Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
772/11.7TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
CONTRATO TRANSMISSIVO
FORMA DO CONTRATO
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 577º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário: a) A causa de nulidade substancial da sentença representada pela falta de fundamentação só se verifica no caso de falta de absoluta de motivação.

b) A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, ainda que esta se contenha na sentença final, não constitui causa de nulidade da decisão, antes dá lugar à actuação, mesmo oficiosa, pela Relação, de poderes de cassação mitigada.

c) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis.

d) No tocante à prova pericial científica, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, já o juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente técnica ou científica.

e) A ilegitimidade executiva ocorre quanto a parte não coincide com aquela que consta do título executivo e nenhuma outra circunstância lhe atribua legitimidade.

f) No caso de cessão de créditos garantidos – também – por hipoteca, o contrato transmissivo deve ser celebrado, pelo menos, por documento particular autenticado.

g) Se o contrato transmissivo não observou a forma legal ou se a eficácia da cessão dos créditos garantidos ficou dependente, por convenção expressa das partes, da conclusão de um negócio ulterior, celebrado na devida forma, a cessão não produz o efeito transmissivo do crédito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.
Os executados, M… e cônjuge, A…, e J… e cônjuge, C…, impugnam, no recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém que julgou improcedente a oposição que deduziram à execução comum, para pagamento de quantia certa, que contra eles foi promovida por C…, S.A.
Os recorrentes – que pedem, no recurso, a revogação desta sentença – encerraram a sua alegação com estas conclusões:
...
Não foi oferecida resposta.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC) Dado que a oposição à execução foi deduzida em data anterior a 1 de Setembro de 2103, não lhe é aplicável o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (artº 6 nº 4)..
Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de ambas as partes, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:
a) A decisão recorrida se encontra ferida com o vício da nulidade substancial, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
b) O decisor de facto da 1ª instância incorreu, na decisão da matéria de facto controvertida num error in iudicando, por erro na avaliação das provas.
b) Os recorrentes são dotados de legitimidade ad causam para a acção executiva;
c) O contrato de cessão de créditos concluído entre a exequente e o Banco A…, SA é nulo por falta de forma ou, por o crédito cedido não se encontrar vencido, inoponível aos recorrentes.
d) A sentença apelada incorreu num erro na subsunção, i.e., no juízo de integração dos factos apurados na previsão da norma aplicável ao caso concreto.
A resolução destes problemas vincula ao exame, leve mas minimamente estruturado, das causas de nulidade substancial da decisão representadas pela falta de fundamentação e pela omissão de pronúncia, dos parâmetros dos poderes de controlo desta Relação no tocante à decisão da matéria de facto, dos critérios de aferição da legitimidade passiva para acção executiva, das exigências de forma do contrato de cessão de créditos e das condições da sua oponibilidade ao devedor e, finalmente, dos efeitos da declaração cambiária de aval, do ponto de vista da situação passiva do avalista.
3.2. Nulidade substancial da decisão impugnada.
Como é extraordinariamente comum, os recorrentes assacam à sentença impugnada – no qual se contém a decisão da matéria de facto controvertida - o vício grave da nulidade substancial. E, de harmonia com a sua alegação, esse vício radicaria numa dupla causa: a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia.
Toda e qualquer decisão do tribunal – despacho, sentença, acórdão – comporta, sempre, dois elementos essenciais: os fundamentos e a decisão. Os fundamentos incluem a matéria de facto relevante e o regime jurídico que lhe é aplicável; a decisão em sentido estrito, contém a conclusão que se extrai da aplicação do direito aos factos.
Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.
Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso Ac. do STJ de 09.12.87, BMJ nº 372, pág. 369..
A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.
A exigência de fundamentação decorre, pois, desde logo, da necessidade de controlar tanto a coerência interna como a correcção externa da decisão.
A coerência ou justificação interna da decisão reporta-se à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito, dado que a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.
A correcção ou justificação externa da decisão diz respeito à correcção da construção das suas premissas de facto e de direito: ainda que a decisão se mostre coerente com aquelas premissas e, por isso, seja logicamente válida, a decisão não pode ser correcta se aquelas premissas não tiverem sido obtidas correctamente.
Todavia, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.
Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do julgamento. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial Michele Tarufo, Páginas sobre justicia civil, Marcial Pons, 2009, pág. 53.. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão Michele Tarufo, cit., págs. 36 e 37..
A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.
Por isso que as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas (artºs 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 154 nº 1 e 607 nº 4, 1ª parte, do CPC). A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica, de todo, quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artº 208 nº 1 da CRP e 154 nº 1 do CPC).
No tocante à decisão da matéria de facto, esse dever de motivação cumpre-se através da exposição dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz sobre a prova – ou falta dela – dos factos (artº 607 nº 4, 1ª parte, do CPC). Dado que as provas produzidas na audiência estão, em regra, sujeitas à livre – mas prudente – convicção do tribunal, este está vinculado ao dever de expor os fundamentos da sua convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, para que, por aplicação das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção. A motivação deve, por isso, objectivar as razões da convicção do juiz - assente nas regras da ciência, da lógica ou da experiência – de modo a que essa convicção seja capaz de se impor aos outros e, portanto, de os convencer do bom fundamento da decisão
A medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto Ac. do STJ de 11.12.08, www.dgsi.pt..
