Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
843/06.1TBPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE
Data do Acordão: 04/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 46.º, 1, C); 814.º; 816.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Os cheques só constituem documento quirógrafo da dívida no valor neles mencionados, se configurarem documentos assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

2. Prescrita a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a valer como título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da obrigação fundamental (subjacente), desde que o exequente alegue no requerimento executivo (não na contestação dos embargos) aquela obrigação (obrigação causal) e que esta não decorra dum negócio jurídico formal.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. A.... apresentou a presente oposição à execução contra si movida por B...., Lda., ambas devidamente identificadas nos autos.

2. Alega, em síntese, que:

O título executivo encontra-se prescrito;

A ineptidão do requerimento executivo;

Nunca estabeleceu com a exequente qualquer relação comercial, sendo o cheque um cheque de garantia, entregue à exequente pelo seu irmão, com quem esta mantinha relações comerciais;

O cheque foi pago e nunca devolvido à oponente;

A actuação da exequente causou danos patrimoniais à oponente.

Termina, concluindo pela extinção da execução e procedência da oposição, bem como na condenação da exequente no pagamento à oponente de quantia de € 1.500 a título de indemnização pela responsabilidade civil delitual.

3. Notificado a exequente, esta apresentou contestação na qual, em síntese:

Pugna pela improcedência das excepções invocadas pela oponente;

 

E nega a versão apresentada pela oponente, alegando que esta assumiu parte da responsabilidade do irmão, D...., nas dívidas deste à exequente, razão pela qual assinou os cheques dados à execução, tendo assumido a responsabilidade pelo pagamento das quantias constantes dos cheques.

Termina concluindo pela improcedência da presente oposição à execução.

4. No despacho saneador, foi proferida decisão sobre as invocadas excepções de prescrição do título executivo e ineptidão do requerimento executivo, as quais foram julgadas improcedentes, e foram elaborados os factos assentes e a base instrutória, constantes de fls. 50, sem que dos mesmos tenha havido qualquer reclamação.

5. Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, tendo sido proferida decisão da matéria de facto a fls. 104-108, sem que da mesma se tenha verificado qualquer reclamação.

6. Foi, oportunamente, proferida sentença que, além do mais, decidiu julgar improcedente, por não provada, a presente oposição à execução e, consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos de execução.

7. Inconformada com a referida decisão, A..., interpôs o presente recurso de apelação, pretendendo a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a oposição apresentada à execução como procedente e decida em conformidade.

Para o efeito, apresenta as seguintes conclusões da motivação do recurso:

1ª:- Os cheques exequendos dados à execução, por não terem validade como títulos de crédito e não conterem qualquer menção da relação jurídica subjacente à sua emissão não valem como títulos executivos, dado que já havia decorrido o prazo prescricional dos mesmos à data da sua execução.

2ª:- Para além da incorrecta apreciação da prova dada como assente, houve da parte do M.º Juiz a quo, uma incorrecta aplicação do direito aos factos dados como assentes, tendo em conta que a ora recorrente nunca teve quaisquer negócios com a executada B..., nem assumiu quaisquer responsabilidades pelo pagamento dos cheques exequendos e por se tratar de cheques prescritos.

3ª:- Os cheques exequendos, por si só, não constituem nem reconhecem uma obrigação pecuniária, não sendo por isso documentos particulares, em termos de integrarem títulos executivos.

4ª:- Dado que os cheques se encontram prescritos, constituindo meros quirógrafos, a obrigação exigida já não é sequer cartular, mas sim a obrigação causal, subjacente que não consta dos cheques exequendos, não importando por isso a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária por parte da executada, uma vez que os cheques eram para pagamento de dívida de terceiro.

5ª:- Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou os comandos insertos nos art.s 29º, 52º, da LUch, bem como o art.º 46º, do C. P. Civil, além de outros, cujo douto suprimento desde já se invoca a V. Ex.as.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, devem as presentes conclusões proceder e, por via disso, deve a presente apelação obter provimento, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a oposição apresentada à execução em referência como procedente e decida em conformidade.

