Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
366-C/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
REMISSÃO
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CÍVEL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 912.º, N.º 2; 913.º A); 915.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. O disposto no n.º 2 do artigo 915.º do Código de Processo Civil, prevê o exercício do direito de remissão na hipótese de concurso de uma pluralidade de descendentes ou de ascendentes, em igualdade de grau, mas não já de concurso de cônjuges, resultante de segundas núpcias após divórcio dos executados na pendência do processo de execução.

2. Nesta caso, apresentando-se o novo cônjuge do executado a concorrer com um descendente, só este tem o direito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

No decurso da acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário que a “A...”, move a B... e C..., veio D..., através do seu requerimento de fls. 358 a 363 (com referência aos autos principais) pretender exercer o direito de remição relativamente aos bens imóveis penhorados, relativamente aos quais foram aceites propostas em carta fechada para venda judicial, alegando, em síntese, ser filha dos executados, tendo depositado o preço devido pela remição.

Também E... apresentou a fls. 375 a 377 o seu requerimento para exercício do direito de remissão quanto aos mesmos bens, aduzindo, em suma, ser casada com o executado B..., não estando ainda os prédios adjudicados, depositando também o preço devido pela remição.

D... e a executada C... exerceram o contraditório relativamente ao requerido por E..., alegando ambas, em termos concordantes, que esta contraiu matrimónio com o executado após a diligência de abertura e aceitação de propostas em carta fechada, momento em que nasce o direito de remição, não existindo, ademais, qualquer relação de carácter familiar com a executada.

Procedeu-se à produção da prova arrolada, findo o que o M.mo Juiz a quo, conforme decisão aqui junta de fl.s 80 a 87 (e aqui recorrida), deferiu o requerido por D..., admitindo o exercício do direito de remição por esta exercido e indeferiu o requerido por E..., rejeitando-lhe o exercício de tal direito.

Inconformada com tal decisão, interpôs recurso, a requerente E..., recurso, esse, admitido como de agravo, a subir depois de concluída a adjudicação, venda ou remição, em separado e efeito devolutivo (cf. despacho, aqui, de fl.s 88), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto interposto do despacho que rejeitou a pretensão da ora Requerente de exercício do direito de remição relativo ao imóvel propriedade do Executado B....

II. não assiste razão ao tribunal a quo quando indeferiu o exercício do direito de remição da ora requerente e, consequentemente, deferiu o exercício desse direito a D....

III. Conforme resulta do despacho “ E... apresentou a fls. 375 a 377 o seu requerimento para exercício do direito de remissão quanto aos mesmos bens, aduzindo, em soma, ser casada como executado B..., não estando ainda os prédios adjudicados, depositando também o preço devido pela remição” (sublinhado nosso), mas de forma equivocada, o tribunal preteriu a ora Requerente no exercício do direito de remição.

IV. Ambas D... (filha dos executados) e E... (conjuge do executado) manifestaram em tempo a sua vontade e depositaram o preço no momento da remição, encontrando verificados na mesma qualidade os pressupostos para o exercício desse direito.

V. Ora, sendo D..., filha dos executados e a ora requerente, cônjuge do executado, não restam dúvidas da interpretação do artigo 915º, nº 1 do Código de Processo Civil, que o direito de remição pertence em primeiro lugar ao cônjuge e tal é inequívoco e resulta claro da letra da lei e da interpretação da ratio da mesma.

VI. Fundou o douto tribunal a sua decisão no facto de a requerente E... não possuir “em relação à executada C... o nexo de parentesco a que aludem os artigos 912º, nº1 e 915º do Código de Processo Civil.

VII. Concluindo que a ora requerente não poderia remir os bens vendidos.

VIII. Tal carece não só de fundamento legal, assim como de fundamento doutrinal e jurisprudencial.

IX. Ora, a prioridade do exercício de remição estabelecida no Art.915º deve ser respeitada;

X. Como resulta claro da lei, o direito de remir não se encontra dependente da relação de parentesco de ambos os executados no caso de bem comum.

XI. Aquela que exerce o direito de remição não necessita de ser parente de ambos os executados basta que veja de um, como se verifica no caso em apreço;

XII. Em última instância, existe sempre legitimidade para exercer o direito de remição na proporção de metade sobre esse imóvel, ou seja na proporção do direito de propriedade do executado, pois não se pode desconsiderar o facto de remidora ser agora a actual cônjuge do executado;

XIII. Este despacho encerra em si uma clara violação de direito: a reconhecer-se que a ora requerente não tinha o direito de remição sobre o imóvel em causa sempre estaríamos perante abuso de direito (art.334º do C.C.)

