Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
233/16.8T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: DESTACAMENTO DE TRABALHADOR EM FRANÇA
SALÁRIO DEVIDO
Data do Acordão: 01/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: CONVENÇÃO SOBRE A LEI APLICÁVEL ÀS RELAÇÕES CONTRATUAIS. REGULAMENTO (CE) Nº 593/2008 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 17/06/2008. ARTºS 7º E 8º DO CT/2009.
Sumário: I – O destacamento de um trabalhador contratado em Portugal para trabalhar em território francês não implica, só por si, que o mesmo passe a ter direito a auferir o ‘salaire minimum de croissance’ devido em França, ainda que superior ao devido contratualmente ao trabalhador.

II – Em França, o pagamento de subsídio de férias e de subsídio de natal não está determinado no Code du Travail.

Decisão Texto Integral:




Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório


O autor propôs contra as rés a presente acção emergente de acidente de trabalho, pedindo a condenação das rés no pagamento da pensão anual e vitalícia de, pelo menos, € 22.676,01, desde 14/05/2015, dos subsídios de férias e de Natal sobre a pensão que venha a ser atribuída, da quantia de €15.000 de indemnização por danos morais decorrentes do dano estético, da quantia de €120 a título de despesas com transportes nas deslocações ao Tribunal e ao Gabinete Médico-legal, da quantia de €128 a título de despesas com deslocações para consultas médicas, da quantia de € 170 a título de despesas com uma nova aliança de casamento, e dos juros, à taxa legal, sobre o valor das pensões que se venceram a partir de 14/05/2015 até efectivo e integral pagamento.
Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava por conta da sua empregadora, auferindo remuneração anual superior aos € 10.141,36 pelos quais a empregadora tinha transferido parcialmente para a seguradora a responsabilidade civil emergente daquele acidente, do qual resultaram para o autor os créditos infortunísticos cuja satisfação coerciva pressupõe a prévia condenação das rés a reconhecê-los e a satisfazê-los.

Contestou a seguradora para, em resumo, sustentar a limitação da sua responsabilidade pela remuneração anual transferida de € 10.141,36, e rejeitar qualquer responsabilidade pelo pagamento de indemnizações a título de danos não patrimoniais e pela destruição da aliança.

A empregadora também contestou para, em resumo, sustentar que a remuneração anual auferida pelo autor correspondia à que estava transferida para a seguradora, razão pela qual a acção sempre deveria improceder em relação a si.

Foi proferido despacho saneador, onde, para lá do que é tabelar, se decidiu julgar improcedentes os pedidos referentes a indemnização a título de danos não patrimoniais e a indemnização a título de danos materiais decorrentes da alegada aquisição de uma nova aliança de casamento.

A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, e, em consequência:

a) Declara-se que o Autor, A... , se encontra, em virtude do acidente de trabalho objecto deste processo, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 13,8413%, desde 12/01/2016;

b) Condena-se a Ré “ B... .” a pagar ao Autor, A... , a indemnização relativa ao período de Incapacidade Temporária, no valor de € 5.841,72 (cinco mil oitocentos e quarenta e um euros e setenta e dois cêntimos);

c) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 982,59 (novecentos e oitenta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos), devida desde 12/01/2016;

d) Condena-se a Ré “ B... .” a pagar ao Autor, A... , o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.214,47 (mil duzentos e catorze euros e quarenta e sete cêntimos), devida desde 12/01/2016;

e) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros);

f) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , a título de deslocações para consultas, a quantia de € 57,25 (cinquenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos);

g) Condena-se a Ré “ B... .” a pagar ao Autor, A... , a título de deslocações para consultas, a quantia de € 70,75 (setenta euros e setenta e cinco cêntimos);

h) Condenam-se as Rés “ C... , S.A.” e “ B... .” a pagar ao Autor, A... , juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.


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Custas da acção a cargo das Rés, na proporção das respectivas responsabilidades (art.º 527.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).

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Fixa-se o valor destes autos, nos termos do art.º 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, no valor das prestações com expressão pecuniária a pagar pela Ré, Entidade Empregadora – art.º 120.º, n.o 2 do Código de Processo do Trabalho, na redacção em vigor aquando do início destes autos.

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Registe e notifique, procedendo-se ainda ao cálculo do capital de remição.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a empregadora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

[…]
O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da solicitação da intervenção do Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça e/ou do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República.
Colhidos os vistos legais, importa decidir.