Assim se fazendo JUSTIÇA!

8. A recorrida não respondeu ao referido recurso.

9. Nesta Relação o Ex. mo Relator proferiu despacho a fls. 145, convidando a recorrente a, em 10 dias, completar as conclusões da motivação do recurso, na parte referente à impugnação da matéria de facto, sob pena de se não conhecer do mesmo na parte afectada, nos termos do disposto no art.º 690º, n.º 4, do C. P. Civil.

10. Na sequência, a recorrente, a fls. 148, veio desistir da impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

11. Foi admitido o recurso, o qual se restringe, então, ao conhecimento da matéria de direito, tendo sido mantido o efeito e regime de subida que haviam sido fixados na 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.                                                                                                          

 

12. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                             ***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto do recurso

É pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o seu objecto – cfr., designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 664º, 684º, n.º 3, 685º-A, nºs 1, 2 e 3, e 685º- B, nºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil.

Ora, in casu, analisando as conclusões do presente recurso, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se os referidos cheques, não sendo válidos como título de crédito, porque prescrita a relação cartular, também não são títulos executivos válidos, na qualidade de documento particular assinado pelo devedor, já que a obrigação causal, subjacente, não consta dos mesmos, não importando, por isso, a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária por parte da executada, pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, designadamente, os comandos insertos nos art.s 29º e 52º, da LUch, bem como o art.º 46º, do C. P. Civil.

2. Os Factos.

Da discussão da causa resultam provados os seguintes factos:

A) A oponente nunca adquiriu veículos automóveis à exequente (ponto 1. da base instrutória);

B) Os cheques dados à execução foram entregues por C.... à exequente para pagamento da compra de veículos automóveis (pontos 3. a 5. da base instrutória);

C) C... dedicava-se, à data da emissão dos cheques dados à execução, ao comércio de compra e venda de veículos automóveis (ponto 10. da base instrutória);

D) No âmbito da actividade de C..., este adquiriu por diversas vezes viaturas à exequente (ponto 11. da base instrutória);

E) Para o que, aquele emitiu diversos cheques que a exequente descontou no BNP (ponto 12. da base instrutória);

F) Contudo, parte desses cheques não foram pagos (ponto 13. da base instrutória);

G) E.... aceitou uma letra de câmbio, no valor de € 15.000, sacada pela exequente e objecto de desconto bancário pela sacadora na Caixa G.... (pontos 14. e 15. da base instrutória).

3. O Direito

Ora, como já referimos supra, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o seu objecto – cfr., designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 664º, 684º, n.º 3, 685º-A, nºs 1, 2 e 3, e 685º- B, nºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil.

Assim, in casu, analisando as conclusões do presente recurso, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se os referidos cheques, não sendo válidos como título de crédito, porque prescrita a relação cartular, também não são títulos executivos válidos, na qualidade de documento particular assinado pelo devedor, já que a obrigação causal, subjacente, não consta dos mesmos, não importando, por isso, a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária por parte da executada, pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, designadamente, os comandos insertos nos art.s 29º e 52º, da LUch, bem como o art.º 46º, do C. P. Civil.

                                                               *

Relativamente à única questão colocada (Saber se os referidos cheques, não sendo válidos como título de crédito, porque prescrita a relação cartular, também não são títulos executivos válidos, na qualidade de documento particular assinado pelo devedor, já que a obrigação causal, subjacente, não consta dos mesmos, não importando, por isso, a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária por parte da executada, pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, designadamente, os comandos insertos nos art.s 29º e 52º, da LUch, bem como o art.º 46º, do C. P. Civil.), entendemos que assiste a razão à recorrente.

Com efeito, conclui, neste âmbito, a recorrente:

1ª:- Os cheques exequendos dados à execução, por não terem validade como títulos de crédito e não conterem qualquer menção da relação jurídica subjacente à sua emissão, não valem como títulos executivos, dado que já havia decorrido o prazo prescricional dos mesmos à data da sua execução.

