Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2426/17.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 496º, 562º E 566º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil – a equidade – donde, no que respeita aos critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, deve-se entender que se destinam expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.

II – Sem embargo, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

III – Mas perante decisões recorridas fundadas na equidade, justifica-se um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não será adequada a revogação.

IV – Assim, é de manter em sede de recurso o juízo de equidade da sentença de 1ª Instância que, relativamente a sinistrado em acidente de viação que, em consequência deste, sofreu um DFP de 33 pontos percentuais, com um QD fixável em 5/7, com um DE de 1/7, repercussão na atividade desportiva e de lazer de 3/7 e ainda repercussão permanente na atividade sexual graduável em 4/7, fixando a indemnização por danos não patrimoniais a que o mesmo tinha direito em €80.000,00.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo
1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
1 – RELATÓRIO
M..., casado, portador do Bilhete de Identidade nº... , contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., intentou ação declarativa comum contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, pessoa coletiva ..., com sede na ...
Alega, em suma, que no dia 12 de Janeiro de 2015, pelas 11h, no IC8, ao Km 42,780, no sentido Este/Oeste, foi atropelado por um veículo pesado de mercadorias que era conduzido de forma desatenta e que colheu o A. na berma, junto à linha guia da faixa de rodagem.
Efetivamente, ao aproximar-se do Km 42,00 o A. apercebeu-se de que o pneumático da retaguarda esquerda da sua viatura encontrava-se em esvaziamento.
Acionou o sistema luminoso à direita, vulgo pisca-pisca, direcionou o veículo para a berma direita, passando a linha guia (traço assinalado a branco) existente desse lado do pavimento e parou na berma, junto aos rails e em paralelo aos mesmos.
Imobilizado e o mais afastado da linha guia possível, ou seja, pelo menos cerca de 0,40m, aproximadamente.
O A. saiu da viatura, vestiu o colete e posicionou o triângulo de pré-sinalização de perigo na via.
À distância de cerca de 28,70 m da retaguarda da viatura, desse mesmo lado e junto à linha próxima de guia.
Mantendo o sistema luminoso intermitente, sempre acionado tanto à frente como à retaguarda.
Quando procedia ao enchimento do pneu, utilizando, para o efeito, um dispositivo de ar comprimido, posicionado com o corpo dentro na berma, do lado esquerdo da viatura, junto a roda de trás e voltado de frente para o pneumático e semi erguido, inesperada e subitamente foi atingido pelo atrelado do veículo automóvel pesado, transportando carga de madeira, vulgo faxina.
Veículo esse que circulava no mesmo sentido de marcha, a velocidade não inferior a 80 Km/h e que, ao passar pelo A., projetou-o, com violência, contra os rails em metal.
O veículo pesado colocou-se em fuga, não sendo possível a sua identificação ou a leitura da matrícula do mesmo.
Alega o A. que como consequência desse atropelamento sofreu danos não patrimoniais, relacionados com as lesões, sequelas, dores e incómodos dele decorrentes e cujo ressarcimento computa em 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
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Regularmente citado, veio o R. contestar, alegando, em suma, que duvida, não da intervenção, mas da responsabilidade do condutor de veículo não identificado.
De facto, do Auto de Participação de Acidente de Viação elaborado pela GNR consta que o A. declarou à Autoridade que estava «a verificar o pneu esquerdo traseiro da viatura.
O que é bem diferente de estar a proceder ao enchimento do pneu, como alegado na p.i.
Paralelamente, encontrando-se a viatura a 40 cm da faixa de rodagem (como registou a GNR), o A. tinha de estar posicionado na faixa de rodagem.
Naturalmente, nunca poderia estar encostado ao veículo, ocupando apenas os citados 40 cm, por assim não conseguiria observar nada.
E mesmo que estivesse, como diz, a encher o pneu, também não é possível que o corpo de um homem adulto, voltado de frente para o pneumático e semi erguido (cf. artº 17º da p.i.) ocupe apenas os referidos 40 cm.
Mais: o corpo do A. ficou imobilizado atrás do seu veículo.
Ora, se o A. estivesse à esquerda do seu veículo, como diz, teria de ser projetado para diante, ficando ao lado ou adiante do veículo do próprio Autor, fosse na via, fosse na berma.
