Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/11.0T4AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
NORMA IMPERATIVA
SUBSÍDIO DE NATAL
CÁLCULO
Data do Acordão: 05/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 315º, Nº 5 E 533º, 1/A) DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003 (LEI Nº 99/2003, DE 27/08); ACT DOS PROFISSIONAIS DE LACTICÍNIOS, ALIMENTAÇÃO, PUBLICADO NO BTE, 1ª SÉRIE, Nº 23, DE 22/06/2005; DEC. LEI Nº 88/96, 3/07.
Sumário: I – As cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem contrariar normas legais imperativas – al. a) do nº 1 do artº 533º do C. T./2003.

II – Mas, com ressalva das normas imperativas, ainda que a fonte inferior (instrumento de regulamentação colectiva) disponha em sentido diverso do previsto na lei (fonte superior), é aquela a aplicável mesmo que não estabeleça um regime mais favorável ao trabalhador, salvo se da própria norma legal resultar o contrário – artº 4º, nº 1 do C. T/2003.

III – O nº 5 do artº 315º do C.T./2003 tem natureza imperativa, na medida em que dele se pode extrair a conclusão de que a lei pretende interferir de modo absoluto na conformação da relação jurídico-laboral.

IV –Após a entrada em vigor dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, pese embora com estes códigos o subsídio de natal deva apenas ser calculado com referência ao salário base e às diuturnidades, se à data da entrada em vigor dos referidos códigos o subsídio de natal era integrado por outras componentes retributivas que não apenas o salário base e as diuturnidades, então o seu cálculo deverá continuar a ser efectuado da mesma forma como vinha sendo efectuado aquando da entrada em vigor dos ditos códigos.

V – Esta interpretação decorre do disposto no artigo 11º nº 1 da Lei 99/03 de 27/08 segundo o qual a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Cód. Do Trabalho, sendo ainda a mais conforme com o princípio da irredutibilidade da retribuição, afirmado na al. d) do artº 122º do CT/2003 e no artº 129º do CT/2009 e bem assim ao direito fundamental à segurança no emprego consignado no artº 53º da Constituição, o qual garante a estabilidade nas condições do emprego, das quais o direito à retribuição é elemento essencial.

VI – O denominado “prémio de condutor sem acompanhante”, na medida em que é pago de forma regular e periódica como contrapartida do trabalho prestado pelo motorista, integra o conceito de retribuição – artigo 82º da LCT:

VII – A partir de 1997 (Dec. Lei nº 88/96, 3/07), mesmo após a entrada em vigor do C.T. de 2003 e do C.T. de 2009, o subsídio de natal deve corresponder a um mês de retribuição, integrando todas as prestações recebidas que na altura possam ser consideradas como retribuição, inclusive o chamado “prémio de condutor sem acompanhante”.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- A... instaurou contra “B....” a presente acção, com processo comum, pedindo:

a) seja a ré condenada a pagar-lhe o acréscimo de custos originados pela transferência de local de trabalho, desde 22.04.2008 à razão de € 0,40 por cada Km a mais que o autor tem de percorrer e que nesta data são diariamente 6 Km (3 Km x 2), estando vencida até 22.07.2010 a quantia de € 1.260,00;

b) caso assim não se entenda, seja então a ré ser condenada a pagar-lhe um valor a fixar pelo tribunal, com recurso a critérios de equidade e justiça e de acordo com as regras da experiência comum, para cada Km a mais que o autor tem de percorrer no percurso de ida e volta para o novo local de trabalho;

c) seja a ré condenada a actualizar anualmente o valor supra peticionado de acordo com o valor do Km em automóvel próprio fixado anualmente para os funcionários públicos;

d) seja o «prémio de condutor sem acompanhante» considerado retribuição para todos os devidos e legais efeitos, nomeadamente para pagamento de Subsídio de Natal;

e) seja a ré condenada a pagar-lhe nos Subsídios de Natal, vencidos desde 1992 e vincendos, o «prémio de condutor sem acompanhante», num valor que à data (do pedido) ascende a € 5.009,91;

f) seja a ré condenada a pagar-lhe juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento de cada quantia peticionada até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que é trabalhador da ré, exercendo as funções de motorista de transportes pesados, e se verifica o seguinte:

[…]


+

Na audiência de partes não foi possível a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para contestar, o que esta fez, alegando, em resumo:

[…]


+

[…]

***

II – Prosseguiram os autos a sua normal tramitação com dispensa de realização da audiência preliminar e elaboração de base instrutória, tendo-se relegado para a decisão final a apreciação da excepção peremptória tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente, e em consequência decidiu:

I) condenar a ré a pagar ao autor o seguinte:

I-a) a quantia de € 1.513,89, sem prejuízo de descontos legais, a título de diferencial de «subsídio de transporte» decorrente da alteração do local de trabalho do autor, no período de Maio de 2008 a Dezembro de 2012.