Ora, é exactamente da violação, pela sentença impugnada, deste dever de fundamentação, de que os recorrentes se queixam, e de que decorre, no seu ver, o vício grave da nulidade substancial que lhe assaca. De harmonia com a sua alegação, a sentença impugnada não analisou todos os elementos de prova juntos aos autos, não ponderou o valor probatório de cada um nem explicitou as razões que objectivamente a determinaram a dar como provado os factos controvertidos, nem indicou as razões e elementos de tal convencimento, e, em qualquer caso, não fundamenta exaustivamente a sua decisão, nem sequer aplicou as normas legais aplicáveis ao caso.
No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada. O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (artº 154 nº 1 do CPC) Acs. do STJ de 08.07.87, BMJ nº 369, pág. 481, da RP de 06.01.94, CJ, 94, I, pág. 197, e da RL de 03.11.94, CJ, 94, V, pág. 90..
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, pág. 139 e 140 e Acs. da RP de 06.01.94 e da RL de 03.11.94 e 17.1.91, CJ, 94, I, págs. 197, 94, V, pág. 90 e 91, I., pág. 121, respectivamente..
Depois, o tribunal não está vinculado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as considerações, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários á decisão da causa Ac. do STJ de 26.09.95, CJ, 95, III, pág. 22 e da RE de 24.11.94, BMJ nº 441, pág. 420.. Se a decisão invocar algum fundamento de facto ou de direito – ainda que exasperadamente errado - está afastado a nulidade, no tocante à justificação fáctica e jurídica da decisão.
No tocante à decisão da matéria de facto, a arguição da sua nulidade por falta de motivação é, de todo, improcedente. Realmente, apesar de o Código de Processo Civil vigente ter removido da fase da audiência o julgamento da matéria de facto e concentrado esse julgamento na fase da sentença, que passou a conter-se na sentença final, a falta de motivação do julgamento da questão de facto não constitui nulidade da sentença – antes dá lugar à actuação, por esta Relação, de poderes mitigados de cassação.
Sempre que a decisão sobre a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não esteja devidamente fundamentada, a Relação determina, mesmo oficiosamente, o reenvio do processo para a 1ª instância, para que fundamente aquela mesma decisão (artº 662 nº 2 d) do CPC). Esta previsão, mostra que, na verdade, a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença – antes dá lugar ao uso, pela Relação, do poder cassatório ou rescisório mitigado apontado.
E, na espécie do recurso, não há qualquer razão para actuar tais poderes. No tocante à decisão da questão de facto objecto da controvérsia, a sentença indica as provas que teve por relevantes para julgar provados aqueles factos – os documentos inclusos a fls. 142 e os oferecidos pelas partes e o relatório da perícia grafológica relativa à autoria das assinaturas dos recorrentes – prova que, aliás, teve por decisiva para concluir pela realidade daqueles mesmos factos. A convicção do decisor de facto da 1ª instância é uma convicção motivada e objectivada, motivação e objectivação mais do que suficientes para permitir o controlo, tanto pelos destinatários da decisão como pelo tribunal de recurso, da racionalidade dessa mesma decisão.
Para julgar a oposição improcedente, a sentença impugnada depois de discriminar os factos que considerou provados e de expor as condições de eficácia da cessão de créditos no tocante ao devedor, e a natureza, o âmbito e a finalidade da responsabilidade dos avalistas – com indicação das correspondentes normas jurídicas – concluiu que tendo o exequente exposto, em sede de requerimento executivo, a existência da cessão, tendo deduzido no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão, tal é suficiente para assegurar o prosseguimento da execução, e que tal negócio se considera transmitido/comunicado/notificado aos devedores por força da citação a que os mesmo foram sujeitos em sede de execução e que, subsiste a responsabilidade solidária dos opoentes pela liquidação da quantia peticionada.
Em face deste enunciado, não pode, em boa verdade dizer-se que a sentença é nula por não conter os fundamentos, tanto de facto como de direito, que justificam a decisão que nela se contém, que não tenha elucidado as partes a respeito dos motivos dessa decisão, que não tenha explicado os motivos por que deu ao caso a solução nela contida, ou não tenha exteriorizado as razões que, na sua perspectiva, apoiam o conteúdo preceptivo da decisão.
Não há pois, a mínima razão, para com base na falta e fundamentação, estigmatizar a sentença impugnada com o ferrete da nulidade.
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras Acs. do STJ de 26.09.95, CJ, STJ, III, pág. 22 e de 16.01.96, CJ, STJ, III, pág. 43.. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 615 nº 1 d), 1ª parte, do CPC).
No caso, dois dos fundamentos da oposição que os recorrentes colocaram à atenção da sentença recorrida – e que reiteram no recurso - são o da nulidade do contrato de cessão de créditos alegado pela exequente, por não ter sido observada a forma legal para tal tipo de contrato, e o da inoponibilidade desse mesmo contrato, por no momento em que foi celebrado, o crédito do cedente não se encontrar vencido. Alegações a que o exequente respondeu, fazendo notar, no tocante à da nulidade do contrato de cessão de créditos que, realmente, por se referir a créditos hipotecários, deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado, mas que, no caso, revestiu esta última forma.
E quanto à alegação da nulidade do contrato de cessão – que se resolve, processualmente, numa excepção peremptória – a lamentável verdade é que a sentença impugnada – tal como, já antes, o despacho saneador – não disse uma só palavra.