O facto de o A. ter ficado caído na berma, 6 metros atrás do veículo, não é compatível com a dinâmica do acidente vertida na p.i.
Impugna os danos sofridos pelo A., afirmando que o valor peticionado na p.i. se revela manifestamente infundado.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho saneador, com fixação dos temas da prova e do objeto do litígio.
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Foi determinada a realização de perícia médico-legal, a cargo do IML, mostrando-se o respetivo relatório junto aos autos (Refª ...), do qual veio o A. reclamar, nos termos do artigo 485.º do CPC.
À matéria da reclamação respondeu o Sr. Perito, conforme Refª ..., mantendo na íntegra as conclusões do relatório que havia apresentado.
Foi designada data para audiência de discussão e julgamento, a qual teve lugar, com observância das formalidades legais.
Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual, após identificação em “Relatório” das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que resultando apurada a responsabilidade de indemnizar a cargo do FGA, a qual, na circunstância, em função do pedido, se restringia «aos danos não patrimoniais inerentes às lesões sofridas pelo Autor», restava determinar a concreta medida da obrigação de indemnizar, contexto em que se procedeu à ponderada apreciação e fixação dos danos, entendendo-se que se afigurava justo e equitativo o Autor ter direito à indemnização global pelos danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico, na sua vertente não patrimonial) fixada em €80.000, assim se vindo a concluir pelo seguinte concreto “Dispositivo”:
«Nestes termos e pelo exposto decide-se julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência:
a) Condenar o Réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao Autor M... a quantia de 80.000€ (oitenta mil euros), a título de indemnização global pelos danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico, na sua vertente não patrimonial) sofridos pelo Autor, acrescida de juros vincendos, à taxa legal aplicável às operações civis, contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
b) Absolver o Réu do demais peticionado.
Custas na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do CPC).
Registe e notifique. »
*
Inconformado, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finalizou com as seguintes conclusões:
... *
Por sua vez, apresentou o Autor as suas contra-alegações ao recurso do Réu, que incluíram um recurso subordinado por parte daquele, tudo finalizado com as seguintes conclusões:
...
Nestes termos e nos demais de direito, o recurso principal interposto pelo Recorrente FGA- Fundo de Garantia Automóvel não deverá obter provimento por falta de fundamento. Enquanto o recurso subordinado admitido e, em consequência, ser julgado procedente e a indemnização global pelos danos não patrimoniais incluído o dano biológico, na sua vertente não patrimonial ser elevada para o montante de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros).
*
O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, devidamente instruído.
Cumprida a formalidade dos vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto dos recursos delimitados pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:
- incorreto julgamento da matéria de direito, quanto ao montante atribuído na sentença a título de dano não patrimonial [em €80.000,00], pugnando o Réu no sentido da sua redução para €45.000,00, e o A. no seu aumento para a quantia peticionada de €125.000,00.
3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1 – Consiste a mesma no enunciado do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que toda essa factualidade não foi expressamente impugnada nos recursos deduzidos.
Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo.
... ¨¨
Sendo consignado pelo tribunal a quo o seguinte em termos de factos não provados:
...
4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Questão do incorreto julgamento da matéria de direito, quanto ao montante atribuído na sentença a título de dano não patrimonial [em € 80.000,00], pugnando o Réu no sentido da sua redução para € 45.000,00, e o A. no seu aumento para a quantia peticionada de € 125.000,00. Que dizer?
Quanto a nós – e releve-se o juízo antecipatório! – que nem um nem outro têm razão.
Senão, vejamos:
Recorde-se que na situação vertente apenas foi peticionado e estava em apreciação a indemnização, a que o A. se julgava com direito em consequência do acidente ajuizado, a título de danos não patrimoniais – e isto pela razão lógica e objetiva de que os danos patrimoniais que também lhe teriam resultado, já teriam sido ressarcidos por outra via, ao que se extrai dos autos, em ação que correu termos no Tribunal do Trabalho.
Dito isto, importa agora clarificar que quanto a estas categorias de danos não patrimoniais, importa proceder a um mais compartimentado enquadramento e definição doutrinal.
