Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292/06.1IDBRG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CRIME FISCAL
FRAUDE FISCAL
SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 21.º, 47.º E 103.º DO RGIT
Sumário: I – A suspensão do processo penal tributário, prevista no artigo 47.º do RGIT (redacção da Lei n.º 53/-A/2006, de 29-12), fundada na pendência de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, só se justifica nos casos em que a existência da infracção penal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal.

II – O que impõe a prévia análise, mediante despacho judicial, dos fundamentos, no caso versado nos autos, da impugnação apresentada.

III – Sendo assim, para a determinação da suspensão da prescrição do procedimento criminal, por efeito da suspensão do processo penal, releva o despacho que fixa esta suspensão.

IV – Se se impõe a prolação de um despacho que, ponderando os fundamentos da impugnação ou da oposição à execução pendente nos tribunais administrativos ou fiscais, verifique se os mesmos têm, em concreto, relevância para a questão suscitada no processo penal, determinando a suspensão desse processo se concluir pela existência daquela relevância, então também a suspensão da prescrição só pode ocorrer a partir do momento em que tal despacho é proferido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1. O MP veio interpor recurso do despacho, proferido em 27-11-2020, que declarou extinto, por efeito de prescrição, o procedimento criminal contra os arguidos B, Lda, A., E. e V. e ordenou o arquivamento dos autos.


*

2. Da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:

1º Nos presentes autos, o crime imputado é fraude fiscal, na forma continuada, p.p. pelo artigo 103º n.º 1, al. a) e b) e c) do RGIT, na versão aplicável à data dos factos, introduzida pela lei 15/2001 de 05-06, e, art. 30º n.º 2 e 79º do CP.

2º O prazo normal de prescrição é 5 Anos, sendo o prazo máximo de prescrição de 7Anos e 6Meses, ressalvando os períodos de suspensão.

3º A data do último facto relevante para inicio da contagem do prazo normal de prescrição de procedimento criminal é de 23-12-2003 (data do último negócio simulado).

4º Por oficio de 03-01-2007 a DGI (atual Autoridade Tributária) comunicou ao Ministério Publico a instauração de processo de inquérito em 05-01-2007 por despacho manuscrito foi determinado “RDA como inquérito”.

5º Por oficio da DGI de 07-05-2008 foi comunicado ao MP a suspensão do processo criminal, nos termos do artigo 47º do RGIT, fazendo refrª. expressa ao processo de impugnação n.º490/07.0BEBRG.

6º Foram juntas aos autos, cópias da PI e posteriormente das sentenças com nota de trânsito em julgado, proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, respeitantes às impugnações judiciais tributárias, alusivas a IRC dos anos de 2002 e 2003.

7º Não foi proferido qualquer despacho no processo no inquérito, pela autoridade judiciária a determinar a suspensão do processo penal tributário na sequência das impugnações judiciais tributárias intentadas perante Tribunal Administrativo e Fiscal.

8º Os autos de inquérito prosseguiram os seus termos com a dedução de despacho de acusação em 15-03-2016 e despacho de remessa à distribuição para julgamento em 12-03-2020.

9º Por despacho proferido em ata, no dia 27-11-2020, a Mmº Juiz a quo, como questão prévia ou incidental, ao abrigo do disposto no artigo 338 n.º 1 do CPP, analisou e apreciou a questão prévia de prescrição de procedimento criminal

10º Fazendo apelo a legislação e jurisprudência pertinente, conclui verificar-se nos autos a prescrição do procedimento criminal, quanto a todos os arguidos.

11º Considerou para esse efeito, e, em suma que, inexistindo despacho de autoridade judiciária em sede de inquérito a determinar a suspensão do processo penal tributário por via da instauração de impugnações judiciais tributárias, não se verifica a causa de suspensão do prazo de prescrição de procedimento criminal,

12º E, que tal causa de suspensão, prevista no artigo 47º do RIGT não é automática, carecendo sempre de despacho da autoridade judiciária a determiná-la.

13º Porém, analisando as petições iniciais de impugnações judiciais tributárias, e, bem assim, as sentenças proferidas nesses autos, constatamos que, de facto, se discutia e discutiu-se, a situação tributária de cuja definição dependia a qualificação criminal dos factos imputados nestes autos.

Pelo que,

14º Materialmente verificam-se as condições para que possa e pudesse operar a causa de suspensão do processo penal tributário, e, consequentemente, a suspensão do prazo de procedimento criminal tributário.

