Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/13.3GAFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO
RESSARCIMENTO DE DANOS
EQUIDADE
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 4.º, AL. A), 8.º, N.º 3, 496.º, N.ºS 1 E 4, E 1878.º, DO CÓDIGO CIVIL; ART. 13.º, N.º 1, DA CRP
Sumário: I – A equidade, enquanto fonte legal de realização da justiça moral a lesado em bens de natureza não patrimonial – cfr. arts. 4.º, al. a), e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, a partir, portanto, de voláteis e subjectivas ponderações de metafísicos valores de bom senso, razoabilidade, justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência…, haverá natural/necessariamente de ser incorporada de afectos e pessoal sensibilidade do julgador, para além, ou com independência, pois, dos limites do sistema jurídico-positivo.

II – Por conseguinte, a decisão judicial definitória do correspectivo valor indemnizatório, que nela se suporte, porque inevitavelmente afectada por subjectiva discricionariedade, apenas poderá merecer juízo de censura por tribunal superior – em sede de recurso –, e consequente alterabilidade, se se empiricamente evidenciar que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, e, assim, potencialmente comprometa a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa, (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição).

III – Ainda assim, a respeitante resolução recursória, porque também intrinsecamente associada a abstractos critérios de equidade, sempre, no fundo, se haverá outrossim de nortear por idêntica matriz extra-sistémica, inevitavelmente matizada pela cultura e humanidade pessoal dos respectivos Juízes.

IV – O valor indemnizatório a atribuir a vítima de atropelamento com apenas 10 (dez) anos, haverá de reunir ideal aptidão a proporcionar-lhe significativo conforto material/económico aquando da respectiva aquisição da plena capacidade civil, aos 18 (dezoito) anos, e, destarte, facultar-lhe considerável compensação moral/emocional pelas lesões, dores, angústias, frustrações e incómodos para si de tal sinistro decorrentes, no caso sub judice essencialmente condicionantes de fractura da diáfise do fémur esquerdo, internamento, imobilização e repouso absoluto por 97 dias; défice funcional temporário parcial por 557 dias, e perda de ano lectivo escolar, cujo montante se terá por minimamente razoável fixar em € 15.000,00 (quinze mil euros), correspondente ao recursivamente peticionado, por contraponto ao de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), atribuído em 1.ª instância.

V – O ajuizamento – e respectiva vinculatividade – emergente do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 6/2014, do Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2014, (publicado no DR n.º 98, 1.ª série, de 22/05/2014), não obstante especificamente reportado a cônjuge de vítima de evento lesivo de respectivos bens e/ou interesses imateriais (não patrimoniais), por analogia, (cfr. art.º 10.º, ns. 1 e 2, do C. Civil), e sob pena de violação do princípio da igualdade, prevenido sob o art.º 13.º da Constituição Nacional, deverá também aproveitar às demais individualidades jurídicas elencadas sob o n.º 2 do citado art.º 496.º do Código Civil, que, por reflexo/indirecto efeito do contextual acto ilícito, e em virtude da especial ligação que (à época) mantenham com o sinistrado, pessoalmente sofram acentuados danos morais que doutra forma provavelmente os não acometeriam.

6 – Assim, a mãe da criança atropelada que, para além das pessoais dores sentimentais e angústias naturalmente associadas à percepção do sofrimento do vitimado filho, houve que lhe excepcional e exclusivamente dedicara pessoal assistência durante todo o período da respectiva convalescença e recuperação, mesmo em detrimento dos outros filhos, com significativo esmero, esforço e incómodo, consideravelmente marginais aos comummente associados aos deveres legais da relação paternal-filial, postulados pelo art.º 1878.º, n. 1, do Código Civil, o que, não fora a produção do referido acto lesivo (atropelamento), seguramente/provavelmente não ocorreria, deverá também merecer equitativa e material compensação – absolutamente denegada em 1.ª instância –, que, no caso sub judice, se tem por ajustado fixar pelo valor razoavelmente propugnado em sede recursiva, de € 5.000,00 (cinco mil euros).

Decisão Texto Integral:            
Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1 – Recorreu a cidadã A... pela peça junta a fls. 456/465, cujo teor nesta sede se tem por reproduzido –,a título representativo do seu filho menor, nascido em 29/12/2001, B..., e no seu próprio interesse, da vertente da sentença documentada na peça de fls. 397/442, por cujo conteúdo – no que ora releva – se ajuizou do direito do seu id.º filho B... ao ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos por efeito de pessoal atropelamento – em 29/08/2012 – por veículo automóvel imprudentemente conduzido pelo cidadão C...[1], porém pelo definido valor pecuniário de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), por contraponto ao correspondentemente peticionado de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), e se lhe irreconheceu (a si, A... ) o próprio invocado direito indemnizatório – pelo peticionado montante de € 10.000,00 (dez mil euros) – , de reflexos e pessoais danos morais, a final propugnando pela respeitante alteração sentencial no sentido atribuitivo de correspectivos valores indemnizatórios de € 15.000,00 (quinze mil euros) e € 5.000,00 (cinco mil euros), a cargo da entidade seguradora, demandada, F... , S.A., como emerge da respectiva motivação/justificação, máxime do concernente quadro-conclusivo[2], (consabidamente circunscritor do objecto, âmbito e fundamento do manifestado dissídio):