E o mesmo ocorre no tocante à inoponibilidade decorrente – no ver dos apelantes – do facto de, no momento da cessão, o crédito do cedente não estar vencido.
É exacto que a sentença impugnada observou que a citação para a acção executiva constitui um acto adequado a fazer cessar a inoponibilidade, no tocante ao devedor, da transmissão do crédito – o que é exacto Acs. do STJ de 06.12.12 e de 03.06.04, www.dgsi.pt. Em sentido contrário, no entanto, o Ac. do STJ de 09.11.00, CJ, STJ, 2000, III, pág. 321, e Menezes Leitão, Cessão de Créditos, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 360.. Simplesmente, segundo os impugnantes, a inoponibilidade da cessão não radicava na falta de notificação, mas no facto de ter por objecto crédito não vencido.
Dado que qualquer daquelas questões foi objecto de alegação processualmente adequada, a sentença impugnada estava irrecusavelmente vinculada ao dever de se pronunciar sobre elas. Não o tendo feito, ficou, efectiva e irremediavelmente ferida, com o vício da nulidade substancial, por omissão de pronúncia.
Mas uma tal nulidade deve ter-se por irrelevante, dado que, como esta Relação julga de harmonia com o sistema da substituição, ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, deve conhecer do objecto do recurso (artºs 665 nº 1 do CPC).
3.3. Impugnação da decisão da matéria de facto controvertida.
3.3.1. Parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.
O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.
A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se os factos tidos como assentes a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do CPC).
Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.. O recurso ordinário de apelação não perde, mesmo neste caso, a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.
Depois, essa reponderação tem por finalidade e é actuada sob o signo dos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (artº 341 do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (artº 607 nº 5 do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional.
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.;
f) O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta.
3.3.2. Reponderação do julgamento da questão de facto objecto de controvérsia.
Os impugnantes reputam de mal julgados, por erro na avaliação da prova, os pontos de facto controvertidos, insertos na base instrutória sob o nºs 1 a 5. Estes pontos de facto foram julgados provados, mas segundo os apelantes, numa sã e prudente avaliação da prova, devem ser declarados não provados. E que prova é que, no ver dos recorrentes foi mal julgada: a prova pericial, representada pelo exame grafológico, realizado para determinar a autoria das suas assinaturas manuscritas apostas no verso da livrança que serve de título executivo.
A partir da prova que, de harmonia com a alegação dos apelantes, foi mal aferida, a impugnação pode desde logo dar-se por improcedente no tocante ao enunciado incluso na base da prova sob o nº 1.
Este ponto – no qual se perguntava-se a exequente C… comunicou à R…, Lda., e aos Oponentes a celebração do contrato descrito na alínea i) dos factos assentes – o contrato de cessão de créditos – obteve do decisor de facto da instância esta resposta: pela citação concretizada no âmbito dos autos principais a que os presentes correm por apenso, os opoentes tomaram conhecimento da celebração do contrato descrito na alínea I) supra.
Um tal ponto não constituiu – nem podia constituir - objecto da perícia e, portanto, uma tal prova é de todo inidónea para aferir da exactidão ou inexactidão do julgamento daquele ponto de facto, mal se compreendendo, por isso, a afirmação, contida na fundamentação da decisão da matéria de facto, de que o exame pericial é prova bastante para a formação da nossa convicção quanto ao facto 1º.
Nestas condições, sendo patente, de um aspecto, a inadequação da prova pericial para convencer da realidade ou da inveracidade do ponto daquele ponto de facto, e, de outro, que os impugnantes não indicam qualquer outra prova que inculque o error in iudicando alegado - o que não deve ser surpreender, dado que, com excepção da prova documental e da prova pericial, nenhuma outra prova foi produzida na instância recorrida – não há a mínima razão para concluir pela inexactidão do julgamento do ponto de facto, inserto na base da prova sob o nº 1.
A prova de que o tribunal se socorreu para julgar provados os factos relativos á autoria das assinaturas apostas no verso da livrança que constitui o título que fundamenta a execução – e que, declaradamente, exerceu no seu ânimo uma influência decisiva – foi a prova pericial de exame de escrita, realizada pelo Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
A oposição à execução constitui o meio de contestação desta (artº 813 n.º 1 do CPC de 1961).
A oposição é um processo declarativo instaurado pelo executado contra o exequente, que corre por apenso à execução, constituindo um incidente desta (artº 817 nº 1 do CPC de 1961). A oposição fundamenta-se num vício que afecta a execução. Se for julgada procedente, a acção executiva deve ser julgada extinta, no todo ou em parte (artº 817 nº 4 do CPC de 1961).
No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado oponente a prova dos fundamentos de oposição invocados, dado que revestem a nítida feição de factos constitutivos da oposição deduzida (artº 342 nº 1 do Código Civil) Da mesma maneira, é sobre o oponente, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador a seu mando, que recai o ónus da prova da existência do acordo de preenchimento e da sua inobservância – Assento do STJ de 14 de Maio de 1996, DR, II Série, de 11 de Julho de 1996. Cfr. Acs. do STJ de 28.05.96, BMJ nº 457, pág. 401, da RP de 21.10.96, CJ, 96, V, pág. 183 e 27.01.98, CJ, STJ, 98, I, pág. 40. No caso de non liquet, aplica-se igualmente, quer as regras gerais quer as eventuais regras especiais (artºs 414 do CPC de 1961 e 346, 2ª parte, do Código Civil). Cfr. Ac. da RP de 05.02.98, CJ, 98, I, pág. 207..
O encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução recai, pois, sobre o opoente Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pág. 177.. Portanto, a oposição não provoca qualquer refracção às regras gerais sobre a distribuição do ónus da prova. Assim, por exemplo, se o opoente impugnar a letra ou assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (artº 374 nº 2 do Código Civil) Cfr., v.g., Acs. da RC de 06.02.90, BMJ nº 394, pág. 543, e da RL de 04.11.97, BMJ nº 471, pág. 448..
No caso, desde que os executados impugnaram a autoria das assinaturas manuscritas, que lhe era imputada, apostas no verso da livrança, o ónus da prova daquela autoria vincula a apelada. Autoria que, no caso, o decisor de facto da 1ª instância estabeleceu a partir do resultado da prova pericial.
A prova pericial é uma prova cuja valoração é susceptível de levantar especiais dificuldades.
A perícia constitui, muito simplesmente, um meio de prova, relativamente à qual vale, por inteiro - de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos - o princípio da livre apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389 do Código Civil) Acs. da RP de 29.03.93 e da RE de 11.11.94, BMJ nºs 425, pág. 627 e 441, pág. 421. Cfr., contudo, em sentido aparentemente contrário, o Ac. da RP de 29.4.98, BMJ nº 476, pág. 489..
Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres do perito ou peritos que procederam á diligência como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à perícia, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.
Significa isto que nada impõe que a perícia deva prevalecer, de modo absoluto, sobre qualquer outro meio de prova, ou dito de outro modo, que se lhe deva reconhecer força de prova plena.
Na verdade, não deve excluir-se a possibilidade de o perito ou peritos serem induzidos em erro pelos seus sentidos e de, portanto, o resultado da diligência se formar a partir de percepções individuais inexactas.
Estando fora de dúvida que a perícia é assinaladamente eficaz para esclarecer um facto que interessa à decisão da causa – v.g., a autoria de uma assinatura - ainda assim não deve excluir-se, por inteiro, a possibilidade de se censurar o erro dos peritos na produção dessa prova, opondo-lhe outros meios idóneos para rectificar percepções individuais erróneas e para corrigir equívocos ou a violação, na valoração dos resultados a que perícia os conduziu, de regras de ciência, de lógica ou de experiência.
Agora, convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil).
Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Assim, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente técnica ou científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo técnico científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264. (artº 604 do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780..
Até algumas décadas, poucos saberes técnicos – como a mecânica ou à construção - e só um número restrito das chamadas ciências duras – como a química, a engenharia, a física ou a matemática - eram levados em conta no domínio da prova pericial.
Actualmente, porém, o espectro das ciências que pode disponibilizar provas periciais é bem mais alargado. De um aspecto, as denominadas ciências duras são cada vez mais complexificadas e especializadas; de outro, as chamadas ciências moles ou sociais, como a psicologia, a psiquiatria, a sociologia, a economia, etc. – são consideradas, frequentemente, como fontes de prova em processo civil. O alargamento do espectro das provas periciais torna particularmente complexo Michel Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, 2008, págs. 97 e 98. o problema do controlo da fiabilidade dessa espécie de prova, a que, naturalmente, a ciência jurídica não ficou indiferente.
È neste contexto que surge, por exemplo, a distinção entre perícia científica e perícia de opinião Adolfo Alvarado Velloso, La Prueba Judicial, Tirant lo Balanch, Valencia, 2006, págs, 54 a 56 e Montero Aroca, La Prueba en el Proceso Civil, 5ª edição, Thomson, Civitas, 2007, pág. 346..
A primeira produz certeza, no sentido de que, perante o estado actual do saber científico, o resultado da perícia deve ser idêntico para todas as pessoas, i.e., só é possível um resultado: se houver resultados divergentes, é porque um deles está, necessariamente, errado. Está nessas condições, por exemplo, a determinação da área de uma superfície ou a composição química de uma coisa.
A perícia de opinião, essa, diversamente, produz convicção: não se trata já de verificar a exactidão de uma determinada afirmação de facto – mas de valorar um facto ou alguma circunstância desse mesmo facto, valoração que traz implicada a emissão de um juízo de valor. Neste caso, podem existir laudos divergentes e mesmo contraditórios. Serve de exemplo a determinação do valor de um imóvel.
Esta distinção traz implicada toda uma constelação de consequências. Perante uma perícia científica, não é admissível que o juiz se afaste, arbitrariamente, do seu resultado, com o argumento de que esse resultado não o convence ou de que tem opinião contrária. Não é concebível, por exemplo, que o juiz discorde da conclusão pericial de que a água é composta por uma molécula de oxigénio e duas de hidrogénio.
Diversamente, na perícia de opinião, o juiz deve ser particularmente prudente na adesão ao parecer dos peritos, sendo-lhe exigível um juízo de valor sobre o seu conteúdo, a idoneidade do perito e o resultado que disponibiliza, em função do seu objecto.
Mas, em boa verdade, não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos. Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime, uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.
Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.