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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se a sentença recorrida padece das causas de nulidade que lhe são assacadas pela recorrente;
2ª) se deve ser eliminada a matéria constante do ponto 4º) dos factos descritos como provados;
3ª) saber se é admissível a junção aos autos do documento apresentado pela recorrente com as alegações de recurso;


4ª) saber que regime jurídico deve aplicar-se ao contrato de trabalho celebrado entre a apelante e o sinistrado, designadamente em matéria de remuneração a atender para efeitos de fixação das prestações infortunísticas devidas ao sinistrado.

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III – Fundamentação

A) De facto

A primeira instância descreveu como provados os factos seguidamente transcritos:

1) Em 13 de Maio de 2015, o Autor A... trabalhava, em França, ao serviço de um utilizador francês, sob ordens, direcção e fiscalização da Ré “ B... .”, como montador de canalizações/instalação de redes, auferindo a remuneração base de € 650,00 x 14 meses e um suplemento correspondente a 25% da remuneração base – Alínea A) dos Factos Assentes.

2) O Autor auferia ainda da Ré “ B... .” ajudas de custo iniciais e ajudas de custo complementares – Alínea B) dos Factos Assentes.

3) O Autor auferia, em média, mensalmente, a quantia de € 270,00, a título de ajudas de custo iniciais e ajudas de custo complementares referidas em B), que se destinavam a custear as despesas de alojamento e alimentação, quando o Autor se encontrava destacado – Ponto 1) da Base Instrutória.

4) A remuneração mínima praticada em França, à data do acidente, era de € 1457,52 – Alínea C) dos Factos Assentes.

5) Na data e local referidos em A), o Autor encontrava-se a desmontar os contrapesos de uma grua, quando foi atingido por um ferro no braço esquerdo, de que resultou traumatismo do antebraço esquerdo com fractura dos ossos do antebraço, lesões essas que se consolidaram no dia 11 de Janeiro de 2016 – Alínea D) dos Factos Assentes.

6) Delas tendo resultado, também, enquanto sequelas, no membro superior esquerdo, cicatrizes da face anterior do antebraço com 24 cm e outra do bordo cubital com 8 cm limitação da DF de 30º dos últimos graus na pronação e supinação com distrofia muscular moderada a nível anterior e distal, determinando que o Autor se encontre actualmente afectado com uma incapacidade permanente parcial de 0,138413 (13,8413 %) – Alínea E) dos Factos Assentes e decisão proferida no Apenso de Fixação de Incapacidade para o Trabalho.

7) Também em consequência do acidente e das lesões dele resultantes, o Autor esteve na situação de incapacidade temporária absoluta de 14/05/2015 a 11/01/2016 – Alínea F) dos Factos Assentes.

8) O Autor despendeu a quantia de € 120,00 em despesas com deslocações obrigatórias à 1.ª Secção do Trabalho, em Leiria, e ao Gabinete Médico-Legal, também em Leiria – Alínea G) dos Factos Assentes.

9) O Autor efectuou um total de 320 Km em deslocações para consultas, ocorridas em 31.03.2016 e em 05.07.2016, tendo despendido em tais deslocações a quantia de € 128,00 – Ponto 2) da Base Instrutória.

10) O Autor recebeu da Ré “ C... , S.A.”, a título de indemnização por incapacidades temporárias sofridas em consequência do acidente, o montante de € 4.726,15, nada tendo recebido da sua entidade patronal – Alínea H) dos Factos Assentes.

11) A Ré “ B... .”, tinha transferido, por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º (...) e em vigor na data mencionada em A), para a Ré “ C... , S.A.”, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do Autor, pelo menos, com base na retribuição de € 650,00 x 14 meses, acrescida de € 86,78 x 12 meses de outras remunerações, num total anual de € 10.141,36 – Alínea I) dos Factos Assentes.

12) O Autor nasceu em 16 de Novembro de 1962 – Alínea J) dos Factos Assentes.”.