«[…]

1. O montante da indemnização atribuída ao lesado por danosmorais deve ser significativa e não simbólica.

2. Atento que no caso concreto o Demandado B... é umacriança, com 10 anos à data do acidente, que sofreu fracturada diáfase do fémur esquerdo;

3. Que teve 97 dias de défice funcional temporário total (deimobilização e repouso absoluto) e 557 dias de déficefuncional temporário parcial – ou seja, quase 2 anos derecuperação;

4. Que teve de estar imobilizado com tracção esquelética 2meses e meio no hospital;

5. Que apesar da medicação teve dores quer no hospital, querdepois durante a recuperação, ou seja, durante quase 2 anossentiu dores;

6. Sentiu medo, angústia e pânico;

7. Teve um quantum doloris de grau 4 (em 7);

8. Perdeu o ano escolar em virtude do internamento eimobilização;

9. Esteve 3 meses e meio imobilizado na cama sem se poderlevantar, fazendo as refeições, tomando banho e fazendo assuas necessidades fisiológicas na cama;

10. Teve de andar de cadeira de rodas e posteriormente decanadianas até Junho de 2013, embora com muitas dificuldades, desequilíbrio, medo de cair, dores na perna ecansaço;

11. Fez fisioterapia e diversas consultas;

12.Durante esse ano lectivo de 2012/2013 deixou de poderpraticar desporto, jogar futebol, andar de bicicleta, nadar,correr, o que lhe causou desgosto e pena;

13.Actualmente, ainda sente dores na perna esquerda quando emesforço;

14. Pelo que deve ser atribuída ao Demandante cível B... uma indemnização por danos nãopatrimoniais, de forma equitativa, realista e adequada àscircunstâncias do caso concreto de € 15.000,00 (quinze mileuros).

15. Quanto à sua mãe, A... , deve serigualmente atribuída uma indemnização por danos nãopatrimoniais,

16.Pois, apesar de não se tratar (felizmente) de um caso demorte, não pode deixar de se incluir o caso dos autos – em que a mãe do lesado sofreu muito com o sofrimento do filhoe ficou angustiada quando o viu inanimado e, devido àdependência total deste de terceira pessoa por 3 meses emeio, foi quem tratou exclusivamente dele e depois oacompanhou na sua recuperação aos exames e tratamentosdurante quase 2 anos – na previsão das normas do art. 496º nº 2 e 3 do Código Civil.

17. E assim se deve fazer uma interpretação extensiva (art.9º doCódigo Civil) e dentro do espírito dessas normas, para oscasos de lesões não letais mas com gravidade e que geremdependência e sofrimento atendível, dentro dos parâmetroscomuns.

18.Daí, também, que tal direito de indemnizaçãopor danos indirectos ou reflexos deve ser circunscrito àspessoas indicadas no aludido nº 2 do art.496º e, consequentemente, à mãe do lesado (só esta, já que o pai dolesado já faleceu), a demandada A... .

19.É nesse sentido o Acórdão uniformizador de jurisprudência doSTJ nº 6/2014 de 19/5/2014: "Os artigos 483º nº 1 e 496º nº 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido deabrangeram os danos não patrimoniais particularmentegravesl sofridos por cônjuge da vítima sobrevivente, atingidade modo particularmente grave" e que por analogia (art.10º nº 1 do Código Civil) também abrange a mãe da vítima como ocaso dos presentes autos.

20. E essa indemnização por danos não patrimoniais reflexos daDemandante A... deve ser igualmentevalorado com recurso à equidade e demais circunstâncias docaso concreto no valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mileuros).

21. Pelo que, a douta sentença ao valorar o dano nãopatrimonial do demandado B... em € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) e não em €15.000,00 (quinze mil euros) fez uma incorrectainterpretação da lei, nomeadamente do disposto nos arts.496º e 494º do Código Civil.

22. Bem como ao não atribuir qualquer indemnização por danosmorais à Demandante A... fez umaincorrecta interpretação da lei, nomeadamente do disposto

nos arts. 496º e 494º do Código Civil.

23.Assim, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, entreoutras, as normas contidas nos arts.9º, 10º, 483º, nº 1, 494º e496º do Código Civil.

[…]»

2 – A referenciada demandada, empresa seguradora F... , S.A., pronunciou-se pela inconsequência argumentativa e pela decorrente improcedência recursória, (vide referente peça processual – de resposta –, a fls. 478/480).

II – AVALIAÇÃO

II.A – CONTEXTUALIZAÇÃO

§ 1.º

Como supra sumariamente se noticia, emerge da economia da fundamentação recursória, mormente do referente quadro-conclusivo, a nuclear demanda pela id.ª cidadã à Relação da verificação/análise do alegado cabimento legal dos convocados direitos indemnizatórios, compensatórios dos danos não patrimoniais directamente consequentes à pessoa do seu filho B... do atropelamento de que foi vítima em 29/08/2012, e reflexa/indirectamente a si própria, pelos correspectivamente quantificados montantes de € 15.000,00 (quinze mil euros) e € 5.000,00 (cinco mil euros), e, decorrentemente, do apontado afrontamento pelo órgão julgador[3]das regras postuladas sob os ns. 1, 2 e 4, 1.ª parte, máxime, do Código Civil.