XIV. Como estabeleceu o Acórdão do STJ de 13-04-2010, com o Processo nº 477-D/1996.L1.S1, www.dgsi.pt “Para Fernando Amâncio Ferreira, o direito de remição constitui um verdadeiro direito de preferência, que, na sua base, tem uma relação de carácter familiar, certo que quem pretenda remir deve fazer a prova do parentesco, por via documental, como o exige o artigo 211º do Código de Registo Civil (Curso de Processo de Execução, 10ª edição, páginas 387 a 390) (sobre a consagração do instituto e sua evolução no nosso direito positivo, vide Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, Apresentação de Antunes Varela, páginas 660 a 663; sobre a sua natureza, José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume 2º, Reimpressão, páginas 477 e 478).”

XV. Aliás, esta prioridade no exercício do direito de remir, verifica-se per si, independentemente do regime de casamento ou do facto de existirem filhos dos executados.

XVI. Ditou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-01-2010, Processo nº 537/09.6TBPVZ-A.P1, in www.dgsi.pt que “No tocante ao cônjuge apenas se exige que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens. Portanto, aquele cônjuge não deixa de ser titular do direito de remir os bens quanto esteja somente separado de facto – isto é, numa cessação da convivência conjugal não reconhecida nem determinada judicialmente – ou quando entre ele o executado tenha sido decretada a simples separação judicial de bens. O regime de bens sob que foi contraído o casamento é irrelevante para a atribuição ao cônjuge do direito de remir. O cônjuge do executado goza, por isso, do direito de remição ainda que o seu casamento tenha celebrado segundo o regime de separação de bens.

XVII. Bem andou o Acordão da RG de 11.09.06; contra Acórdão do STJ de 26.03.63, in BMJ nº 125, pág. 430). quando ditou que:

A partir da qualidade das pessoas que são deles titulares - o cônjuge, em primeiro, lugar, os descendentes do executado, e, por último, os seus ascendentes – obtêm-se o seu fundamento final: permitir que os bens vendidos ou adjudicados permaneçam na família do executado [Ac. Do TC nº 277/07, www.tribunalconstitucional.pt.]. Esta finalidade explica que o direito de remição não possa ser cedido[Ac. da RL de 20.02.05, www.dgsi.pt]. “

XVIII. Ora impõe a nossa jurisprudência que primeiro exerce o direito de remição o cônjuge e só e apenas o descendente quando esse direito não o foi exercido pelo cônjuge.

XIX. Como refere A. Reis in Processo de Execução, vol. II, pag. 484, “O direito de remição consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução.

XX. E por isso, deve ser substituído o despacho do tribunal a quo por um que permita à cônjuge do executado, ora requerente, o direito de remir,

XXI. Uma vez que, como o próprio tribunal ditou, foram verificados pela requerente todos os pressupostos para o correcto exercício da remição.

XXII. Não pode o tribunal substituir o que a lei impõe.

XXIII. No caso em apreço este tribunal não aplicou a lei como se impunha claramente: é ao cônjuge que cabe, em primeiro lugar o direito de remir no caso de venda dos bens penhorados de executado com quem esteja casado.

XXIV. Só caso o cônjuge o não exerça (esse direito) pode a descendente, em relação a esse bem, exercer o direito de remir.

XXV. A protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é objectivo da consagração do direito de remição unanimemente reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina (cf., além dos autores já citados, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, p. 381; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, 2004, p. 341; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra, 1993, p. 272; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anootado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, p. 621; e J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, Porto, 1998, p. 357).

XXVI. Pelo nunca poderia ter preferido a descendente do executado no direito de remição como fez o tribunal a quo.

Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada por uma outra que determine a atribuição dos bens penhorados através do exercício do direito de remição pela ora requerente, ficando sem efeito o despacho de que ora se recorre, assim se fazendo JUSTIÇA!!!

            Contra-alegando, D..., pugna pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta acolhidos.

            Foi proferido despacho de sustentação tabelar, cf. consta de fl.s 52.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Saber a qual das requerentes ( E... e D...) dever ser reconhecido o direito de remição que ambas pretendem exercer e;

B. Se a reconhecer-se que a recorrente não tem o direito de remição, que pretende exercer, sempre estaríamos perante abuso do direito.

