Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
157/10.2TAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 360º, DO C. PENAL
Sumário: A certeza sobre a data de consumação do crime - falsidade de testemunho - não é requisito indispensável ao preenchimento do tipo de ilícito.
Decisão Texto Integral:

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I - RELATÓRIO

1. No processo comum singular n.º 157/10.2TAMMV do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, por sentença datada de 7 de Abril de 2011, foi condenado o arguido A... pela prática de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 6, num total de € 1440.

2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1º- Foi o ora recorrente acusado, por no dia …, no período da tarde, na sala de audiência de julgamento do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, em sede de audiência de discussão e julgamento no âmbito do processo comum colectivo 3/07.4GBCBR, no qual entre outros, se encontrava a ser julgado B..., na qualidade de testemunha de acusação, ter declarado que nunca acompanhou um amigo a ... onde este comprou haxixe ao arguido B... . Porém, no dia … cerca das 19h30, no posto territorial da GNR em Montemor-o-Velho, e no decurso da sua inquirição, enquanto testemunha no âmbito do inquérito que deu origem aos supra referidos autos, o arguido, que desde final de 2006 até Março de 2007 se deslocou com amigo a … em diversas ocasiões para que este comprasse haxixe a B....».
2º- O recorrente foi condenado da prática de 1 crime de falsidade de testemunho p. e p. no art° 360° n°1 do Código Penal.
3º- Após audiência e julgamento a Meritíssima Juiz a quo proferiu sentença, nos precisos moldes, à prévia acusação, determinando a condenação em 240 dias de multa à taxa diária de 6 euros perfazendo um total de 1.440,00 euros.
4º- A divergência, circunscreve-se ao facto de em fase de inquérito, constar no auto de inquirição do recorrente enquanto testemunha “Que desde o final do ano de 2006 e Março de 2007, se
deslocou com seu amigo, cujo nome não pretende revelar, outras vezes, àquele local onde o mesmo adquirira pedaços de haxixe ao “...” (Sr. B....), e, em sede de audiência e julgamento, o ora recorrente, afirmou que “nunca acompanhou um amigo a ... onde este comprou haxixe ao Sr. B....”.
5º- O Arguido não confessou ter mentido no Tribunal, aquando do Julgamento - Audiência de Discussão e Julgamento;
6º- Retira-se da fundamentação, que a Acusação é dúbia, porque não define claramente em que circunstância é que o Arguido mentiu.
7º- Não consta da fundamentação da douta decisão que o Tribunal a quo se tenha socorrido de matéria dada corno provada no julgamento de 02.04.2009, para ai estribar a sua convicção;
8º- A sua convicção alicerça-se somente nos dois testemunhos divergentes.
9º- Que há unia desconformidade entre os 2 depoimentos. é inegável, mas seria necessário demonstrar a realidade subjacente aos mesmos, para apurar em qual dos 2 depoimentos se afastou o Recorrente da realidade.
10º- O Tribunal dá como provado que o Arguido mentiu, mas não demonstra em que ocasião o fez, o que terá que determinar a sua Absolvição.
11º- O art. 360º, n° 1 do Código Penal prescreve que, quem, “como testemunha (…) perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento falsos, é punido (…)”.
12º- Ora, Falso é, o contrário de verdadeiro, ou seja, para se dizer que um depoimento é falso é preciso confrontá-lo com os factos verdadeiros, não bastando que uma testemunha preste depoimentos contraditórios, seja um ou mais, entre si, e sem aquele confronto, há apenas depoimentos divergentes mas não necessariamente contrários à verdade.
13º- A referida sentença cita A. Medina Seiça «in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III», em que este autor acompanha a teoria objectiva, segundo o qual “Para a teoria objectiva a falsidade da declaração reside - na contradição entre o declarado e a realidade, entre a palavra e a realidade ou verdade histórica. Somente a discrepância entre o conteúdo da declaração e o acontecimento fáctico ou objectivo ao qual a declaração se reporta constitui falsidade”. (parágrafo 38, pág. 475, sublinhado nosso); (...) Porém, caso a narração do declarante se afaste do acontecido, isto é, daquilo do tribunal, em face da produção da prova, tenha dado por acontecido, ela é falsa. (…)- (parágrafo 48, pág 477- grifo nosso).
14º- Deste modo, o elemento objectivo, no sentido de realidade objectiva, que é, ou devia ser, a meta do processo, aquilo que se busca, e só assim, se comprova que a narração do declarante se afastou do acontecido, isto é daquilo que o tribunal, em face da produção da prova tenha dado por acontecido, ela é falsa.
15º- A necessária verdade, que se busca para determinação do elemento típico do crime de falso testemunho, não é a verdade formal, mas sim, necessariamente, a que corresponde a um dado acontecimento histórico conhecido de quem depõe e que é intencionalmente negado, ou do conhecimento de um facto inexistente que intencionalmente se afirma como verdadeiro, ou vice-versa, o que só se almejará em face do que a produção da prova tenha dado por acontecido.