§ 2.º

Para cabal apreciação e dilucidação da correspectiva problemática haver-se-á de conferir a essencialidade do acervo factual judicialmente tido por adquirido, bem como da fundamentação jurídica do decidido[4]:

a) Juízo factual:

«[…]

1) No dia 29 de Agosto de 2012, pelas 14H15, na Rua do Casarão, Sampaio, Marinha das Ondas, área da Figueira da Foz, o arguido C... conduzia, no sentido IC 1/Leirosa, o veículo ligeiro de mercadorias, da marca Renault, modelo Trafic, com a matrícula (...) DA pertencente à sociedade «D... , Lda.», a uma velocidade de cerca de 45 km/hora.

2) A estrada [por]onde o arguido circulava é uma recta com boa visibilidade, com 5,90 metros de largura, composta por duas vias com dois sentidos de trânsito e respectivas bermas, exclusivamente com passeio em frente à casa n.º 4 dessa rua, com pavimento em estado regular, seco e limpo.

3) O dito passeio possui cerca de 1 metro de largura e 20 cm de altura.

4) Tal via é precedida de curva apertada à direita, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido.

5) O arguido seguia o máximo encostado à sua direita, evitando a invasão da hemi-faixa de rodagem contrária.

6) Após ter completado a referida curva, o arguido avistou, a 40 metros de distância, o ofendido e os irmãos deste, todos menores e sem vigilância, em cima do passeio.

7) Quando o arguido se encontrava a circular na sua mão de trânsito, por o fazer sem a atenção devida, encostou-se demasiado à direita, junto da casa com o número de polícia n.º 4, e foi colher o ofendido B... , que se encontrava no passeio aí existente.

8) O embate causou ao ofendido dores e fractura da diáfise do fémur esquerdo.

9) B... sofreu um défice funcional temporário total (anteriormente designado por incapacidade geral total, correspondendo a períodos de internamento e/ou repouso absoluto) de 97 dias, desde 29/08/2012 até 03/12/2012.

10) O défice funcional temporário parcial (anteriormente designado por incapacidade geral parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitações) é fixável em 557 dias, desde 04/12/2012 até 13/06/2014, data da alta da consulta externa de ortopedia, em que apresentava consolidação médico-legal das lesões, sem sequelas e sem desvalorização.

11) A repercussão temporária total na actividade escolar (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total, correspondendo ao período durante o qual o lesado, em virtude do período evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação médico-legal, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua actividade profissional habitual) é fixável desde o início do ano lectivo de 2012/2013 até ao final da 2.ª semana de Janeiro de 2013.

12) A repercussão temporária parcial na actividade escolar (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização daquelas actividades, ainda que com limitações) é fixável desde o início da 3.ª semana de Janeiro de 2013 até ao final do ano lectivo de 2013/2014, isto é, até à data da consolidação médico-legal das lesões.

13) As lesões que sofreu determinaram um quantum doloris (correspondente ao sofrimento físico e psíquico vivido pela vítima durante o período de incapacidade temporária) de 4 pontos, numa escala de 7 graus.

14) O ofendido apresenta mobilidade da anca e do joelho conservadas e não dolorosas.

15) Não possui aparente encurtamento clínico do membro inferior esquerdo nem atrofias musculares.

16) Não foram encontradas quaisquer alterações de índole funcional que mereçam a sua valorização, em termos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, nem rebate ao nível da actividade escolar, bem como não há justificação para atribuição de dano estético.

[…]

19) Logo após o embate, o menor B... ficou prostrado, inanimado, no chão da via.

20) Foi transportado de urgência de ambulância do INEM para o Hospital Distrital da Figueira da Foz.

21) Quando tomou consciência de si, ficou em pânico, começou a gritar e a sentir dores na perna esquerda.

22) Em virtude do referido em 8), foi sujeito a tratamento conservador com tracção esquelética.

23) No Hospital, onde esteve internado durante cerca de dois meses e meio, teve de ficar imobilizado na cama, sem se poder levantar, fazendo as refeições, tomando banho e fazendo as suas necessidades fisiológicas na cama.

24) Apesar da medicação que tomava, sentia muitas dores, sobretudo quando lhe mexiam na perna para trocar ligaduras e aplicar tratamentos.

25) Sentia medo e angústia, sobretudo à noite, pois acordava frequentemente em sobressalto e começava a chorar.

26) A mãe tinha que lhe dar a mão para ter algum conforto emocional.

27) Sentia-se mal por não se poder mexer e ter que permanecer no Hospital, sem de lá poder sair.

28) Decorrido o tempo de internamento, foi transportado de ambulância para sua casa, onde ficou de repouso absoluto na cama, por mais um mês.

29) Também aí a mãe esteve sempre ao seu lado.

30) O menor continuou a sofrer dores na perna afectada.

31) Em 15/11/2012, teve consulta externa no Hospital Distrital da Figueira da Foz, apresentando rigidez do joelho esquerdo, défice de força muscular, dismetria dos membros inferiores e incapacidade para marcha com canadianas, deslocando-se em cadeiras de rodas.

32) Iniciou fisioterapia com programa de reabilitação naquele Hospital.

33) Começou então a andar com duas canadianas, com muitas dificuldades, desequilíbrio, medo de cair, dores na perna e cansaço.

