Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
609/13.2JACBR-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
CONCURSO SUPERVENIENTE DE PENAS
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
COMPETÊNCIA FUNCIONAL
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 77.º, N.º 1, 78.º, N.º 1, DO CPP, E 471.º DO CPP
Sumário: I – A competência territorial define qual o tribunal que, de entre os da mesma espécie materialmente competentes, deve ser chamado à jurisdição no caso concreto, em função da sua localização.

II – Contudo, a regra do n.º 2 do artigo 417.º do CPP, atribuindo ao tribunal da última condenação a competência territorial em caso de conhecimento superveniente do concurso de penas, tem pressuposta a competência funcional do mesmo tribunal, que só existe quando este tiver aplicado uma das penas em concurso.

III – De forma mais clara, deterá competência territorial para a elaboração de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente do concurso, o tribunal da última condenação cuja(s) pena(s), se observadas as regras dos artigos 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 2, do CP, concorra(m) com outra ou outras, e não o tribunal que tiver imposto pena(s) que com as demais está(ão) numa relação de sucessão.

Decisão Texto Integral:








I. Relatório:

O Sr. Juiz do Juízo Central Criminal de Coimbra (J3) suscitou a resolução do conflito negativo de competência relativo à realização de cúmulo jurídico de penas impostas a A... - com os sinais identificativos dos autos - em diversos processos, em devido tempo devidamente individualizados.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, no sentido de a competência para o fim acima indicado não pertencer àquele Tribunal.

Por sua vez, a Sr.ª Juíza do outro Tribunal conflituante (Secção Criminal do Juízo Central de Leiria – J1), apenas remeteu para os fundamentos do despacho antes proferido.


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II. Fundamentação:

Elementos, relevantes, a considerar:

A) De acordo com os elementos constantes destes autos (decisões de cúmulo jurídico proferidos nos procs. 938/08.7PZLSB, da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, e 43/08.6GTTVD, do 2.ª Juízo Criminal do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira, A... foi condenado:

1. No proc. n.º 938/08.7PZLSB, da, entretanto, extinta 8.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 16-02-2012, transitado em julgado em 08-01-2013 – no CRC, a fls. 277 v.º, consta a data de 19-03-2012 –, pela prática: em 12-12-2008, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal [doravante apenas designado CP], na pena de 3 (três) anos de prisão; entre 13-12-2008 e 15-12-2008, de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1, do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

2. No proc. sumário n.º 416/09.7SILSB, da 2.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por sentença proferida em 27-03-2009, transitado em julgado em 16-04-2009, pela perpetração, em 27-03-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03-01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano. Esta pena de substituição foi, entretanto, revogada;

3. No proc. sumário n.º 1031/09.0SILSB, da 1.ª Secção do 2.º Juízo do TPIC de Lisboa, por sentença datada de 11-08-2009 - não está certificada a data de trânsito em julgado (no CRC, a fls. 271 v.º dos presentes autos, consta o dia 06-10-2009) - pela prática, em 10-08-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

4. No proc. comum singular n.º 331/09.4PAAMD, do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra (Comarca da Grande Lisboa-Noroeste), por sentença de 09-05-2011, cujo trânsito em julgado ocorreu em 30-05-2011, pela autoria, em 03-08-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

5. No proc. comum colectivo n.º 27/10.4PZLSB, da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão prolatado em 19-10-2011 – mais uma vez, não se referencia a data do trânsito em julgado –, pela prática:

a) em 02-06-2009, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão;

b) em 16-01-2010, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

c) em 21-01-2010, de um crime de roubo qualificado, p e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.ºs 2, al. f), e 4, do CP, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

d) em 21-01-2010, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

e) em 22-01-2010, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

f) em 22-01-2010, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, na pena de  1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; e

g) em 05-03-2010 (no CRC, a fls. 274.º v.º destes autos, consta 05-03-2009), de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão.

Operado o cúmulo jurídico das descritas penas parcelares, foi imposta a pena única de 7 (sete) anos de prisão.

6. No proc. sumário comum singular n.º 317/08.6PQLSB, da 3.ª Secção do 4.º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença de 26-10-2011, transitada em julgado em 05-11-2011, pela prática, em 26-06-2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

7. No proc. comum singular n.º 417/09.5PHLRS, da 3.ª Secção do 1.ª juízo Criminal de Lisboa, por sentença transitada em julgado no dia 16-01-2012, pelo cometimento, em 15-03-2009:

a) de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, na pena de 8 (oito) meses de prisão; e

b) de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 (seis) meses de prisão,

tendo sido fixada a pena única de 11 (onze) meses de prisão.