2ª:- Para além da incorrecta apreciação da prova dada como assente, houve da parte do M.º Juiz a quo, uma incorrecta aplicação do direito aos factos dados como assentes, tendo em conta que a ora recorrente nunca teve quaisquer negócios com a executada B..., nem assumiu quaisquer responsabilidades pelo pagamento dos cheques exequendos e por se tratar de cheques prescritos.

3ª:- Os cheques exequendos, por si só, não constituem nem reconhecem uma obrigação pecuniária, não sendo por isso documentos particulares, em termos de integrarem títulos executivos.

4ª:- Dado que os cheques se encontram prescritos, constituindo meros quirógrafos, a obrigação exigida já não é sequer cartular, mas sim a obrigação causal, subjacente que não consta dos cheques exequendos, não importando por isso a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária por parte da executada, uma vez que os cheques eram para pagamento de dívida de terceiro.

5ª:- Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou os comandos insertos nos art.s 29º, 52º, da LUch, bem como o art.º 46º, do C. P. Civil, além de outros, cujo douto suprimento desde já se invoca a V. Ex.as.

Quid Juris?

A recorrente, depois de ter apresentado as conclusões da motivação do recurso, veio desistir da impugnação da matéria de facto.

Por conseguinte, o que está em crise é, apenas, a correcta ou incorrecta aplicação do direito aos factos dados por assentes.

A apreciação e decisão do presente recurso, passa exclusivamente pela questão de saber se os cheques, prescrita a acção cambiária, podem constituir e em que termos, enquanto documentos particulares, título executivo.

Isto é:

Saber se perdida a acção cambiária, podem os cheques ser considerados título executivo à luz do art. 46º, n.º 1, al. c) do CPC, agora como simples quirógrafos – enquanto documento particular, assinado pelo devedor, desprovido das características que são específicas e próprias daqueles títulos de crédito.

Insurge-se, a recorrente, contra a decisão recorrida, por, em seu entender, ter aplicado de forma incorrecta o direito aos factos assentes.

Entendemos que, como dissemos supra, assiste a razão à recorrente.

Relativamente a esta questão (que se resume à interpretação do art.º 46º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil) houve, essencialmente, três respostas:

Uma 1.ª, de sentido absolutamente negativo, dizendo que a letra prescrito não cabe no referido art. 46.º, n.º 1, c), do CPC.

Uma 2.ª, de sentido relativamente positivo, dizendo que a letra prescrita vale como título executivo do art. 46.º, n.º 1, c), do CPC, desde que o exequente invoque a relação jurídica subjacente e esta não constitua um negócio jurídico formal.

Uma 3.ª, de sentido absolutamente positivo, defendendo que a letra prescrita vale sempre como título executivo do art. 46.º, n.º 1, c), do CPC, mesmo que o exequente não haja invocado a relação subjacente.

Entendemos que a 2.ª resposta exprime a solução jurídica mais equilibrada.
Foi também esta a resposta que se veio a tornar dominante no STJ[1], podendo, em síntese, afirmar-se que, depois de prescrita a obrigação cambiária incorporada na letra, esta pode continuar





a valer como título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da obrigação fundamental (subjacente); ponto é que, neste caso, o exequente alegue no requerimento executivo (não na contestação dos embargos) aquela obrigação (obrigação causal) e que esta não decorra dum negócio jurídico formal.

Ora, o DL 38/2003, veio consagrar, legalmente, no art. 810º, nº 3, al. b), do C. P. Civil, tal resposta “dominante”, ao impor que, no requerimento executivo, se exponham, ainda que sucintamente, “os factos que fundamentam o pedido, quando estes não constem do título executivo”.

A exequente/apelada deu cumprimento a este preceito, no seu requerimento executivo.

