consideramos que o direito da ré está limitado às necessidades do seu prédio, ou seja, não resulta que possam dispor livremente da água que nasce no prédio objecto de preferência (por exemplo, alienar, onerar), pelo que o direito à sua utilização é restrito e limitado, na medida em que não pode utilizar a água a não ser no prédio onde se encontram as suas instalações, nem pode utilizá-la para finalidade diversa da destilaria ou lavagem.

Por outro lado, aliás, como vimos supra, a Ré não demonstrou que, ao utilizar a água nos moldes em que o fazia, o fizesse com o “animus” correspondente a um proprietário, a um titular do direito de propriedade, até porque, caso a mesma utilizasse a água com a intenção de exercer um direito de propriedade, falecia um dos motivos para a aquisição do prédio: a existência da água naquele terreno. É que, quem se sente e age como dono da água, não tem a necessidade de adquirir o prédio onde ela nasce, comportamento que os réus não adotaram.

Assim, face ao exposto, porque a ré não logrou provar factos conducentes ao uso pleno da água, sem qualquer limitação, por ela própria, não pode concluir-se que ela seja a dona da referida água que existe no subsolo do prédio objecto de preferência, ou seja, que tenha o direito de propriedade sobre a mesma.

Em segundo lugar, pede a R. que se reconheça que, por sobre o mesmo prédio, se encontram constituídas, por usucapião, uma servidão de aqueduto, com vista à derivação de tal água para o lagar, e de passagem de pé, que o onera.

Ora dispõe-se no art.º 1561.º, do C. Civil:

1. Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios; as quintas muradas só estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído subterraneamente.

2. O proprietário do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito de ser também indemnizado do prejuízo que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou da deterioração das obras feitas para a sua condução.

3. A natureza, direcção e forma do aqueduto serão as mais convenientes para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.

4. Se a água do aqueduto não for toda necessária ao seu proprietário, e o proprietário do prédio serviente quiser ter parte no excedente, ser-lhe-á concedida essa parte a todo o tempo, mediante prévia indemnização, e pagando ele, além disso, a quota proporcional à despesa feita com a sua condução até ao ponto donde pretende derivá-la.” (Itálico nosso)

Quer dizer:

Deste preceito – art.º 1561.º, n.º 1, do C. Civil – “emerge um basilar requisito: a servidão, porque se prende com a condução (conduz-se algo) carece da existência, prévia ou simultânea, de um direito à água que se quer conduzir, não importa a que título (propriedade, servidão, usufruto, etc.). Nesta perspectiva, a servidão é sempre um acessório do direito à água. A vida daquela pressupõe a deste. Não se concebe a servidão sem o objecto da condução. Daí a necessidade da prova desse direito que, tantas vezes, é alicerçado, nos nossos tribunais, em actos conducentes à usucapião”; mas “para já, o que interessa reter é que o aqueduto não tem autonomia jurídica e, por conseguinte, não pode, de per si, isoladamente, proporcionar a servidão” (José Cândido de Pinho, AS ÁGUAS NO CÓDIGO CIVIL. COMENTÁRIO. DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2005, p. 257, com bold apócrifo). Compreende-se, por isso, que se afirme que a servidão de aqueduto pressupõe “o direito à água derivada”, pois só assim se justifica a «sua condução para o prédio onde é utilizada (dominante), por meio de cano ou rego condutor, através de prédio alheio (serviente)” (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada 1990, p. 359).” - Ac. da RG de 09-05-2019, processo nº 1743/17.5T8VRL.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS, citado na decisão recorrida e disponível in www.dgsi.pt .

Por conseguinte, e em suma:

Nos presentes autos, como bem salienta o Tribunal recorrido, a ré L(…) não logrou demonstrar ser titular de um direito à água e, nessa medida, independentemente do preenchimento ou não dos demais pressupostos de que dependia a aquisição de um direito de servidão de aqueduto[6]9, por via da usucapião, não poderá ver reconhecida a constituição de tal direito, porquanto a condução da água e o direito de passagem é necessariamente instrumental do prévio reconhecimento daquele outro direito

Aliás, mesmo que assim não fosse, jamais se poderia conceder uma servidão de passagem, por usucapião, uma vez que inexistem sinais a existência de sinais visíveis e permanentes da sua existência – art.º 1548.º, n.º 2, do C. Civil.

Em terceiro lugar, pede a R. que os AA. sejam condenados a reembolsar os co-RR. das quantias alegadas em 34.º da contestação, a título de benfeitorias, ou seja, € 1.873,23 e € 9. 526,90, respetivamente para o Réu J(...) e Ré L(…).

Entendemos que, salvo o devido respeito, lhe não assiste a razão.

Vejamos.