8. No proc. comum colectivo n.º 43/08.6GTTVD, do 2.º Juízo Criminal do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira, por factos ocorridos em 14-02-2012 – no CRC, a fls. 279 v.º destes autos, consta, como data, 14-02-2008 –, e decisão transitada em julgado em 01-02-2013 – no aludido CRC, está inscrita a data “30-01-2013”, pela prática, em autoria material, de:

a) um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b), do CP, com referência ao disposto nos arts. 13.º, n.º 1, e 38.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do Código da Estrada, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

b) um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao art. 2.º, n.º 1, al. l), do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições, na pena de 12 (doze) meses de prisão;

c) um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p e p. pelos arts. 21.º e 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, na pena de 3 (três) anos de prisão; 

d) um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 03-01, na pena de 6 (seis) meses de prisão; e

e) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses;

9. No proc. comum singular n.º 1718/10.5SILSB, da 1.ª Secção do 4.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa, por sentença proferida em 26-10-2011, transitada em julgado no dia 26-11-2012, “como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de quinze meses de prisão efectiva, pela prática dos factos constantes da decisão cuja certidão se encontra junta aos autos de fls. 421 a 426 e cuja certidão se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais” – o segmento textual a itálico é transcrição da decisão de cúmulo jurídico proferida no âmbito do processo 43/08.6GTTVD.

O arguido foi ainda condenado (transcrição dos únicos elementos existentes nos autos, descritos na referida decisão de cúmulo do proc. 43/08.6GTTVD):

10. “no âmbito do processo n.º 170/01.0GABBR, do Tribunal do Bombarral, pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, por decisão transitada em julgado em 8/01/2002”;

11. “no âmbito do processo comum singular n.º 3658/03.5TACSC, do Tribunal Judicial de Cascais, na pena de um ano de prisão, pela prática dos crimes de detenção ilegal de arma e dano simples, por decisão transitada em julgado em 19 de Maio de 2005”;

12. “no âmbito do processo sumário n.º 18/10.5PAAMD, na pena de 12 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro, e na pena de 200 dias de multa, pela prática do crime de detenção de arma proibida, por decisão transitada em 04-03-2010”; e

13. “no âmbito do processo comum singular n.º 176/10.9PEAMD, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203.º do Código Penal, por decisão transitada em julgado em 05-12-2011, pela prática dos factos constantes da decisão cuja certidão se encontra junta aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”.

14. No proc. comum colectivo n.º 49/08.5GABBR, da Secção Criminal do Juízo Central de Leiria, em acórdão proferido no dia 18-11-2014, transitado em julgado em 27-02-2015, pela prática, em 14-02-2008:

a) de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 03-01, na pena de 9 (nove) meses de prisão;

b) de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 2, do CP, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão,

e, em cúmulo, na pena única de 21 (vinte e um) meses de prisão;

15. No proc. comum colectivo n.º 609/13.2JACBR, do Juízo Central Criminal de Coimbra – J3, por meio de acórdão transitado em julgado em data posterior a 23-09-2015, pela prática, em datas situadas entre Novembro de 2013 e 22-04-2014, de:

a) um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão.

A pena única, decorrente do concurso das duas referidas penas parcelares, foi quantitativamente determinada em 7 (sete) anos e 2 (dois) meses de prisão.

B) As penas parcelares referenciadas nos anteriores pontos A) 1., A) 2., A) 3., A) 4., A) 5., A) 6., e A) 7., foram integradas no primeiro dos dois cúmulos efectuados – acórdão de 18-10-2012, proferido no proc. n.º 938/08.7PZLSB, da 8.ª Vara Criminal de Lisboa (fls. 77/80, 91/97 e 132/138 dos presentes autos), donde resultou a pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

C) Em posterior acórdão, lavrado no proc. 43/08.6GTTVD, do 2.º Juízo Criminal do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira, perante novo conhecimento superveniente de concurso de penas, foi fixada a pena única de 7 (sete) anos de prisão, englobando apenas as penas parcelares decorrentes dos processos acima identificados nos pontos A) 8. (proc. n.º 43/08.6GTTVD), A) 9. (proc. n.º 1718/5SILSB, A) 1. (proc. n.º 938/08.7PZLSB), A) 4. (proc. n.º 331/09.4PAAMD), A) 13 (proc. n.º 176/10.9PEAMD) e A) 7. (proc. n.º 417/09.5PHLRS) – cfr. fls. 82/86 e 100/108 destes autos.

