Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
394/11.2TBNZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SIMULAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACORDO SIMULATÓRIO
PROVA TESTEMUNHAL
PRINCÍPIO DE PROVA
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.240, 241, 286, 342, 394 CC
Sumário: 1. Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).

2. O ónus da prova dos factos integradores de tais requisitos (os elementos que constituem o instituto jurídico da simulação), porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.

3. Não existindo documento(s) que indicie(m) uma aparência de prova acerca do intuito simulatório está vedado o recurso à prova testemunhal da simulação, por parte dos simuladores (art.º 394º, do CC).

Decisão Texto Integral:       



     
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. J (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, a presente acção declarativa comum contra C (…), pedindo que seja declarada e reconhecida a existência de total divergência entre as declarações emitidas por A. e Ré, na escritura de compra e venda de 19.6.2008 (que melhor identificou) e a sua vontade real [a)], que essa escritura seja declarada nula “com todas as consequências legais” [b)] e seja ordenado o cancelamento de todos os registos a favor da Ré [c)].

            Alegou, em síntese: em Novembro de 1995, A. e Ré começaram a viver juntos, sendo que, desde 1996, o passaram a fazer na Rua (...) , n.º 5, 1º andar, Nazaré; à data, esse imóvel pertencia ao A., a seu pai e a seu irmão, por sucessão hereditária aberta por óbito de sua mãe; em 05.11.2004, a referida fracção foi adjudicada ao A; ao longo da vida em comum, A. e Ré contraíram vários empréstimos, sendo que a situação financeira do casal se foi degradando, pelo que se viram na necessidade de recorrer a um empréstimo em condições mais favoráveis; como o A., à época, não tinha a sua situação fiscal e perante a Segurança Social regularizada, tomaram a decisão de aquele “fazer uma venda simulada da casa de morada de família” à Ré, para que esta pudesse contrair um empréstimo à habitação, no valor de € 85 000 e, dessa forma, poderem liquidar todos os empréstimos que ambos tinham contraído, pelo que, em 19.6.2008, celebraram uma escritura de compra e venda do imóvel, sem que o então por ambos declarado correspondesse às respectivas vontades e sem que tenha havido qualquer contraprestação monetária da Ré para com o A.; aquela obteve, assim, junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD) um empréstimo no valor de € 85 000; A. e Ré liquidaram, com aquele dinheiro, outros empréstimos que “haviam contraído em proveito comum” e combinaram que, logo que liquidassem o empréstimo junto da CGD, o imóvel em causa voltaria à titularidade do A.; contrariamente ao acordado, após ruptura da vida em comum, a Ré encetou diligências para a venda a terceiro daquele imóvel.

            A Ré contestou, impugnando parte dos factos alegados pelo A. e defendendo que o negócio realizado correspondeu à vontade das partes; em sede de reconvenção, invocou a existência de determinadas dívidas do A. para consigo. Terminou pugnando pela improcedência da acção e, para a hipótese de procedência, pediu[1] a condenação do A. a reconhecer a existência das dívidas para com a Ré nos valores de € 40 000 (recebidos a título de sinal e princípio de pagamento), € 85 000 (recebidos no acto da escritura de compra e venda de 19.6.2008) e € 37 000 (benfeitorias realizadas no imóvel e suportadas pela Ré), e bem assim a condenação do A. a pagar-lhe essas quantias, os “juros às taxa praticada pela CGD e referida no contrato de mútuo celebrado com a Ré” e as “despesas de antecipação contratual que a referida CGD venha a cobrar”.

            O A. replicou - concluiu pela inadmissibilidade da reconvenção (ou pela sua improcedência) e como na petição inicial.

            Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto (assente e controvertida).

            Entretanto, o A. veio arguir a “excepção da ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário natural”, visando a sua notificação “para vir aos autos deduzir incidente de intervenção principal provocada” da CGD (na qualidade de “credor hipotecário”), pretensão que, por “completamente despida de fundamento legal”, veio a ser indeferida por despacho de 15.5.2015.

            Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 08.7.2015, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo A., e considerou prejudicado o conhecimento da reconvenção.

            Inconformado, o A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            A Ré respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

            Na sequência do despacho de 12.01.2016 (1ª parte) e do incidente que lhe subjaz, o A. interpôs ainda o recurso de fls. 673, admitido a fls. 699 (“conjuntamente com o recurso anteriormente admitido”).

            Atento o referido acervo conclusivo e a mencionada tramitação, importa apreciar e decidir, principalmente: a) legalidade do despacho de 15.5.2015; b) impugnação da decisão relativa à matéria de facto/relevância e atendibilidade da prova documental e da prova pessoal produzidas nos autos e em audiência de julgamento; c) ónus da prova; d) decisão de mérito; e) incidente/problemática a que se reportam os despachos de 15.10.2015 e 12.01.2016 (1ª parte).


