Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/21.0T8IDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
AÇÃO RESOLUTIVA
CADUCIDADE
INÍCIO DE CONTAGEM DO PRAZO
AÇÃO PENAL
Data do Acordão: 04/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE IDANHA-A-NOVA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º, N.º 5, DO NRAR (APROVADO PELO DL 294/2009, DE 13-10), 71.º, 72.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, E 306.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Por força da adesão obrigatória da ação indemnizatória civil ao processo penal, o direito à indemnização decorrente de ilícito criminal só pode ser exercido no processo penal, enxertando-se a este.

II – Nesse âmbito, apenas é permitida a indemnização civil quanto a danos causados pela conduta considerada como crime, gerando a responsabilidade a que alude o art. 483.º, n.º 1, do CCiv., o que impede um pedido de resolução de contrato de arrendamento rural.

III – Não estando a parte obrigada a aderir à ação penal para pedir a resolução do contrato, o processo penal em nada condiciona o prazo de caducidade da ação civil resolutiva.

Decisão Texto Integral:
Processo 52/21.0T8IDN.C1


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA veio instaurar a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra KK... e BB, alegando ter o então seu marido, CC, com sua autorização, dado de arrendamento ao R., à época solteiro, o prédio inscrito na matriz sob o artº ...2º da seção J da freguesia ..., ..., com início em 01.10.1988, pelo prazo de 9 anos, renovável automaticamente por períodos de três anos, pela renda inicial de 30.000$00, a qual é atualmente  no valor de 500,00 euros.

O prédio dado de arrendamento confronta pelo nascente e pelo norte com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...4º da secção J da freguesia ..., concelho .... Em 2019 o R. adquiriu a cortiça de vários sobreiros existentes nessa propriedade  que extraiu em data anterior a 15.07.2019, ao mesmo tempo que movimentou no terreno os marcos que delimitavam o prédio inscrito sob o artº ...4 do prédio dado de arrendamento, movendo-os para o interior deste prédio, ganhando aquele uma área de terreno nas estremas poente e norte, onde estão implantados 42 sobreiros e extraiu a cortiça desses sobreiros que são da propriedade da A. e que não fazem parte do contrato de arrendamento agrícola.

Apresentou queixa crime pela indevida extração da cortiça, tendo o R. sido constituído arguido. Todavia, o processo foi  arquivado por decisão de 18.11.2020, por não estar indiciada a existência de dolo.

Ao agir do modo descrito, o R. não zelou pelo bem, prejudicou o prédio na sua substância e utilizou-o para fim distinto do estipulado no contrato.

A final, pediu que fosse considerado resolvido o contrato de arrendamento e os RR. condenados a despejar o prédio e a entregá-lo à A., livre e desocupado de pessoas e bens e em perfeitas condições de conservação.

Os RR. contestaram, alegando o uso indevido da presente ação, pois que a cessação do contrato por resolução deve ser efetuada nos termos do disposto no artº 26º, nº 4 do DL 294/2009, mediante notificação judicial avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução.

Mais invocaram a exceção de caducidade, alegando que a A. tem conhecimento dos factos que fundamentam a resolução desde data anterior a 15.07.2019. Admitiram que retiraram, por erro, a cortiça dos sobreiros do prédio da A., em Maio de 2019, tendo a A. tido conhecimento desse facto nessa data e uma vez que a presente ação apenas foi instaurada em 17.03.2021, decorreu mais de um ano sobre o conhecimento dos factos pela A.. Negaram que tivessem movimentado os marcos, tendo retirado a cortiça no convencimento de que os sobreiros em causa integravam o prédio descrito sob o artº ... por confusão acerca da linha de demarcação, pois as estremas não estavam devidamente assinaladas.

Concluem pela sua absolvição do pedido. 

A A. respondeu, defendendo, quanto ao alegado uso inapropriado da presente ação que a circunstância de poder proceder à cessação do contrato por via extrajudicial, não a impede de a obter por via judicial.  Relativamente à exceção de caducidade, defendeu que o  prazo de caducidade de resolução do contrato de arrendamento se interrompeu com a apresentação da queixa crime, iniciando-se novo prazo de um ano a partir da data do arquivamento, pelo que o seu direito não caducou.

