Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3797/04.5TALRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CONEXÃO DE PROCESSOS
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 24º E 30º CPP
Sumário: 1.- A regra geral sobre a conexão de processos é a de que quando existam fundamentos para tal, deve operar a conexão;
2.- A separação de processos com o fundamento no julgamento decorrer na ausência de algum dos arguidos apenas deverá operar quando o tribunal o tiver por mais conveniente;
3.- Justifica-se a separação de processos, quando se verificar impedimento de conclusão do processo em relação a arguidos sentenciados e notificados da sentença há vários anos e que continuam sem ver a sua situação processual definida por impossibilidade de notificação de outro arguido revel;
4.- Nada impede que se decrete a separação de processos após a sentença. – nomeadamente quando se trata de vários arguidos e a separação envolve apenas um ou alguns deles e não a divisão de culpas relativamente ao mesmo arguido e a separação surge como instrumento adequado para alcançar o fim do processo em relação a outras pessoas.
Decisão Texto Integral:

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I.
O digno magistrado do MºPº recorre do despacho – proferido a fls. 333 dos autos – no qual o Mº juiz indeferiu a promoção (fls. 332), ao abrigo do disposto no art. 30º, n.º1, al. d) do CPP, de separação de processos relativamente ao arguido, ausente, A….
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Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:
1. O Tribunal violou o art. 30, nº 1, al. d), do Código Processo Penal (art. 412°, n° 2, al. a), do CPP).
2. O Tribunal a quo entendeu que a separação de processos ao abrigo do disposto na al. d), do nº 1, do art. 30°, do CPP, só é viável quando há lugar à declaração de contumácia (art. 412°, n.º 2, al. b) do CPP).
3. O recorrente entende que o art. 30°, nº 1, al. d), do CPP, para além da indicada hipótese apontada pelo Tribunal a quo, também constitui fundamento legal bastante para a separação das culpas tocantes a algum ou alguns dos arguidos quando o julgamento tenha decorrido na ausência de um ou alguns deles e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processo (art. 412°, n° 2, al. b), do CPP).
4. Em cada caso concreto, a conveniência na separação ou na não separação de processos há-de aferir-se face às finalidades do processo penal que são a aplicação prática das reacções penais em prazo razoável (cfr. art. 2° do Código de Processo Penal; mi. 6°, n°1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; e art.s 20°, n° 4, e 32°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).
5. Na data em que foi proferido o despacho recorrido encontravam-se largamente ultrapassados todos os prazos legais aplicáveis à situação em apreço e não existe qualquer notícia que aponte no sentido que em dias de sua vida o arguido ausente, A… , regresse ao território nacional (encontrar-se-á em parte incerta de Angola à vários anos).
7. Ao ordenar a liquidação do julgado relativamente aos arguidos B... e W..., Lda., o Tribunal a quo violou o art. 677° do Código Processo Civil, aplicável ao caso ex vi art. 4° do Código Processo Penal (art. 412°, n° 2, al. a), do CPP).
8. O Tribunal a quo entendeu que a sentença transitou em julgado em relação aos arguidos B... e W..., Lda., mesmo sem que ela tivesse sido notificada ao co-arguido A… (art. 412°, n° 2, al. b), do CPP).
9. O Ministério Público entende que a sentença ainda não transitou em julgado relativamente aos arguidos B... e W..., Lda., porque ela ainda é susceptível de ser alterada quanto a eles, quer por via da reclamação (com vista à correcção de eventuais erros, lapso ou obscuridades, ao abrigo do disposto no art. 380°, n°1, do CPP), quer por via de recurso ordinário (ao abrigo do disposto nos art.s 402°, n° 2, e 403°, n° 3, ambos do CPP).
10. Pelo que, com vista definir a situação jurídica dos arguidos B... e W..., Lda, com a brevidade que for possível, deverá ordenar-se a separação de processos nos termos promovidos.
Pelo exposto, com os fundamentos indicados e com os demais que V. Ex.as por forma sábia suprirão, afigura-se-nos que o recurso deve ser julgado procedente devendo revogar-se o despacho recorrido e ordenar-se a separação de processos nos termos promovidos a fls. 332.
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Não foi apresentada resposta.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido de que o recurso deve proceder no que respeita à inadmissibilidade da liquidação e improcedente quanto à separação de processos.
Corridos vistos, cumpre decidir.
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II.
Está em causa o despacho que, com fundamento no Artigo 30º, n.º1, al. d) do CPP recusou a separação de processos, após a prolação da sentença, em relação ao arguido ausente em parte incerta que o tribunal não consegue notificar da sentença, proferida há anos.

A promoção do MºPº sobre que incidiu o despacho recorrido é do seguinte teor (fls. 332):
O presente (processo) encontra-se a aguardar que seja localizado o arguido A… o qual foi julgado na ausência. Apesar das sucessivas diligências que se vêm realizando, até ao momento não foi possível localizá-lo nem se vislumbra quando será possível alcançar tal desiderato. Assim, nos ternos do art. 30º, n.º1, al. d) do CPP, promovo que se proceda à separação de processos relativamente ao arguido ausente e que os presentes autos prossigam a sua tramitação relativamente aos arguidos B... e W..., Lda.”.
Por sua vez o despacho recorrido, balizado pela aludida promoção, é o seguinte:
«««Afigurando-se que o instituto da contumácia apenas se mostra previsto para a fase de julgamento (é esse o sentido do art. 30º-1-d) do CPP) e não para a tramitação posterior à prolação da sentença, como sucede no caso dos autos em que já foi proferida sentença condenatória, não se determina a separação de processos, por não haver lugar à declaração de contumácia e a qualquer apreciação da “culpa tocante” de qualquer arguido (note-se que a possibilidade da sua declaração, nos ternos do art. 476º do CPP deixou de ter lugar pela revogação desta norma pela Lei 115/2009 de 12.10). Notifique.
Liquide-se o julgado quanto aos demais arguidos e oportunamente vão os autos ao Exmo. Magistrado do MºPº no que respeita ao arguido Rui Filipe, ainda não notificado da sentença»»»

A regra geral sobre a conexão de processos é a de que quando existem fundamentos para tal, deve operar a conexão – cfr. art. 24º do CPP.
No entanto a conexão cessa quando verificada alguma das várias circunstâncias previstas no artigo 30º do CPP, invocado como fundamento do recurso.
Postula o referido preceito legal, sob a epígrafe “Separação de processos”:
1- Oficiosamente, ou a requerimento do MºPº, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordenar a separação de algum ou alguns processos sempre que:
(…)
d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.
Nos termos do enunciado reproduzido, o dispositivo legal prevê, como fundamento da separação, duas situações distintas: – a declaração de contumácia; ou - o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos.
Devendo, nesta segunda hipótese, o tribunal proceder a uma valoração, ope judice, no sentido de determinar qual a solução que melhor acautela as finalidades do processo – “…e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos”.
Enquanto na primeira hipótese (contumácia) a separação opera por efeito necessário da sua declaração, na segunda (julgamento na ausência de algum dos arguidos) a separação apenas deverá operar quando o tribunal tiver como mais conveniente.
Conveniência que deverá ter por referência, antes de mais, os restantes casos previstos nas várias alíneas do n.º1 do preceito. Sendo certo que as múltiplas situações previstas obedecem a uma mesma racionalidade comum, a um único padrão de oportunidade – a conexão cessa quando esta, de instrumento de realização do direito material se transforma em obstáculo, à realização das finalidades últimas do processo como veículo/instrumento de realização do direito substantivo, material.
Ora, no caso, a manutenção da conexão levaria desde logo ao absurdo de uma solução processual de impasse absoluto, de impossibilidade de conclusão do processo em relação a arguidos sentenciados e notificados da sentença há anos, continuem sem ver a sua situação processual definida.
Obstaculizando tendencialmente ad aeternum (não existe qualquer pista concreta sobre o paradeiro do ausente, apenas se sabendo que andará perdido na vastidão da Angola) a conclusão de um processo já julgado, em relação a dois outros arguidos que nada têm a ver com o ausente e em relação aos quais foi assegurado o exercício pleno do contraditório. Não vendo a sua situação definida, relativamente à matéria da acusação porque não se consegue notificar um outro arguido, revel, em relação ao qual, apesar das múltiplas diligências realizadas apenas se sabe que se terá ausentado para parte incerta da imensidão da grande nação angolana.
Aliás o tribunal acaba por reconhecê-lo, quando, por um lado, nega a separação mas, por outro lado, manda liquidar a pena dos arguidos notificados.
A circunstância de ter sido revogado o art. 476º do CPP pela Lei n.º 115/2009 não altera os dados. Pois que da impossibilidade de declaração de contumácia do ausente já sentenciado não resulta a impossibilidade de existência de “outros” motivos de separação – como resulta da alternativa “ou” da al. b) do n.º1 do art. 30º - designadamente aqueles que inviabilizem a continuação dos normais trâmites/efeitos do processo em relação a outros arguidos devidamente sentenciados.
Aliás, deixaria de ser possível a separação porventura quando mais esta se justifica – o julgamento está efectuado, a sentença proferida e notificada aos arguidos presentes, mas a impossibilidade de notificação de um outro, revel, seria suficiente para impedir, ad aeternum, a produção de efeitos pela sentença em relação a outros arguidos, presentes, notificados. Reduzindo a fumo o direito á justiça célere e/ou atempada.
Tal equivaleria a impedir a separação quando materialmente essa necessidade mais se evidencia – atingido, penosamente, o cume da montanha, não pode o feito ser reconhecido em relação a quem fez a escalada porque um outro concorrente desistiu com o cume à vista ou se ausentou por não querer mais lá chegar.
A lei não estabelece a impossibilidade de separação após a sentença – nomeadamente quando se trata de vários arguidos e a separação envolve apenas um ou alguns deles e não a divisão de culpas relativamente ao mesmo arguido e a separação surge como instrumento adequado para alcançar o fim do processo em relação a outras pessoas.
Assim, não se descortinando motivos relevantes no âmbito dos cânones interpretativos que possam levar a um resultado não previsto, impõe-se a procedência do recurso.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se conceder provimento ao recurso revogando o despacho recorrido e determinado a sua substituição por outro que determine a separação de processos em relação ao ausente, revel, e dê seguimento aos trâmites do processo relativamente aos restantes arguidos há muito notificados da sentença.
Sem tributação