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B) De direito


Primeira questão: se a sentença recorrida padece das causas de nulidade que lhe são assacadas pela recorrente.
No caso em apreço, no próprio corpo das alegações da apelação (capítulo III – arts. 32º a 39º) e nas correspondentes conclusões (conclusões R a U), a apelante arguiu a nulidade da sentença por alegada omissão de pronúncia.
Independentemente de se saber se a sentença enferma do vício de nulidade que lhe é assacado pela recorrente, o certo é que a arguição desse vício não teve lugar no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente, tal como impõe o art. 77º/1 CPT.
Como se sabe, esse art. 77º/1 encontra a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer; radica no “…princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade.” – neste sentido, por exemplo, acórdão da Relação do Porto de 20-2-2006, proferido no processo 0515705, bem como demais jurisprudência aí invocada.
O acórdão do Tribunal Constitucional n° 304/2005, publicado no DR, II Série, de 05/08/2005, deixou consignado que em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes: a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância, contendo essa arguição; a segunda, contendo a motivação do recurso, dirigida aos juízes do tribunal ad quem.
Como assim, uma vez que a recorrente não respeitou, relativamente à arguição das nulidades da sentença, o procedimento legalmente estabelecido para o efeito em processo do trabalho, não deve conhecer-se de tais nulidades, o que se decide.
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Segunda questão: se deve ser eliminada a matéria constante do ponto 4º) dos factos descritos como provados.

No ponto 4º) dos factos descritos como provados consta que “A remuneração mínima praticada em França, à data do acidente, era de € 1457,52 – Alínea C) dos Factos Assentes.”.
É sabido que a matéria de facto descrita como provada ou não provada deve estar desprovida, designadamente, de asserções e conclusões de natureza jurídica.
Em França, o “salaire minimum de croissance” devido em 2015 dependia da interpretação e aplicação da Lei 70-7 de 2/1/1970 (JORF de 4/1/1979, p. 41), da Lei 2008-1258 de 3/12/2008, particularmente do seu art. 24º (JORF de 4/12/2008, p. 18488), e do Decreto 2014-1569 de 22/12/2014 (JORF de 24/12/2014, p. 22159).
A significar que a matéria descrita naquele ponto 4º) é de natureza estritamente jurídica, razão pela qual a mesma não pode constar da factualidade descrita como provada.
Elimina-se, pois, aquele ponto 4º) dos factos descritos como provados, sem prejuízo, adiante-se desde já, do acerto jurídico do que ali se descreve, uma vez que da conjugação de todos aqueles diplomas legais resulta que a partir de 1/1/2015 o SMIC ilíquido horário foi fixado em 9,61 €, o que redunda em 1 457,52 mensais ilíquidos por reporte à duração legal de trabalho semanal de 35 horas.
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Terceira questão: saber se é admissível a junção aos autos do documento apresentado pela recorrente com as alegações de recurso.

No que concerne a esta questão importa reter que a sentença recorrida data de 6/6/2017, sendo que o documento em causa consiste em informação escrita extraída de um sítio da internet francês (http://travail-emploi.gouv.fr/), tendo ali sido publicada em 21/09/2015 e actualizada em 3/1/2017, sendo que essa informação escrita foi traduzida para português em 30/5/2017.
Nos termos dos arts. 651º/1 do NCPC, aplicável por força dos artigos 1º/2/a e 87º/1 do CPT, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º do NCPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.
O n.º 2 do preceito estipula que as partes podem juntar ainda pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão.
Considerando o documento apresentado com o recurso (documento particular), apenas releva o nº 1 do mencionado artigo 651º, nos termos do qual são duas as situações em que é possível a junção de documento: i) quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva); ii) quando a sua junção apenas se revela necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
A superveniência objectiva ou subjectiva tem necessariamente de se relacionar com um facto atendível, relevante, que a parte não domina, que demonstre cabalmente que só no momento da interposição do recurso, por razões que são alheias ao interveniente processual, foi possível a junção do documento.
No caso, afigura-se-nos não estar verificada a situação ora em análise.
Na verdade, trata-se de documento que foi obtido e traduzido em data anterior à da prolação da sentença recorrida, nada nos autos revelando que a sua obtenção e junção não tivesse sido possível em momento anterior ao daquela prolação.
Aliás, a recorrente nada alega, como lhe competia, no sentido da verificação dos pressupostos legais relativos à junção de documentos em sede de recurso.
No que se refere à segunda das situações – quando a junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância - a junção do documento pela parte funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova – F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, p. 205.
Ora, no caso nenhuma imprevisibilidade decisória se verifica.
A decisão não se torna imprevisível pelo simples facto de se discordar do modo como a matéria de facto foi decidida.
Com o documento pretende a recorrente demonstrar, tanto quanto se percebe, o valor do salário mínimo nacional francês à data do acidente e a circunstância do mesmo ali só ser devido 12 meses em cada ano.
Assim sendo, a eventual relevância do documento em questão não surgiu com a decisão da 1ª instância, pois que aquelas questões a respeito das quais se pretende que o documento seja ponderado já tinham sido suscitadas, por exemplo, na petição inicial (art. 45º) e na contestação da apelante (arts. 39º e 40º).
Assim, mesmo antes da prolação da sentença, já o referido documento se poderia afigurar com relevância para a correcta decisão da causa.
Não se verificando qualquer das situações excepcionais de que a lei faz depender a admissibilidade da junção de documento em sede recursiva, tem de se concluir pela inadmissibilidade da junção do documento ora em apreço, o que se decide.
Por isso, tal documento deve ser desentranhado.
Custas do incidente, a suportar pela recorrente.
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Quarta questão: saber que regime jurídico deve aplicar-se ao contrato de trabalho celebrado entre a apelante e o sinistrado, designadamente em matéria de remuneração a atender para efeitos de fixação das prestações infortunísticas devidas ao sinistrado.