Foi proferido despacho saneador onde se conheceu do invocado uso indevido da forma do processo que se desatendeu, tendo se considerado que a A. podia ter recorrido à via judicial e se  julgou procedente a exceção de caducidade.

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1.ª Por douto despacho saneador-sentença julgou o Tribunal a quo, de que se recorre, procedente a exceção de caducidade da ação, absolvendo o Réu do pedido, uma vez que entende não se aplicar ao caso concreto princípio da adesão no processo penal e, como tal, a apresentação de queixa-crime não interrompeu o prazo de um ano para propor a presente ação de despejo.

2.ª Com a devida vénia, a Recorrente não entende assim.

3.ª Assim, e salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que o douto tribunal a quo mal andou ao decidir desta forma, sendo, na nossa opinião, flagrante a injustiça plasmada nesta decisão.

4.ª É verdade que a ora Recorrente apresentou queixa-crime contra o Recorrido em 15/07/2019, contudo, fê-lo porque apenas suspeitava que tivesse sido ele a extrair a cortiça, não tinha a certeza, e, como tal, não tinha motivo sério e preponderante para resolver o contrato de arrendamento – ou seja, não podia basear uma ação de despejo na simples suspeita.

5.ª Seguindo este raciocínio, a Recorrente apresentou a queixa-crime, na expectativa de se conseguir prova bastante do autor da extração da cortiça e da alteração dos marcos e, no caso de se verificar que tinha sido efetivamente o Recorrido, a Recorrente intentaria a presente ação.

6.ª Foi precisamente o que sucedeu.

7.ª Na sequência do processo-crime a Recorrente teve a certeza de que o Recorrido extraiu a cortiça indevidamente dos seus sobreiros, pois este confessou tê-lo feito.

8.ª Caso o Recorrido não tivesse confessado, a Recorrente não tinha dado entrada da presente ação, pois apenas tinha suspeitas.

9.ª Na verdade, o inquérito culminou em arquivamento, pois o Ministério Público entendeu que não havia dolo. Ora, inexistindo dolo e tratando-se os dois crimes em causa de crimes dolosos, falta do elemento subjetivo, não podendo, pois, ser imputado ao ora Recorrido qualquer crime.

10.ª Só aquando da notificação do despacho de arquivamento a Recorrente soube que o Recorrido admitiu ter extraído a cortiça, independentemente de o ter feito em situação de erro – o que, na nossa opinião e salvo o devido respeito, não se concebe, pois o Recorrido bem sabe e conhece todas as estremas do prédio da Recorrente.

11.ª Ora, tendo em mente que a Recorrente apenas soube que foi o Recorrido a extrair a cortiça, porque este confessou tal aquando da sua tomada de declarações no inquérito, entendemos que o prazo previsto no artigo 17.º, n.º 5, do NRAR, apenas começou a contar a partir da data da notificação à Autora do despacho de arquivamento, o que veio a ocorrer em 18/11/2020.

12.ª Neste sentido, reitera-se que não se pode dar entrada de ações temerárias, sem um fundamento sério e, no caso concreto, só após a notificação do despacho de arquivamento é a que a Recorrente teve um fundamento sério e bastante para dar entrada da ação de despejo, por forma a resolver o contrato de arrendamento rural.

13.ª Por outro lado, entendemos que o prazo de caducidade da resolução do contrato de arrendamento dos autos, interrompeu-se com a apresentação de queixa.

14.ª Ora, vigorando o princípio da adesão no processo penal (art. 71.º, do CPP), a Autora, ora Recorrente, estava obrigada a deduzir pedido de indemnização cível naqueles autos e, uma vez que não obteve êxito na sua pretensão, unicamente, por o inquérito ter sido inconclusivo quanto à culpa do Réu (elemento subjetivo).