34) Reavaliado em consulta externa naquele Hospital, em 04/12/2012, verificou-se evolução favorável, com melhoria gradual das amplitudes do joelho – embora com flexão ainda limitada a 110º e dolorosa a partir dos 80º – e da força muscular – embora ainda deficitária (grau 4) e com atrofia de 2,5 cm da coxa esquerda, comparativamente ao membro contralateral.

35) Continuou programa de reabilitação em ambulatório no serviço de Medicina Física e Reabilitação desse Hospital.

36) Reavaliado em consulta externa naquele Hospital, em 03/01/2013, verificou-se evolução favorável, apresentando amplitudes e força muscular adequadas, atrofia de 0,5 cm da coxa esquerda comparativamente ao membro contralateral, fazendo marcha eficaz com duas canadianas, embora mantivesse dismetria dos membros inferiores.

37) Teve alta dos tratamentos de fisioterapia com indicação de ser reavaliado em consulta de Medicina Física e Reabilitação se houvesse agravamento do quadro clínico/funcional, aguardando consulta externa de reavaliação de ortopedia, a qual teve lugar em 14/01/2013, depois em 04/03/2013 e em 17/06/2013, com realização de RX de controlo, e, por último, em 13/06/2014, tendo também sido realizado um RX que revelou fractura consolidada sem sequelas.

38) Continuou a andar com duas canadianas até cerca do mês de Junho de 2013.

39) Só quando o médico autorizou as deslocações, de canadianas, depois do primeiro período lectivo de aulas, é que o menor B... pôde começar a frequentar a escola.

40) Não se conseguia deslocar sozinho à escola, pelo que teve de ser a mãe a ir-lo levar e trazer.

41) Continuou com dores.

42) Tinha medo de cair e de piorar o seu estado de saúde.

43) Depois de deixar as canadianas, ainda assim coxeava.

44) Durante esse ano lectivo de 2012/2013 deixou de poder praticar desporto, jogar futebol, andar de bicicleta, nadar, correr.

45) O que lhe causou desgosto e pena, pois não podia estar, brincar e conviver com os seus amigos e colegas.

46) O menor B... não pôde frequentar as aulas do 1.ºperíodo escolar do 6.ºano do Agrupamento de Escolas de Paião, Escola Básica Dr. Pedrosa Veríssimo, onde se encontrava inscrito.

47) A falta de assiduidade determinou que não pudesse apreender os conteúdos programáticos escolares, o que levou a que não tivesse sucesso escolar e, assim, reprovasse nesse ano.

48) Actualmente [com referência a 31/01/2014, data do registo em Juízo da peça representativa do petitório ressarcitivo (vide fls. 144/151 v.º)], o B... ainda sente dores na perna esquerda quando em esforço.

49) O B... nasceu em 29 de Dezembro de 2001, pelo que à data do acidente tinha 10 anos de idade.

[…]

53) A mãe do menor, A... , sofreu muito quando viu o seu filho inanimado no chão, logo após o embate, temendo pela sua vida.

54) E sofreu com o sofrimento do seu filho durante a recuperação ao longo de mais de 10 meses, pois via-o com dores e nada podia fazer, sentindo-se impotente.

55) Durante os três meses e meio de repouso absoluto do menor, foi a mãe quem o acompanhou sempre, quer no hospital quer em casa, tratando de si, dando-lhe banho, preparando-lhe as refeições, auxiliando-o para fazer as necessidades fisiológicas, acompanhando-o às consultas e tratamentos de fisioterapia.

56) Era a mãe quem o ia levar e buscar à escola e a todos os outros locais, assim que começou a andar de cadeiras de rodas e depois de canadianas.

57) A mãe do menor deixou de cuidar dos seus dois outros filhos, tendo inclusivamente que os deixar com amigos ou familiares, a quem pagou €125,00 para que tomassem conta deles.

58) Mediante acordo escrito, titulado pela apólice n.º 01456566, a F... , S.A., comprometeu-se a pagar a terceiros os valores pecuniários emergentes da circulação do veículo de matrícula (...) DA, conduzido pelo arguido.

[…]»

           

            b) Juízo jurídico:

«[…]

5.2. Danos não patrimoniais.

5.2.1. Do demandante B... .

Os danos não patrimoniais são todos aqueles que não atingem o património do lesado e são insusceptíveis de avaliação pecuniária. Em suma, são os que “afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia de ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada”.

Nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nem todos os danos não patrimoniais são compensáveis, mas apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

[…]A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada.

E o dano não patrimonial […]não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado «quantum doloris», que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o «dano estético», que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o «prejuízo de distracção ou passatempo», caracterizado pela privação das satisfações da vida, vg., com a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o «prejuízo de afirmação social», dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na «alegria de viver»; o «prejuízo da saúde geral e da longevidade», em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o «prejuízo juvenil», que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; o «prejuízo sexual», consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismos nos órgãos sexuais; o «prejuízo da auto-suficiência», caracterizado pela necessidade de assistência de uma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade de caminha, de se vestir, de se alimentar”.

Além disso, a regra de fixação do montante indemnizatório, em sede de danos não patrimoniais, encontra-se consagrada no n.º 3 do artigo 496.ºdo Código Civil: vale aqui a regra da equidade, tendo-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e outras circunstâncias concretas relevantes. Relevantes são também os padrões geralmente adoptados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda. Acima de tudo, entende-se que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, como vem sendo reiterado pelos tribunais superiores.