Entre os chamados danos de natureza “não patrimonial” é efetivamente possível distinguir como significativos e mais importantes o chamado “quantum doloris” (que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o “dano estético” (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e de recuperação da vítima), o “prejuízo de afirmação pessoal” (dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadíssimas vertentes – familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” (aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, em que se valoriza os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e conta na expectativa da vida) e, finalmente, o “pretium juventutis” (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida).
Mas confrontemos, por ora, com o necessário detalhe e pormenor os factos efetivamente a relevar para este efeito, a saber:
O A., com 59 anos à data do acidente, sofreu um défice funcional permanente [DFP] de 33 pontos percentuais, incompatível com o exercício da sua atividade profissional, que acarretará esforços acrescidos na realização das suas tarefas do dia a dia, implicando, nalguns dos seus cuidados pessoais, mormente para vestir as meias e calçar-se, o auxílio de terceira pessoa.
Carecerá do auxílio de canadianas para se locomover sozinho e de um banco para tomar duche.
Necessitará de continuar a recorrer a uma meia de compressão elástica.
Tais dificuldades e esforços acrescidos manter-se-ão até ao termo da vida do Autor, sendo que a esperança média de vida para um homem, à data do acidente, era de 78 anos. Em condições normais, o Autor teria, portanto, uma esperança de vida de 19 anos.
Enfrentou 102 dias de défice funcional temporário total, 628 dias de défice funcional temporário parcial e 730 dias de repercussão temporária na atividade profissional total.
Sofreu e sofre de dores nas regiões atingidas, sendo o “quantum doloris” [QD] fixável no grau 5 de 7 graus de gravidade crescente, grau que já tem em conta os tratamentos a que o Autor teve de ser submetido na sequência do acidente – v.g., o programa de fisioterapia e terapia ocupacional no Centro Hospitalar Santo André e, já no Hospital Rovisco Pais, o processo de reabilitação englobando fisioterapia, hidrocinesiobalneoterapia, enfermagem de reabilitação, desporto adaptado e psicologia.
Ficou ainda com um dano estético [DE], fixável no grau 1/7.
As sequelas que permanecem determinarão ainda uma repercussão permanente na actividade sexual graduável em 4/7 graus, pelas limitações que sente ao nível da sua vida íntima, tanto ao nível do desempenho como da gratificação de natureza sexual e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7, pela perda do convívio social e do exercício da sua atividade profissional, que era para o Autor uma forma de realização pessoal.
Sabemos ainda que passou por 3 internamentos: um primeiro, no Serviço de Neurocirurgia do CHUC, entre 12/1/2015 e até 22/1/2015; um segundo, no Centro Hospitalar de Santo André, em Leiria, desde 22/1/2015 até ao dia 18 de Fevereiro de 2015; finalmente, um terceiro, entre 23/2/2015 até ao dia 24/04/2015, no Hospital Rovisco Pais, na Tocha.
Terá ainda de manter, no futuro, o acompanhamento médico e toma medicamentosa.
Face a este conspecto fáctico, a liminar conclusão que importa retirar é a de que, com a exceção tocante à ultima delas, o “pretium juventutis”, todas as demais vertentes e componentes do dano não patrimonial se expressam, no caso vertente – e em dose relevante – tendo em conta a especificidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, onde se englobam, naturalmente, os constrangimentos pessoais decorrentes da assistência médica e hospitalar mas também do subsequente repouso doméstico, dores associadas e consequentes aos tratamentos a que foi submetido, incómodos da perda funcional e constrangimentos pessoais de nível psicossomático, é certo que tudo com natural reflexo direto no bem estar geral.
Consabidamente, no que toca à indemnização de danos não patrimoniais, temos o disposto no artigo 496º, nº 1 do C.Civil o qual dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, face ao que são irrelevantes, designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala.
Na verdade, a doutrina e a jurisprudência, quase unanimemente, fazem uma interpretação concretizadora desta postulada “gravidade”, limitando a indemnização àqueles casos que tenham efetiva relevância ética e moral por ofenderem profundamente a personalidade física ou moral, designadamente as ofensas à honra, à reputação, à liberdade pessoal, à integridade física e saúde, e aos demais direitos de personalidade. Cf. ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, a págs 572 e VAZ SERRA, in “Reparação do Dano Não Patrimonial”, BMJ 83.º, a págs. 69; na jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12 de Outubro de 1973, in BMJ 230.º, a págs.107e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26 de Junho de 1991, in BMJ 408.º, a págs. 538.