16°- A falsidade do depoimento tem que resultar do confronto entre a declaração (ou declarações) falsa e uma determinada realidade objectiva, e, realidade objectiva enquanto acontecimento real que o tribunal em face da produção da prova tenha dado como adquirido, ou seja, tem de se determinar qual dos depoimentos é falso, ou mesmo até, sendo os dois falsos, necessariamente terá de ser confrontado com uma verdade, ainda que, esta verdade seja a que resulta da convicção do tribunal em face de real probatório.
17º- Ora, sendo o elemento típico central do crime em causa reside na falsidade do depoimento, a aferir pela sua desconformidade com o acontecimento real a que se reporta a dita concepção objectiva, consumação existe quando a declaração diverge da realidade objectiva, mas a verdade objectiva é a que resultar dos factos provados, o acontecimento real ou verdade
objectiva é aquilo que o tribunal em face da produção de prova tenha concretizado por acontecido.
18º- Assim, o elemento típico central do crime, que reside na falsidade do depoimento, só se chegará a tal conclusão, ao aferir-se pela sua desconformidade com um acontecimento real a que se reporta a dita concepção objectiva.
19º- Ao invés, a sentença recorrida, conclui erroneamente, que a falsidade afere-se somente pela facto de o arguido ter prestado dois depoimentos divergentes, e divergindo no tempo por um lapso temporal de cerca de 2 anos, pois que, inevitável é, a verificação de incongruências.
20º- O tribunal recorrido, ao condenar sem mais, pelo simples facto de o recorrente, ter prestado dois depoimentos não coincidentes, em dois momentos distintos, não considera outros elementos e questões pertinentes ao tipo de objectivo do crime, e, reduz a actividade jurisdicional a uma mera aplicação aritmética da lei, esquecendo que a realidade é bem mais complexa.
21º- Não demonstra qual a verdadeira história, nem sequer se fixou a verdade objectiva sobre a qual o arguido declarou a falsidade, conscientes que não se exige uma verdade “qua tale” (absoluta), porém, esta será alcançada face da produção da prova tenha dado por acontecido. seja através de um “trabalho” de investigação dos órgãos incumbidos e com competência em fase de inquérito, seja o julgador em fase de julgamento, mas revela-se essencial confrontar a falsidade com a verdade.
22º- Quanto ao dever de verdade a testemunha está adstrita, esta comporta algumas limitações.
Resulta da parte do testemunho em contradição, que o recorrente, não assistiu presencialmente ao “tráfico”, o que, do seu depoimento, demonstra um conhecimento indirecto dos factos essenciais relativamente ao caso originário, ou seja, aquele advém do que lhe foi transmitido pelo amigo que transportava, e, de presunções e unções, na exacta medida em que, o recorrente transportava um amigo para este adquirir “haxixe”, e não o próprio recorrente.
Dispõe o artigo 129º “Depoimento Indirecto” n° 1 do CPP:
Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela porte, servir como meio de prova salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
Acresce, quanto a esta questão, convocando novamente “A. Medina Seiça”, «in Comentário Conimbricense ao código Penal, Tomo III, pág. 466, parágrafo 19»:
“Assim, a testemunha tem o dever de declarar apenas factos de que possua conhecimento directo, i.é., factos que tenham sido objecto das suas percepções, acontecimentos ou circunstâncias concretos (...). Fora do dever de declarar estão os seus juízos de valor e suposições (…)”.
23° - Em suma, não provando o tribunal a desconformidade entre a palavra e a verdade histórica, pois não se diz qual ela foi, não se preenchendo, deste modo, o tipo objectivo do crime em análise, assim só há a consumação do crime de falsidade de testemunho existe sempre que o depoimento diverge da realidade objectiva.
24º- À cautela, também se diz, que a pena determinada pelo Douto Tribunal, foi excessiva, mais, por manifestamente inadequada situação económica, deve a pena aplicada ser revogada, e, ser proferida outra mais favorável em consideração à condição pessoal do Arguido/Recorrente.
25º- Assim, os factos provados não têm aptidão para preencherem o crime de falsidade de testemunho, tipificado no n°1 do art.360° do C. Penal, estando por conseguinte, a sentença recorrida, enfermada de vícios por:
a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) Contradição insanável da entre a fundamentação e a decisão;
26° - Foram violados, no entendimento do recorrido pelo tribunal a quo as normas, artigo 360° n.º 1 do CP, 32°, n.º 2 da CRP., e artigo 126° do CPP.
27º- Vem nestes termos o recorrente ainda, invocar a nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo nos termos do artigo 379º, n° 1 alínea c) do CPP.
TERMOS EM QUE:
Com tais fundamentos deve conceder-se provimento ao recurso e em consequência revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se o arguido/recorrente da prática do crime de falsidade de testemunho, pp. pelo art. 360° n° 1 do C. Penal».