Face à matéria de facto que resultou provada, dúvidas não subsistem de que o demandante sofreu danos não patrimoniais relevantes, tais como:

[…][5]

Salientando-se sobretudo os meses em que teve de permanecer imobilizado, de modo a consolidar a fractura que sofreu, o lapso temporal durante o qual careceu de assistência permanente, os tratamentos a que teve de se submeter e as dores que isso lhe causou, a sua idade à data dos factos, a tristeza que sentiu por não poder desenvolver as actividades próprias da sua idade, o ano escolar que perdeu, por falta de assiduidade, o medo vivenciado, mas especialmente a circunstância de não possuir sequelas, encontrando-se curado, recorrendo aos critérios a que já fizemos menção e aos valores fixados em situações paralelas, do que são exemplos:

[…]

Julgamos adequado fixar em €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) a compensação devida pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor, não havendo lugar a qualquer dano futuro neste particular, tal como já acima ficou exposto a propósito dos danos patrimoniais.

[…]»

5.2.2 Da demandante A... .

No que diz respeito aos danos não patrimoniais próprios que a mãe do menor invoca, entendemos que, independentemente do que ficou apurado, a sua pretensão carece de sustentação legal.

Como é consabido, a discussão em torno da indemnização dos danos morais reflexos em caso de lesão corporal figura como questão longe de ser consensual.

Na verdade, o entendimento tradicional nesta matéria pode sintetizar-se nos seguintes termos:

- Só tem direito a indemnização por danos não patrimoniais o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal, pelo que não estão incluídos na indemnização os danos sofridos indirecta ou reflexamente por terceiros, salvo no caso de morte (artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil).

- O artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil possui natureza excepcional, o que impede a sua aplicação analógica, e a interpretação extensiva acha-se excluída, por o legislador apenas ter querido abranger as pessoas indicadas no preceito, como decorre do elemento histórico[…].

Tendemos, no entanto, a concordar com Abrantes Geraldes quando avança que:

- São ressarcíveis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é directamente atingida, designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia que interfira fortemente na esfera jurídica de terceiros.

- Tal direito de indemnização deve ser circunscrito, por ora, às pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil.

Trata-se, em suma e a título dos exemplos citados, de admitir a compensação da mulher que vê o marido quedar impotente na decorrência de acidente, da esposa que carece de se tornar «enfermeira» em virtude de uma lesão gravemente incapacitante do companheiro, dos pais que vêem a criança de 7 meses sofrer graves lesões corporais resultantes de queimaduras e que perdurarão por toda a sua vida, etc..

Nessa esteira se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/03/2006, proc. n.º 0631053, acessível in www.dgsi.pt, concluindo que, “embora tenha natureza excepcional, nada obsta a que se faça uma interpretação extensiva da norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil para os casos de ofensa corporal não causadora da morte, situação em que as pessoas referidas nesse n.º 2 se poderão apresentar como credoras de indemnização por danos não patrimoniais que elas próprias tenham sofrido, desde que se trate de situações compreendidas no espírito da norma (designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia do lesado)”.

Significa o exposto que, não obstante a resposta favorável que damos na problematização da compensação dos danos reflexos, aderimos, por igual forma, à constatação do carácter excepcional de tal tutela de terceiros e que [se]deverá, nessa medida, quedar restrita às aludidas situações de importante prejuízo para a relação mantida com o lesado ou quando das mesmas decorra uma grave dependência ou perda de autonomia.

O que não é manifestamente o caso dos autos. Efectivamente, o sofrimento instantâneo ou imediato de divisar o ofendido sinistrado, temendo pela sua vida, e que se manteve durante a sua recuperação, por assistir ao sofrimento que o seu próprio filho sentia – com subsequente recuperação integral e sem qualquer incapacidade permanente – não se mostra, em si mesmo, interesse suficientemente valioso quando titulado por terceiro para justificar a intervenção de uma qualquer indemnização. O que nos obriga, subsequentemente, a recusar que os mesmos sentimentos possam fundar a intervenção do instituto da responsabilidade civil por forma a compensar a demandante nesta sede.

A sua pretensão é, assim, julgada improcedente.

[…]»

II.B– APRECIAÇÃO

§ 1.º – DIREITO INDEMNIZATÓRIO DO VITIMADO MENOR

1 – Como supra se salientou, vem apenas submetida à apreciação deste tribunal, no particular conspecto, a razoabilidade da decisão definitória do sinalizado montante pecuniário de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), e a respectiva idoneidade à ideal compensação do id.º menor B... pelos danos não patrimoniais que lhe advieram por efeito do atropelamento de que foi vítima em 29/08/2012.

Trata-se de fluida problemática, insusceptível de racional apreensibilidade e científica dilucidação, posto que intrinsecamente associada a abstractos critérios de equidade – postulados pelo art.º 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código Civil – e à correspondente margem de discricionariedade do respectivo órgão julgador.