A este propósito mostra-se provado nos autos o seguinte:

Em data posterior à aquisição do prédio identificado no ponto 7) dos factos provados, a ré L(…) colocou um pilar e nova ligação à corrente elétrica de baixa tensão para o motor que tira a água existente no poço, tendo gasto a quantia de €875,00.

Em data posterior à aquisição do prédio identificado no ponto 7) dos factos provados, a ré L(…) despendeu, igualmente, a quantia de €2.091,00 pela instalação eléctrica para o recinto do motor feita junto ao pilar identificado em 24).

Ora, dispõe-se nos art.º s 1273.º e 216.º, do C. Civil:

“Art.º 1273.º:

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Art.º 216.º:

1.  Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.”

Ora, face aos factos provados, não podemos qualificar a instalação elétrica e a colocação do pilar como benfeitorias necessárias, porquanto estas originam despesas que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; por outro lado, também não estamos perante benfeitorias voluptuárias, uma vez que se provou que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, não servem, apenas, para recreio daqueles.

E também não podemos considera-las como benfeitorias úteis, porquanto as mesmas, não sendo indispensáveis para a sua conservação, não sabemos – não está demonstrado - se lhe aumentam, todavia, o valor.

É que, como sabemos, constituem requisitos, essencialmente, integrantes do direito à indemnização por benfeitorias úteis, a ser invocado/alegado e provado pelos réus, a valorização do local, o custo das despesas efetuadas, o seu valor atual e a deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias.

Ora, como vimos, apenas ficou demonstrado o custo das despesas efetuadas, mas não já os restantes, cujo ónus competia a ré, como facto constitutivo do direito a que se arrogam, nos termos do estipulado pelo art.º 342.º, n.º 1, do C. Civil.

No mais, subscrevemos o teor da douta decisão recorrida quando, neste âmbito, designadamente, consigna e decide:

“Vejamos, contudo, se poderemos qualificar tais obras como benfeitorias úteis, recorrendo, com a devida vénia, ao estatuído no Ac. do STJ de 01-04-2014, processo nº 54/07.0TBLMG.P1.S1, relator HELDER ROQUE, disponível em www.dgsi.pt:

“Contudo, a sua qualificação como benfeitorias úteis, enquanto «tertium genus» da categoria legal em presença, não resulta, sem mais, por exclusão de partes. Efetivamente, quando a realização de obras no prédio objeto das mesmas não evite o seu detrimento, nem o valorize senão para um fim determinado, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria, necessária ou útil, mas mera obra de adaptação, sendo certo que só quando, simultaneamente, evite o detrimento da coisa e a valorize, constitui adaptação do objecto em que se incorporam e, igualmente, benfeitoria. É que as benfeitorias úteis, como já se disse, são aquelas que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor. Por outro lado, constituem requisitos, essencialmente, integrantes do direito à indemnização por benfeitorias úteis, invocado pelos réus, a valorização do local, o custo das despesas efectuadas, o seu valor actual e a deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias.”

Ora, tal como no aludido aresto, apenas ficou demonstrado o custo das despesas efectuadas, mas não já os restantes, cujo ónus competia a ré, como facto constitutivo do direito a que se arrogam, nos termos do estipulado pelo artigo 342º, nº 1, do CC.

“Desde logo, não ficou provado o segundo segmento do binómio do conceito de benfeitorias úteis, ou seja, “o aumento do valor da coisa”, que não pode ser suprido, tendo em conta a regra da experiência baseada no senso comum, mas fora dos quadros da prova produzida, importando antes que sejam demonstrados os factos que permitiriam conduzir ao conceito de valorização, insuscetível ser retirado, conclusivamente, das regras da experiência da vida e do que é normal acontecer, por forma a chegar-se à sua demonstração, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais ou naturais. (…) Efetivamente, a indemnização pelas benfeitorias úteis efectuadas no prédio não tem de corresponder ao custo das obras que os réus nele realizaram e com que o beneficiaram, o que só poderia verificar-se se se provasse que os autores, realmente, enriqueceram nessa medida, não se podendo fazer corresponder, sem mais, a medida do enriquecimento dos autores ao custo despendido com as obras pelos réus, devendo as mesmas implicar um valor acrescentado para o prédio que não existiria, sem a realização daquelas obras. Ao invés, a aludida indemnização deve ser calculada, segundo o regime do enriquecimento sem causa, e não basta para esse cômputo considerar o respetivo custo, mas antes importa que se determine qual a valorização que as mesmas obras trouxeram ao prédio, pois só ela confere a medida do enriquecimento dos autores, donos do prédio confinante, gerando, em igual medida, a obrigação de indemnização. Assim, não ficou provada a valorização do prédio objeto da preferência, designadamente, para eventuais utilizações futuras, não se havendo demonstrado que, no momento da sua entrega aos autores, em consequência da procedência da ação, o mesmo apresentasse um valor superior aquele que tinha, à data da celebração da escritura pública de compra e venda. Por seu turno, tendo os autores, na réplica, deduzido oposição ao pedido de indemnização formulado pelos réus, tal implica o reconhecimento do direito ao levantamento das benfeitorias, o que, aliás, por estes, não vem pedido na acção. Ora, dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, os ora autores, com fundamento em detrimento da mesma, o que não aconteceu, pois, ao contrário, defendem que os réus podem levantar os bens em causa, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, carece de base legal o pretenso direito de indemnização formulado pelos réus recorrentes.” – Acórdão do STJ supra identificado.