O contrato de trabalho entre o sinistrado e a apelante está sujeito, designadamente, ao estatuído no art. 3º da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aberta à assinatura em Roma, no dia 19/6/1980, e a que Portugal aderiu pela convenção assinada no Funchal, em 18/5/1992, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 3/94 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/94, diplomas publicados no Diário da República, I Série-A, n.º 28, de 3/2/1994, vigente na ordem jurídica portuguesa desde 1/9/1994 (Aviso n.º 240/94, de 30/8/1994, no Diário da República, I Série-A, n.º 217, de 19/9/1994), bem como nos arts. 3º e 8º do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/62008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).

Do regime jurídico decorrente da conjugação desses normativos resulta que o contrato de trabalho se rege, em primeira linha, pela lei escolhida pelas partes.

Segundo o alegado pela apelante, sem contestação do autor ou da ré seguradora, as partes no contrato de trabalho acordaram que este ficaria sujeito à lei portuguesa.

Nos termos do art. 8º/1 do CT/2009, “O trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, que preste actividade no território de outro Estado em situação a que se refere o artigo 6.º, tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.”.

A significar, por força do estatuído no art. 7º/1/d do CT/2009 e com relevo para a situação em apreço, que no seu destacamento em território francês que ocorria por ocasião do acidente em apreço, o autor tinha garantida a aplicação do regime jurídico nacional português em matéria de retribuição mínima, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.

Se bem se percebe, com fundamento nesta excepção de regime mais favorável previsto na lei, o tribunal recorrido acabou por aplicar à situação em apreço o “salaire minimum de croissance” devido em 2015, no valor mensal de em 1457,52 mensais ilíquidos a que supra se aludiu, catorze vezes em cada ano.

Crê-se que de modo menos acertado.

Em primeiro lugar porque a aplicação de regime mais favorável previsto em lei distinta da portuguesa depende, nos termos literais do art. 8º/1, da aplicabilidade ao contrato de trabalho dessa lei, o que já vimos não suceder no que concerne ao contrato de trabalho entre o autor e a apelante, sujeito à disciplina jurídica portuguesa.

Em segundo lugar porque a decisão recorrida deu por assente que o “salaire minimum de croissance” também seria pago, além dos 12 meses em cada ano, a título de subsídios de férias e de Natal, o que não é exacto pelo menos em relação à situação do tipo da que está em apreço.

Com efeito, em França o pagamento de subsídio de férias não está determinado no Code du Travail, nem na Lei 70-7 de 2/1/1970 (JORF de 4/1/1979, p. 41), nem na Lei 2008-1258 de 3/12/2008, particularmente do seu art. 24º (JORF de 4/12/2008, p. 18488), nem nos sucessivos diplomas que ao abrigo destes diplomas fixaram o “salaire minimum de croissance”, apenas sendo devido, por consequência, se estiver previsto no contrato de trabalho ou em convenção colectiva ou acordo colectivo franceses aplicáveis ou emergir dos usos da empresa, sendo que não se vislumbra que esteja registada qualquer dessas situações.

Por outro lado, porque o subsídio de Natal em França não é devido aos trabalhadores subordinados, mas apenas, desde 1988, a quem for beneficiário de determinadas prestações sociais[1], sendo que os factos provados não evidenciam que tal sucedesse em relação ao sinistrado.

Aqui chegados, importa concluir no sentido de que a retribuição base do autor a considerar para os efeitos em análise era a que a apelante lhe vinha pagando (€ 650,00 x 14 meses – ponto 1º dos factos provados), sem que se vislumbre IRCT aplicável que fixasse para a relação de trabalho entre a apelante e o autor uma remuneração superior àquela.