I-b) juros de mora sobre a quantia referida no ponto anterior, à taxa legal de 4%, até integral pagamento, sendo desde 17.02.2011 para a quantia de € 876,33, desde 31.12.2011 para a quantia de € 318,78 e desde 31.12.2012 para a quantia de € 318,78.

I-c) a quantia de € 2.569,36, sem prejuízo de descontos legais, correspondente a diferença de Subsídios de Natal (entre o pago e o devido por consideração do «prémio de condutor sem acompanhante») até Dezembro de 2010 como acima exposto.

I-d) juros de mora sobre a quantia referida no ponto anterior, à taxa legal de 4%, desde 17.02.2011 até integral pagamento.

II) condenar a ré a:

II-a) incluir, a partir do presente, no «subsídio de transporte diário» o valor de 6 Km calculado conforme previsto supra no ponto 23.

II-b) reconhecer que o prémio de condutor sem acompanhante» é retribuição para efeitos de pagamento de Subsídio de Natal, e como tal determina-se que considere o valor médio do mesmo nesse pagamento, a partir de Dezembro de 2011, como acima exposto.


***

III – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo:

[…]


+

Contra alegou o autor alegando em síntese conclusiva:

[…]


+

Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido de que assistirá razão ao autor mas já não à ré.

+

A ré espondeu a este parecer.

***

IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade:

[…]


***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs 684 nº 3 e 685º-A nº 3, ambos do Código de Processo Civil), as questões a decidir são as seguintes:

1 Se o autor tem direito à compensação pelo aumento da distância a percorrer entre casa/local de trabalho e vice - versa.

2. Se o valor do denominado “prémio de condutor sem acompanhante” deve ser ponderado no cálculo do subsídio de natal a partir de 1997.

Da compensação pelo aumento da distância a percorrer:

Na abordagem desta questão, conforme se refere na decisão sob censura, há que ter presente a legislação em vigor aquando da transferência do local de trabalho, a saber: Código do Trabalho na redacção original (Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto) e o ACT celebrado entre a ré e outras e o Sindicato dos Profissionais de Lacticínios, Alimentação, Agricultura, Escritórios, Comércio, Serviços, Transportes Rodoviários, metalomecânica, Metalurgia, Construção Civil e Madeiras e outros, publicada revisão global no BTE, 1ª série, nº 23 de 22.06.2005, cuja aplicação é aceite pelas partes.

O tribunal “a quo”, partindo dos ensinamentos de José Andrade Mesquita “in” Direito do Trabalho”, 2ª edição,AAFDL, 2004, págª 589, entendeu que o nº 5 do citado artigo 315º contém “um preceito de imperatividade mínima, que apenas pode ser alterado em sentido mais favorável para os trabalhadores, aplicando-se mesmo às transferências por acordo, desde que não haja outra regra que atribua direitos mais extensos”; e, com este entendimento aplicou o dito normativo (“o empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”) tendo condenado a recorrente no pagamento de uma compensação pela maior despesa resultante do aumento da distância a percorrer (mais 6 Km diariamente para aceder ao local de trabalho e regressar à sua residência).

Contra este entendimento se insurge a recorrente, pois entende que a norma do artº 315º, nº 5 não é um preceito de “imperatividade mínima” tomada tal expressão para significar que “apenas pode ser alterado em sentido mais favorável para os trabalhadores …”.

A sustentar este entendimento invoca o disposto no artigo 4º nº 1 do Cód. do Trabalho/03 que sobre a epígrafe “princípio do tratamento mais favorável” dispõe que “as normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte, ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário” e o comentário a esta norma da autoria de António Monteiro Fernandes “in Direito do Trabalho, 12ª, Edição, Almedina, pág. 120, que refere que a posição do legislador alterou-se, de modo significativo, com o CT. Não é feita, na nova lei, nenhuma específica afirmação de uma ordem hierárquica da fontes - que sempre seria, de facto, desnecessária, dadas as regras contidas nos arts. 1º e 3º CCiv.. Por outro lado, o art 4º/1 regula a relação funcional entre fontes nos seguintes termos: “As normas deste Código podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário”.