3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo o sentenciado.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral da República pronunciou-se, a fls. 362-367, remetendo para a resposta do Colega de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber:
· se a sentença sofre dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPP;
· se a sentença é nula, por força do artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP;
· se está perfectibilizado pelo comportamento do arguido a acção ilícita típica do crime de falsidade de testemunho;
· se a pena aplicada é exagerada.


2. DA SENTENÇA RECORRIDA

2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
«1. No dia 2 de Abril de 2009, no período da tarde, na sala de audiências de julgamento do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, em sede de audiência de discussão e julgamento no âmbito do processo comum colectivo 3/07.4GBCBR no qual, entre outros, se encontrava a ser julgado B... (também conhecido pela alcunha “...”), e ao qual era imputada, entre o mais, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, o arguido A..., na qualidade de testemunha de acusação, prestou declarações depois de previamente ter prestado juramento e ter sido advertido pelo Juiz que presidiu àquela audiência de julgamento das consequências penais em que incorreria se faltasse à verdade.
2. No decurso da aludida audiência, o Sr. Procurador da República, perguntou ao arguido se se lembrava de no dia 24 de Janeiro de 2007 ter contactado o B…, em ..., com esse carro, e se ia sozinho, tendo o arguido respondido que sim e que ia com um colega seu.
3. Após, perguntou-lhe o Sr. Procurador da República o que iam lá fazer, tendo o arguido respondido, que foram lá entregar o guarda-lamas.
4. Após, à pergunta do Sr. Procurador da República se alguma vez tinha ido com um A... de alcunha “Coelho” a casa do B...nomeadamente para comprar estupefacientes, o arguido respondeu que não.
5. Perguntou ainda o Sr. Procurador da República ao arguido se em fins de 2006 até Março de 2007 alguma vez tinha ido com esse amigo outra vez a casa do B...comprar estupefacientes tendo o mesmo respondido “eu digo sempre que não, porque foi daquela vez, daquelas dias vezes que eu lá fui” (referindo-se às vezes que foi buscar e entregar o guarda lamas que soldara).
6. Perguntou-lhe ainda o Sr. Procurador da República se o arguido do final de 2006 até Março de 2007 se tinha deslocado no seu carro com algum amigo a casa do B...para adquirir haxixe, tendo o mesmo respondido “nunca”.
7. No dia 17 de Julho de 2007, cerca das 19.30 horas, no posto territorial da GNR em Montemor-o-Velho, e no decurso da sua inquirição enquanto testemunha no âmbito do inquérito que deu origem aos supra referidos autos, o arguido, após ter sido advertido que estava obrigado a responder com verdade sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de crime, após ter sido questionado sobre quem conduzia o veículo de matrícula …, no dia 24.01.2007, cerca das 21.32 horas em ..., tendo contactado o B…, declarou: que é o condutor habitual do veículo acima mencionado, pelo que era o seu condutor. Que ali se deslocou com o objectivo de transportar um seu amigo àquele local, onde o mesmo adquiriu ao “...” um pedaço de haxixe; que desde o final do ano de 2006 até Março de 2007 se deslocou com amigo, cujo nome não pretende revelar, outras vezes àquele local onde o mesmo adquiriu pedaços de haxixe ao “...”.
8. Ao prestar os depoimentos referidos, de sentido contrário e antagónico, sabia o arguido que numa dessas ocasiões prestava declarações falsas, não obstante estar ciente que estava legalmente obrigado a prestar declarações verdadeiras.
9. Ao actuar da forma descrita perante o Tribunal e perante órgão de polícia criminal após ter sido advertido das consequências em que incorria se faltasse à verdade, o arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
10. O arguido aufere o vencimento mensal de € 500,00.
11. Reside maritalmente, auferindo a sua companheira o vencimento mensal de € 500,00.
12. O arguido e sua companheira residem em casa própria, adquirida a crédito, pagando a quantia mensal de € 400,00 a título de prestação desse empréstimo.
13. O arguido tem o 9º ano de escolaridade.
14. Já foi condenado pela prática, em 01.01.2006, de um crime de desobediência, em pena de multa, por sentença transitada em julgado em 08.05.2008».