No caso, a perícia concluiu que é muito provável e provável que as assinaturas apostas no verso do indicado título de crédito sejam do punho de três, e de um dos recorrentes, respectivamente. Este resultado da perícia, tendo em conta a escala utilizada pelos peritos como parâmetro definidor do grau de segurança do respectivo laudo – conjugada com o contexto envolvente da emissão daquele título de crédito, demonstrado pela prova documental, maxime, pelos – dois - pactos de preenchimento, outorgados pelos recorrentes – é suficiente, numa prudente avaliação da prova, para ter por exacto o facto da autoria, pelos apelantes, das apontadas assinaturas.
A prova – notou-se já – não visa o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade do conhecimento humano. Tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata de factos passados, quer porque o juiz terá de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza, comportam uma margem maior ou menor de falibilidade.
Nestas condições, a prova pericial – compaginada com a prova documental produzida relativa ao contexto da emissão da livrança – aferida de harmonia com critério de probabilidade lógica prevalecente, disponibiliza um alta probabilidade – de que as assinaturas apostas no verso daquele título sejam, realmente, da autoria dos apelantes.
E sendo isto exacto, então, há que concluir que o decisor de facto da 1ª instância ao julgar provados aqueles factos não incorreu, por equívoco na aferição das provas, no error in iudicando que os recorrentes lhe assacam, e portanto, que não há fundamento para modificar o julgamento correspondente.
Os factos susceptíveis de servir de base à aferição da correcção da decisão contida na sentença impugnada são, pois, os apurados na instância recorrida.
Mas a esses factos devem adicionar-se - por resultarem do documento oferecido pela apelada com o requerimento executivo, referido no ponto I Cuja cópia, para dissipar, de uma vez por todas, as dúvidas quanto à sua forma, e não constar do caderno do recurso, o relator requisitou à instância. – os seguintes: que a cessão foi feita por um preço; que a cessão produz efeitos imediatos, com excepção da Cessão de Créditos Garantidos, que apenas ocorrerá, aquando das respectivas escrituras públicas (ou acto equivalente) de cessão, que devem ser celebradas no prazo de seis meses contados da presente data (…) (nº 2 da cláusula 1ª) e que o documento contém as assinaturas dos administradores do Banco A…, SA e da exequente.
3.4. Ilegitimidade ad causam dos recorrentes para a acção executiva.
De harmonia com os impugnantes, a execução teria que improceder por falta da sua legitimidade. Razão: o facto de o documento dado à execução não ter sido assinado pelos recorrentes.
O título executivo cumpre, no processo executivo, também uma função delimitadora, dado que é por ele que se determinam, designadamente, os limites subjectivos da acção executiva, i.e., os limites respeitantes às partes na execução (artºs 45 nº 1 do CPC de 1961 e 10 nº 5 do NCPC). O título executivo exerce, portanto, uma função de legitimação: ele determina as pessoas com legitimidade processual para a acção executiva e, salvo oposição do executado, ou vício de conhecimento oficioso, é suficiente para iniciar e efectivar a execução.
Realmente, as partes legítimas para a execução determinam-se, em regra, pelo próprio título executivo: são partes legítimas, aquelas que figuram no título como credor e devedor (artº 55 nº 1 do CPC de 1961 e 53 nº 1 do NCPC). Note-se que o texto legal não diz que é parte legítima como exequente o credor, e como executado o devedor; não diz e não devia dizer, sob pena de lamentável confusão entre a questão da legitimidade e da procedência. È que o exequente e o executado podem ser partes legítimas – apesar de não serem credor e devedor.
A ilegitimidade executiva ocorre quanto a parte não coincide com aquela que consta do título executivo e nenhuma outra circunstância lhe atribua legitimidade. A ilegitimidade singular é uma excepção dilatória, oficiosamente cognoscível e insanável, podendo ser alegada pelo executado como fundamento de oposição à execução (artºs 814 c) e 816 do CPC de 1961 CPC).
Todavia, é claro, no caso, em face dos factos apurados, que um tal fundamento da impugnação é de todo improcedente.
A apreciação do fundamento do recurso representado pela impugnação da questão de facto, mostrou que os recorrentes são autores das assinaturas manuscritas apostas no título que serve de suporte à execução, sob a menção bom para aval ao subscritor.
O instrumento de que a exequente é portadora é legalmente qualificado como livrança (artº 75 da LUsLL).
A livrança é, como a letra de câmbio, um título de crédito em sentido estrito e à ordem. Contudo, diferentemente da letra, não enuncia uma ordem de pagamento de uma pessoa a outra e a favor de uma terceira - mas simples e directamente uma promessa de pagamento (artºs 1 e 75 LUsLL).
Daí que as pessoas que inicialmente figuram na livrança não são três - como ocorre na letra de câmbio - mas apenas duas: o subscritor e o tomador.
Todavia, a livrança é um título de crédito de formação sucessiva, um título susceptível de representar uma pluralidade de obrigações cambiárias, todas com igual objecto: determinada prestação pecuniária.
A obrigação inicial é a do emitente do título - o subscritor. Aquela surge com a declaração cambiária deste na forma de uma promessa de pagamento.
Por força da promessa de pagamento em que se resolve a declaração cambiária de subscrição, R…, Lda. - subscritora – obrigou-se a pagá-la ao portador no vencimento, rectior, a entregar-lhe a quantidade de espécies pecuniárias nela inscrita (artº 28, ex-vi artº 78 da LUsLL).