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) O prédio sito na Avenida (...) e Rua (...) , n.º 5, é constituído por quatro fracções autónomas, designadas pelas letras “A”, “B”, “C” e “D”, correspondentes à cave e rés-do-chão para comércio, 1º andar, 2º andar e sótão, para habitação, inscrito na matriz predial sob o art.º 3908, com o valor patrimonial de € 103 690 reportado ao ano de 2009 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Nazaré com o n.º 5453. (A)

            b) O referido prédio adveio à titularidade do A., em comum e sem determinação de parte e direito, com J (…) e A (…), por sucessão hereditária por óbito de L (…), em 03.3.1991. (B)

            c) Em 05.11.2004, o A., seu pai e irmão, constituíram o prédio sob o regime de propriedade horizontal e procederam à partilha de bens imóveis deixados por óbito de L (…), tendo a fracção “B”, composta por 4 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 2 casas de banho, 1 arrecadação e 1 marquise, com a área de 115 m2, sido adjudicada ao A.. (C)

            d) O A. e a Ré começaram a viver juntos, tal como marido e mulher, no decurso do ano de 1996, no 1º andar do prédio identificado em II. 1. a) (fracção “B”), que lhes foi disponibilizada pelo pai do A., J (…). (D)

            e) Aí foram residir, para além do A. e da Ré, as duas filhas da Ré, um filho do A. e a filha de ambos. (E)

            f) Por escritura pública outorgada em 19.6.2008 junto do Cartório Notarial da Nazaré, o A. declarou vender à Ré a fracção autónoma designada pela letra “B” e referida em II. 1. a) e b), pelo preço de € 85 000 e a Ré declarou comprar a referida fracção, tendo constituído simultaneamente, com a Caixa Geral de Depósitos um contrato de mútuo com hipoteca, no qual intervieram como fiadores da quantia emprestada E (…) e H (…). (F)

            g) Através da Ap. n.º 4 de 2008.6.05 a fracção “B” do imóvel identificado em II. 1. a) encontra-se registada a favor da Ré, Causa: Compra; através da Ap. n.º 5 de 2008.6.05 encontra-se registada hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, Capital: 85 000 e através da Ap. n.º 3028 de 2010.01.15 encontra-se registada uma hipoteca voluntária a favor da CGD, Capital: 37 000. (G)

            h) A Ré prometeu vender a M (…) a fracção identificada em II. 1. f), tendo recebido € 40 000 a título de sinal. (H)

            i) Quando o A. passou a viver com a Ré, ele era comerciante e ela trabalhava como auxiliar educativa. (1º)

            j) Durante o período de tempo em que viveram em comum, em datas não concretamente apuradas, A. e Ré procederam a obras de remodelação da casa referida em II. 1. d). (resposta aos art.ºs 3º e 4º)

            k) Em data não apurada e com escopo não apurado, (nomeadamente) o A. contraiu um empréstimo junto de E (…), o qual foi pago após o referido em II. 1. f). (resposta ao art.º 5º)

            l) Em data não apurada do ano de 2010, A. e Ré passaram a fazer vidas separadas. (resposta ao art.º 14º)

            m) A partir de data não apurada do ano de 2010, o A. passou a pernoitar na casa do seu pai para lhe prestar cuidados de higiene e de alimentação, em virtude de ele estar doente. (resposta ao art.º 15º)

            n) A Ré, no âmbito do acordo referido em II. 1. h), prometeu vender o imóvel pelo preço de € 260 000. (20º)

            2. E deu como não provado:

            a) Tenha sido no ano de 1996 que A. e Ré fizeram obras. (2º)

            b) As obras realizadas tenham sido suportadas por ambos e se destinassem a “equipar a casa e a tornar habitável”. (2º)

            c) No ano de 2000, A. e Ré tenham realizado obras de restauro e remodelação da casa, substituindo, nomeadamente a totalidade das portas, janelas, chão e móveis da cozinha. (3º)

            d) No ano de 2009 hajam voltado a fazer obras de remodelação das casas de banho e da marquise. (4º)

            e) Haja sido para procederem ao pagamento das obras que o A. e a Ré contraíram sucessivos empréstimos, nomeadamente junto de E (…), no montante de € 50 000 e outros em nome da Ré, na modalidade de crédito pessoal, na CGD e na COFIDIS, nos montantes de € 10 000 e € 6 000, respectivamente. (5º)

            f) O A. tenha proposto vender a fracção identificada em II. 1. f) a A (...) . (23º)

            g) Em consequência da incapacidade para proceder ao pagamento dos referidos empréstimos, o A. e a Ré tenham decidido, em conjunto, a necessidade de recorrer a um empréstimo, com condições mais favoráveis, para liquidar os anteriores. (6º)

            h) Em 19.6.2008, o A. e a Ré hajam tomado a decisão de celebrar o acordo referido em II. 1. f) apenas para a Ré conseguir junto da CGD um empréstimo para aquisição de habitação, no montante de € 85 000, apenas com a intenção de conseguirem liquidar todos os empréstimos anteriores. (7º)

            i) O valor declarado na escritura referida em II. 1. f) não haja sido entregue ao A.. (8º)

            j) Após a Ré ter obtido o empréstimo junta da CGD, o A. e a Ré tenham procedido à entrega de todos os montantes que haviam solicitado. (9º)

            k) O A. e a Ré hajam combinado que procederiam à liquidação do empréstimo da CGD através do produto da venda de três imóveis adjudicados ao A. nas partilhas por óbito da sua mãe e que, quando tal acontecesse, o imóvel referido em II. 1. f) voltaria à titularidade do A.. (10º e 11º)