2.2. Motivou-se a matéria dada como provada (inexistindo factos não provados) da seguinte forma:
«O Tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica, e sua valoração à luz das normais regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova:
- Certidão de fls. 2 a 228 dos autos.
- Registo do depoimento prestado pelo arguido na audiência de discussão e julgamento no PCC nº 3/07.4GBCBR, registado no CD junto aos autos.
Do teor de tal certidão e registo magnético extrai-se sem margem para dúvidas, que o arguido prestou depoimento sobre os mesmos factos em sentido completamente contraditório, perante o OPC quando foi ouvido como testemunha no âmbito daquele inquérito, e perante o Tribunal, em sede de audiência de julgamento naqueles autos, quando foi ouvido como testemunha.
Não valorou o tribunal as declarações do arguido uma vez que foram manifestas as incoerências e inconsistências em que incorreu e patente a tentativa da sua desresponsabilização.
Afirmou o arguido que foi por duas vezes às imediações da casa de B...., acompanhado por um amigo, sem nunca ter entrado em tal casa, para ir buscar e levar um pára-choques que soldara. Da segunda vez o seu amigo trouxe haxixe dizendo-lhe que tinha sido o B...que lho dera.
Que quando prestou depoimento perante o OPC foi muito pressionado, “queriam tirar-lhe alguma coisa”, e que o auto que assinou não foi lido por si, sendo do entendimento que nele se exararam declarações que não prestou, sem porem, ter concretizado tal afirmação. Que na ocasião se sentiu pressionado, porque se comentava que o B...andava em ambientes dúbios, e ele, arguido, nada tinha a ver com a vida daquele, tendo receado que o incriminassem.
Que na audiência de julgamento daqueles autos, quando foi ouvido como testemunha, nas respostas que deu referiu-se sempre e exclusivamente a si, e não ao seu amigo, pois entendeu que as perguntas que lhe eram colocadas se referiam à sua pessoa.
Não colhe, manifestamente, a versão do arguido.
Com efeito, basta ouvir o registo do depoimento prestado pelo arguido na audiência de discussão e julgamento no PCC nº 3/07.4GBCBR, registado no CD junto aos autos, para se concluir que o arguido tinha perfeita consciência que ali estava na qualidade de testemunha (o próprio o afirmou quando questionado pelo Sr. Juiz Presidente se sabia porque ali estava), que sabia qual o assunto que estava a ser tratado, que as perguntas que lhe foram feitas reportavam-se ao dia 24.01.2007, e ao período compreendido entre finais de Março de 2006 a Março de 2007, e que as mesmas visavam apurar se ele arguido se havia deslocado a casa do ali arguido B...., com algum amigo para adquirir haxixe.
É manifesto pela foram como foram formuladas as perguntas ao arguido em sede de audiência de julgamento (que tinha consciência que aí depunha como testemunha), que o que se pretendia apurar era se ele se tinha deslocado a casa de B.... com algum amigo que ali tivesse ido adquirir àquele produtos estupefacientes, não se alcançado como poderia o arguido pensar, como disse, que as perguntas feitas se reportavam apenas à sua própria pessoa, já que antes tinha sido ouvido em sede de inquérito, onde foi questionado sobre os mesmos factos, e aí fez referência a um seu amigo que ali foi comprar haxixe, não se olvidando ainda a forma insistente como foi questionado em audiência sobre esses factos, à forma como o foi, e ao conhecimento anterior que tinha sobre o “assunto” que estava a ser tratado.
Não se depreende igualmente o sentido das declarações do arguido quando afirmou que naquela audiência de julgamento nas respostas que deu se reportou exclusivamente a si, porque “o que as outras pessoas fazem não tem de saber”, sendo certo que postura diferente (sem concretizar porquê), teve quando foi ouvido pelos OPC, onde fez referência a um seu amigo que transportou a ... onde o mesmo adquiriu ao “...” um pedaço de haxixe, e que desde o final do ano de 2006 e até Março de 2007 se deslocou com o seu amigo outras vezes àquele local onde o mesmo adquiriu pedaços de haxixe ao “...”, não se olvidando ainda que sabia estar a ser inquirido como testemunha, e dos deveres que como tal estava obrigada para que fosse realizado o interesse da realização da justiça, como é do conhecimento da generalidade dos cidadãos.
Não convenceu, pois, da sua versão, não lhe tendo o Tribunal dado qualquer crédito.
Quanto à situação pessoal e económica do arguido fundou o tribunal a sua convicção no teor das declarações do mesmo, e no CRC junto aos autos».
*
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Vem o arguido interpor recurso da sentença em que foi condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho.
Começa por impugnar a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, invocando apenas vícios do artigo 410º, 2, a) e b) do CPP, não chegando a invocar erros de julgamento (se tivesse sido esse o seu fito, não tinha cumprido, nem de longe nem de perto, o ónus de impugnação previsto no artigo 412º/3 e 4 do CPP).