15.ª Estando em causa a responsabilidade contratual e extracontratual – como é o caso –, o prazo de caducidade para propor a presente ação civil só deve contar a partir do arquivamento do processo crime, iniciando-se novo prazo de um ano para a resolução do contrato e reclamação dos demais direitos, conforme previsto no art. 306.º, n.º 1, do Código Civil.

16.ª Foi precisamente o que se fez, motivo pelo qual deveria ter sido julgada improcedente a exceção perentória de caducidade da ação, determinando-se o prosseguimento dos autos até final.

17.ª Além disto, entendemos que a decisão recorrida viola o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, na medida em que a Recorrente vê violadas a certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas, nomeadamente, do art. 71.º, do CPP, e do art. 306.º, n.º 1, do CC.

18.ª E isto porque, aquando da apresentação da queixa-crime, a Recorrente acreditava que vigorava o princípio da adesão em processo penal, previsto no art. 71.º, do CPP, e, por outro lado, em virtude do arquivamento, acreditava que o prazo para intentar a presente ação apenas começava a correr “quando o direito puder ser exercido” (art. 306.º, n.º 1, do CC).

19.ª Em suma, entendemos que o prazo para a Recorrente intentar a presente ação apenas podia ser exercido a partir da data em que esta foi notificada do despacho de arquivamento, sob pena de se dar entrada de uma ação temerária e, tendo pela frente, quase que uma probatio diabolica caso o ora Recorrido não confessasse ter extraído a cortiça, como fez no processo-crime.

20.ª E impor à Recorrente que não vigora no caso concreto o princípio da adesão no caso dos autos, é precisamente violar o princípio da confiança e da segurança jurídica, porquanto, esta vê violadas a certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas.

21.ª Por outro lado, a situação dos autos é uma situação de injustiça flagrante que só beneficia o infrator.

22.ª A Recorrente ficou sem a cortiça, a qual já tinha vendido a um terceiro. Pior, como o comprador da cortiça já a tinha pago, a Recorrente ficou a dever esse dinheiro ao comprador, tendo de o devolver e existindo litígio relativamente a essa questão.

23.ª Assim, face à conduta do Recorrido, a Recorrente ficou com um prejuízo considerável pois ficou sem a cortiça e a dever o valor da mesma ao comprador.

24.ª Pelo que por uma questão meramente formal decide-se injustamente e em claro benefício do infrator, que atuou em claro beneficio próprio.

25.ª Trata-se, pois, de uma questão de justiça material, a qual foi colocada em causa com a decisão recorrida.

26.ª Ora, por tudo o exposto supra, entendemos que o despacho saneador-sentença deve ser revogado e substituído por Acórdão que julgue improcedente a exceção de caducidade e, em conformidade, que ordene o prosseguimento dos autos.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente e, em consequência, deverá ser revogado o despacho saneador/sentença, proferido, e substituído por Acórdão que julgue improcedente a exceção de caducidade, seguindo o processo demais termos até final.

A parte contrária contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…).

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu ato, em princípio delimitado pelo conteúdo do ato recorrido,

a questão a decidir é tão só:

.se o prazo de caducidade se interrompeu com a queixa crime apresentada pela A. contra o Réu, iniciando-se novo prazo a partir da data de arquivamento dos autos de inquérito.

III - Fundamentação

Mostram-se admitido por acordo e por documentos (artº 607º, nº 4 ex vi do artº 663º, nº 2, ambos do CPC) os seguintes factos com interesse para a apreciação do presente recurso:

. Em 1.10.1988, CC, marido da A., com a autorização desta, deu de arrendamento ao R., o prédio rústico sito em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artº ...2º da seção J, freguesia ..., concelho ....

. Foi convencionada a renda anual de Esc.30.000$00 que atualmente, face às sucessivas atualizações, é de 500,00, a pagar por depósito ou transferência bancária para a conta da A. , até ao final do mês de Setembro, de cada ano.

. O prédio arrendado confronta pelo nascente e pelo norte com o prédio rústico inscrito na matriz sob o artº ...4º da seção J da freguesia ..., concelho ....