Assim, não serão indemnizáveis os simples incómodos ou pequenos desgostos, sendo, no entanto, objeto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indiretamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos Neste sentido VAZ SERRA, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, anos 105.º e 108.º, página 37 e segs. e 223; também com pertinência neste particular, vide CAPELO DE SOUSA, in “O Direito Geral de Personalidade”, a págs. 555..
Temos então que a gravidade do dano mede-se por um padrão objetivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de fatores subjetivos, como uma sensibilidade exacerbada ou requintada, e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente. Conforme desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, como se extrai, inter alia, do Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460.º, a págs. 444.
Importa também ter presente que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos» Cfr. Ac. do STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, a págs. 65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, a págs.181., jurisprudência esta que se mantém atual conforme as inúmeras decisões que se podem consultar a propósito no caderno de “jurisprudência temática” disponível no sítio do STJ. Inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, no Proc. n.º 298/06.0TBSJM.S1, acessível em www.dgsi.pt/stj.
Por outro lado, o montante da indemnização a atribuir é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo C.Civil, sendo certo que este dispositivo estabelece uma limitação da indemnização no caso de mera culpa ou negligência referindo que a indemnização poderá ser fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Sendo certo que – como também doutamente se sublinhou na sentença recorrida! – no que respeita aos critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, deve-se entender que se destinam expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.
Revertendo estas considerações para o caso ajuizado, obviamente que não pode considerar-se que os danos sofridos pelo lesado em causa se traduzam em meros transtornos, incómodos ou preocupações, mas antes danos com relevante gravidade para, de acordo com as circunstâncias em que se verificaram, merecerem a tutela do direito.
A esta luz, cremos que constituiu a melhor opção dogmática da sentença recorrida ter-se perfilhado o entendimento de que se o chamado dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, no caso vertente, o mesmo ia ser tratado apenas como dano não patrimonial, na medida em que nem sequer estava em causa qualquer perda da capacidade de ganho, donde apenas importava relevar a afetação da potencialidade física e psíquica do Autor (para além do agravamento natural resultante da idade).
Tendo sido por isso que se concluiu, à luz da equidade, no sentido de que «afigura-se justo e equitativo que a indemnização global pelos danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico, na sua vertente não patrimonial) sofridos pelo Autor se fixe em 80.000€ (oitenta mil euros)».
De referir que para se obter essa conclusão, foi ponderada a jurisprudência dos tribunais superiores, mais concretamente sendo referenciado, em síntese, o seguinte:
(1) €200 000,00, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor (sinistrado de 45 anos) que ficou afetado com um DFP de 32 pontos, no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico), e €50.000,00€ pelos danos não patrimoniais, em atenção a ter-lhe sido fixado um QD de 5/7, DE de 3/7, repercussão na atividade desportiva e de lazer de 3/7 [acórdão do STJ de 19-09-2019, proferido no proc. nº 2706/17.6T8BRG.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj];
(2) 90.000,00€ a sinistrado de 34 anos a quem foi fixado um DFPIFP de 20 pontos, e €30.000 a título de danos não patrimoniais, em atenção a ter-lhe sido fixado um QD de 5/7, DE de 3/7, repercussão na atividade desportiva e de lazer de 3/7 [acórdão do STJ de 14-12-2017, proferido no proc. nº 589/13.4TBFLG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj];
(3) 160.000,00, como indemnização global, a sinistrada de 29 anos a quem foi fixado um QD de 6/7, DE de 5/7, repercussão na atividade sexual de 4/7 e DFPIFP de 22 pontos [acórdão do STJ de 18-10-2018, proferido no proc. nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj];
(4) €60.000,00 a sinistrada de 51 anos a quem foi fixado um fixado um QD de 5/7, um DE de 3/7 e DFPIFP de 31 pontos [acórdão do STJ de 28-03-2019, proferido no proc. nº 1120/12.4TBPTL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj].