A esta obrigação inicial pode adicionar-se uma obrigação de garantia: a constituída pelo aval. Pelo aval, um terceiro garante o pagamento da livrança por parte do subscritor; ao lado da obrigação do subscritor da livrança vem inserir-se a decorrente do aval, que cauciona aquela.
No que toca aos pressupostos objectivos, a declaração de aval deve ser escrita – mediante a expressão bom para aval ou equivalente - e assinada pelo avalista no verso da livrança ou em folha anexa (artº 31 nºs 1 e 2, ex-vi artº 77 da LUsLL). O aval pode ser nominativo ou em branco, consoante indique expressamente o nome do avalizado ou, ao invés, o omita, presumindo-se neste caso que aquele será o subscritor (artº 77, in fine, da LUsLL).
Por força da declaração cambiária de aval – que consiste, justamente, no acto pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o pagamento dela por parte de dos seus subscritores – os recorrentes assumiram uma obrigação de garantia – garantia da obrigação do avalizado, que a cobre e cauciona (artºs 30 e 31, ex-vi artº 77, XI, da LUsLL).
A lei é terminante na declaração de que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa dizer que o avalista responde perante as mesmas pessoas e na mesma medida em que responde o avalizado, podendo prevalecer-se ou ser-lhe opostas quaisquer vicissitudes da obrigação do último (artº 32, I, da LUsLL).
Trata-se, todavia, não de uma responsabilidade subsidiária – mas de uma responsabilidade solidária, dado que o avalista não goza do benefício da excussão prévia (artº 47, I, da LUsLL). Além de não ser subsidiária, aquela obrigação só imperfeitamente é uma obrigação acessória relativamente a do avalizado: trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da obrigação do avalizado no plano formal, dado que a obrigação do avalista se mantém ainda que a obrigação garantida seja nula, excepto se nulidade decorrer de vício de forma.
Portanto, no que respeita aos efeitos do aval, do ponto de vista da situação passiva do avalista, o aspecto mais relevante é este: o carácter solidário da responsabilidade do avalista, com a dos demais obrigados cambiários: o avalista não goza do benefício da excussão prévia do subscritor da livrança, respondendo em primeira linha pelo seu pagamento diante do portador.
Ora, no caso, os recorrentes, desde que apuseram a sua assinatura no verso da livrança, sob a menção bom para aval à subscritora, ficaram responsáveis da mesma maneira que o avalizado – a subscritora – e solidariamente com o último pelo pagamento ao portador da quantia pecuniária inscrita na livrança.
Quer dizer - e em absoluto remate – os recorrentes, dado que figuram no título que serve se base à execução na qualidade de devedores, são inequivocamente dotados de legitimidade para a execução.
Por este lado, o recurso também não dispõe de bom fundamento.
Resta, porém, saber se figurando no título como devedores do portador – o são efectivamente.
3.5. Nulidade do contrato de cessão de créditos.
Para além de literal, a obrigação cambiária é também abstracta.
A criação da obrigação cartular pressupõe uma relação jurídica anterior que constitui a relação jurídica subjacente ou fundamental, causa remota da assunção da obrigação cambiária. Todavia, por força do princípio da abstracção, a causa encontra-se separada do negócio jurídico cambiário, decorrente de uma convenção extra-cartular: a convenção executiva em conexão com a relação fundamental.
A obrigação cambiária é vinculante independentemente dos vícios da sua causa: as excepções causais são inoponíveis ao portador da livrança precisamente porque decorrem de uma convenção executiva extra-cartular, exterior ao negócio jurídico cambiário (artº 17, ex-vi artº 77, 1ª parte, da LUsLL).
Mas isto só é assim nas relações mediatas – i.e., aquelas que se verificam entre um subscritor e um portador que se lhe não siga imediatamente na cadeia cambiária e que, portanto, não é sujeito da convenção extra-cartular - as excepções ex-causa só são oponíveis demonstrando-se que o portador, ao adquirir a livrança, procedeu, conscientemente, em detrimento daquele que lhe opõe a excepção (artº 17, ex-vi artº 77, 1ª parte, da LUsLL).
Portanto, o devedor cambiário não pode opor a terceiros excepções fundadas na relação fundamental ou causal da livrança, a não ser que esses terceiros tenham, ao adquirir a livrança, procedido conscientemente em detrimento do devedor.
É, assim, indispensável que o portador tenha agido, ao adquirir a letra, com a consciência de prejudicar o devedor. No entanto, uma coisa é a intenção de prejudicar, outra, a consciência de prejudicar: o portador, ao adquirir a livrança, pode agir com o propósito de prejudicar o devedor mediante a inoponibilidade, por este, das excepções que tinha contra os precedentes portadores e pode proceder apenas com conhecimento dessas excepções e do prejuízo que é causado ao devedor com a perda delas. O adquirente da livrança, embora não a adquira com a intenção de iludir as excepções do devedor, pode fazê-lo sabendo que o devedor é prejudicado pela circunstância de não poder valer-se delas contra o novo portador.