D) São do seguinte teor os dois despachos em conflito:

1. O proferido, em 22-04-2016, na Secção Criminal do Juízo Central de Leiria – fls. 325 destes autos – (transcrição parcial): 

«O DM do MP na douta promoção que antecede descreveu as várias condenações em que foi condenado o arguido A... .

Assim constata-se que o arguido foi condenado nos nossos autos por decisão de 18 de Novembro de 2014 e foi condenado nos autos de PCC n.º 609/13.2JACBR por douta decisão de 19.3.2015, parcialmente alterada por douto acórdão de 23.9.2015.

Dispõe o artigo 471.º n.º 2 do CPP que “sem prejuízo do disposto no número anterior é territorialmente competente o tribunal da última condenação.”

O Tribunal da última condenação e a última condenação proferida teve lugar nos autos de PCC n.º 609/13.2JACBR.

Face ao exposto declaro a Instância Central Criminal de Leiria e o PCC n.º 49/98.5GABBR incompetentes para a realização do cúmulo das penas aplicadas nos processos em que o arguido foi condenado.

[…].»

2. O elaborado, em 09-08-2017, no Juízo Central Criminal de Coimbra – fls. 314 e 314.º v.º destes autos – (transcrição parcial):

«Compulsados os autos constata-se que a pena aplicada nestes autos apenas está numa relação de concurso com a pena aplicada no processo 236/14.7T9PFR – pena de multa – sendo esta a última condenação.

Quanto às demais condenações, a pena dos presentes autos não se encontra em qualquer relação de concurso.

Com efeito, atentas as datas da prática dos factos, das decisões condenatórias e respectivos trânsitos em julgado constata-se todas as penas anteriores à data da prática dos factos pelos quais o arguido A... foi condenado nestes autos formam três cúmulos diferentes e que não abrangem a presente condenação:

1.º grupo: atento o primeiro trânsito a atender – 16.4.2009, ocorrido no processo n .º 416/09.7SILSB – estão incluídos no mesmo as penas aplicadas nos processos n.º 416/09.7SILSB, 27/10.4PZLSB (referente ao facto de 5.3.2009), 317/08.6PQLSB, 417/09.5PHLRS, 938/08.7PZLSB, 1718/10.5SILLSB, 43/08.6GTTVD e 49/08.5GABBR, sendo este último o processo da última condenação e por isso o competente para a realização do concurso superveniente de penas abrangidas neste grupo de processos;

2.ª grupo: atento o primeiro trânsito a atender – 6.10.2009, ocorrido no processo n.º 1031/09.0SILSB – estão incluídos no mesmo as penas aplicadas nos processos n.ºs 1031/09.09.0SILSB, 331/09.4PAAMD e 27/10.4PZLSB (referente ao facto de 2.6.2009), sendo este último o processo da última condenação e por isso o competente para a realização do concurso superveniente de penas abrangidas neste grupo de processos;

3.º grupo: atento o primeiro trânsito a atender – 8.11.2011, ocorrido no processo n.º 27/10. 4PZLSB (factos de 21.1.2010, 22.1.2010 e 2.6.2010) uma vez que a pena aplicada no processo 18/10.5PAAMD, tendo sido declarada extinta nos termos do disposto no art. 57.º do C. Penal não é considerada para estes efeitos – estão incluídos no mesmo as penas aplicadas nos processos n.º 27/10.4PZLSB (factos de 21.1.2010, 22.1.2010, 23.1.2010 e 2.6.2010) e 176/10.9PEAMD, sendo este último o processo da última condenação e por isso o competente para a realização do concurso superveniente de penas abrangidas neste grupo de processos.

De fora destes grupos fica a pena aplicada nestes autos e a pena de multa aplicada no processo n.º 236/14.7T9PFR a qual, sendo de natureza distinta, não se cumula juridicamente mas apenas materialmente.

Nestes termos, o presente tribunal é materialmente incompetente para a realização de qualquer cúmulo jurídico de penas o que se declara.

[…].»

E) Posição manifestada, nesta Relação, pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto (transcrição):

«Os processos n.ºs 49/08.5GABBR e 609/13.2JACBR acham-se numa relação de concurso superveniente, nos termos dos art.ºs 77º, n.º 1 e 78º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Os processos n.ºs 49/08.5GABBR e 609/13.2JACBR declararam-se, mutuamente, incompetentes para a realização de cúmulo jurídico.