            l) Haja sido na sequência desse acordo que o Réu colocou à venda o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art.º 2793, sito na Rua (...) , Nazaré. (12º)

            m) A fracção identificada em II. 1. f) seja o “imóvel de maior valor e com melhor localização do autor”. (13º)

            n) Até ao falecimento do seu pai, o A. fosse ao imóvel com frequência, mantendo contacto com a Ré e a convivência com a sua filha menor, (16º)

            o) Quando a Ré comunicou ao A. que tinha celebrado o contrato-promessa referido em II. 1. h), o tenha “despejado” de casa. (17º)

            p) O A. tenha voltado a morar no imóvel devido à ajuda dos filhos. (18º)

            q) O imóvel referido em II. 1. f) tenha o valor de € 300 000. (19º)

            r) O A. tenha querido vender a fracção identificada em II. 1. f) para pagamento de dívidas que tinha. (21º)

            s) A Ré, para pagamento das dívidas do A., tenha procedido à venda de um imóvel, sito em R (...) , F (...) , Nazaré, a 03.4.2008 e tenha entregado àquele o montante de € 40 000. (22º)

            t) O A. tenha pedido à Ré que lhe adquirisse a referida fracção, sendo que o montante de € 40 000 e o montante de € 20 772,46 constituíam contrapartida parcial de tal aquisição. (24º)

            u) A Ré tenha despendido € 37 000 para proceder a obras na fracção, realizadas nos anos de 2008, 2009 e 2010. (25º)

            v) A Ré, a 19.6.2008, tenha entregue ao A. o montante de € 85 000 a título de contrapartida da aquisição da propriedade da fracção em causa nos autos. (26º)

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Já depois de designada a audiência de julgamento, o A. veio invocar a existência de “ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário natural” e requerer a sua própria notificação para vir aos autos deduzir incidente de intervenção principal provocada.

            A Ré pugnou pela improcedência da “excepção”, aduzindo ainda que sempre a sua eventual verificação conduziria à absolvição da Ré da instância.

            Foi então proferido o seguinte despacho (de 15.5.2015):

            «(…)   - Foi o autor quem decidiu a pessoa a demandar nestes autos e não se lhe reconhece legitimidade para arguir excepções à sua própria opção em termos de sujeitos processuais;

            - Proferido que está o despacho saneador, caso se entenda que existe qualquer questão processual que possa determinar a absolvição da instância, apenas em sede de sentença se deverá apreciar a mesma (art.º 608º do CPC);

            - O nosso CPC consagra o princípio da estabilidade da instância – art.º 260º - e os subsequentes artigos 261º a 263º disciplinam as modificações subjectivas possíveis da instância (sendo que nenhum deles tem qualquer aplicação ´in casu`);

            - Os artigos 311º e segs do CPC regulam a intervenção de terceiros, sendo que a intervenção provocada por preterição de litisconsórcio necessário apenas pode ser requerida até ao termo da fase dos articulados – artigo 318º - sendo que, no caso dos autos, se está a poucos dias da data designada para julgamento.

            Perante o sumariamente exposto (…), a pretensão ora trazida ao processo pelo autor é completamente despida de fundamento legal, motivo pelo qual se indefere. (…)».

            A respeito da mesma matéria e no contexto das pretensas “nulidades da sentença” invocadas na alegação de recurso de fls. 389 [“conclusão 2ª”, ponto I, supra], a Mm.ª Juíza a quo referiu ainda, no despacho de 12.01.2016, que «decorre (…) com clareza do despacho proferido em 15.5.2015 que nele se julgou intempestiva a pretensão do autor (…), não se tendo relegado a sua decisão para a sentença, pelo que (…) se pensa não ocorrer a apontada nulidade».

            Independentemente da questão de saber se estão na lide as “partes exactas” e foram atendidos os “interesses” relevantes, dúvidas não restam de que a resposta a dar terá de respeitar o enquadramento adjectivo, a tramitação e o estado dos autos.

            Assim, decorre da lei adjectiva (CPC):

            - Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (art.º 260º).

            - Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 316º e seguintes (art.º 261º, n.º 1).

            - A instância pode modificar-se, quanto às pessoas: a) Em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio; b) Em virtude dos incidentes da intervenção de terceiros (art.º 262º).

            - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (art.º 316º, n.º 1). Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º (n.º 2).

            - O chamamento para intervenção só pode ser requerido: a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261º; b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316º, até ao termo da fase dos articulados; c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316º e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito (art.º 318º, n.º 1, sob a epígrafe “oportunidade do chamamento”).

            - O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, nomeadamente, quando considere ilegítima alguma das partes ou
julgue procedente alguma outra excepção dilatória
(art.º 278º, n.º 1, alíneas d) e e)). As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte (n.º 3).

            Perante o descrito regime jurídico, e pesem embora as posições das partes nos articulados (cf., v. g., art.ºs 26º, 35º e 44º da petição inicial e 28º, 39º e 40º da contestação) e no decurso da acção (mormente, em face da prova pessoal produzida em audiência de julgamento e como decorre das respectivas “alegações”), afigura-se-evidente, por um lado, a intempestividade da pretendida ou sugerida modificação subjectiva (art.º 318º, n.º 1, do CPC) e, por outro lado - como se verá -, que o desfecho da acção, maxime, a decisão do mérito da causa (ditada pela actuação das partes e, principalmente, pelos factos!) em nada fica afectada por quaisquer eventuais (e efectivas ou potenciais) irregularidades processuais, sendo que, ficando incólume o direito de cada uma das partes, a decisão de mérito é integralmente favorável à Ré (cf. o art.º 278º, n.º 3, do CPC)[2].