Não é suficiente, portanto, o simples conhecimento, pelo adquirente, da existência das excepções, visto que a lei exige que o portador tenha agido conscientemente em detrimento do devedor e não age conscientemente em detrimento do devedor quem somente tem conhecimento das excepções que este poderia opor aos portadores antecedentes; não obstante esse conhecimento, pode o adquirente ter razões para supor que o devedor não será prejudicado, não excluindo, necessariamente, esse conhecimento, a boa fé do adquirente. Exige-se, assim, que o adquirente ao adquirir a letra conhecesse a existência da excepção e tivesse consciência de prejudicar o devedor: uma tal consciência significa ter o adquirente conhecimento de que prejudica, com a perda das excepções o devedor, e que ele aceita, voluntariamente, este resultado, querendo provocá-lo ou, ao menos, aceitando-o Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1975, pág. 75, José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, pág. 37, Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª edição, Lisboa, 1990, págs. 116, 126 e 127, Vaz Serra, RLJ Ano 105, pág. 376 e Acs. do STJ de 12.10.78 e 26.06.73, BMJ nºs 280, pág. 343 e 228, pág. 233.. A prova deste facto incumbe, naturalmente, ao excipiente (artº 342 nº 2 do Código Civil).
Todavia, nas relações imediatas, i.e., nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato: porque os sujeitos cambiários o são simultaneamente da convenção executiva, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta. Quando isso suceda, o subscritor ou outro obrigado cambiário pode opor ao portador as excepções decorrentes das relações pessoais entre ambos.
No caso, as relações entre os apelados – avalistas - e o tomador da livrança são imediatas, dado que, como decorre dos documentos oferecidos pela apelante com a sua contestação – que resolvem na convenção ou pacto de preenchimento – uns e outros são partes da convenção executiva, e, portanto, do negócio que constitui a causa próxima do negócio cambiário.
Na espécie do recurso, a relação jurídica fundamental ou subjacente à emissão da livrança é representada por dois contratos de mútuo oneroso, garantidos por hipoteca, outorgados, nas posições jurídicas de mutuante e de mutuário, pelo Banco A…, SA e por R…, Lda., através dos quais o primeiro mutuou à segunda a quantia global de € 650 000,00, empréstimo para garantia do qual a última subscreveu – em branco – a livrança, na qual o Banco A…, SA, R…, Lda. e os recorrentes figuram nas qualidades de tomador, subscritor e avalistas, respectivamente (artº 75 da LUsLL).
Todavia, quem instaurou a execução não foi a pessoa jurídica que, na livrança, figura na posição de tomador – e de credor – mas a apelada. Todavia, esta alegou, logo no requerimento executivo, que adquiriu à prestação constitutivamente incorporada no título dado que sucedeu – singularmente – no direito correspondente, por este lhe ter sido transmitido, por cessão, pelo primitivo credor. Sucessão que, de harmonia com a alegação da apelada decorreria do contrato de cessão de créditos concluído no dia 20 de Setembro de 2010, entre ela e o primitivo credor - o Banco A…, SA – através do qual acordaram, na cessão, por um preço, do segundo para à primeira, de todos os direitos de créditos de que aquele era titular no tocante a R…, Lda., incluindo acessórios e garantias.
A cessão de créditos é uma forma de transmissão, total ou parcial, do direito de crédito, que opera por acordo entre o credor e o terceiro (artº 577 nº 1 do Código Civil). A cessão exige um acordo entre o credor e o terceiro, consubstanciado num facto transmissivo e, naturalmente, a transmissibilidade do crédito Luís Menezes Leitão, Cessão de Créditos, cit. pág. 285.
Relativamente ao seu âmbito, a cessão do direito de crédito importa, na falta de convenção contrária, a transmissão para o cessionário, das garantias e outros acessórios do crédito, desde que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (artº 582 nº 1 do Código Civil). São, portanto, transmissíveis, com o crédito, tanto as garantias reais – como a hipoteca – como as garantias pessoais – como, por exemplo, a fiança ou a aval – embora, no tocante a este último, a transmissão só seja possível através da transmissão do respectivo título de crédito, uma vez que este não opera a não ser em benefício do crédito constitutivamente incorporado no título Menezes Leitão, Cessão de créditos, cit., pág. 327.. Os acessórios do crédito transmissíveis compreendem, por exemplo, a estipulação dos juros e a cláusula penal Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 223..
Como a cessão exige uma fonte, uma causa – o negócio que lhe serve de base, que em princípio redunda num contrato – ela será inválida se o for este negócio. E se essa invalidade consistir na nulidade, a sua invocação é facultada a qualquer interessado, e, portanto, também ao devedor, mesmo ao devedor cambiário que tenha assumido uma obrigação de garantia e seja qual for a posição que ocupe na cadeia cambiária (artº 289 do Código Civil).
A cessão orienta-se pelas regras do facto transmissivo, designadamente no tocante à forma. Assim, a cessão de crédito sujeito a escritura pública ou equivalente, deve também ser feita por essa forma. Maneira que a cessão de créditos hipotecários, quando não seja feita em testamento, e a hipoteca recaia sobre bens imóveis, deve ser feita por escritura pública ou documento particular autenticado (artº 578 nº 2 do Código Civil). A especial exigência de forma justifica-se, neste caso, não apenas pela transmissão da hipoteca, como acessório do crédito, mas também pela necessidade do seu registo para que produza efeitos, mesmo entre as partes (artº 687 do Código Civil).
Concluída a cessão do crédito, a transmissão, do cedente para o cessionário, do direito à prestação correspondente opera imediatamente, com todas as faculdades que lhe sejam inerentes. Como é natural, o devedor tem, porém, de ser informado da transmissão, para que realize a prestação não ao cedente, mas ao cessionário, elevado, pela cessão, à qualidade de credor L. M Pestana de Vasconcelos, A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência, Coimbra Editora, 2007, pág. 407.. Não se exige, para que a cessão produza efeitos no tocante ao devedor, que o devedor cedido manifeste o seu acordo Ac. do STJ de 13.03.2008, www.dgsi.pt.; reclama-se, porém, para que cessão produza efeitos no tocante ao último, a denuntiatio, i.e., a sua notificação ao devedor, que pode ser judicial ou extrajudicial (artº 593 nº 1 do Código Civil).
Na espécie sujeita, a ineficácia da cessão decorreria, no ver dos recorrentes, não da falta de notificação – ponto que os apelantes não controvertem nem na oposição nem no recurso – mas de um outro facto: o de o crédito cedido não estar ainda vencido. Simplesmente, a falta de vencimento do crédito objecto da cessão não constitui causa de ineficácia ou de inoponibilidade ao devedor: uma tal ineficácia apenas é associada à falta de denuntiatio da cessão.
Os recorrentes alegam que a cessão dos créditos acordada entre o Banco A…, SA e a exequente é nula por falta de forma.
Realmente, apesar de se tratar de créditos garantidos – também – por hipoteca, o contrato transmissivo não foi celebrado por documento particular autenticado – dado que o seu conteúdo não foi confirmado por notário ou entidade equivalente, visto que dele não consta o termo de autenticação - mas por simples documento particular (artºs 150 e 151 do Código do Notariado, 362, 363 nºs 1 e 2 e 373 e 377 do Código Civil).
Em face disto, pareceria dever concluir-se pela nulidade do contrato de transmissão – que se resolve, no caso, num contrato de compra e venda (artºs 220, 874, 875 e 879 do Código Civil).
No entanto, vistas as coisas mais de perto, a verdade é que o contrato de cessão concluído em 22 de Setembro de 2010 entre o Banco A…, SA e a exequente – por convenção expressa dos contraentes – nem sequer se propôs operar a transmissão dos créditos hipotecários e das respectivas garantias e acessórios, de que era devedora a subscritora da livrança. É que expressamente resulta do nº 2 da cláusula 1ª do contrato, na qual se convencionou que a cessão produz efeitos imediatos, com excepção da Cessão de Créditos Garantidos, que apenas ocorrerá, aquando das respectivas escrituras públicas (ou acto equivalente) de cessão, que devem ser celebradas no prazo de seis meses contados da presente data. Quer dizer: a eficácia da cessão no tocante ao crédito, garantido por hipoteca, de que era devedora a mutuária e subscritora da livrança – de que os apelados são simples avalistas – ficou condicionada à conclusão de negócio transmissivo posterior, celebrado pela forma exigível, documento que não está adquirido para o processo.
Como quer que seja, quer se entenda que o contrato de cessão teve por objecto o crédito discutido – caso em que aquele negócio é nulo por inobservância da forma legalmente exigida – quer se deva entender – como parece mais exacto – que aquele mesmo contrato não é eficaz, por convenção expressa das partes, no tocante à transmissibilidade aquele crédito, uma coisa permanece inteiramente exacta: que o crédito, e as respectivas garantias, não se transmitiram para a exequente e, portanto, que esta não o adquiriu.
Neste sentido, é inteiramente exacta um dos fundamentos de oposição alegados pelos apelantes, logo na respectiva petição: que nada devem à exequente. Realmente, desde que a apelada não adquiriu o crédito – nem aliás, o título - cuja satisfação coactiva constitui objecto da execução, a conclusão a tirar é a de que os apelantes não estão adstritos, relativamente, à primeira ao dever de prestar correspondente.
Importa, pois, julgar, por tal fundamento, a oposição e o recurso procedentes e, consequentemente, declarar extinção da execução (artº 817 nº 4 do CPC).
Síntese recapitulativa:
a) A causa de nulidade substancial da sentença representada pela falta de fundamentação só se verifica no caso de falta de absoluta de motivação:
b) A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, ainda que esta se contenha na sentença final, não constitui causa de nulidade da decisão, antes dá lugar à actuação, mesmo oficiosa, pela Relação, de poderes de cassação mitigada;
c) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis;
d) No tocante à prova pericial científica, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo técnico ou científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente técnica ou científica;
e) A ilegitimidade executiva ocorre quanto a parte não coincide com aquela que consta do título executivo e nenhuma outra circunstância lhe atribua legitimidade;
f) No caso de cessão de créditos garantidos – também – por hipoteca, o contrato transmissivo deve ser celebrado, pelo menos, por documento particular autenticado;
g) Se o contrato transmissivo não observou a forma legal ou se a eficácia da cessão dos créditos garantidos ficou dependente, por convenção expressa das partes, da conclusão de um negócio ulterior, celebrado na devida forma, a cessão não produz o efeito transmissivo do crédito.
A apelada deverá suportar, porque sucumbe no recurso, as custas dele (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).

3. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença impugnada, julga-se procedente a oposição à execução e declara-se a extinção da última.
Custas pela apelada.

14.04.29

Henrique Antunes
José Avelino Gonçalves
Regina Rosa