Na decisão recorrida foi dada como assente, no que a esta questão respeita, a seguinte matéria de facto:

a) No dia 3 de Dezembro de 2009, procedeu-se à abertura de propostas em carta fechada para venda judicial dos bens imóveis penhorados nos autos, descritos sob os números 1, 2 e 3 do termo de penhora de fls. 275 (aqui dado por integralmente reproduzido).

b) Para o efeito, foram formados 2 lotes, um deles com vista à venda em conjunto dos bens imóveis penhorados sob os n.ºs 1 e 2 (lote 1) e o outro com vista à venda do bem imóvel n.º 3 (lote 2).

c) Tendo sido apresentadas três propostas, foi aceite, relativamente ao lote n.º 1, a proposta apresentada por G..., no valor de 67 500 €; no que respeita ao lote n.º 2, foi aceite a proposta apresentada por H..., no valor de 500 €.

d) Os executados B... e C... contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia 10 de Novembro de 1988.

e) Tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 14 de Março de 2001, transitada em julgado em 3 de Maio de 2001, proferida no âmbito do Processo de Divórcio n.º 330/2000, que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal Judicial.

f) A requerente D... nasceu no dia 25 de Maio de 1989, sendo filha dos executados B... e C....

g) No dia 5 de Fevereiro de 1993, no Cartório Notarial de Ansião, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 389 a 390, com o título “Compra e Venda”, da qual consta, designadamente, que os primeiros outorgantes J... e L... declararam que “pela presente escritura e pelo preço de DUZENTOS MIL ESCUDOS, que já receberam do segundo outorgante…”, o executado B..., que declarou aceitar, “…a este vendem um prédio rústico composto por terra de cultura de milho, carvalhos e vinha e tanchas, que vai ser destinado a construção urbana (…), sito no ..., dita freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o número ...”, a que corresponde o bem penhorado sob o n.º 1 do termo de penhora de fls. 275.

h) A casa de habitação penhorada sob o n.º 2 foi construída pelos executados na pendência do respectivo casamento, tendo sido ambos a pagar os materiais e a mão-de-obra utilizados na referida edificação.

i) Para tanto, contraíram um empréstimo para construção de habitação própria, junto do “ X...”.

j) Tendo sido a executada que foi pagando as sucessivas prestações mensais.

l) O executado abandonou a casa de família em Agosto de 2000.

m) Para ir viver para outro local com E....

n) Foi na casa que integra o lote 1 que a requerente D... e o seu irmão cresceram.

o) É lá que residem na companhia da executada.

p) A casa que integra o lote 1 está construída resvés com a casa de habitação dos avós maternos da requerente.

q) Existe um natural e salutar convívio familiar entre a requerente e a sua referida avó materna.

r) O executado cortou relações seja com a sua mãe, seja com os seus irmãos.

s) A requerente e a mãe desta mantêm laços de convívio e amizade com a mãe do executado e com os irmãos deste.

t) Os quais são visitas da casa que integra o lote 1.

u) O prédio que integra o lote 2 constitui também logradouro e anexo do lote 1, sendo confinante com este último.

v) A requerente E... e o executado B... contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia 11 de Dezembro de 2009.

x) Corre termos no 2.º Juízo deste Tribunal, sob o n.º 330-A/2000, o Processo de Inventário em consequência do divórcio dos executados, não tendo ainda sido proferida sentença homologatória da partilha.

*

Por sua vez, com relevância para a decisão do incidente não se mostraram provados os seguintes factos:

a) Os filhos dos executados nasceram na casa de habitação a que corresponde o prédio penhorado sob o n.º 1 do termo de penhora de fls. 275.

b) O executado B... não tem contactos com o seu pai.

            A. A qual das requerentes ( E... e D...) deve ser reconhecido o direito de remição que ambas pretendem exercer.

            Como resulta do relatório que antecede, tanto a recorrente, E..., como a recorrida D..., se arrogam o direito de remir os bens penhorados e posteriormente vendidos, a primeira com o fundamento em ser cônjuge do executado B... e a segunda por ser filha de ambos os executados, sustentando, ainda, a primeira, que a lei lhe atribui a primazia na atribuição de tal direito e a segunda que atento o escopo da figura da remição (que os bens permaneçam na titularidade da família do executado) a ela deve ser concedido tal direito, por ser filha de ambos os executados, ao passo que a recorrente apenas tem ligação com o executado.