A primeira constatação que este enunciado suscita é a de que não está em causa o primado da lei imperativa. Tal como na LCT, em que se falava de “oposição” da lei, o CT obsta ao “afastamento” das normas legais por fonte inferior, quando daquelas normas “resultar o contrário”, isto é, que não podem ser afastadas. São duas maneiras de dizer a mesma coisa. De resto, o art 533 CT (correspondente ao antigo art 6º DL 519-C1/79) mantém a interdição de cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva que contrariem normas legais e imperativas.

Não está, portanto, em causa a prevalência das disposições do CT que estabelecem (de modo imperativo) vantagens mínimas e máximas para os trabalhadores. A imperatividade de tais limites opõe uma barreira intransponível à sua alteração por fontes de nível inferior.

Restam duas diferenças importantes para o regime anterior.

A primeira consiste na (implícita) admissibilidade de disposições menos favoráveis, estabelecidas por instrumentos de regulamentação colectiva, quando as disposições legais em confronto sejam de natureza dispositiva ou estabeleçam vantagens máximas para os trabalhadores.

A segunda ressalta do enunciado legal: O “tratamento mais favorável ao trabalhador” deixa de constituir referencial interpretativo, nos termos expostos. No CT, o ponto de partida da operação interpretativa-qualificativa incidente sobre a norma legal (para se saber se pode aplicar-se a fonte inferior de conteúdo diferente) já não é a presunção de que essa norma admite variação em sentido mais favorável ao trabalhador, mas a de que admite variação em qualquer dos sentidos. Tal presunção só é afastada se da norma legal resultar inequivocamente que nenhuma variação é legítima, ou que só o será num dos sentidos possíveis (ou seja, usando as palavras da lei, se dela “resultar o contrário”). É claro que esta inflexão supõe um entendimento diferente acerca do significado e da função social e económica do Direito do Trabalho. Mas, seja qual for o juízo que ela mereça sob o ponto de vista político-jurídico, parece indiscutível que lhe está associado um efeito prático positivo: o de abrir espaços à contratação colectiva para novos arranjos negociais e novos equilíbrios de interesses na regulamentação do trabalho

Acrescentou que “a recorrente e o Sindicato em que o recorrido está filiado acordaram o constante do nº 5 da cláusula 34ª. do ACT publicado no BTE, 1ª. Série, nº 23 de 22.06.2005, acordo esse que, como é evidente, ocorreu cerca de ano e meio depois de ter entrado em vigor o Cód. do Trabalho”, sendo esta cláusula a aplicável ao caso em análise, ainda que a mesma não contenha um regime mais favorável ao trabalhador.

Mais acrescentou que, se ainda alguma dúvida pudesse subsistir, sempre ela se dissiparia se “se atentar no que foi decretado sobre a mesma matéria no Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro

No seu artº. 194º, sob a epígrafe “Transferência do Local de Trabalho”, dispõe-se, no seu nº. 4 uma regra que é quasi “ipsis verbis” à que consta do artº. 315º, nº. 5.

Todavia, o artº. 194º., inclui um nº 6 que, sem rodeios, decreta o seguinte: “O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.

É óbvio que tal norma vigora só a partir de 17 de Fevereiro de 2009.

Mas também se afigura evidente que tal postura do legislador de 2009 deve ser tida em conta para se concluir que já com o CT de 2003 e ao abrigo do disposto no artº. 4º, nº. 1, se podia acordar uma norma como a que consta da cláusula 34ª, nº. 5 do ACT por, em suma, a regra constante do artº. 315º, nº. 5 não ser norma de carácter imperativo e muito menos de “imperatividade mínima”.

Na verdade, se o legislador de 2009 não lhe atribuiu, seguramente, tal qualificação, não será de entender que, no diploma de 2003, não lhe estava já atribuída, tendo-se o legislador de 2009 limitado a inserir, no nº. 6 do artº. 194º, o que já estava implícito no artº. 315º do diploma de 2003?”

Decidindo:

A questão que este tribunal é chamado a pronunciar-se não tem ou possui contornos definidos.

É indiscutível que as cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem contrariar normas legais imperativas. Nisso a lei é expressa, não deixando margens para dúvidas – alínea a) do nº 1 do artigo 533º do Cód. do Trabalho/03.