Ora, permitimo-nos salientar que nem verdadeiramente esta última situação é a única consentânea com o caso dos autos [como sustentado na alegações de recurso do FGA], posto que, salta à evidência, o caso dos autos, com o Autor a ter sofrido um DFP de 33 pontos percentuais incompatível com o exercício da sua atividade profissional, que acarretará esforços acrescidos na realização das suas tarefas do dia a dia, implicando, nalguns dos seus cuidados pessoais, mormente para vestir as meias e calçar-se, o auxílio de terceira pessoa; carecerá do auxílio de canadianas para se locomover sozinho e de um banco para tomar duche; necessitará de continuar a recorrer a uma meia de compressão elástica; tais dificuldades e esforços acrescidos manter-se-ão até ao termo da vida do Autor…, com um QD fixável em 5/7, com um DE de 1/7, repercussão na atividade desportiva e de lazer de 3/7 e ainda repercussão permanente na atividade sexual graduável em 4/7, é objetivamente mais grave…
Como quer que seja, o que está em causa é a aplicação de um juízo de equidade.
Ora, esse aspeto, por si só, atentos os montantes em apreciação/questionados em sede recursiva, justifica, em nosso entender a resposta que logo adiantámos para os presentes recursos, a saber, que ambos deviam improceder, com o decidido na sentença recorrida a manter-se, na medida em que nela se efetuou um adequado e ponderado juízo de equidade, donde, cumprindo ser sancionado.
Com efeito, importa ter presente que quanto à equidade, pode emergir uma dimensão subjetiva inerente a cada julgador, potenciadora de soluções divergentes para casos similares, razão pela qual a aplicação, em concreto, da equidade obriga a especial ponderação, de molde a, numa perspetiva objetivista do juízo equitativo, evitar soluções que, afetando a certeza e segurança do direito, sejam portadoras de injustiça.
Neste âmbito, parece que os tribunais superiores devem adotar um critério prudencial que apenas considere como censurável e suscetível de revogação uma solução que, de forma manifesta e intolerável, exceda certa margem de liberdade decisória que permite considerar como ainda ajustado e razoável um montante indemnizatório situado dentro de determinados limites.
Se é, pois, de sindicar o critério de equidade concretamente aplicado, contudo, a situar-se a indemnização fixada no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, designadamente à luz da prática jurisprudencial mais recente do STJ e atendendo às diferenças nas circunstâncias pessoais das vítimas, não será caso de revogar a decisão recorrida. Cfr., neste sentido, o acórdão do TRE, de 22/10/2015, proferido no proc. nº 378/10.8TBGLG.E1, acessível em www.dgsi.pt/jtre, em que se sublinhou esse preciso entendimento: «Os tribunais superiores devem apreciar as decisões de 1ª instância sobre a fixação de montantes indemnizatórios com apelo à equidade segundo uma perspectiva de intervenção que assente na aferição da calibragem do critério de equidade concretamente aplicado. Daqui decorre que quando a indemnização fixada se situar ainda dentro do quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não assiste ao tribunal ad quem razão para revogar a decisão da 1ª instância: só o deverá fazer quando haja uma concretização flagrantemente desajustada ou arbitrária do juízo de equidade pelo tribunal a quo.».
A esta luz, portanto, não se vê que o juízo de equidade utilizado pela 1.ª instância mereça censura, antes se conformando com a justiça do caso, donde, não se vislumbra motivo para alteração da decisão no sentido pretendido por qualquer das partes.
Improcedem, pois, as conclusões em contrário de ambas os Apelantes, com a consequente confirmação integral da decisão recorrida.
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – O critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil – a equidade – donde, no que respeita aos critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, deve-se entender que se destinam expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele.
II – Sem embargo, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.
III – Mas perante decisões recorridas fundadas na equidade, justifica-se um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não será adequada a revogação.
IV – Assim, é de manter em sede de recurso o juízo de equidade da sentença de 1ª Instância que, relativamente a sinistrado em acidente de viação que, em consequência deste, sofreu um DFP de 33 pontos percentuais, com um QD fixável em 5/7, com um DE de 1/7, repercussão na atividade desportiva e de lazer de 3/7 e ainda repercussão permanente na atividade sexual graduável em 4/7, fixando a indemnização por danos não patrimoniais a que o mesmo tinha direito em € 80.000,00.
6 - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam a final em julgar improcedentes ambos os recursos deduzidos, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelo respetivo recorrente.

Coimbra, 22 de Setembro de 2021

Luís Filipe Cravo
Fernando Monteiro
Carlos Moreira