De facto, representando a equidade a fonte jurídica de realização da justiça moral do caso concreto – cfr. arts. 4.º, al. a), e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, a partir, portanto, de voláteis e subjectivas ponderações de metafísicos valores de bom senso, razoabilidade, justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência…,natural/necessariamente incorporadas de afectos e pessoal sensibilidade do julgador, para além, ou com independência, pois, dos limites do sistema jurídico-positivo, em bom rigor o exercício decisório que a (equidade) tenha por base muito dificilmente – se não impossivelmente – poderá ser lógico/dialecticamente sindicado mediante os processos metodológicos comuns por qualquer tribunal superior – razão-de-ser decerto condicionante do legal decretamento, sob o n.º 4 do art.º 39.º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV – aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12), da irrecorribilidade da decisão arbitral fundada em juízos de equidade[6] –, salvo se se empiricamente inteligir que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, designadamente da oriunda do Supremo Tribunal de Justiça, e, assim, potencialmente comprometer a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa, (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição).

Por conseguinte, a particular/pertinente resolução deliberativa deste órgão colegial da Relação, ainda que ideal/tendencialmente harmónica com simétricos tratamentos jurisprudenciais, em conformidade com o postulado normativo estabelecido sob o n.º 3 do Código Civil, sempre, no fundo, se haverá também inelutavelmente de nortear por idêntica matriz sopesativa extra-sistémica, de incontornável intangibilidade racional-valorativa associada à equidade, inevitavelmente matizada pela cultura e humanidade pessoal dos respectivos Juízes.

2 – Assim, e essencialmente considerando:

2.1 – Que a exigível prestação indemnizatória por danos não patrimoniais, pela própria imaterial e irreparável natureza dos interesses afectados pelo acto lesivo economicamente inquantificável, haverá tendencialmente:[a)] que virtualmente constituir satisfatório lenitivo pelos malefícios e incómodos causados, apenas, portanto, eventualmente compensáveis pela atribuição ao respectivo titular de significativa – e não meramente simbólica – quantia pecuniária potencialmente adequada ao custeio de gratificantes bens e/ou serviços contemporaneamente à correspectiva disponibilização disponíveis no mercado, e, [b)] outrossim, reflectir, pelo grau do correspondente valor, a reprovabilidade/censurabilidade da culposa conduta causal do agente infractor, (cfr. arts. 483.º, n.º 1, 562.º, 563.º, 496.º, n.º 4, 1.ª parte, e 494.º, do C. Civil);

2.2 – Os acentuados e prolongados padecimentos físicos e psicológico-emocionais do vitimado infante – de apenas 10 (dez) anos de idade – B... , tidos por adquiridos, e supra registados;

2.3 – A sua consequente perda de um ano lectivo (de 2012/2013), e a associada e natural angústia;

2.4 – O facto de em nada ter comportamentalmente contribuído para a produção do lesante sinistro (de 29/08/2012), exclusivamente atribuível a imprudente tripulação – pelo cidadão C... – do veículo automóvel(de matrícula n.º (...) DA) cuja responsabilidade à época se encontrava contratualmente transferida (pela apólice n.º 01456566) para a demandada sociedade seguradora F... , S.A.;

2.5 – A judicialmente inconsiderada circunstância de, por efeito da sua – menor B... – incapacidade de pessoal disposição do pertinente valor indemnizatório que lhe seja atribuído, e negocial, até aos 18 (dezoito) anos de idade, postulada pela dimensão normativa emergente da conjugada interpretação dos arts. 122.º, 123.º, 127.º, em sentido inverso, e 129.º, do Código Civil, e a expectável/relativa diminuição do valor da moeda e do poder de compra – ditada pelas regras da experiência comum – quando atingir a maioridade (só em 29/12/2019) e a plena capacidade do correspectivo (indemnização) gozo;

2.6 – E, ainda, o evolutivo padrão jurisprudencial de significativa atribuição de moralizadores valores ressarcitivo-compensatórios a lesados em imateriais interesses pessoais, designadamente em similares contingências, de que são mero exemplo os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09/09/2010 [Revista n.º 2572/07.0TBTVD.L1.S1, em cujo âmbito foi atribuída indemnização compensatória de € 30.000,00 (trinta mil euros)], 09/02/2011[Revista n.º 999/07.6TBLSD.P1.S1, em cujo âmbito, por aproximadas consequências, foi atribuída indemnização compensatória de € 15.000,00 (quinze mil euros)], 18/12/2012 [Revista n.º 1030/09.2TBFLG.G1.S1, em cujo âmbito, por não muito diferenciadas sequelas advindas também a criança de 10 anos de idade, atropelada em passadeira de peões, foi atribuída indemnização compensatória de € 30.000,00 (trinta mil euros)],sumariamente referenciados na página da internet do STJ, sob o linkhttp://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012.pdf, e respectivas págs. 215, 240 e 310, e o deste Tribunal da Relação de Coimbra de 06/03/2012 [Proc. n.º 1679/04.0TBPBL.C1, em cujo âmbito, por não muito superior gravame produzido a pessoa de 41 anos, foi atribuída indemnização compensatória de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros)];

Tem-se por ajustada e equilibrada a ora recursivamente propugnada atribuição ao id.º menor B... , a título de compensação dos danos morais (não patrimoniais) por si sofridos em decorrência do caracterizado atropelamento de que foi vítima em 29/08/2012,da importância pecuniária de € 15.000,00 (quinze mil euros), por contraponto ao exiguamente definido – com o devido respeito pela Ex.ma signatária da questionada sentença – em 1.ª instância (de € 6.500,00), que, por efeito do referenciado contrato de seguro, haverá de ser paga pela entidade seguradora F... , S.A..