O arguido encontra-se ininterruptamente preso desde 3-6-2010.

Tendo em consideração os argumentos expendidos pela Digna Magistrada do Ministério Público a fls. 2007 e 2008 dos autos 609/13.2JACBR e, pese embora esta seja a última condenação sofrida pelo arguido, declarar-se a competência daquele processo para a realização de cúmulo jurídico equivaleria a consagrar o vulgarmente denominado “cúmulo por arrastamento”.

Com efeito, enquanto o processo n.º  49/08.5GABBR se encontra numa relação de concurso com alguns dos processos não englobados no segundo dos cúmulos jurídicos realizados às penas aplicadas ao arguido, o mesmo já não sucede com o processo n.º 609/13.2JACBR.

Nestes termos, entendemos que não cabe ao processo n.º 609/13.2JACBR realizar qualquer cúmulo jurídico.»


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2. Apreciação:

O cerne do dissídio existente entre os dois Juízes conflitantes consiste em determinar quem detém competência territorial para a realização de cúmulo jurídico, em virtude de conhecimento superveniente de concurso de crimes, como forma de aglutinar as penas parcelares impostas ao condenado A... em, pelo menos, uma pena conjunta: se o Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 3, no âmbito do proc. n.º 609/13.2JACBR, ou, ao invés, a Secção Criminal do Juízo Central de Leiria – Juiz 1, no domínio do proc. 49/08.5GABBR.

Dispõe o artigo 471.º do Código de Processo Penal, epigrafado de “Conhecimento superveniente do concurso”:

“1 – Para o efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º do Código Penal é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular. É correspondentemente aplicável a alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação”.

Cingindo-nos à previsão do n.º 2 - a única que, no contexto da questão a dirimir, é relevante –, o marco delimitador da competência territorial é a data da decisão condenatória e não a do seu trânsito em julgado.

A competência territorial define qual o tribunal que, de entre os da mesma espécie materialmente competentes, deve ser chamado à jurisdição no caso concreto, em função da sua localização.

Contudo, como está escrito no Ac. do STJ n.º 316/07.5GBSTS.S2, de 24-10-2012, publicado em www.dgsi.pt, “essa regra tem pressuposta a competência funcional do tribunal da última condenação. E só haverá competência funcional quando o tribunal tiver aplicado uma das penas em concurso”.

Consequentemente, torna-se indispensável a ponderação das normas substantivas reguladoras da punição do concurso de crimes, inseridas nos arts. 77.º e 78.º do CP.

O regime legal de punição do concurso de crimes está fixado no primeiros dos dois referidos artigos: quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única, tendo em conta na determinação da medida da pena, conjuntamente, os factos e a personalidade do arguido.

Mas, mesmo “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior” – n.º 1 do artigo 78.º.

Para que o regime geral da punição do concurso se comunique aos casos de conhecimento superveniente, ou seja, às situações em que o conhecimento do concurso não é contemporâneo da condenação por qualquer dos crimes, é indispensável que os vários crimes tenham sido praticados antes de transitada em julgado a condenação por qualquer deles.

Conforme entendimento estabilizado da nossa jurisprudência, com predominância para um vasto universo de acórdãos do STJ, o momento temporal decisivo para o estabelecimento da relação de concurso (ou a sua exclusão) é a data do trânsito em julgado de qualquer uma das decisões.

Parafraseando o Ac. do STJ de 14-05-2009 - Proc. n.º 09P0606, in www.dgsi.pt -, o trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação da pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois”.

Foi, assim, definitivamente abandonado o comummente designado “cúmulo por arrastamento” ou, dito por outras palavras de maior compreensibilidade, a acumulação de todas as penas quando existe uma “pena-charneira” – expressão usada no Ac. do STJ de 23-06-2010 (proc. n.º 124/05.8GEBNV.L1.S1) – entre dois concursos de penas, porquanto, ao mesmo tempo, contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do CP, e ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido para o não cometimento de novos ilícitos penais, não podendo o condenado beneficiar da violação desse juízo de censura.

“A consideração de uma pena única de penas aplicada pela prática de crimes cometidos após o trânsito de uma das condenações em confronto parece contender com o próprio fundamento da figura do cúmulo jurídico, para cuja avaliação se faz uma análise conjunta dos factos praticados pelo agente antes de sofrer uma solene advertência.

Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado o ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá” – Ac. do STJ de 27-01-2009, proc. n.º 08P4032.

Chamado a pronunciar-se sobre se o referido limite tinha como horizonte a data da condenação ou a data do trânsito em julgado, o STJ, no ainda recente Ac. n.º 9/2006, de 28-04-2016 (proc. n.º 330/13.1PJPRT-A.S1 – II) fixou jurisprudência neste sentido:

“O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”.

Tudo resumimos com o segmento textual do já referenciado Ac. do STJ de 14-05-2009:

“O limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente; no caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão, que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito em julgado da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse conhecimento da prática do facto”.

Nos termos apontados, perante pluralidade de crimes e de condenações, a metodologia terá de ser esta: numa fase inicial, há que identificar a primeira condenação transitada em julgado em relação à qual o arguido tenha cometido anteriormente crime(s), operando-se então um primeiro cúmulo jurídico integrando as penas dessa condenação e as impostas em razão dos anteriores ilícitos; remanescendo outros crimes cometidos em fase temporal posterior àquela condenação, procede-se do mesmo modo, podendo ser todas as penas respectivas englobadas num segundo cúmulo, se, identificada a primeira deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores; se assim não for, ter de prosseguir-se-á para outro ou outros cúmulos, seguindo sempre as mesmas regras procedimentais.

De acordo com o entendimento uniforme dos nossos tribunais superiores, na efectivação de novo cúmulo decorrente do conhecimento superveniente do concurso de outros crimes entram todas as penas, readquirindo autonomia as penas parcelares aglutinadas no cúmulo anterior.

Com efeito, não transitam em julgado as sentenças que apliquem, de modo necessariamente sic stantibus, penas únicas, enquanto não for proferida a decisão final que integre a última das condenações, cuja pena esteja em concurso com outra ou outras (vejam-se, entre muitos, os Acs. do STJ de 14-05-2009, já citado, de 14-01-2009 e 02-05-2012 (procs. n.º 08P3772 e 218/03.4JASTB.S1, respectivamente).

A nova redacção dada ao artigo 78.º, n.º 1, do CP, pela Lei n.º 59/2007, de 04-09, suprimento o inciso “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, passou a abranger as penas já cumpridas, as quais, como decorre expressamente do segmento final da norma, são descontadas no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.


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Volvendo ao caso concreto, para uma mais fácil apreensão dos elementos pertinentes, procede-se à sua ordenação seguindo o critério cronológico da prática dos factos constitutivos dos crimes acima elencados, com excepção das situações em que essas datas estão omissas, a inscrever a final com alusão às datas do trânsito em julgado das decisões condenatórias.

Assim:

1. PCC n.º 49/08.5GABBR – Secção Criminal do Juízo Central de Leiria – factos praticados em 14-02-2008 – data do trânsito em julgado do acórdão condenatório: 27-02-2015;

2. PCS n.º 317/08.6PQLSB, da 3.ª Secção do 4.º Juízo Criminal de Lisboa – factos praticados em 26-06-2008 – sentença condenatória transitada em julgado em 05-12-2011; 

3. PCC n.º 938/08.7PZLSB – 8.ª Vara Criminal de Lisboa – factos praticados em 12-12-2008 e 15-12-2008 – condenação por acórdão transitado em julgado em 08-01-2013;

4. PCS n.º 417/09.5PHLRS – 3.ª Secção Criminal de Lisboa – factos de 15-03-2009 – sentença transitada em julgado em 16-01-2012;

5. Proc. Sumário n.º 416/09.7SILSB – 1.º Juízo, 2.ª Secção, do TPIC de Lisboa – factos praticados em 27-03-2009 – condenação por sentença transitada em julgado em 16-04-2009;

6. PCC n.º 27/10.4PZLSB, da 8.ª Vara Criminal de Lisboa – factos de 02-06-2009 – condenação por acórdão de 19-10-2011, não estando devidamente certificada a data de trânsito em julgado;

7. PCS n.º 331/09.4PAAMD – Juízo de Média Instância Criminal de Sintra (Comarca da Grande Lisboa-Noroeste) – factos de 03-08-2009 – sentença condenatória transitada em julgado em 30-05-2011;

8. Proc. Sumário n.º 1031/09.0SILSB – 2.º Juízo da 1.ª Secção do PTIC de Lisboa – factos praticados em 10-08-2009 – não está certificada a data de trânsito em julgado da sentença condenatória;