            Na decisão recorrida veio a acolher-se a tese da recorrida, D..., com os fundamentos que se seguem:

            “No caso dos autos, apresentaram-se duas requerentes a exercer o direito de remição: D... (filha dos executados) e E... (actual cônjuge do executado).

Ambas depositaram o preço no momento da remição relativamente aos bens cuja venda por propostas em carta fechada foi realizada (cfr. fls. 370, 371, 378, 379 e o disposto no art.º 912.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

É certo que a requerente E... contraiu matrimónio com o executado em momento temporal posterior ao da abertura de propostas [alíneas a) e f) da matéria de facto dada como provada].

Todavia, contrariamente ao aduzido pela requerente D..., afigura-se-nos não ter arrimo legal a pretensão de que os pressupostos da remição devem ter-se por verificados à data da aceitação das propostas em carta fechada.

Efectivamente, convém não esquecer que nos casos de venda judicial, como o presente, “o direito de remição pode ser exercido (…) até ser proferido despacho de adjudicação dos bens ao proponente” [art.º 913.º, alínea a), do Código de Processo Civil].

Significa isto, desde logo, que ambas manifestaram em tempo a sua vontade de exercício do direito de remição, podendo fazê-lo também a requerente E..., ainda que casada posteriormente à abertura de propostas com o executado, subscrevendo-se inteiramente o entendimento segundo o qual “na prática qualquer das pessoas a quem a lei atribui o direito de remição pode exercê-lo antes de findar o prazo para a declaração; o que sucede é que só atingido esse momento é que pode estabelecer-se quem tem melhor direito, se outros se tiverem, entretanto, apresentado a remir” (Jacinto Rodrigues Basto, “Notas ao Código de Processo Civil”, volume IV, 2.ª edição, 2005, pág. 156, sendo o itálico da nossa responsabilidade).

Não obstante tais considerações, é pacífico que a legitimidade de remição afere-se em relação ao executado cujo bem, em concreto, é pretendida a remição, sendo por esta via que soçobra a aspiração da requerente E....

Se é certo que o direito de remição pertence em primeiro lugar ao cônjuge (art.º 915.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), não menos seguro é que os bens em causa se encontram ainda por partilhar, pertencendo todos eles ao acervo a dividir entre os executados, em consequência da dissolução do respectivo vínculo matrimonial.

Ora, enquanto a requerente D... é descendente dos executados [alínea f) dos factos apurados], já a requerente E... não possui em relação à executada C... o nexo de parentesco a que aludem os artigos 912.º, n.º 1 e 915.º do Código de Processo Civil.

Não pode esta última, em consequência, diferentemente do que sucede com a primeira, remir os bens vendidos.”.

            E parece-nos que o fez bem, sendo a mesma de sufragar.

Nos termos do disposto no artigo 912.º, n.º 1 do CPC (sempre na redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL 38/2003, atenta a data de entrada em juízo dos autos principais):

“Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.

Como se refere na decisão recorrida, a faculdade que é concedida ao cônjuge do executado ou aos seus descendentes ou ascendentes, por esta ordem (cf. artigo 915.º, n.º 1, CPC), tem em vista a protecção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados, cf. entendimento uniforme na doutrina, designadamente Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág.s 334 e 335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, pág.s 660 e 661; J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, a pág. 357 e F. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010.13.ª Edição, Almedina, a pág. 392, acrescentando este autor que este direito “Reveste algumas semelhanças com o antigo direito de avoenga, que era um direito de preferência a favor dos irmãos e outros parentes, quanto aos bens herdados dos ascendentes.

Através da concessão deste direito pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados.

É um benefício ou favor ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.”.

Quanto à ordem por que se defere o direito de remição ora em apreço, rege o disposto no artigo 915.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual:

“O direito de remição pertence em primeiro lugar ao cônjuge, em segundo lugar aos descendentes e em terceiro lugar aos ascendentes do executado.”.

Acrescentando o seu n.º 2 que:

“Concorrendo à remição vários descendentes ou vários ascendentes, preferem os de grau mais próximo aos de grau mais remoto; em igualdade de grau abre-se licitação entre os concorrentes e prefere-se o que oferecer maior preço.”.

Assim, prima facie, poderíamos ser tentados a considerar que a ora recorrente, na qualidade de cônjuge do executado teria a primazia, relativamente à D..., na qualidade de filha de ambos os executados, na concessão do direito de remição que, ambas, se propuseram exercer.