Porém, esses factos alegados foram impugnados pela executada/apelante.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas à matéria de facto constante da base instrutória, das mesmas resulta não se ter provado o acervo fáctico que a exequente alegava a propósito da existência da relação causal consubstanciadora e geradora da alegada obrigação exequenda.

Ora, como dissemos supra, a causa de pedir da execução é, agora, a partir da decisão transitada da prescrição do cheque como título de crédito, apenas a relação subjacente, causal, existente entre exequente e executada, titulada no documento particular que o cheque é; não é a relação abstracta e autónoma do saque e do aceite.

No caso dos presentes autos, a exequente alegava no requerimento executivo que “Tais cheques foram emitidos para regularização de transacções comerciais ” (havidas entre ela e a exequente, subentende-se.).

Porém, ficou provado apenas que a oponente nunca adquiriu veículos à exequente e que os cheques dados à execução foram entregues por C... à exequente para pagamento da compra de veículos automóveis.

Não se tendo provado a existência de quaisquer outras relações comerciais, a cuja regularização os referidos cheques se destinassem (De facto, embora conste do requerimento inicial da oposição à execução que a oponente alegou que nunca estabeleceu qualquer relação comercial com a exequente, este facto negativo não ficou provado - como resulta da resposta restritiva dada no despacho à matéria de facto controvertida de fls. 104, ao ponto 1) da base instrutória – mas o que é certo é que também não ficou provado o seu contrário, isto é, que alguma vez a oponente tivesse estabelecido qualquer relação comercial com a exequente. Tendo apenas resultado provado que a oponente nunca adquiriu veículos automóveis à exequente e que os cheques dados à execução foram entregues por C... à exequente para pagamento da compra de veículos automóveis.).

Quer dizer:

O facto de ter sido dado como provado que a oponente nunca adquiriu veículos à exequente e que os cheques dados à execução foram entregues por C... à exequente para pagamento da compra de veículos automóveis não demonstra a existência de uma relação fundamental subjacente aos títulos executivos entre a exequente e a executada.

Por outro lado, também não se prova nos autos sequer que entre C... e a oponente existisse alguma relação comercial: esta ou outra qualquer.

Repare-se, neste âmbito, nas respostas essencialmente negativas (isto é, de não provado) dadas aos quesitos 14), 15) (“Para o que”) e 16) da Base Instrutória. 

Por conseguinte, os factos dados como provados são manifestamente insuficientes para se poder concluir pela existência de uma relação subjacente – quer entre a exequente e a executada, quer entre a executada e seu irmão C... – à emissão dos títulos executivos em causa nos autos.

Por outro lado, o facto de não ter sido dado como provado que a oponente assumiu a responsabilidade pelo pagamento das quantias constantes dos cheques que aceitou (cfr. ponto 16. da base instrutória), quer dizer isso mesmo: que se não demonstrou que a oponente tenha assumido tal responsabilidade.

Sendo certo que cabia à exequente – por força do disposto no art.º 342º, n.º1, do C. Civil -fazer prova da existência da alegada relação fundamental subjacente à emissão dos cheques dados à execução, para lhes conferir força executiva e, portanto, ser portadora de um título executivo válido e idóneo, que contenha uma quantia exequenda, certa e exigível, nos termos legais.

O que não logrou fazer.

Assim:

Os factos dados como provados são manifestamente insuficientes para se poder concluir pela existência de uma relação subjacente à emissão dos cheques apresentados nos autos principais como título executivo – documento particular assinado pelo devedor.

Por conseguinte, verifica-se que, da factualidade trazida aos presentes autos, não resultou provada a que se prende com a alegada relação comercial existente entre a exequente e a executada, sendo que à luz do disposto no art.º 342º, n.º1, do C. Civil, cabia por inteiro à Exequente, provar que era portadora de um título executivo válido e eficaz – os aludidos cheques, como documento particular assinado pelo devedor.

A exequente não demonstrou, pois, como lhe competia, o direito de ser portador de um título executivo válido, eficaz e idóneo, para sustentar e permitir o prosseguimento da execução por si interposta.

Designadamente, não demonstrou que a ora Oponente fosse a (“verdadeira”/ “real”) devedora das quantias tituladas pelos referidos cheques – por não ter demonstrado a relação material subjacente à emissão dos referidos cheques – apesar de por ela assinados.

Pese embora, em consonância com o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 46º do CPC, poderem “servir de base à execução (…) os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (…).”

Sendo certo que, nos títulos executivos extrajudiciais se incluem, entre outros, os documentos particulares, que, para se configurarem como títulos executivos, devem obedecer aos requisitos mencionados na alínea c) do n.º 1 do artigo 46º, ou seja, (i) conterem a assinatura do devedor; (ii) importarem a constituição ou reconhecimento de obrigações; (iii) reportarem-se as obrigações ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, à entrega de coisa ou à prestação de facto.

No caso em apreço, os autos principais de Execução trazem como título executivo três cheques.

Ora, como sabemos, nos termos do art.º 816º do CPC, na Oposição à execução em título diverso da sentença, o executado pode deduzir como defesa qualquer facto que seria lícito deduzir como defesa em processo de declaração, para além dos que no art.º 814º do mesmo Diploma legal lhe sejam aplicáveis.

Por conseguinte:

Os cheques dados à execução só constituem documento quirógrafo da dívida no valor neles mencionados, se configurarem documentos assinados pelo devedor, documentos estes que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

Ou, como diz, no essencial, a (já supra aludida) Jurisprudência do STJ: depois de prescrita a obrigação cambiária incorporada no cheque, esta pode continuar a valer como título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da obrigação fundamental (subjacente) (itálico nosso); ponto é que, neste caso, o exequente alegue no requerimento executivo (não na contestação dos embargos) aquela obrigação (obrigação causal) e que esta não decorra dum negócio jurídico formal.

Ora in casu, como vimos, não é assim, pelo que não têm capacidade/força executiva para permitir o prosseguimento da presente execução nos termos e âmbito do disposto no artigo 46º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil.

Assim, só se pode concluir que os referidos cheques não preenchem todos os requisitos exigidos pelo art.º 46º, al. c), do C. P. C. para serem considerados títulos executivos, válidos e idóneos, enquanto documentos particulares assinados pelo devedor (sendo que já que não podem beneficiar da protecção dos art.s 29º e 52º, da LUCh.), isto é, não têm capacidade/força executiva para permitir o prosseguimento da presente execução nos termos do disposto no artigo 46º, n.º 1, al. c), do CPC.

Por conseguinte, deve a Oposição à execução ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser julgada extinta a execução, com as legais consequências.

Face ao exposto e sem mais considerações, procede esta conclusão única da motivação do recurso interposto pela recorrente, pois se mostra ter havido na decisão recorrida violação, designadamente, do invocado art.º 46º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil.

                                                                *

Resumindo e concluindo:

Deve proceder a única questão suscitada no recurso interposto pela recorrente, porquanto entendemos que a douta Sentença recorrida contrariou a disposição do invocado art.º 46º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil.

Consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra, que determine a procedência da Oposição à instância executiva e a consequente extinção desta, com as legais consequências.

Deve, pois, revogar-se a decisão recorrida, extinguindo-se a execução, com as legais consequências.

                                                            *** 

  

III – DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

- Julgam procedente o presente recurso de apelação.

- Revogam a decisão recorrida e, consequentemente, determinam a extinção da instância executiva com todas as legais consequências.

Custas pela recorrida.         


[1] Neste sentido, na doutrina, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, p. 70 a 74, e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 7ª ed., p. 34 a 36; na jurisprudência: Ac. do STJ, de 29 de Janeiro de 2002, CJ STJ, Ano X, Tomo I. p. 64; Ac. do STJ, de 16 de Março de 2004, www.dgsi.pt.