9. PCC n.º 43/08.6GTTVD, do 2.º Juízo Criminal do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira – factos ocorridos em 14-02-2012 (cfr. acórdão cumulatório proferido no dito proc. 43/08; no entanto, no CRC, a fls. 213 e 214. v.º dos presentes autos, diversamente, consta a data de 14-02-2008) – data do trânsito em julgado do acórdão condenatório: 01-02-2013;

10. PCC n.º 27/10.4PZLSB, da 8.ª Vara Criminal de Lisboa – factos de 16-01-2010, 21-01-2010, 22-01-2010 e 05-03-2010 (cfr. acórdão cumulatório proferido no PCC n.º 938/08.7PZLSB); porém, diferentemente, no CRC, a fls. 274.º v.º consta o dia 05-03-2009) – condenação por acórdão de 19-10-2011, não estando devidamente certificada a data de trânsito em julgado;

11. PCC 609/13.2JACBR – Juízo Central Criminal de Coimbra – factos compreendidos entre Novembro de 2013 e 22-04-2014 – acórdão transitado em data posterior a 23-09-2015

A que acrescem:

- Proc. n.º 170/01.0GABBR – Tribunal Judicial do Bombarral – decisão condenatória transitada em julgado em 08-01-2002;

 - Proc. n.º 3658/03.5TACSC – Tribunal Judicial de Cascais – data do trânsito em julgado da sentença: 19-05-2005;

- PCS n.º 1718/10.5SILSB - 1.ª Secção do 4.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa – trânsito em julgado da decisão condenatória: 26-11-2012;

- Proc. Sumário n.º 18/10.5PAAMD – sentença condenatória transitada em 04-03-2010; e

- PCC n.º 176/10.9PEAMD – trânsito em julgado da decisão condenatória: 05-12-2011.

A decisão que primeiramente transitou em julgado foi proferida no processo 170/01.0GABBR (Tribunal Judicial do Bombarral), tendo ocorrido em 08-01-2002.

Não está demostrado que, antes do trânsito em julgado dessa decisão, o arguido tenha incorrido na prática de outro(s) ilícitos penal(is).

Aparte este processo e o de n.º 3658/03.5TA.5TACSC (Tribunal Judicial de Cascais) – sem relevância no contexto desta decisão de conflito – o trânsito em julgado seguinte verificou-se em 16-04-2009, no âmbito do proc. sumário n.º 416/09.7SILSB, constituindo o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso e, assim, demarcando os limites do círculo de penas objecto de unificação.

Nesse círculo integram-se, pelo menos, as penas decorrentes das condenações impostas ao arguido A... nos processos 416/09.7SILSB, 938/08.7PZLSB, 416/09.7SILSB, 317/08.6PQLSB, 417/09.5PHLRS, 27/10.4PZLSB (aqui, se a data da prática de um dos crimes de roubo ocorreu em 05-03-2009, e, sendo assim, apenas quanto à pena deste ilícito), e 49/08.5GABBR.

Em relação às penas impostas pela prática dos crimes cometidos em datas posteriores à da referida data de 16-04-2009, há que observar a mesma metodologia, podendo ser todas integradas numa nova unidade de conjunto, se, identificada a primeira condenação transitada em julgado deste segundo grupo de condenações, todos os crimes das restantes lhe forem anteriores; caso  assim não suceda, novo(s) cúmulo(s) se seguirão, observando-se sempre na sua realização o mesmo quadro normativo referenciador.

Todavia, como nota decisiva final, decorre com evidência dos elementos adrede concretizados a exclusão das penas impostas no âmbito do PCC n.º 609/13.2JACBR, do Juízo Central Criminal de Coimbra, de qualquer um dos cúmulos a realizar, ou, dito de outro modo, tais penas, estão, com as demais, numa relação de sucessão e não de concurso.

Pelo exposto, o(s) cúmulo(s) jurídico(s) deve(m) ser realizado(s) com observância dos critérios legais definidos nos artigos 77.º e 78.º do CP no âmbito do PCC n.º 49/08.5GABBR, e, por conseguinte, a competência territorial para esse efeito pertence ao Sr. Juiz da Secção Criminal do Juízo Central de Leiria – J1.

III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo à Secção Criminal do Juízo Central de Leiria – J1 competência (territorial) para a realização de cúmulo(s) jurídico(s).

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.


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Coimbra, 13 de Setembro de 2017

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra)

(Alberto Mira)