Por outro lado, assente o referido no parágrafo antecedente, a apelante não manifesta qualquer divergência recursiva[2] em relação ao decidido na sentença recorrido no sentido de integração na retribuição anual devida ao autor pela empregadora, além da retribuição base acabada de referir, de um suplemento de € 94,67 x 11 meses em cada ano, e de um subsídio de alimentação de € 5,08 x 22 dias por mês x 11 meses em cada ano, de tudo emergindo, conjugadamente, que a remuneração anual do autor a considerar era a de € 10.141,36[3].

Sendo por essa remuneração anual que estava transferida para a seguradora a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho (ponto 11º dos factos provados), não subsiste fundamento para aplicação do art. 79º/4 do CT/2009 e para responsabilização da apelante por qualquer das prestações infortunísticas a que o autor tem direito por causa do acidente a que estes autos se reportam.

Não pode subsistir, pois, qualquer dos segmentos decisórios da sentença recorrida que impôs à apelante a satisfação parcial de quaisquer daquelas prestações.

Por outro lado, importa não perder de vista, igualmente, a inalienabilidade e irrenunciabilidade dos créditos emergentes de acidentes de trabalho (art. 78º da LAT/2009), bem como a possibilidade de condenação extra vel ultra petitum (art. 74º do CPT) que dela emerge.


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IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação procedente, eliminando-se o enunciado no ponto 4º) dos factos descritos como provados, e conferindo-se ao dipositivo da sentença recorrida a seguinte redacção:

Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, e, em consequência:

a) Declara-se que o Autor, A... , se encontra, em virtude do acidente de trabalho objecto deste processo, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 13,8413%, desde 12/01/2016;

b) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 982,59 (novecentos e oitenta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos), devida desde 12/01/2016;

c) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , a título de despesas com deslocações obrigatórias, a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros);

d) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , a título de deslocações para consultas, a quantia de € 128,00 (cento e vinte e oito euros e vinte e cinco cêntimos);

e) Condena-se a Ré “ C... , S.A.” a pagar ao Autor, A... , juros de mora sobre as prestações pecuniárias supra atribuídas e em atraso, vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.


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Custas da acção a cargo da Ré “ C... , S.A.”.

No mais subsiste intocada a decisão recorrida.

As custas da apelação serão suportadas pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário.

Coimbra, 12/1/2018.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)


Sumário:

O destacamento de um trabalhador contratado em Portugal para trabalhar em território francês não implica, só por si, que o mesmo passe a ter direito a auferir o “salaire minimum de croissance” devido em França, ainda que superior ao devido contratualmente ao trabalhador.

Em França, o pagamento de subsídio de férias e de subsídio de Natal não está determinado no Code du Travail.


[1] Apenas a título de exemplo e para demonstração de quanto acaba de referir-se, podem ser consultados o Décret n° 2016-1941 du 28 décembre 2016, JORF n°0303 du 30 décembre 2016, o Décret n° 2015-1871 du 30 décembre 2015, JORF n°0303 du 31 décembre 2015, o Décret n° 2014-1710 du 30 décembre 2014, JORF n°0302 du 31 décembre 2014, o Décret n° 2014-1709 du 30 décembre 2014, JORF n°0302 du 31 décembre 2014, o Décret n° 2013-1295 du 30 décembre 2013, JORF n°0304 du 31 décembre 2013, o Décret n° 2013-1294 du 30 décembre 2013, JORF n°0304 du 31 décembre 2013, o Décret n° 2013-2 du 2 janvier 2013, JORF n°0002 du 3 janvier 2013.
[2] Com o consequente trânsito em julgado do assim decidido.

[3] Escreveu-se a este respeito na sentença recorrida que “No caso vertente o Autor auferia da Ré “ B... .”, para além da remuneração de € 650,00 x 14 meses, € 94,67 x 11 meses de suplemento (25%), sendo que o Autor tinha direito, de acordo com a CCT publicada no BTE n.º 12, de 29/03/2010, com Portaria do DR n.º 495/2010, de 13/07, a € 5,08 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação que era pago outras remunerações, num total anual de € 10.141,36. Por outro lado, a Ré “ B... .” tinha transferido para a Ré “ C... , S.A.”, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do Autor com base na retribuição de € 650,00 x 14 meses, acrescida de € 86,78 x 12 meses de outras remunerações, num total anual de € 10.141,36.”.