            Tanto basta para que se reafirme a correcção do decidido em 1ª instância e a inexistência da apontada nulidade.

            4. O A./recorrente insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto e pugna para que a factualidade descrita em II. 1. k) e II. 2. e), j), g), h), i), m) e q), supra, obtenha a resposta mencionada nas “conclusões 3ª a 9ª”/ponto I, supra.

            Ainda que possamos dizer que o recorrente apenas indicou correctamente os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os meios probatórios que impunham decisão diversa, mas, no tocante aos depoimentos gravados, sem a exactidão e a menção previstas no art.º 640º do CPC, parece-nos, no entanto, que não seria de concluir pela impossibilidade de verificar/apreciar a existência de erro na apreciação da prova sujeita à livre apreciação do Tribunal recorrido, naturalmente, observando o direito probatório material.

            Porém, como bem se refere na decisão sob censura, «no caso dos autos – e contrariamente ao que sucedia na situação a que se refere o citado Acórdão[3]não existe qualquer prova escrita (ou de outro tipo que não testemunhal) de que emirja um princípio de prova do acordo simulatório, ou seja, que conduza a que os factos a tal referentes apareçam com alguma verosimilhança e que, consequentemente, esteja legitimado o recurso à prova testemunhal como meio complementar de um princípio de prova escrita.//Assim sendo, há que julgar a prova testemunhal – independentemente do seu conteúdo – inidónea para, no caso dos autos, fazer prova do acordo simulatório, por tal estar vedado pelo citado art.º 394º do Código Civil, mesmo quando interpretado restritivamente (…).//Por conseguinte, findo o julgamento, verifica-se que nenhuma prova válida foi produzida acerca dessa matéria

            5. Preceitua o n.º 1 do art.º 394º, do CC: É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores. E prevê o n.º 2 do mesmo art.º que tal proibição aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.  

            Por conseguinte, o facto de estar estabelecida a autenticidade de um documento, seja ele autêntico ou particular, não equivale a considerar verdadeiras as declarações que deles constam - a inexactidão das declarações pode ser demonstrada mediante a prova de algum dos vícios da vontade ou divergência entre a vontade e a declaração, mesmo recorrendo à prova testemunhal.

            A prova da simulação entre os simuladores radica, muitas vezes, em indícios e ilações baseados em factos que à luz da experiência comum podem revelar a existência dos respectivos requisitos, sendo que o citado n.º 2 do art.º 394º, do CC, na sua estrita literalidade, proíbe a prova testemunhal como elemento probatório do acordo simulatório e também do negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

            Todavia, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, nestes casos, é admissível prova testemunhal, se os factos probandos "aparecem" com alguma verosimilhança, em provas escritas; então, complementarmente, é admissível tal tipo de prova.[4]

            6. Compulsados os autos, antolha-se evidente que os diversos documentos juntos, pela Ré, a fls. 44 e seguintes[5] e 145 e seguintes não consubstanciam inequívoca aparência de prova acerca do alegado intuito simulatório, razão pela qual a prova testemunhal não era admissível.

            E se, por um lado, a perspectiva do A. não se tornou verosímil por um qualquer princípio ou começo de prova por escrito, por outro lado, a prova testemunhal tida por relevante e complementar/coadjuvante de elementos de prova escritos (considerados de particular relevância) acabou por cimentar a dúvida sobre o propósito e as reais circunstâncias do negócio em causa, realizado em 19.6.2008, havendo assim motivos para afirmar ou recear os “perigos” comummente associados à prova testemunhal ou daqueles que particularmente se ligam à admissibilidade de tal prova quando se pretenda demonstrar a existência de simulação, pois, além do mais, está desacompanhada de tal princípio ou começo de prova.[6]

            Na verdade, o documento de fls. 44, de cariz contabilístico, nada nos diz sobre a “origem” ou razão de ser das mencionadas “prestações” dos anos de 2003 a 2008, e bem assim sobre o “valor do empréstimo” associado a “valor J (...) ”, ou sobre o “valor E (...) ” e, por último, sendo certo que as operações de fls. 44 estão matematicamente correctas (aparecendo o resultado final, a fls. 45, sob a designação de “prestações em atraso”), fica igualmente a dúvida sobre o derradeiro montante de € 46 613,66 e a razão de ser das parcelas que o “justificam”…, inclusive, a respeito do “imposto da venda da casa” de € 1000 (veja-se, por exemplo, que a ”aquisição” documentada a fls. 46 estaria isenta de IMT…/fls. 49).

            Ora, e se é certo que a contabilidade é o rasto que evita que os movimentos fraudulentos e à margem da lei se esfumem[7], aqueles valores e aquelas inexplicadas parcelas jamais poderão constituir base ou suporte de uma qualquer indagação!