Face ao exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julgo improcedente o pedido de indemnização peticionado pela L(…), devendo os autores serem absolvidos do pedido contra si formulado, o que se determinará a final.”

Quer dizer:

Em bom rigor, sabendo da pretensão dos recorridos e de má-fé, o recorrente L(…) , CRL, apressou-se a realizar obras, como a construção de um pilar para a eletricidade (cuja data de construção e respetiva fatura é posterior à citação do recorrente) e uma ligação à corrente eléctrica de baixa tensão.

Tais obras não são benfeitorias úteis e das mesmas não se demonstra que resulte um enriquecimento dos recorridos.

Por outro lado, os recorridos nunca se opuseram ao levantamento das obras realizadas, porquanto as mesmas lhes são inúteis e sem qualquer valor.

Resumindo e concluindo:

Face ao exposto e sem mais considerações, bem andou a douta decisão recorrida quando decidiu julgar procedente a ação proposta pelos AA. e improcedente a reconvenção deduzida pelos RR., ora recorrentes.

Deve, pois, consequentemente, improceder também esta segunda questão recursiva, e, em consequência, ser mantida a douta decisão recorrida, por inexistência de violação do disposto, designadamente, nos invocados art.ºs 216.º, 342.º, 1273.º, 1376.º, n.º 1, 1381.º, 416.º e 1410.º, estes dois últimos aplicáveis ex vi do n.º 4, do art.º 1380.º, todos do C. Civil, ou em quaisquer outros.

Face ao exposto e sem mais considerações, improcede também esta segunda questão recursiva, e, em consequência, mantém-se, pois, a douta decisão recorrida, por inexistência de violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto, designadamente, nos invocados art.ºs 216.º, 342.º, 1273.º, 1376.º, n.º 1, 1381.º, 416.º e 1410.º, estes dois últimos aplicáveis ex vi do n.º 4, do art.º 1380.º, todos do C. Civil, ou em quaisquer outros.

                                                                 *** 

Resumindo e concluindo:     

Face ao exposto e sem mais considerações, improcedem, pois, ambas as questões recursivas, e, em consequência - por inexistência de violação, por errada interpretação e aplicação, do disposto nos invocados art.ºs 361.º, 362.º, 369.º a 372.º, 373.º a 376.º, 390.º, 391.º e 396º, todos do C. Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5 (sem prejuízo do estatuído na 2.ª parte deste último número.) do C. P. Civil, e bem assim, do disposto, designadamente, nos invocados art.ºs 216.º, 342.º, 1273.º, 1376.º, n.º 1, 1381.º, 416.º e 1410.º, estes dois últimos aplicáveis ex vi do n.º 4, do art.º 1380.º, todos do C. Civil, ou em quaisquer outros -, mantém-se a douta decisão recorrida, a qual não merece qualquer censura.

                                                              ***

III – DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

1 - Julgam improcedente o presente recurso.

2 – Mantêm a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

 

                                                                         ***  

                                                                         Coimbra, 04 de maio de 2021


[1] Neste sentido, v. g., Ac. da RG de 02-05-2019, processo nº 25/11.0TBVRL.G1, disponível em www.dgsi.pt.

[2] Ac. da RC de 20-10-2015, processo nº 768/12.1TJCBR.C1, relator ANTÓNIO MAGALHÃES, disponível em www.dgsi.pt.
               [3] Direito de Preferência - Parecer do Prof. Henrique Mesquita, Col. 1986, tomo V, pág. 52, citado no Ac. STJ de 25.3.2010.
               [4] Ac. STJ de 25.3.2010 citado no Ac. STJ de 9.5.2002.

[5] 8 Dispõe o artigo 1287.ºdo Código Civil que: a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta do possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”.

[6] 9 “No âmbito do exercício do direito de servidão de aqueduto, assiste aos AA. o direito de passarem no prédio dos RR e nele praticarem os actos estritamente necessários que para o efeito da condução da água sejam necessários, porquanto o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação. XIX. Nestes casos, o direito de passagem não configura uma servidão autónoma da servidão de aqueduto, mas apenas um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento de servidão; trata-se do que se denomina de “adminicula servitutis” – cfr. Ac. da RG de 06-02-2014, processo nº 539/10.0TBCBT.G1, relatora HELENA MELO, disponível em www.dgsi.pt.