15º Considerou já o STJ no Acórdão 3/2007 de fixação de jurisprudência, que a suspensão do processo penal tributário operava ope legis, não carecendo de despacho de autoridade judiciária a determiná-la, embora não se desconheça que ter sido proferido na vigência de anterior legislação,

16º Nos presentes autos, formalmente não existe despacho em sede própria a apreciar a questão e a determinar a suspensão, mas, substancialmente a causa de suspensão existe, razão pela qual entendemos que deverá ser considerada para efeitos de contagem do prazo prescricional nestes autos.

17º Em conclusão, a questão que pretendemos por em crise no despacho proferido com a instauração do presente recurso, é saber se, neste caso em concreto, a forma, ou melhor, a omissão da forma/ a omissão do despacho- prevalece sobre a substância, pois que a qualificação criminal dos factos tributários em causa nestes autos dependia efetivamente da situação tributária discutida nessas ações, sendo uma verdadeira causa prejudicial.

18º Afigura-se-nos, assim, no caso concreto, ser defensável a prevalência da substância em detrimento da forma, o que se peticiona.

19º Acrescenta-se e reitera-se por fim que, sendo uma questão de direito, também por dever de ofício, e com vista a que a questão seja também apreciada nestes autos, em instância superior se interpõe o presente recurso.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências melhor suprirão, apreciando e decidindo que, no caso concreto, a substância deverá prevalecer em detrimento da forma, ou omissão desta, e considerando como verificada a causa de suspensão do procedimento criminal, prevista no artigo 47º do RGIT,

Vossas Excelências, farão, como sempre, a costumada Justiça.”


*

3. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto proferiu o seguinte parecer:

“(…)

2. – O recurso em análise foi interposto do douto despacho que, para além do mais, declarou extinto, por efeito de prescrição, o procedimento criminal contra os arguidos B. Lda, A., E. e V. e ordenou o, consequente, arquivamento dos autos.

3. – O Ministério Público não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, alegando, em síntese, que, instaurada que seja impugnação judicial perante Tribunal Administrativo e Fiscal, a suspensão do procedimento criminal, nos termos do artigo 47º do Regime Geral das Infrações Tributárias, opera, em sede de inquérito, independentemente de despacho proferido pela autoridade judiciária a declará-la.

4 - Nos termos do artigo 47.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias: “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Assim, a declaração de suspensão do processo penal, nas circunstâncias previstas no artigo 47.º, n.º 1, do referido RGIT, não é uma faculdade e não depende de critérios de oportunidade, sendo antes o reconhecimento da verificação de uma situação objectiva à qual a lei atribui efeitos no processado.

Todavia, tal suspensão, fundada na pendência de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, só se justifica nos casos em que a existência de infracção criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal. Daí que não possa prescindir de despacho a declará-la.”


*

4. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

*

Os autos tiveram os vistos legais.

*

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

 O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a decidir pelo tribunal ad quem, como são as referidas no nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal - cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR. I. Série – A, de 28.12.1995.

Impõe-se então decidir se o despacho recorrido, declarando a prescrição do procedimento criminal, ignorou a causa de suspensão do procedimento criminal, prevista no artigo 47º do RGIT.

2. Consta do despacho recorrido (transcrição):

“Dispõe o artigo 338º, nº1, do CPP, que: «O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar».

Nos termos do nº2 do citado preceito legal: «A discussão das questões referidas no número anterior deve conter-se nos limites de tempo estritamente necessários, não ultrapassando, em regra, uma hora. A decisão pode ser proferida oralmente, com transcrição na acta».

No caso vertente os arguidos V., E., A. vieram invocar, nas respectivas contestações que apresentaram, e que foram admitidas, a prescrição do procedimento criminal.

Por sua vez, a sociedade arguida B., Lda veio também invocar, na sua contestação, a prescrição do procedimento criminal, não tendo, no entanto, tal contestação sido admitida, por intempestiva.

Ora, independentemente da contestação da referida sociedade arguida não ter sido admitida, importa aqui referir que a verificação da prescrição do procedimento criminal é de conhecimento oficioso, sendo que a sua verificação dá lugar à extinção do procedimento criminal, e obsta ao conhecimento do mérito da causa. Com efeito, a prescrição do procedimento criminal caracteriza-se, em primeira linha, como um pressuposto processual negativo - «obstáculo processual» - que obsta ao procedimento criminal e tem como consequência o arquivamento dos autos [cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 698 e ss.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C. Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág. 826 e seg.].