            De resto, também não ficou esclarecido se, pelo menos, alguns dos valores discriminados a fls. 44 e 45 estão de algum modo ligados ao negócio a que alude o documento de fls. 46 e seguintes (datado de 13.7.2005), e desconhece-se, designadamente, se o aí “comprador”, E (...) , assumiu efectivamente (na realidade) essa qualidade, ou até que ponto existirá porventura similitude de procedimentos face ao negócio que vemos questionado nos autos e no qual interveio como “fiador” [cf. II. 1. f), supra], com a agravante, diga-se, de o A. pretender provar a simulação através do depoimento de um dos intervenientes no negócio em causa e que estaria pretensamente envolvido (ou poderá estar envolvido) em negócios identicamente “viciados”… (cf., v. g., os art.ºs 14º e seguintes da contestação)[8].

            Sendo aqueles os elementos especialmente invocados nos autos e no decurso da audiência de julgamento (a par, talvez, do documento de fls. 81, relativo à avaliação efectuada no procedimento cautelar n.º 389/11.6TBNZR), não vemos como seja possível concluir que estava/está ali, em tais documentos, suporte documental suficientemente forte para que, constituindo a base da convicção do julgador, se possa/deva, a partir deles, avançar para a respectiva complementação através de prova testemunhal, constituindo o princípio de prova que, como vimos, a doutrina e a jurisprudência vêm exigindo como seu requisito de admissibilidade.

            E o que decorre do depoimento do referido E (…) [no qual pretende o A. ancorar a sua “tese” sobre o acordo simulatório… – cf., sobretudo, a “conclusão 15ª”/ponto I, supra], devidamente analisado (e sem cuidar das sucessivas e induzidas interrupções no depoimento…), apenas poderá corroborar o já dito.

            Vejam-se, pois, os seguintes excertos: Técnico oficial de contas. Primo do A. Tenho uma boa relação (com o A.), quer dizer já tive melhor (…) mas pronto tenho uma boa relação. Actualmente tem uma (relação com a Ré), porque ela deixou de falar comigo quando eu comecei a ser testemunha do meu primo. Esta situação toda envolve alguns dos meus interesses…//Emprestou dinheiro ao A. e à Ré (tenho um histórico de emprestar dinheiro…), já estavam juntos e ficou combinado pagarem-me; ficou combinado foi que eu, obviamente, eu não tinha esse dinheiro, recorri à Banca e ficou combinado eles pagarem a prestação para eu entregar ao Banco, só que obviamente deixaram de…; foi (…) em Agosto de 2003, e o montante foi € 47 500; havia meses em que pagavam, outros que não pagavam, inclusive quando pagaram esse empréstimo eu até lhes dei uma relação de tudo aquilo que eu tinha pago ao banco e o que eles tinham pago a mim e deu um valor à data de 46 mil e qualquer coisa, 46.613 salvo erro. Foi quando se fez o empréstimo (i. é, o negócio em causa nos autos). Estou perfeitamente a par porque foi uma estratégia (…) entre (…) mim, o J (…) e a C (…); ele (A.) tinha todo o interesse em resolver isto, porque tinha a dívida à banca. O que ficou combinado - iria se fazer esse empréstimo, a C (...) iria comprar, enfim, a casa ao J(…) e o dinheiro…; (...) ela (Ré) comprou e o dinheiro (…) não foi para o J(…), com esse seu dinheiro pagaram-me a mim e pagaram mais algumas dívidas que eles tinham. Quando fomos à Caixa (…) quem estava lá era o R (…), o gerente [não indicado como testemunha – cf. fls. 46, 143 e 163 verso], isto que nós combinámos em casa dissemos-lhe a ele, como é que era a nossa ideia, ele concordou, ele disse que era uma boa solução, e a coisa acabou-se, e fez-se a venda, eles pagaram-me a mim. A Ré já tinha o cheque pronto no nome dela, para me dar (…), 46 613, que era aquilo que eles me deviam, nesse mesmo dia; (…) tenho o extracto da entrada do cheque (…). A minha dívida ficou liquidada nesse empréstimo, mas eles devem mais umas coisas que estão-se a esquecer nestas coisas todas (…). A ideia era pagarem a mim, pagarem algumas dívidas que tinham e ficarem com algum dinheiro para ele (A.) abrir uma loja de pesca, o que aconteceu, abriu uma loja de pesca e para recomeçarem a vida, só que a loja de pesca não funcionou e depois as coisas arrastaram-se.//O que foi falado na altura foi se algum dia ela (Ré) não puder pagar a casa, ´eu vendo a casa` (terá dito a Ré), paga-se o empréstimo e depois o lucro restante é para ele (A.), ´porque eu não quero que os filhos dele me venham dizer que eu estive aqui para me aproveitar da situação` (terá dito a Ré), mas isso já são problemas entre eles…[9] O que ficou combinado foi que a casa é sempre dele (A.), e se por algum motivo a casa tiver que ser vendida por ela não conseguir pagar a prestação, porque acho que tinha outros empréstimos, ela disse que ia pôr a casa à venda e a mais-valia seria, obviamente, para ele, segundo palavras dela, que não queria que os filhos que pensassem que ela estava-se a aproveitar.//Relativamente ao negócio a que se reporta o documento de fls. 46, disse: A casa que está a falar é a casa da Rua das B (...) s, certo? Eu comprei-lhes a casa, salvo erro por 75 mil euros e eu, enfim, já não me bastava ter caído no primeiro erro, fiz o empréstimo ao banco, dei os € 75 000 e ficou combinado, numa futura venda dessa casa, as mais-valias dessa casa, (…) eu, nessa futura venda, eu vendia a casa, custou 75, por exemplo vendia a 100, eu ia liquidar o meu empréstimo à data e o valor é deles[10], mas eu tenho provas disso… Eles tinham dívidas à Caixa Geral, parte desse dinheiro, os € 75 000, foi para pagar dívidas…