Mas, reitera-se, só numa primeira aproximação a tal problemática assim se poderia pensar.

Pois que, tendo em conta a redacção dos preceitos em causa e, fundamentalmente, a sua ratio tudo se conjuga para que, tal como na decisão recorrida, este direito seja concedido à D..., na qualidade de filha de ambos os executados, não obstante a supra referida ordem pela qual se defere o direito sub judice e que, como vimos, coloca em primeiro lugar o cônjuge do executado.

Efectivamente, analisando o teor do n.º 1 dos artigos 912.º e 915.º do CPC, verifica-se que os mesmos estão talhados para a hipótese em que apenas um dos cônjuges é executado (a lei fala em cônjuge do executado) e não já para os casos em que o são ambos os cônjuges.

Conclusão que mais se reforça atento o que consta do n.º 2 do artigo 915.º, em que apenas se prevêem as hipóteses de concurso de uma pluralidade de descendentes ou de ascendentes, em igualdade de grau mas não já de concurso de cônjuges.

Ora, no caso de ambos os cônjuges serem executados e de o casamento se vir a dissolver na pendência do processo de execução no âmbito do qual se exerce o direito de remição, ambos os cônjuges poderão, de novo, vir a casar, situação em que surgiria um concurso entre os cônjuges de ambos os executados e que a lei não prevê.

Ora, se o legislador tivesse querido abarcar tal situação tê-lo-ia declarado em termos claros e adequados, como o fez em relação às situações de concurso que expressamente previu, tal como decorre do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Por outro lado, como acima já referido, o fim tido em vista é o de possibilitar aos familiares do executado o resgate dos bens penhorados, adquirindo-os nas mesmas condições do terceiro comprador, visando a conservação dos mesmos no património da família do executado.

Ora, sob este prisma, a D...é a única que tem laços familiares com ambos os executados, pelo que daqui decorre que está em melhores condições para exercer o direito de remição, dado que a recorrente não tem quaisquer laços familiares com a executada Maria Júlia, sua mãe, nem com a respectiva família.

A que acresce, em face do que foi dado como assente e constante das respectivas alíneas l) a u), que de família só se pode falar relativamente à filha dos executados, D..., pelo que as finalidades tidas em vista só se concretizam se o direito de remição for atribuído à referida D....

Pelo que assim sendo, não reúne a recorrente, relativamente ambos os executados, as condições legais para remir.

Para mais, atento a que os bens penhorados fazem parte do património conjugal pertencente aos executados e ainda não partilhado, nem sequer se pode dizer que os mesmos são pertença do executado, cônjuge da recorrente e, consequentemente, nem sequer se pode falar em “bem do executado”, pelo que, igualmente, falece à recorrente o pressuposto em que se baseia o direito em causa.

Por tudo isto, somos de opinião que a decisão recorrida é de manter, por consentânea com os preceitos legais aplicáveis.

Assim, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

B. Se a reconhecer-se que a recorrente não tem o direito de remição, que pretende exercer, sempre estaríamos perante abuso de direito.

Quanto a tal, limita-se a recorrente a alegar que assim é.

Entendemos que assim não é, pois de contrário, não manteríamos a decisão em apreço.

Nos termos do artigo 334.º do Código Civil, tem-se por ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.

Ora a D..., na qualidade de filha de ambos os executados, limitou-se a exercer um direito que julga assistir-lhe e que, de resto, lhe foi reconhecido e atribuído, sem que se vislumbre qualquer ofensa à boa fé, aos bons costumes ou ao respectivo fim social e/ou económico, no exercício de tal direito.

Pelo que, de todo, se pode falar em abuso do direito por parte da requerente D....

Abuso do direito que a verificar-se só poderia enquadrar-se na conduta (conjunta) da recorrente e do executado, atento a que este abandonou o lar conjugal, indo viver com a recorrente, com a qual casou já depois da data da abertura das propostas, deixando a cargo da executada o ónus de pagar as prestações ao banco relativas ao empréstimo que tinham contraído a penhorada casa de habitação, onde ficaram a residir a executada e seus filhos, casa esta que é contígua á dos avós maternos da citada D..., tudo como melhor da matéria de facto dada como provada e acima já transcrita.

Consequentemente, igualmente, no que a esta questão concerne, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:

Julgar não provido o presente recurso de agravo, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela agravante.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
António Beça Pereira