§ 2.º – PESSOAL DIREITO INDEMNIZATÓRIO DA PRÓPRIA DEMANDANTE A...

1 – A utilidade do argumentário recursivo no que à correspondente pretensão concerne reduz-se já/apenas à questão da emergência para a própria demandante A... , em reflexa decorrência do enunciado lesionamento a seu filho B... , de gravosos danos morais/imateriais também – autonomamente – merecedores de ponderosa tutela e justa compensação, posto que já judicialmente aceite em 1.ª instância o cabimento legal do correspectivo direito, como, aliás, não poderia deixar de ser, por força do – sentencialmente  inconsiderado/irreflectido (!) – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 6/2014, do Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2014, (publicado no DR n.º 98, 1.ª série, de 22/05/2014), que – embora tirado por maioria (com diversos votos de vencido) – veio pôr termo a longínqua divisão de respeitante entendimento/ajuizamento jurisprudencial, fixando disciplina interpretativa dos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, no sentido de dever em abranger os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave[7], cujo rigor, não obstante a conclusiva e específica alusão a cônjuge de vítima sobrevivente (em causa no respectivo processo), sempre, como, ademais, na respectiva fundamentação considerado – e no ora avaliando recurso pertinentemente significado –, por inevitável analogia, (cfr. art.º 10.º, ns. 1 e 2, do C. Civil), e sob pena de incursão em vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, prevenido sob o art.º 13.º da Constituição Nacional, deverá aproveitar às demais individualidades jurídicas elencadas sob o n.º 2do citado art.º 496.º do Código Civil: aos filhos ou outros descendentes de vítima sobrevivente; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem, e, logo, no caso sub judice, à mãe – único progenitor vivo – do vitimado/atropelado menor, id.ª A... .

2 – Salvaguardada a devida consideração, ainda no particular conspecto divergimos da questionada conclusão da Ex.ma decisora de 1.ª instância:

O evocado direito ressarcitivo da dita progenitora não se fundou apenas nas próprias dores sentimentais emergentes da pessoal percepção dos sofrimentos do filho B... , como indevidamente a final ajuizado, mas também na reconhecida – sob os itens40.º, 55.º, 56.º e 57.º do assertório sentencial (factos provados) –,porém juridicamente desconsiderada, necessária, excepcional e exclusiva dedicação assistencial à sua pessoa durante todo o período da respectiva convalescença e recuperação, mesmo em detrimento dos outros filhos (vd. 57.º ponto-de-facto), que, não fora a produção do referido acto lesivo (atropelamento), seguramente/provavelmente não ocorreria, e, fundamentalmente, com tal particular esmero e óbvio desgaste físico e emocional intensidade.

Decorrentemente, verificado que é o respectivo nexo de causalidade com tal evento lesivo, (cfr. arts. 562.º e 563.º do Código Civil), crê-se convictamente que tais anómalos incómodos e angústias, consideravelmente marginais aos comummente associados aos deveres legais da relação paternal-filial, postulados pelo art.º 1878.º, n. 1, do Código Civil, também deverão merecer a tutela do direito e idónea compensação pecuniária, que, por inevitável recurso à caracterizada equidade, em conformidade com a enunciada dimensão normativa – resultante da integrada interpretação dos arts. 383.º, n.º 1, e 496.º, ns. 1 e 4, 1.ª parte, do C. Civil –, se tem por adequado/ajustado fixar em valor coincidente com o recursiva/razoavelmente peticionado, de € 5.000,00 (cinco mil euros), outrossim da imediata responsabilidade da id.ª seguradora F... , S.A..

III – DISPOSITIVO

Assim, o pertinente órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo provimento ao avaliando recurso, e, consequentemente, alterando – nos moldes sobreditos – a sindicada sentença (de fls. 397/442), delibera:

1 – Condenar a empresa seguradora F... , S.A.:

1.1 – Ao pagamento ao id.º menor B... , representado por sua mãe A... , a título ressarcitivo-compensatório de danos não patrimoniais (morais) emergentes para a sua pessoa do embate provocado em 29/08/2012 pelo veículo automóvel de matrícula n.º « (...) DA», por efeito da sua imprudente condução pelo cidadão C... , da importância pecuniária de € 15.000,00 (quinze mil euros).

1.2 – Ao pagamento à id.ª cidadã/demandante A... , a título ressarcitivo-compensatório de danos não patrimoniais (morais) próprios, reflexa/indirectamente emergentes para a sua pessoa do dito sinistro de 29/08/2012, produzido pela imprudente condução pelo cidadão C... do referido veículo automóvel de matrícula n.º « (...) DA», da importância pecuniária de € 5.000,00 (cinco mil euros).

1.3 – Ao pagamento de juros moratórios, à taxa legal em vigor, incidentes sobre cada uma de tais parcelas, calculados desde a data da publicação do presente acórdão, e até integral liquidação, (cfr. arts. 804.º, 805.º, n.º 3, 1.ª parte, e 806.º, ns. 1 e 2, e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002, de 09/05/2002, in DR n.º 146,Série-A, de 27/06/2002).