            Inexistindo o dito começo de prova (princípio ou começo de prova por escrito), com base nos mencionados documentos ou em quaisquer outros, inviabilizada fica a possibilidade de comprovar a existência do invocado acordo simulatório e respectivo circunstancialismo.

            7. Na decorrência da solução encontrada no ponto anterior mostra-se prejudicado ou irrelevante o conhecimento do restante objecto da impugnação de facto, ligada aos demais elementos e circunstâncias do questionado “negócio” mas que assume uma importância claramente secundária e lateral.

            Na verdade, sabendo-se que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, mas tem, em última instância, um objectivo bem marcado (possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegue, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu, i. é, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada) e sendo inequívoco que a demais matéria fáctica objecto de impugnação, porventura cognoscível, é irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, torna-se assim inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto (in casu, no que ainda subsista), pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

            Por isso, nestes casos de irrelevância jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[11]

            8. Assim, para a dilucidação do litígio releva, tão-somente, a matéria de facto que a 1ª instância deu como provada, nenhuma modificação podendo ou devendo ser introduzida à materialidade provada e não provada descrita em II. 1. k) e II. 2. e), j), g), h), i), m) e q), supra, se bem que possamos dizer que, tudo quanto foi possível apurar, aponta no sentido da correcção do decidido em 1ª instância.

            9. O art.º 240º, n.º 1, do CC, define negócio simulado como aquele em que, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.

            Atenta a referida noção do negócio simulado, tem a doutrina defendido a necessidade da verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar; quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta), sendo que o ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.[12]

            10. A simulação é um vício da vontade que tem subjacente uma divergência intencional entre a vontade e a declaração negocial.

            Pode assumir duas modalidades diferentes, legalmente previstas: a simulação absoluta e a simulação relativa.

            Verifica-se a primeira quando os intervenientes no negócio jurídico celebrado não querem, na realidade, celebrar qualquer negócio jurídico, mas emitir a declaração negocial respectiva com o intuito de enganar terceiros - os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum; há apenas um negócio simulado (como diziam os antigos tratadistas, “colorem habet, substantiam vero nullam”). Trata-se de simulação relativa se os intervenientes no negócio jurídico querem, na realidade, celebrar um negócio jurídico diferente daquele que corresponde à declaração negocial emitida, tendo emitido esta declaração negocial, que diverge da sua vontade, com o intuito de prejudicar terceiros (art.ºs 240º, n.º 1 e 241°, n.º l, do CC).

            O negócio jurídico absolutamente simulado é nulo (art.º 240°, n.º 2, do CC), nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286°, do CC).

            Se, em determinado caso concreto, não ocorrer o circunstancialismo fáctico integrador dos requisitos enunciados, poderá verificar-se qualquer falta ou vício de vontade, mas não, seguramente, o da simulação.

            11. É irrecusável que o A. não logrou provar a verificação dos pressupostos/requisitos da invocada simulação (os art.ºs da base instrutória que explicitavam esses factos - principalmente, os art.ºs 7º, 8º e 11º - mereceram resposta negativa), sendo que não pode considerar-se existente a simulação com base em simples indícios não confirmados pela decisão da matéria de facto[13].

            Como bem se refere na decisão sob censura, nada de concreto ficou provado, após discussão da causa, não de podendo concluir, da leitura integral dos factos assentes, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada na escritura mencionada em 6. [II. 1. f), supra], o intuito de enganar terceiros e a existência de acordo simulatório – ou seja, de combinação no sentido de consignarem algo diverso do realmente pretendido; o autor não logrou provar – como lhe competia fazer, à luz do preceituado no art.º 342º, n.º 1, do CC – todos os factos necessários para que se possa concluir ter ocorrido simulação, para efeito do estatuído no citado art.º 240º, n.º 1, do CC.

            Soçobra, pois, o pedido principal do A. de ver declarada e reconhecida a existência de total divergência entre as declarações emitidas por A. e Ré, na escritura de compra e venda referida em II. 1. f), supra, e a sua vontade real (e, consequentemente, nula a transmissão do prédio, que daí resultou) e o demais peticionado.

            De igual modo, e é por demais evidente, não se enxergam quaisquer pretensas nulidades da sentença, invocadas a esmo e de forma infundada e inconsistente (art.º 615º, do CPC).

            Importa pois confirmar o decidido em 1ª instância. 

            12. Relativamente ao “incidente” suscitado a fls. 565 e a que respeita o recurso admitido a fls. 699, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que, ao proferir os despachos de 15.10.2015 e de 12.01.2016 (fls. 551 e 629, respectivamente), a Mm.ª Juíza a quo não deixou de pôr cobro ao imbróglio e incidente em causa, no que relevava para os presentes autos, conforme se impunha.

            Assim, se, num primeiro momento, em face da informação da Secção[14], foi determinado, nomeadamente, que se oficiasse de imediato e em conformidade à Conservatória “informando que a certidão emitida pelo tribunal se deveu a lapso manifesto e que a sentença proferida nestes autos não transitou em julgado” e solicitando-se que fosse “dado sem efeito o cancelamento do registo aí determinado ou (…) lavrado novo registo desta acção” [a)], e bem assim a notificação às Exmas. Mandatárias das partes, “sendo a Ilustre Mandatária da ré notificada que (como devia ser do seu conhecimento) a sentença proferida nestes autos não transitara em julgado à data em que obteve a certidão da mesma e, assim, que se deve abster de fazer uso daquela certidão com menção contrária, bem como de qualquer certidão da Conservatória do Registo Predial de que, devido ao lapso havido, conste o cancelamento do registo obtido com base naquela certidão” [b)], tendo-se relevado o lapso da Secção por se tratar de “um lapso esporádico – ou seja, que não é usual suceder na secção – e humanamente compreensível” [c)], depois, num segundo momento, na sequência da comunicação da Conservatória de fls. 620 (dando conta do “cancelamento do averbamento de cancelamento”/fls. 622) veio a proferir o despacho impugnado, com o seguinte teor: “Requerimento do autor de 29.10.2015: Tendo em consideração a comunicação remetida pela competente conservatória, a situação está regularizada, pelo que nada mais cumpre determinar no âmbito destes autos acerca do lapso ocorrido.”

            Por conseguinte, sem quebra do respeito sempre devido por diverso entendimento, não vemos a menor razão para diversa pronúncia quanto aos “pedidos” formulados no aludido requerimento do A.[15], e para o recurso e o arrazoado que o sustenta, sendo que o A., se assim o entender, (já) terá ao seu dispor todos os elementos de que necessita para, segundo o seu arrazoado, “realizar as competentes participações do foro disciplinar (Conselho dos Oficiais de Justiça e Ordem dos Advogados) e instaurar a adequada acção em juízo”, podendo requerer as correspondentes certidões (art.º 170º, n.º 1, do CPC).

             Ainda que tudo aponte em sentido contrário ao alegado “prejuízo” para o A. decorrente da comprovada actuação da Ré, sua Exma. Mandatária e Secção, e pesem embora os elementos constantes dos autos e, agora, o desfecho dos recursos, naturalmente, (já) nada obstará a que o A., se assim o entender, “encete” as diligências que considere convenientes…

            Resta assim concluir que o despacho de fls. 629 também não padece de qualquer nulidade e não merece qualquer censura.


*

III. Face ao exposto, julgam-se improcedentes as apelações, confirmando-se a sentença e os despachos recorridos.

            Custas pelo A./apelante.


*

15.11.2016

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Vítor Amaral



[1] Levando já em conta o decidido a fls. 123 e seguintes.
[2] Vide, nomeadamente, a propósito de idêntica disposição do CPC de 1961 (na redacção conferida pelo DL n.º 180/96, de 25.9), J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 515 e seg. e Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, págs. 286 e seg..
[3] Acórdão da RC de 07.02.2012-processo 975/10.1T2AGD-A.C1, relatado pelo também aqui relator, publicado no “site” da dgsi.

[4] Neste sentido, na doutrina, vide L. Carvalho Fernandes, A Prova da Simulação pelos Simuladores, em "O Direito", 124 (1992), págs. 593 e seguintes, que termina com a formulação das seguintes conclusões (págs. 615 e seguintes):

   “a) A interpretação estrita dos art.ºs 351º e 394º, n.º 2, do Código Civil, limitando fortemente a arguição da simulação pelos simuladores, pode conduzir a resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro;

   b) A ponderação dos interesses em jogo postula, assim, uma interpretação restritiva desses preceitos, que atenue a limitação dos meios de prova disponíveis a que a letra da lei conduz:

   c) Essa interpretação não pode, porém, pôr em causa a ´ratio´ desses preceitos, nem chegar ao ponto de sobrepor, à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais;

   d) Deste modo, a estes meios de prova só pode estar reservado o papel secundário de determinar o alcance de documentos que à simulação se refiram ou de complementar ou consolidar o começo de prova a que neles seja lícito fundar;

   e) Sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção;

   f) Como legítimo é, a partir desse mesmo começo de prova, pela via de presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo.”

                Também C. A. da Mota Pinto, in CJ, X, III, 9, escreve: "Constitui excepção à regra do art.º 394° e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental".

                Vide, ainda, com idêntico entendimento, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 330 e 341 e seguintes e Vaz Serra, in RLJ, 107º, págs. 311 e seguintes e BMJ, 112º, págs. 194 e seguintes.

                Na Jurisprudência, cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 15.4.1993, 04.3.1997, 17.6.2003-processo 03A1565, 09.3.2004-processo 04B040, 21.5.2009-processo 08B1466, 23-02-2010-processo 566/06.1TVPRT.P1.S1 e 02.12.2010-processo 449/04.0TBOVR-A.P1.S1, da RP de 27.9.1994 e da RC de 09.12.1997, in CJ-STJ, I, 2, 61; V, 1, 121 e XI, 2, 112 (e “site” da dgsi); “site” da dgsi [o mencionado penúltimo acórdão do STJ também publicado na CJ-STJ, XVIII, 1, 71]; BMJ 439º, 655 e 472º, 576, respectivamente, bem como o cit. acórdão da RC de 07.02.2012-processo 975/10.1T2AGD-A.C1.
[5] O documento de fls. 39 e seguintes foi considerado “meio de prova nulo” (cf. a sentença recorrida).

[6] Cf. o citado acórdão da RC de 07.02.2012-processo 975/10.1T2AGD-A.C1.
[7] Vide A. Domingos de Azevedo, “A falência ética”, in Contabilista, ano XVII, Julho 2016, pág. 3.
[8] E veja-se, por exemplo, o seguinte excerto do arrazoado da alegação de recurso de fls. 389 e seguintes: “De notar, que este negócio firmado em 2005, já obedece portanto a um padrão que viria a ser replicado mais tarde, em 2008, para a casa que também pertencia ao A. e na qual habitavam A. e Ré (e habitariam no mínimo, até 2010)”.

[9] E no contexto dos “problemas entre eles”, não sabemos, por exemplo, quais as circunstâncias e a razão de ser da compra e venda efectuada pela Ré em 03.4.2008 (fls. 51) e/ou se, ao realizar o negócio em causa nos autos, o A. quis “pagar” algum valor devido à Ré e pretendeu efectuar algo semelhante ao depois negociado com a sua ex-mulher, como consta da fundamentação da alegação de recurso: “O Autor não só não pagou essa quantia à ex-mulher, como, na sequência de acordo firmado com a mesma, acabou por lhe vender a casa onde ela já habitava, pelo valor de 50.000€, que recebeu dela na data da respectiva escritura de compra e venda”… (cf. o documento de fls. 153, de 22.10.2008).

[10] Atente-se que, segundo a testemunha e, tendo presente a alegação de recurso de fls. 389 e seguintes, o próprio A., o “negócio” realizado com aquela seria em tudo idêntico ao que o A. viria depois a efectuar com a Ré… [veja-se, nomeadamente, a “nota 8”, supra e o excerto seguinte (sublinhado nosso) - cf. fls. 46 e 446]: «Os outros dois prédios, na Rua (...) e na Rua das B (...) s, tinham, respectivamente, o valor patrimonial tributário de 17.504,95€ e 1.191,01€ e valor real/de mercado (por que foram transaccionados) de 18.030€ e 75.000€ (...)»

[11] Vide A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição, 2008, pág. 298, e, entre outros, o acórdão da RC de 12.6.2012-processo 4541/08.3TBLRA, publicado no “site” da dgsi.

[12] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 07.5.1980-processo 067634, 13.01.1989-processo 076575, 20.5.1993-processo 083533, 23.9.1999-processo 99B538, 09.5.2002-processo 02B511, 18.12.2003-processo 03B3794, 14.02.2008-processo 08B180 e 22.02.2011-processo 1819/06.4TBMGR.C1.S1 e da RP de 13.5.2013-processo 804/10.6TBCHV.P1, publicados no “site” da dgsi.
   Vide ainda, entre outros, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1974, pág.212 e Luís Carvalho Fernandes, Simulação e Tutela de Terceiros, Lisboa, 1988, pág. 24.
[13] Cf. o citado acórdão do STJ de 23.9.1999-processo 99B538.
[14] Com o seguinte teor: “por lapso da secção, foi emitida e entregue à mandatária da RR, a certidão com a Refª. 79134411, para efeitos de cancelamento de registo, na qual se certificou que a sentença transitou em julgado em 28-9-2015, o que não veio a acontecer face ao recurso agora interposto, o qual é tempestivo. Ao constatar tal lapso, contactei a competente Conservatória do Registo Predial, tendo sido informado que o pedido de cancelamento já foi efectuado, tendo como base tal certidão, tendo sido, hoje, despachado favoravelmente pela Exma. Senhora Conservador, pelo que, solicitando relevação do lapso cometido, abro conclusão a V. Exª, para que determine o que tiver por conveniente. (…)
[15] Assim concretizados: “a) - o apuramento de responsabilidades relativamente a este acto, pela sua gravidade e consequências, designadamente o registo de cancelamento do registo da acção, antes do trânsito em julgado da sentença e outras, pese embora ainda não conhecidas ou determinadas em toda a sua extensão; b) - a notificação da Ilustre Mandatária da Ré no sentido de vir aos autos, em prazo muito curto, informar se, uma vez munida da sobredita certidão, praticou, em nome da sua mandante, ou esta, directamente por si, algum acto, outorgou algum contrato ou interveio em alguma escritura, e, em caso afirmativo, que junte aos autos, no mesmo prazo, cópia certificada dos correspondentes documentos, porquanto a certidão a atestar o trânsito em julgado da sentença final em 28.9.2015, já lhe foi entregue no passado dia 07.10.2015 e estamos agora já no dia 29.10.2015; e c) - a passagem de duas certidões, de igual conteúdo, contendo todos os actos praticados nos autos após a data da notificação da sentença à Ilustre Mandatária da Ré, a fim de instruir essas sobreditas eventuais participações.”