. Em data não apurada, mas que se situa no Verão de 2019, em data anterior a 15.07.2019, o R. extraiu a cortiça de alguns sobreiros implantados no prédio rústico artº 54-J.

. A A. apresentou queixa crime, em 15.07.2019, dando origem ao inquérito n.º 73/19...., indicado o R. como suspeito de ter retirado cortiça do seu prédio e ter alterado os marcos, o qual foi arquivado por despacho de 18.11.2020.

. Nesse inquérito, o réu foi inquirido como testemunha em 17.10.2019.

. A presente ação deu entrada em 17.03.2021.

. CC faleceu em 21.03.2015.

. Por escritura de 21.04.2015, a A. foi habilitada como única herdeira de CC.

Apreciando:

O artº17.º, n.º 5, do NRAR (aprovado pelo DL 294/2009, de 13 de outubro) estabelece que “a resolução deve ser comunicada dentro do prazo de seis meses para os contratos com duração até dois anos e de um ano para os restantes contratos, a contar da data de conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.”

Uma vez que o contrato que unia o R. ao marido da A., tendo esta, sucedido na posição contratual por óbito do locador (artº1059º, nº 1 do CC) tem um prazo superior a dois anos, a resolução deve ser comunicada no prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe deu origem.

Na sentença recorrida considerou-se que o prazo para instaurar a ação se conta do conhecimento, ou seja, desde data anterior à apresentação da queixa e não se interrompeu com a apresentação da queixa crime. No entendimento da sentença recorrida, o princípio da adesão que justificaria a interrupção do prazo de caducidade, não se aplica porque nunca a resolução do contrato e a entrega do locado poderia ser requerida no âmbito da dedução do pedido de indemnização cível que viesse a ser apresentado pela A..

A apelante defende que o prazo se interrompeu com a queixa crime e que se iniciou novo prazo a contar da data do arquivamento dos autos de inquérito.

O artigo 71º, do Código de Processo Penal, estabelece o princípio regra da adesão obrigatória do exercício do direito ao ressarcimento por factos qualificados na lei como crime, ao regime processual penal. “Tal sistema da adesão obrigatória tem vantagens, desde logo em sede de economia processual, pois que num mesmo e único processo se resolvem todas as questões que envolvem o facto criminoso, sem necessidade de fazer correr mecanismos diferentes e em sede autónomas. Por outro lado, jogam motivações de economia de meios, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos, e também razões de prestígio institucional, porquanto se evitam contradições de julgados (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal anotado, 1º vol, pg. 378 e ss.[1].”

No artigo 72º do Código de Processo Penal, estabelecem-se exceções a essa regra, permitindo a formulação de pedido civil em separado, em determinadas situações taxativamente elencadas, entre elas, possibilidade de ser deduzido em separado o pedido cível quando o processo penal tiver sido arquivado (alínea b) do nº 1 do referido artigo).

Por força da adesão obrigatória da ação civil na ação penal, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal, enxertando-se o procedimento civil a tal destinado na estrutura do procedimento criminal em curso. O regime de adesão apenas permite um pedido de indemnização civil para ressarcimento de danos causados pela conduta considerada como crime. Trata-se de responsabilidade emergente do facto ilícito criminal, ou seja, a responsabilidade a que se refere o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.

A dedução obrigatória do pedido de indemnização no processo crime tem assim por base os mesmos factos que preenchem a previsão do tipo legal de crime.

Mas na ação penal não poderia ser decretada a resolução do  contrato de arrendamento em causa, ainda que os  factos aí em discussão,  possam simultaneamente fundamentar responsabilidade civil contratual. Para obter a resolução do contrato de arrendamento, a locadora sempre teria ou de lançar mão da presente ação ou  da via extrajudicial.

A dedução de queixa só iria interromper o prazo de caducidade, estando em causa os mesmos factos que estariam em questão na ação cível, se através do pedido de indemnização cível se pudesse obter o fim proposto pela presente ação, destinada a obter a resolução do contrato e a entrega do locado, o que não é o caso.