2 – Condenar– correctivamente (relativamente à referenciada sentença) – os id.os demandantes e demandada ao pagamento das custas cíveis respeitantes aos oportunamente formulados pedidos cível-indemnizatórios, na proporção do respectivo decaimento,e em função do valor da respectiva causa definida na sentença de 1.ª instância,[cfr. arts. 523.º e 524.º do Código de Processo Penal; 527.º, ns. 1 e 2, 297.º, ns. 1 e 2, e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; e 4.º, n.º 1, al. n), a contrario, do Regulamento das Custas Processuais].

3 – Condenara demandada seguradora, F... , S.A.,ao pagamento das custas devidas pelo recurso para esta instância, que se fixam no montante equivalente a 2 (duas) UC, em função do respectivo decaimento,(cfr. arts. 523.º e 524.º do C. P. Penal; 527.º, ns. 1 e 2, do C. P. Civil; e 6.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à respectiva/anexa Tabela I-B, e n.º 4).

***

Coimbra, 16/12/2015.

Os Juízes-desembargadores:

(Abílio Ramalho, relator)[8]/[9]

(Luís Ramos - adjunto)


[1] Condenado por correspectivo crime de ofensa à integridade física por negligência, (p. e p. pelo art.º 148.º, n.º 1, do Código Penal), à pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros).
[2]Documentado a fls. 463 v.º / 464 v.º.
[3] Representado por Ex.ma Juíza de Direito.
[4] Com realces do ora relator, também responsável pelo suprimento dalguns observados erros gramaticais sintácticos.
[5] Segmento representativo da reprodução das caracterizadas sequelas do referenciado atropelamento em 29/08/2012.
[6]Vide, fundamentalmente, a propósito do conceito e funcionamento da equidade, o douto artigo do Ex.mo Prof. Dr. MANUEL CARNEIRO DA FRADA, in https://www.oa.pt/upl/%7Ba83fee07-fbee-44a1-86d7-bef33f38eb86%7D.pdf.
[7] «Os artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.»
[8] Elaborei e revi o presente aresto, (cfr. art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).
[9] Em conformidade com a dimensão normativa extraída da conjugada interpretação dos arts. 12.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 21.º e 78.º, n.º 1, da ConstituiçãoNacional, deixo consignada a minha firme oposição/objecção, e consequente insubmissão, enquanto magistrado judicial e comum cidadão, à (bizarra) disciplina normativo-alterativa da grafia etimológico-científica e cultural-tradicional do idioma português europeu (de Portugal), postulada, máxime, sob as bases IV, n.º 1, b), IX, ns. 9 e 10, XV, n.º 6, a) e b), XVII, n.º 2, e XIX, n.º 1, b), doAnexo I do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao AcordoOrtográfico da Língua Oficial PortuguesaAcordo Ortográfico de 1990 (AO90) – adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé em 26 e 27 de Julho de 2004, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16/05/2008, publicada no DRn.º 145, I Série, de 29/07/2008, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, assinado em 21/07/2008 e publicado no mesmo DR (n.º 145, I Série)de29/07/2008 – actos necessária/constitucionalmente publicitados pelo Avison.º 255/2010 do Ministério dos Negócios Estrangeiros,firmado em 13/09/2010 e publicado no DR n.º 182, I Série, de 17/09/2010 [como exigido pelo art.º 119.º, n.º 1, al. b), da Constituição] –, pela seguinte essencial/nuclear/fundamental ordem-de-razões:
a) Por atentar contra o meu pessoal direito constitucional ao livre desenvolvimento da minha própria personalidade, à liberdade de expressão escrita, e à estabilidade e fruição do património linguístico e ortográfico nacional, particularmente protegidos pelos arts. 26.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, da Constituição;
b) Por apenas eventualmente assumir virtual vinculatividade jurídica no ordenamento nacional (interno) em 22/09/2016, data em que se perfectibilizará a moratória de 6 (seis) anos estabelecida sob o n.º 2 do art.º 2.º da dita Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008e sob o n.º 2 do art.º 2.º do referenciado Decreto Presidencial n.º 52/2008, necessariamente computada desde a data da publicação do mencionado Avison.º 255/2010 do Ministério dos Negócios Estrangeiros (de 17/09/2010), e acrescida do legal período de 5 (cinco) dias de vacatiolegisprevenido sob o n.º 2 do art.º 2.º da Lei n.º 74/98, de 11/11, (entretanto noutros conspectos alterada pelas Leis ns. 2/2005, de 24/01, 26/2006, de 30/06,e 42/2007, de 24/08, est’última dela republicativa); 
c) Por, enquanto representante do órgão de soberania tribunal (e cidadão), não me encontrar sujeito à injunção administrativa estabelecida sob o n.º 1 da Resoluçãodo Conselho de Ministros (RCM)– regulamento administrativoindependente – n.º 8/2011, de 09/12/2010, publicadano DRn.º 17, 1.ª Série, de 25/01/2011, acto, aliás, orgânica e formalmente inconstitucional, quer, designadamente, por abstrair de prévia e necessária lei parlamentar habilitante reguladora do objecto da respectiva temática/matéria, ou fixativa da competência objectiva e subjectiva para a sua emissão, quer por não assumir a forma de decreto regulamentar, [cfr. ainda arts. 110.º, n.º 1, 111.º, n.º 1, 112.º, ns. 6 e 7, e 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição].