Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
336/09.5PBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: NOTIFICAÇÃO DE ARGUIDO PRESO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 114º Nº 1 E 119º C) CPP
Sumário: 1. - Quando o arguido se encontre preso, a notificação é requisitada ao diretor do estabelecimento prisional respetivo e efetuada na pessoa do notificando por funcionário designado para o efeito;

II - Comete-se nulidade insanável se, estando o arguido preso, em vez de se requisitar a sua notificação ao diretor do estabelecimento prisional, as notificações foram enviadas para a morada indicada no TIR.

Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, dos art. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al. a), e 202º, al. b), do Código Penal e em 14 meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, dos art. 3º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1, e 127º, nº 1, e 122º do Código da Estrada.

Efetuado o cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido a pena única de 5 anos e 2 meses de prisão.

2.

Inconformado, o arguido recorreu, apresentando as seguintes conclusões, que se bastam em reproduzir o texto da motivação:

«1º Da nulidade insanável decorrente da ausência do arguido em audiência.

2º O Tribunal Judicial da Covilhã notificou o arguido para a audiência de julgamento por carta simples com prova do depósito para a residência constante do TIR ( (...) Vila do Conde) quando sabia, ou devia saber (bastava ler o registo criminal para se constatar que o arguido estava a cumprir pena de prisão), que esta não iria chegar ao conhecimento do arguido A (...) uma vez que, este se encontra preso desde 10-12-2010 no Estabelecimento Prisional do (...) (cfr. documento que se junta como doc. n.º 1).

3º Nos termos do art. 113º, nº 9 do Código do Processo Penal é obrigatória a notificação do arguido do despacho que designa as datas de audiência de julgamento. No entanto, no caso de o arguido se encontrar preso, como é o presente caso, a sua notificação "é requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado", por imposição do art. 114º, nº 1 do Código do processo penal.

4º Nesta conformidade, resulta dos autos, que o arguido A (...) não foi notificado do despacho que designou a audiência de julgamento, mediante requisição solicitada ao Sr. Director do Estabelecimento prisional do (...), nos termos do art. 114º nº 1 do C.P.P., tendo-se antes procedido a tal comunicação mediante via postal dirigida para a residência constante do TIR (ou seja, (...) Vila do Conde).

5º Aliás, colhe-se dos autos que o arguido nem sequer foi notificado da acusação do M.P., já que á data desta notificação encontrava-se preso no estabelecimento prisional do (...), conforme documento que se junta como doc. nº 1.

6º Face ao exposto, é forçoso concluir que, o arguido não foi regularmente notificado da audiência de julgamento, que é um dos pressupostos para se proceder á realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, conforme impõe o art. 332º, nº 1 e 333º, nº 1 do Código do Processo Penal.

7º Por outro lado, esta falta de notificação da audiência de julgamento, porque impediu, por causa alheia ao arguido, a sua presença em julgamento, integra nulidade insanável prevista no art. 119º, al. e), do Código de Processo Penal, que expressamente se invoca.

8º Nestes termos, em conformidade com o disposto nos referidos artigos 119º, al. e), 332º, nº 1 e 333º nº 1, todos do Código de Processo Penal, entendidos nos termos explicitados, uma vez que o recorrente A (...) não compareceu na audiência de discussão e julgamento realizada em 13-12-2012 e para ela não foi notificado, cometeu, por conseguinte, o tribunal recorrido uma nulidade insanável: julgando-o á revelia, sem que a lei o permitisse.

9º Constitui, por isso, tal audiência de julgamento inválida e sem qualquer fundamento.

10º Atento o disposto no art. 122º, nº 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal, tal nulidade insanável determina a anulação do processado desde, inclusive, da notificação da acusação (ou, pelo menos, desde, inclusive, a notificação para a audiência de julgamento), com as consequências processuais daí decorrentes.

11º Subsidiariamente, isto é, entendendo-se que não colhe o supra alegado, o que não se concede,

12º Da medida da pena:

13º Da qualificação jurídica dos factos:

O arguido foi acusado, além do mais pela alínea a) do nº 1 do art. 204º do Código Penal.

No caso dos autos a alínea efectivamente preenchida, em função do valor é esta alínea a) do nº 1 do referido art. 204º do C.P. e não a alínea a) do nº 2 do art. 204º.

Daí que, a moldura penal nos termos do art. 204º, nº 1 al. a) é de pena de prisão até cinco anos.

Mais, encontra-se provado que os bens e quantias furtadas foram recuperados e entregues aos seus donos, os lesados ressarcidos.

Por esse motivo, deve ser aplicado ao arguido uma pena não superior a dois anos e meio.

14º Por outro lado, no que concerne ao crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo art. 3º, nº 2 do Decreto Lei nº 2/98 de 3.1 e 127º, nº 1 e 112º do Código da Estrada, não deve ser superior a cinco meses,

15º Satisfazendo as penas supra referidas as finalidades, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial.

16º Em cúmulo, deve condenar-se o arguido a dois anos e seis meses de prisão.

17º O acórdão recorrido violou e interpretou erroneamente as disposições supra referidas».

3.

O recurso foi admitido.

4.

O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido. Sobre a nulidade invocada refere que o arguido foi notificado de todos os termos do processo na morada que indicou aquando da prestação do TIR, pelo que não ocorreu qualquer nulidade na tramitação dos autos.

Nos mesmos termos se pronunciou Exmº P.G.A.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 


*

*


FACTOS PROVADOS

6.

No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

«A hora não concretamente apurada mas ocorrida na manhã do dia 9 de Novembro de 2009, ao passar junto ao parque de estacionamento do Hotel D. Maria, sito na Alameda Pêro da Covilhã, nesta cidade, o arguido decidiu apropriar-se do veículo automóvel ligeiro de passageiros marca Nissan modelo Qasqai, de matrícula (...), de valor não concretamente apurado mas aproximado 27.000 Euros e, seguramente, superior a 21.000,00 Euros, propriedade de B... que ali se encontrava estacionado, com as portas trancadas e devidamente fechado.

Em execução desse propósito, introduziu-se no interior do mesmo, sentou-se no banco do condutor, e pô-lo a trabalhar de forma não concretamente apurada, abandonando depois o local na posse do mesmo em direcção à cidade de Viseu.

Acresce ainda que se apropriou e fez sua a quantia de 200 Euros em notas do Banco de Portugal que se encontravam dentro do veículo, mais concretamente no interior de uma carteira, não obstante saber que esse dinheiro lhe não pertencia, além de ter subtraído e se apropriado de vários outros objectos pessoais da ofendida e do marido, nomeadamente bilhetes de identidade, cartas de condução, cartões de crédito, cadernetas bancárias, entre outros.

No dia 11 de Novembro de 2009, pelas 22h30, o arguido ao passar a Rua Ponte de Pau, junto ao Fórum Viseu, cidade de Viseu, e quando conduzia a viatura supra referida, foi interceptado por agentes da PSP daquela cidade, tendo sido detido na posse de vários objectos, melhor descritos e examinados a fls. 19 e seguintes e 72 dos autos, entre os quais os que havia subtraído nos termos supra descritos.

O arguido não é possuidor de documento legal que o habilite a conduzir veículos motorizados categoria B na via pública.

Agiu livre voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer seu o veículo automóvel em causa, bem como a quantia monetária indicada e demais objectos apreendidos, não obstante saber que tais bens lhe não pertenciam e que actuava sem o consentimento e contra a vontade da sua proprietária.

O veículo em causa, quando foi recuperado, apresentava uma pequena saliência (papo) no pneu da frente esquerda e riscos na chapa, danos estes avaliados em cerca de 1.646,80 Euros, e tendo os mesmos sido causados no período em que o veículo foi conduzido pelo arguido.

Actuou com o propósito de fazer seu o veículo automóvel aludido e demais objectos e valores, integrando-os no seu património, não obstante saber que os mesmos lhe não pertenciam e que actuava sem o consentimento e contra a vontade do respectivo proprietário.

Sabia que só lhe era permitido conduzir veículos automóveis na via

pública caso se encontrasse habilitado com carta de condução.

Agiu, em tudo, livre voluntária e conscientemente, não obstante

saber que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou que:

Os danos causados no veículo foram integralmente pagos pela

seguradora que o havia segurado.

Os ofendidos recuperaram todos os documentos, com exceção de uma carta de condução que se encontrava no interior do veículo, bem como 200,00€ furtados bem como recuperaram o veículo automóvel por força da intervenção policial desenvolvida.

O arguido conta com as seguintes condenações, pela prática dos seguintes crimes:

a) Furtos simples: 3;

b) Furtos qualificados: 11;

e) Furtos qualificados na forma tentada: 2;

d) Roubo: 1;

e) Falsificação de documentos: 1;

f) Condução sem habilitação legal: 5;

Tendo já sofrido penas de prisão efetivas pela prática dos crimes contra o património e pena de prisão pela prática do crime de condução sem habilitação legal».

            7.

            Do processo resultam mais os seguintes factos provados:

- em 12-11-2009 procedeu-se à constituição de arguido, tendo este prestado termo de identidade e residência;

- no TIR prestado o arguido indicou como morada a (...), Vila do Conde;

- aquando da prestação do TIR o arguido foi informado que não poderia mudar de residência nem ausentar-se dela por mais de 5 dias, sem comunicar ao tribunal a nova residência ou o local onde pudesse ser encontrado;

- o processo foi-se desenrolando e foram encetadas diligências com vista à notificação do arguido para posterior interrogatório, o que nunca foi conseguido por ele não ter sido encontrado na morada indicada, tendo as autoridades referido que foram informadas que ele não residia ali naquela morada há anos;

- em 29-2-2012 foi deduzida acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática dos crimes de furto qualificado, dos art. 14º, nº 1, 26º, 202º, al. a), 203º, nº 1, e 204º, nº 1, al. a), do Código Penal e de condução sem habilitação legal, dos art. 3º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 3/1, 121º, nº 1, e 122º, nº 1, do Código da Estrada;

- em 13-3-2012 a notificação da acusação foi remetida para a morada que o arguido havia indicado no TIR e foi depositada no respetivo recetáculo postal;

- por despacho de 10-5-2012 foi designado dia para julgamento, tendo a notificação sido, também, remetida para a morada que o arguido indicara no TIR tendo, igualmente, sido depositada no recetáculo postal daquela morada;

- o arguido faltou ao julgamento, na primeira das datas designadas para a diligência, tendo nesta sido decidido o seguinte: «… Apesar da falta do arguido, consideramos que não existem razões sérias para que a presente audiência não prossiga os seus termos com a inquirição das pessoas presentes, na medida em que não se mostra essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa a presença do arguido no início desta audiência – cfr. 333º, nº 1 e 2, do Código de Processo Penal. Notifique»;

- o julgamento realizou-se nesse dia, tendo a leitura da decisão ficado para data posterior.

- em 2-1-2013 foi elaborada a seguinte cota no processo, constante de fls. 262: «em 02-01-2013 foi-me comunicado via telefone pelo arguido que o mesmo se encontra detido actualmente no EP do (...) …».

- depois disto foi solicitado ao Estabelecimento Prisional Central do (...) a notificação do acórdão condenatório ao arguido, efetuada em 8-1-2013;

- com o recurso o arguido juntou ao processo declaração subscrita pela assistente técnica do Estabelecimento Prisional do (...), datada de 6-12-2012, que refere que o arguido se encontra detido naquele estabelecimento desde o dia 10-12-2010.

8.

No acórdão recorrido foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:

«Os fatos cometidos pelo arguido foram-no entre as 09h30m e as 11h00 do dia 9 de Novembro de 2009.

O valor exato do veículo furtado era de, exatamente, 27.000,00 Euros.

O arguido gastou o dinheiro em proveito próprio».


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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:

I – Nulidade decorrente da omissão da notificação, ao arguido, da acusação e do despacho de marcação da data da audiência

II – Impugnação das penas aplicadas


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I – Nulidade decorrente da omissão da notificação, ao arguido, da acusação e do despacho de marcação da data da audiência

            O arguido começa por alegar que o tribunal recorrido violou os art. 113º, nº 9, 114º, nº 1, 119º, al. c), 332º, nº 1, 333º, nº 1, e 122º, nº 1, 2 e 3, todos do C.P.P. porque não foi notificado nem da acusação contra si proferida, nem do despacho que designou a realização da audiência, uma vez que se encontra detido desde 10-12-2010 e nunca foi notificado de nenhum destes atos através do diretor do estabelecimento prisional onde se encontra, conforme a lei determina.

            Vejamos então.

            Conforme resulta do processo aquando da prestação do TIR o arguido indicou como morada a (...), Vila do Conde e foi informado, na altura, que não podia mudar de residência nem ausentar-se dela por mais de 5 dias, sem comunicar ao tribunal a nova residência ou o local onde pudesse ser encontrado, conforme dispõe a al. b), do nº 3 do art. 196º do C.P.P.

            No nº 2 desta mesma norma diz-se que aquando da prestação do TIR o arguido indicará o local para onde pretende que as notificações sejam dirigidas sendo estas, a partir de então, enviadas para o local indicado mediantes postal simples, nos termos do art. 113º, nº 1, al. c).

            Foi, precisamente, este o procedimento adotado no processo. Daí que o Ministério Público defenda a regularidade do processo, com a consequente improcedência da nulidade invocada.

            Conforme resulta da lei, quando a notificação dos termos do processo se faça para o local por indicado no TIR, fica por conta do arguido o desconhecimento dos termos do processo, isto é, nestas situações o desconhecimento não releva.

            No caso dos autos também sucedeu isto: as notificações foram enviadas para a morada indicada no TIR, é verdade, e o arguido não tomou conhecimento das mesmas.

Também sabemos que desde 10-12-2010 o arguido está preso no estabelecimento prisional do (...). Ou seja, pelo menos desde esta data o arguido não reside na referida morada porque está preso.

            Se é certo que nos termos gerais o arguido tem que comunicar a alteração de residência ou a ausência, sob pena de as notificações se terem por validamente efetuadas, a ausência, no caso, não se insere na lógica das normas dos art. 196º, nº 2, e 113º, nº 1, al. c), do C.P.P., que pressupõem que a alteração de residência ou ausência da residência por mais de 5 dias resulta de um ato de vontade do arguido.

            No caso, e independentemente de o arguido morar, ou não, no local que indicou no TIR, está provado que ele preso desde 10-12-2010.

            Isto significa que a ausência do arguido não é voluntária, não dependeu de ato de vontade do arguido. Ao invés, trata-se de uma ausência imposta pelo Estado português, aos cuidados de quem o arguido está desde aquela data.

            Assim sendo não é aceitável que se trate esta situação como se de ausência voluntária se tratasse, se onere o arguido com a obrigação de comunicação da ausência da residência e, mais, se tenha o arguido como validamente notificado quer da acusação, quer do despacho que designou dia para julgamento.

            É que estando o arguido aos cuidados do Estado desde Dezembro de 2010 o razoável é que o próprio Estado que o deteve informasse os demais serviços públicos da situação daquele cidadão.

Aliás, e isto é tanto mais assim quanto resulta que a detenção se deveu ao sistema de justiça e que foi este mesmo sistema de justiça que, entretanto, o procurou, sem êxito, para o notificar.

            Ainda por cima, no caso, no CRC de fls. 187 e segs. constam várias informações relativas a processos instaurados contra o arguido e em que ele foi condenado em prisão efetiva: é o caso dos seguintes processos

- 748/10.1PSPRT, cuja decisão transitou em 16-8-2011, e onde foi aplicada ao arguido uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

- 828/09.9PDVNG, cuja decisão transitou em 1-9-2011, e onde foi aplicada ao arguido uma pena de 1 ano de prisão;

- 520/05.0GCVCT, cuja decisão transitou em 19-9-2011, e onde foi aplicada ao arguido uma pena de 3 anos de prisão;

- 160/10.2GCVCT, cuja decisão transitou em 2-2-2012, e onde foi aplicada ao arguido uma pena de 3 anos de prisão;

- 1624/10.3PJPRT, cuja decisão transitou em 6-2-2012, e onde foi aplicada ao arguido uma pena de 3 anos de prisão;

- 333/10.8GAPVZ, cuja decisão transitou em 8-3-2012, e onde foi aplicada ao arguido uma pena de 8 meses de prisão.

Portanto, e independentemente de o arguido morar, ou não, no local que indicou no TIR, entendemos que a presunção de notificação, por a carta ter sido enviada para a morada indicada no TIR, está ilidida e que a não notificação não é imputável ao arguido.

            Ao invés, ela é inteiramente imputável ao tribunal, pois que o que era exigível é que se tivesse chegado ao conhecimento da situação do arguido.

A comunicação dos actos de processo visa, além do mais, dar a conhecer o conteúdo de um ato ou a determinar a comparência perante os serviços de justiça - art. 111º, nº 1, a) a c), 283º, nº 5, e 313º, nº 2, do C.P.P.

A lei permite que muitos dos atos de processo sejam notificados, apenas, ao defensor do arguido, tendo-se este também por notificado. Mas esta regra não vale para todos os atos, pois a lei determina que, além do mais, a acusação e o despacho que designa dia para julgamento sejam, também, obrigatoriamente notificados ao arguido, embora esta notificação seja feita nos termos já referidos.

Diferentemente, quando a pessoa a notificar se encontre presa, a notificação é requisitada ao diretor do estabelecimento prisional respetivo, conforme determina o nº 1 do art. 114º do C.P.P.

Com a notificação da acusação a lei cumpre um dos mais fundamentais direitos do arguido, de lhe dar a conhecer os ilícitos que lhe são imputados, permitindo-lhe que deles se defenda, conforme a Constituição e a lei exigem.

Se assim é a não notificação da acusação, quando imputável ao tribunal, ofende este direito fundamental do arguido e gera, em consequência, a nulidade do art. 119º, al. c) do C.P.P.

Tal como é entendido, a ausência do arguido ou do seu defensor, referida nesta norma, não se restringe à ausência física, e também contempla a ausência do ato ou de diligência – no caso, a notificação -, que retire ao arguido o direito de intervir no processo.

            O mesmo sucede relativamente à notificação do despacho que designou dia para julgamento. Não tendo esta sido realizada nos termos que a lei impõe, ou seja, através do diretor do estabelecimento prisional do (...), onde o arguido está preso desde Dezembro de 2010, foi cometida a mesma nulidade.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na procedência do recurso, anula-se todo o processado posterior à dedução da acusação, a qual deve ser notificada ao arguido, nos termos legais, retomando-se, depois, os trâmites legais.


Sem custas.

Olga Maurício (Relatora)

Luís Teixeira