Mas, com ressalva das normas imperativas, ainda que a fonte inferior (instrumento de regulamentação colectiva) disponha em sentido diverso do previsto na lei (fonte superior), é aquela a aplicável mesmo que não estabeleça um regime mais favorável ao trabalhador, salvo se da própria norma legal resultar o contrário.

Isso mesmo resulta do disposto no artigo 4º nº 1 do Cód. do Trabalho/03, o que representou uma ruptura com a legislação anterior (artigo 13º da LCT).

Quer isto dizer que as normas constantes de fontes superiores que não sejam imperativas (v.g preceitos dispositivos) podem ser afastadas por cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva que disponham em sentido diferente ainda que em desfavor do trabalhador; e, é claro, se da norma superior não resultar estar vedado à fonte inferior a regulação da situação.

Assim, tudo passa no caso por saber se a norma constante do nº 5 do artigo 315º do Cód. do Trabalho/03 reveste natureza imperativa tal como decidiu o tribunal recorrido apoiado no entendimento de José Andrade Mesquita e que também é, com bons motivos[1], a posição de Catarina Carvalho “in” “A Mobilidade Geográfica dos Trabalhadores no Cód. do Trabalho”, VII Congresso Nacional de Direito de Trabalho, Almedina, Coimbra, pagªs 43 e ss.

As normas imperativas “são aquelas que exprimem uma ingerência absoluta e inelutável da lei na conformação da relação jurídica de trabalho, por forma tal que nem os sujeitos do contrato podem substituir-lhes a sua vontade, nem os instrumentos regulamentares hierarquicamente inferiores aos que a contêm podem fazer prevalece preceitos opostos ou conflituantes com elas” – A. Monteiro Fernandes, direito do Trabalho, 1ª edição, págª 104.

O nº 4 do artigo 194º do Cód. do Trabalho/09 prescreve que «o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento».

Tendo em conta o disposto nos nºs 2 e 6 deste artigo, o regime constante do n.º 4 possui um carácter «colectivo-dispositivo», ou seja, poderá ser livremente afastado por IRCT, ainda que neste se consagre um regime menos favorável ao trabalhador.

Ora, o artigo 315.º do Código de Trabalho de 2003 não continha uma norma correspondente ao número 6 do artigo 194º do Cód. do Trabalho/09 (“o disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva do trabalho”), o que aponta ou parece confirmar o entendimento da nossa doutrina de que, no âmbito do anterior regime, não existia a possibilidade dos números 4 e 5 do artigo 315.º poderem ser modificados por norma inferior de IRCT..

Ou seja: o argumento que a recorrente pretende retirar do nº 6 do artigo 194º do Cód. do Trabalho/09 no sentido de do regime do nº 5 do artigo 315º do Cód. do Trabalho/03 poder ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva, vale exactamente também como fundamento para os defensores da tese contrária.

Também António Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2006, páginas 433 e 434, citado no AC da RLisboa de 25/11/12, processo 22/10.8TTBRA.L1-4, que temos vindo a seguir, consultável em www.dgsi.pt/jtrl sustenta, a este respeito, o seguinte: “a mencionada possibilidade de alargamento ou restrição da faculdade de transferência, por estipulação contratual, diz naturalmente respeito à faculdade em si – ao espaço de decisão unilateral que é reconhecido ao empregador – e não a todos os aspectos do regime do artigo 315.º CT. Desde logo, porque está em causa a “amplitude” da referida faculdade, os meios de reacção desenhados no artigo 315º/4, para a transferência colectiva, mantêm-se utilizáveis em qualquer caso. E o mesmo se dirá da importante disposição que se contém no artigo 315.º/5, acerca do custeio das despesas inerentes à transferência. A norma especifica, com efeito, que se trata de lançar sobre o empregador uma parte das despesas correntes do trabalhador, na situação em que ficará após a mudança – e não só as despesas “directamente impostas pela transferência”, como exigia o direito anterior. A nova regra impõe-se independentemente da latitude com que a mobilidade geográfica seja contratualmente estabelecida[2]”.

Ou seja, tendo em conta a doutrina que reputamos como maioritária e a jurisprudência produzida sobre o tema[3], tudo aponta para que o nº 5 do artigo 315º do Cód. do Trabalho/03 tenha natureza imperativa na medida em que dele se poderá extrair a conclusão de que a lei pretende, no caso, interferir de modo absoluto na conformação da relação jurídico laboral.

Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido ao aplicar o artigo 315º nº 5 do Cód. do Trabalho/03 e não o regime resultante do IRC aplicável[4], condenando a recorrente no pagamento da compensação em questão pela forma como o fez, a qual não vem questionada.

Da consideração do valor do prémio de condutor sem acompanhante no cálculo do subsídio de Natal:

Apreciando esta questão, o tribunal “a quo” distinguiu três períodos, a saber:

a) antes de 1996, quando era de ter presente o AE publicado no BTE, 1ª série, nº 20, de 29.05.1984;

b) de 1996 até 2003, quando era de ter presente a Lei nº 88/96, de 03 de Julho e a LCT;

c) de 2003 em diante, quando passou a vigorar o Código do Trabalho”.

No que que se refere ao período referido em a) entendeu que “aquando do início da relação laboral entre autor e ré, por força do AE publicado no BTE, 1ª série, nº 20, de 29.05.1984 referido pela ré nos artigos 119º a 121º da contestação (que não é questionado ser aplicável), estava previsto o pagamento de Subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição (a ser pago até dia 20 de Dezembro), compreendendo a retribuição ilíquida mensal, como referido na cláusula 21ª do AE, além da retribuição base, as diuturnidades, o abono pelo risco de falhas, as comissões, os subsídios de turno, férias, Natal e a retribuição por isenção de horário de trabalho”, pelo que neste período, ou seja até ao ano de 1996 o Prémio de Condutor Sem Acompanhante”, por força da cláusula 21ª do AE citado, não era considerado na base de cálculo do subsídio de Natal”.

A partir de 1997 considerou que tal prémio integra o conceito de retribuição e condenou a recorrente a pagar os subsídios de Natal de 1997 em diante, neles incluindo o “prémio de condutor sem acompanhante”.

Alicerçou este entendimento com base no regime do DL nº 88/96, de 03 de Julho, que no seu artº 2º, nº 1 consagrou terem os trabalhadores direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição (a ser pago até dia 15 de Dezembro), estabelecendo o nº 3 do artº 1º que «aos trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva que prevejam a concessão do subsídio de Natal o valor inferior a um mês de retribuição é aplicável o disposto no nº1 do artigo 2º, na parte relativa ao montante da prestação».

Como o “prémio de condutor sem acompanhante” deve ser considerado, atento o disposto no artigo 82º da LCT, como fazendo parte da retribuição considerou que o seu valor deve ser ponderado no cálculo do subsídio de natal mesmo após a entrada em vigor dos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009; e isto por efeito do disposto no artigo 11º da Lei 7/2009 de 12/02, não obstante o disposto nos artigos 250º e 262º dos respectivos códigos que limitaram o cálculo das prestações complementares e acessórias (nas quais se inclui o subsídio de natal) à retribuição base e às diuturnidades.

A recorrente apelando ao preâmbulo do Dec. Lei 88/96 onde se lê ser “necessário salvaguardar a aplicabilidade das convenções colectivas que instituíram o subsídio de natal e o regulam especificamente tendo em conta que o objectivo do diploma não é o de estabelecer um regime geral imperativo desta prestação, mas assegurar a atribuição do correspondente direito aos trabalhadores que dele não são titulares em conformidade com as tendências reveladas pela contratação colectiva”, entende que o “mês de retribuição” referido no citado diploma apenas se refere à remuneração certa ou mesmo base, solução que veio a ser consagrada nos Códigos de Trabalho; e em abono deste entendimento apela aos ensinamentos do Bernardo Xavier.

Ora, com o devido respeito por esta opinião, o subsídio de natal deve corresponder a um mês de retribuição, integrando todas as prestações recebidas que, na altura, pudessem ser consideradas como retribuição nos termos do então em vigor artº 82º da LCT.
Como decorria do artigo 82.º da LCT, a retribuição do trabalhador é a contrapartida pela prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador e associa-se à regularidade e periodicidade do seu pagamento; a regularidade e periodicidade, com efeito, se vincam a legítima expectativa – do trabalhador – ao seu recebimento, igualmente contribuem para a presunção do inerente dever de pagamento. Nos termos do n.º 3 desse artigo, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.

Provou-se (pontos 33 a 36) que a ré paga ao autor, desde 01 de Junho de 1994, uma gratificação mensal, inicialmente designada «gratificação normal» e, a partir de 1996, referida como «prémio de condutor sem acompanhante», o qual foi sendo pago aos motoristas que renunciassem, na recolha de leite, a companhia e à colaboração de ajudante de motorista; que actualmente todos os motoristas da ré recebem o «prémio de condutor sem acompanhante»; que essa retribuição tem natureza regular e periódica, sendo liquidada todos os meses de trabalho à razão de um valor fixo por cada dia de trabalho (efectivo) e que essa retribuição tem mensalmente um valor fixo, dependendo somente, e à semelhança da retribuição base, do número de dias trabalhados.

Perante esta matéria de facto temos de concluir, como concluiu a 1ª instância, de que estas prestações não se encontram excluídas do conceito de retribuição nos termos dos arts. 87º e 88º da LCT; e, porque o seu pagamento é feito de forma regular e periódica (que afasta a sua ocasionalidade ou excepcionalidade), devem ser caracterizadas como componentes retributivas e como tal assim tratadas.

Por outro lado, o referido «prémio de condutor sem acompanhante» é pago como contrapartida da actividade do autor como motorista pois é pago, conforme se refere na sentença impugnada “após ter o mesmo renunciado, na recolha de leite, à companhia e à colaboração de ajudante, sendo liquidado todos os meses de trabalho à razão de um valor fixo por cada dia de trabalho efectivo.

Ou seja, subjacente está o acréscimo de tarefas (sejam elas quais forem) decorrente da falta de ajudante que com ele colaborava e a maior penosidade decorrente da falta de companhia, não sendo nessa medida aleatório.

Assim, não se nos afigura que se possa dizer que esteja em causa um benefício concedido para premiar os bons serviços/desempenho do motorista, antes assumindo o mesmo natureza retributiva da força de trabalho (…)”.

Como assim, deve o valor de tal prémio ser considerado no cálculo do valor do subsídio de Natal após a entrada em vigor do Dec. Lei 88/96.

Pode questionar-se se o mesmo assim acontecerá após a entrada em vigor do Códigos de Trabalho de 2003 e 2009.

A propósito desta questão esta Relação, em casos semelhantes a que tem sido chamada a pronunciar-se, tem vindo reiteradamente a afirmar que, pese embora com estes códigos o subsídio de natal deva apenas ser calculado com referência ao salário base e às diuturnidades, se à data da entrada em vigor dos referidos códigos o subsídio de natal era integrado por outras componentes retributivas que não apenas o salário base e as diuturnidades, então o seu cálculo deverá continuar a ser efectuado da mesma forma como vinha sendo efectuado aquando da entrada em vigor dos ditos códigos.

A título meramente exemplificativo escreveu-se, entre outros, nos acórdãos 1277/10.9T4AVR.C1 e 1330/10.9T4AVR.C1 que “o problema interpretativo colocar-se-ia em relação ao subsídio de Natal (…) Mas o, o art. 11.º da Lei n.º 99/2003, de 27/8, que aprovou o CT/2003, refere expressamente que a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho. Ou seja, a base de cálculo da retribuição do subsídio de Natal não pode ser alterada no sentido da redução dos montantes, tal como antes eram calculados.

Essa é, a nosso ver, a interpretação mais conforme com o princípio da irredutibilidade da retribuição, afirmado na  al. d) do art. 122.º do CT/2003 e o art. 129.º do CT/2009 e ao direito fundamental à segurança no emprego consignado no art. 53.º da Constituição, o qual garante a estabilidade nas condições do emprego, das quais o direito à retribuição é elemento essencial.

E, por isso, no respeito por esse princípio, também é de conservar o mesmo entendimento depois da entrada em vigor do CT/2009, o qual sem alterar, na parte em questão o regime do CT/2003, não contém, no entanto, uma norma semelhante ao referido art. 11.º da Lei n.º 99/2003”[5].

Não vemos razões para alterar este entendimento pelo que, também nesta parte, a apelação tem de improceder.


***

VI Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

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Custas a cargo da apelante.

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(Joaquim José Felizardo Paiva - Relator)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] Júlio Vieira Gomes, Direito do trabalho, Vol. I, págº 646, nota 1653.
[2] Sublinhado nosso.
[3] Para além do aresto citado, no seguimento dos ensinamentos de João Leal Amado, pode ainda referir-se no sentido da imperatividade do nº 5 do artigo 315º do Cód. do Trabalho/03 o Ac. da RP de 19.12.05, procº 0514281, consultável em www. dgsi.pt/jtrp.
[4] E ainda assim, haveria que se interpretar o regime do IRCT de forma a saber se tal regime excluía o pagamento da compensação.
[5] Negrito nosso.