A razão de ser do princípio da adesão é, designadamente, evitar a duplicação de ações - razões de economia processual - permitindo-se que, através de uma única ação, a parte obtenha a compensação pelos prejuízos causados pela ação/omissão levada a cabo  pelo arguido. Se os autos de inquérito não tivessem sido arquivados, a A. não tinha que instaurar uma ação civil para se ver ressarcida dos prejuízos que a retirada da cortiça lhe provocou, mas o prosseguimento da ação penal não a dispensaria de instaurar a presente ação, na qual, aliás, não pede o pagamento de qualquer indemnização, embora o pudesse fazer, em face do arquivamento dos autos de inquérito.  

Diz a apelante, em defesa do seu entendimento, que o prazo se interrompeu porque só após ter sido deduzido a queixa crime, é que teve a certeza de que foi o apelado quem retirou a cortiça, porque o assumiu nas declarações que prestou nos autos de inquérito  e que só então poderia instaurar ação cível.

Em primeiro lugar note-se que a apelante quando deduziu queixa crime, logo  indicou o R. como suspeito da prática dos factos.

As razões que a apelante avança para defender a interrupção do prazo -  obter a certeza de quem foi o autor do crime -  não foram tidas em consideração pela lei. Nos casos em que a interrupção opera, o prazo interrompe-se quer o arguido  assuma quer não assuma que praticou os factos. Desde que o inquérito seja arquivado, independentemente  da postura do arguido, o prazo recomeçará a correr.

De modo a evitar a caducidade da presente ação, instaurada com o fim de obter a resolução do contrato de arrendamento, a  apelante deveria tê-la instaurado, no prazo de um ano a contar do conhecimento da prática dos factos, acrescido do período em que os prazos de caducidade estiveram suspensos – de 9.03.2020 a 0306.2020 - , por força do disposto no artº 7º, 3 e 4 da Lei 1-A/2020, de 19.03 e da Lei 16/2020, de 29.05,  período de suspensão sobre o qual não há controvérsia entre as partes.

Não se vislumbra como é que a decisão recorrida violou, como alega a apelante,  o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, porquanto aquando da apresentação da queixa-crime, a Recorrente acreditava que vigorava o princípio da adesão em processo penal, previsto no art. 71.º, do CPP, e, por outro lado, em virtude do arquivamento, acreditava que o prazo para intentar a presente ação apenas começava a correr “quando o direito puder ser exercido” (art. 306.º, n.º 1, do CC). Estes princípios não foram postergados porque a apelante acreditava erroneamente que não precisava de instaurar a presente ação antes da decisão no processo crime. É verdade que por força do princípio da adesão, a apelante, caso o inquérito seguisse para julgamento, teria de deduzir na ação cível o pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos, designadamente, o pedido de indemnização correspondente ao valor da cortiça de que se viu privada. Mas como referimos, tal não a impedia de instaurar ação com vista à resolução do contrato, por violação de deveres contratuais. A proteção da boa fé é um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico, expressamente consagrado no Código Civil – artº 227º e um dos seus corolários consiste no princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança. Contudo, a aplicação do princípio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança “legítima”, o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, o que não é o caso.

O prejuízo que a apelante invoca que terá com a caducidade da ação, pois ficou sem a cortiça e ainda tem de devolver o dinheiro que o comprador da cortiça lhe tinha pago adiantadamente, não seria colmatado com a presente ação, pois a apelante não formulou qualquer pedido indemnizatório.

Assim, ao instaurar ação só em  17.03.2021,  o seu direito caducou. Não estando a parte obrigada a aderir à ação penal para pedir a resolução do contrato, também não pode beneficiar da interrupção do prazo de caducidade.

            A sentença recorrida não merece, pois, censura.

Sumário:

(…).

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Notifique.

Coimbra, 26 de abril de 2022




[1] Apud Ac. do TRP de 17.12.2014, proc. 765/09.4TAVNG.P2.