3.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Para o recorrente, os factos dados como provados – e que ele acaba por não contestar – não integram a prática de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360º/1 do CP.
No fundo, discute-se o Direito e não os Factos.
Por tal motivo, nem sequer alude a razões justificativas da alegação que faz – que a sentença incorre nos vícios do artigo 410º/2 a) e b) do CPP.
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP.

3.4. Nem sequer a sentença é nula, como insinua o recorrente num simples artigo da sua motivação, sem sequer fundamentar essa alegação.
Invoca o artigo 379º/1 c) do CPP.
Sem razão.
De facto, não se vislumbra que o tribunal tenha deixado de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer ou tenha conhecido de questões que não podia tomar conhecimento.
A questão do depoimento indirecto do arguido, única peça a depor neste julgamento, reconduz-se à decisão de Direito e aos meios de prova que consubstanciaram a decisão de facto.
Nunca será tal reconduzível a uma nulidade do artigo 379º/1 c) do CPP.
Trataremos dessa questão mais à frente.
Improcede, pois, a conclusão 27º.
3.5. Como tal, só pode improceder a argumentação deste recurso, em sede factual, tendo-se por assentes, em consequência, todo o acervo factual constante da sentença recorrida.

3.6. QUESTÕES DE DIREITO
a)- Haverá crime?
O TRIBUNAL condenou o recorrente pela prática do crime em causa porquanto este, em dois momentos distintos processuais, e sobre a mesma realidade fáctica, prestou declarações contrárias.
Ou seja, ou mentiu no inquérito do Pº 3/07, ou mentiu na audiência desse processo.
Ninguém pode estar a dizer a verdade em dois momentos, quando sobre a mesma realidade fáctica faz depoimentos contraditórios.
Ou foi com o A... a casa do B…, ou não foi.
Em inquérito, diz que foi (facto 7), referindo ainda que o viu ir comprar droga ao dito B… .
Em audiência, diz que não (facto 4).
Quando depôs em sede de inquérito, foi advertido das consequências das suas afirmações, como bem resulta de fls 548.
O arguido, nessa sede como testemunha, assinou o auto que lhe terá sido lido, como é costume.
A responsabilidade do que ali está escrito é sua e só sua.
A parte final do auto não permite dúvidas – o auto foi ratificado pelo depoente, lido e revisto integralmente.
Como tal, não pode agora vir dizer que não percebeu bem o que ficou escrito no auto.
O tribunal recorrido raciocinou assim, retirando credibilidade ao depoimento do recorrente na audiência destes autos:
«Não valorou o tribunal as declarações do arguido uma vez que foram manifestas as incoerências e inconsistências em que incorreu e patente a tentativa da sua desresponsabilização.
Afirmou o arguido que foi por duas vezes às imediações da casa de B...., acompanhado por um amigo, sem nunca ter entrado em tal casa, para ir buscar e levar um pára-choques que soldara. Da segunda vez o seu amigo trouxe haxixe dizendo-lhe que tinha sido o B...que lho dera.
Que quando prestou depoimento perante o OPC foi muito pressionado, “queriam tirar-lhe alguma coisa”, e que o auto que assinou não foi lido por si, sendo do entendimento que nele se exararam declarações que não prestou, sem porem, ter concretizado tal afirmação. Que na ocasião se sentiu pressionado, porque se comentava que o B...andava em ambientes dúbios, e ele, arguido, nada tinha a ver com a vida daquele, tendo receado que o incriminassem.
Que na audiência de julgamento daqueles autos, quando foi ouvido como testemunha, nas respostas que deu referiu-se sempre e exclusivamente a si, e não ao seu amigo, pois entendeu que as perguntas que lhe eram colocadas se referiam à sua pessoa.
Não colhe, manifestamente, a versão do arguido.
Com efeito, basta ouvir o registo do depoimento prestado pelo arguido na audiência de discussão e julgamento no PCC nº 3/07.4GBCBR, registado no CD junto aos autos, para se concluir que o arguido tinha perfeita consciência que ali estava na qualidade de testemunha (o próprio o afirmou quando questionado pelo Sr. Juiz Presidente se sabia porque ali estava), que sabia qual o assunto que estava a ser tratado, que as perguntas que lhe foram feitas reportavam-se ao dia 24.01.2007, e ao período compreendido entre finais de Março de 2006 a Março de 2007, e que as mesmas visavam apurar se ele arguido se havia deslocado a casa do ali arguido B...., com algum amigo para adquirir haxixe.
É manifesto pela forma como foram formuladas as perguntas ao arguido em sede de audiência de julgamento (que tinha consciência que aí depunha como testemunha), que o que se pretendia apurar era se ele se tinha deslocado a casa de B.... com algum amigo que ali tivesse ido adquirir àquele produtos estupefacientes, não se alcançado como poderia o arguido pensar, como disse, que as perguntas feitas se reportavam apenas à sua própria pessoa, já que antes tinha sido ouvido em sede de inquérito, onde foi questionado sobre os mesmos factos, e aí fez referência a um seu amigo que ali foi comprar haxixe, não se olvidando ainda a forma insistente como foi questionado em audiência sobre esses factos, à forma como o foi, e ao conhecimento anterior que tinha sobre o “assunto” que estava a ser tratado.
Não se depreende igualmente o sentido das declarações do arguido quando afirmou que naquela audiência de julgamento nas respostas que deu se reportou exclusivamente a si, porque “o que as outras pessoas fazem não tem de saber”, sendo certo que postura diferente (sem concretizar porquê), teve quando foi ouvido pelos OPC, onde fez referência a um seu amigo que transportou a ... onde o mesmo adquiriu ao “...” um pedaço de haxixe, e que desde o final do ano de 2006 e até Março de 2007 se deslocou com o seu amigo outras vezes àquele local onde o mesmo adquiriu pedaços de haxixe ao “...”, não se olvidando ainda que sabia estar a ser inquirido como testemunha, e dos deveres que como tal estava obrigada para que fosse realizado o interesse da realização da justiça, como é do conhecimento da generalidade dos cidadãos.
Não convenceu, pois, da sua versão, não lhe tendo o Tribunal dado qualquer crédito».
Mais palavras para quê?
O indefensável é avançado pelo recorrente e não cairemos nós em armadilhas de argumentação de arguido «mau pagador»!

b)- E haverá sempre crime, mesmo que não se tenha provado em que momento processual ele mentiu.
Isso mesmo resultava da acusação e dos factos provados neste julgamento (e daí que nem seja necessário invocar uma alteração não substancial de factos, ao abrigo do artigo 358º do CPP, tal como faz o Acórdão da Relação do Porto de 21/2/2007, in www.dgsi.pt).
O que se passa é que o arguido mentiu num dos dois momentos processuais.
Com efeito, é inquestionável que o arguido mentiu, sendo tal mentira relevante em termos penais e resultando despiciendo pesquisar em que momento o fez.
Não se diga que tal indagação é necessária: é certo que o momento será importante para se aferir, por exemplo, de uma prescrição; mas por outro lado, o que interessa pesquisar é a razão da mentira, como foi proferida, como ocorreu e quando existiu (sendo lícito deixar em aberto o momento concreto, pois que de uma das vezes foi o crime cometido).
O arguido prestou, em dois momentos processuais distintos, depoimentos contraditórios e antagónicos.
Só que o tribunal não logrou apurar em qual dos dois momentos o arguido mentiu; porém, esse hiato só releva, como já se viu, para a determinação do momento da consumação do crime, sendo porém certo que este está consumado: com efeito, num dos momentos o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual está acusado, assim prestando depoimento falso, dolosamente.
Neste caso concreto, a falta de determinação do momento da prática e da consumação do ilícito não tem qualquer consequência processual ou substantiva, tendo-se por assente que o crime foi realmente cometido.
Também nesta vertente, não é caso de se usar do princípio in dubio pro reo, nem há lugar à conclusão de existência de insuficiência para a matéria de facto provada, no sentido de se não lograr obter um juízo seguro que permita a condenação do arguido.
Como defendeu o Acórdão da Relação do Porto de 22/11/2006 «A questão que, antes de mais, tem de ser colocada consiste em saber qual a consequência jurídica que deve decorrer do facto de não ter sido possível ao tribunal apurar em que momento o recorrente cometeu uma falsidade de testemunho.
Com efeito, e como já dissemos, não subsistem dúvidas em face dos factos dados por provados de que em dois momentos processuais distintos, o recorrente, sujeito a um dever processual de verdade e de completude, prestou depoimentos divergentes e até antagónicos sobre a mesma realidade.
A realidade sobre que recaíram os dois depoimentos é só uma, mas os depoimentos prestados, nos dois momentos processuais, são discrepantes, entre si, e relatam realidades distintas. Por isso, em algum desses momentos processuais ocorreu uma contradição entre o depoimento prestado e a verdade histórica objectiva.
A narração do recorrente, em algum desses momentos, afastou-se da verdade objectiva, dele conhecida, violando, desse modo, o bem jurídico protegido: a realização da justiça como função do Estado, a qual requer a contribuição de todos os intervenientes processuais para o esclarecimento da factualidade relevante em ordem à correcta decisão.
O tribunal não conseguiu apurar em que momento processual o recorrente prestou o depoimento falso, mas tal falta de determinação, apenas releva para a determinação do momento de consumação do crime.
A consumação existe sempre que a declaração diverge da realidade objectiva.
Apurado que num dos momentos processuais o recorrente com a sua conduta preencheu os elementos objectivo (falsidade do depoimento) e subjectivo do tipo (sabendo que o conteúdo do seu depoimento era objectivamente falso – dolo), o tipo de ilícito está perfeitamente preenchido.
O facto de não se ter apurado se o crime foi cometido ou no dia 9 de Junho de 2003 ou no dia 26 de Outubro de 2001 não acarreta, como consequência, que não se possa ter por assente que o crime foi cometido. O crime foi, efectivamente, cometido, só não se sabe em que data o foi.
A não fixação da data de consumação do crime não impõe nem a absolvição da recorrente, por apelo ao princípio in dubio pro reo, nem traduz uma qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no sentido de tornar impossível um juízo seguro de condenação.
O juízo seguro de condenação decorre da prova de que o recorrente, sujeito a um dever processual de verdade e de completude, prestou, em dois momentos processuais, depoimentos divergentes sobre a mesma realidade. O facto de o tribunal não ter logrado apurar a verdade objectiva, conhecida do recorrente (e, daí, não ter conseguido determinar em que momento foi cometida a falsidade) não prejudica uma convicção de certeza sobre a acção típica).
A certeza sobre a data de consumação do crime não é um requisito indispensável ao preenchimento do tipo-de-ilícito.
A incerteza sobre a data de consumação do crime só poderá relevar para certos efeitos jurídicos, v.g., de consideração de uma eventual prescrição do procedimento criminal ou de aplicação de uma hipotética lei de amnistia, devendo, para esses efeitos, a incerteza sobre a data de consumação sempre ser valorada a favor do recorrente, pela aceitação daquela que lhe seja mais favorável».
- no recurso nº 4016/04-4 -, «a certeza sobre a data de consumação do crime não é requisito indispensável ao preenchimento do tipo-de-ilícito», contrariando-se assim a doutrina explanada por Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário ao CP (fls 848).
Também esta Relação de Coimbra assim decidiu em decisão sumária datada de 18/5/2011 (Pº 195/09.8T3AVR.C1):
«Por outro lado, é irrelevante para a verificação do tipo a circunstância de se não ter apurado em qual das ocasiões o ora recorrente faltou à verdade, se quando prestou declarações em inquérito, se quando prestou depoimento em audiência. O requisito material ou objectivo que condiciona a verificação do tipo legal previsto no art. 360º, nº 1, do Código Penal, na vertente do depoimento testemunhal, é a prestação de depoimento falso, elemento que está indesmentivelmente comprovado, já que tendo o recorrente prestado declarações dispares naquelas duas ocasiões, não restam dúvidas de que num dos depoimentos faltou à verdade. E nem se diga, como o faz o recorrente, que nestas circunstâncias deveria ter sido absolvido em homenagem ao princípio in dubio pro reo. Este é um daqueles casos “em que o juiz não logra esclarecer, em todas as suas particularidades juridicamente relevantes, um dado substrato de facto, mas em todo o caso o esclarece suficientemente para adquirir a convicção de que o arguido cometeu uma infracção, seja ela em definitivo qual for (…). Nestes casos ensina-se ser admissível, dentro de certos limites, uma condenação com base em uma comprovação alternativa dos factos”[2]. Esta determinação alternativa dos factos constitui uma excepção ao funcionamento do princípio in dubio pro reo, sofrendo apenas os limites decorrentes do princípio da legalidade e os decorrentes da eventual verificação da prescrição relativamente a uma das incriminações (não necessariamente a mais antiga), já que no caso de factos temporalmente distanciados, a determinação alternativa nos termos preconizados não poderá funcionar em desfavor do arguido».
Ou seja, mentiu numa das vezes o arguido, sendo falsa toda a declaração que respeita a matéria sob dever de verdade e não corresponde à verdade histórica – e só isso releva para a perfectibilização do crime, para a conclusão de que o arguido violou o bem jurídico que se pretende proteger, ou seja, a realização da Justiça!
Improcedem, assim, as conclusões 6 a 23, 25 e 26.

c)- Nem faz ainda qualquer sentido a alusão ao depoimento indirecto do arguido (artigo 129º do CPP).
Então não estamos nós a falar de conhecimento directo de factos, quando lemos as declarações do recorrente no inquérito ou na audiência do Pº 3/07?
Mais directo do que isto?
Ou foi ou não foi com o A... a casa do B… .
Algo por si vivido, por si percepcionado.
Se optou por mentir numa das vezes, a culpa é sua e só sua…

d)- Resta a MEDIDA DA PENA.
A sentença sob recurso fez bem o procedimento de determinação da pena, partindo da seguinte moldura penal abstracta:
· prisão de 6 meses a 3 anos OU multa não inferior a 60 dias (máximo: 360 dias – artigo 47º/1 do CP).
Afastou expressamente a possibilidade de aplicar uma pena de PRISÃO, optando por uma pena NÃO privativa da liberdade, bem justificando a opção (artigo 70º do CP).
Na determinação da MEDIDA DA PENA, após a ESCOLHA feita, há que lançar mão do artigo 71º do CP.
Tal normativo estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena.
Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, só há que considerar que a pena se mostra ATÉ benevolente, não sendo, de todo em todo, exagerada.
Os argumentos do recorrente são absolutamente genéricos e pouco eivados em factos justificativos da pura alegação.
Tem este arguido antecedentes criminais por desobediência, o que até demonstra uma personalidade avessa a cumprir regras.
Assim, em concreto, atender-se-á:
· à culpa, sendo certo que o arguido actuou com dolo directo, nunca confessando ou admitindo a sua culpa na parte essencial da factualidade submetida a julgamento, preferindo arranjar desculpas infundamentadas e inverosímeis
· às exigências de prevenção geral, as quais se nos afiguram particularmente acentuadas dada a frequência deste tipo de crime, mentindo as pessoas em tribunal, sem dó nem piedade!
· às exigências de prevenção especial, as quais revertem CONTRA si, na medida em que não é delinquente primário.
Numa altura em que a acção dos nossos tribunais é tão colocada em causa, em discursos infundamentados e deslegitimadores de uma autoridade de Estado, quer se queira, quer não, condenações como esta justificam-se e aplaudem-se.
Como tal, não nos parece excessiva a pena de 240 DIAS de MULTA, a uma taxa muito reduzida de € 6, perfeitamente razoável e também benevolente (sempre ganha este agregado cerca de mil euros mensais – factos 10/11).
Falece, assim, também nesta parte, a argumentação do arguido (conclusão 24).

3.7. Improcede, assim, todo o recurso.

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar não provido o recurso intentado por A..., mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs [artigos 513º/1 do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2 e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III).

Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Cacilda Sena)