Nesta decorrência, importa apreciar a questão da prescrição do procedimento criminal relativamente a todos os arguidos.

No caso dos autos constatamos que, em 15/03/2016, a Digna Magistrada do MP deduziu acusação, em processo comum, e para julgamento em tribunal singular, contra B., Lda, A., E. e V., imputando, aos arguidos pessoas singulares, prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p., pelas disposições conjugadas dos arts. 103º, n.º 1, als. a) e b) e c) do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias), na versão aplicável à data dos factos, introduzida pela Lei 15/2001, de 5 de Junho e arts. 30º, nº2 e 79º do Código Penal, mais se responsabilizando criminalmente a referida sociedade arguida, B., Lda, pela prática do mesmo ilícito, atento o disposto nos artigos 7º e 12º, nº 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na versão aplicável à data dos factos, introduzida pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, pelos factos melhor descritos na acusação, alusivos a negócio simulados, tendo o último ocorrido no dia 23/12/2003. O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (artigo 119º do Código Penal, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do artigo 3.º do RGIT), sendo certo que as infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no n.º 3 (artigo 5.º do RGIT). Nos crimes continuados o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto (cfr. artigo 119º, nº 2, alínea b) do Código Penal).

Conforme se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/03/2017, publicado in www.dgsi.pt., “o crime de fraude fiscal ocorre no momento da celebração do negócio simulado, e independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte”.

Com efeito, e conforme se pode ler também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4/05/2011, publicado in www.dgsi.pt., cujo sumário aqui se transcreve:

“1.- No crime de fraude fiscal no caso de negócio jurídico simulado, o momento da consumação do crime é o da data da celebração desse negócio.

2.- Consumando-se o crime com a celebração do negócio simulado, nessa data se inicia o prazo da prescrição”.

3.- Em caso de crime sob a forma continuada, o prazo de prescrição conta-se desde o dia da prática do último acto.”

Dispõe o artigo 21º do RGIT, que: “1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.

2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.

3 - O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

4 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º”

O curso da prescrição pode ser suspenso e interrompido.

Há suspensão quando o tempo decorrido antes da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido.

Inversamente, verifica-se interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se o período logo que desapareça a mesma causa. Ou seja, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido.

Assim, na contagem do prazo de prescrição do procedimento, partir-se-á da data da prática do facto ilícito ou, no caso de interrupção da prescrição, da data do acto interruptivo.

As causas de suspensão e interrupção encontram-se previstas nos artigos 120º e 121º do Código Penal. Nos termos do citado artigo 120º, nº 1, “A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;

b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade”. No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos (cfr. nº2).

Por sua vez, estatui o nº 3 do citado artigo 120º do Código Penal (na redacção que foi introduzida pela Lei nº 19/2013 de 21-02), que no caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. Relativamente às causas de interrupção, estabelece o nº 1, do artigo 121º, que – “A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia; d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido”.

Em qualquer caso, independentemente da interrupção, a lei estabelece um prazo legal máximo de prescrição do procedimento criminal que é o prazo normal de prescrição contado desde o início, acrescido de metade, uma vez ressalvado o tempo de suspensão, o que significa que o período da suspensão acresce sempre àquele – nº3 do art.º 121º do C. Penal. Haverá, por fim, que considerar a causa de suspensão, especificamente prevista no citado artigo 21º, n.º 4 do RGIT, que nos remete para as situações elencadas nos artigos 42º, n.º 2 e 47º do RGIT, sendo que nestes casos não há fixação de prazo de suspensão, durando até que transite em julgado a sentença a proferir no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal.

Com efeito, dispunha o citado artigo 42º, nº 2, na redacção em vigor à data dos imputados factos, introduzida pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, que: “No caso de ser intentado procedimento, contestação técnica aduaneira ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não será encerrado o inquérito enquanto não for praticado acto definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior”.

A redacção de tal preceito legal foi entretanto alterada, pela Lei nº 82-B/2014, DE 31/12, passando a estatuir o nº 2 que: “No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior”.

De acordo com o disposto no artigo 47º do RGIT, na redacção em vigor à data dos imputados factos, introduzida pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho:

“1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.

2 - Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie”.

A redacção do nº 1 do citado artigo 47º foi também entretanto, alterada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, passando a estatuir: “1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Conforme se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15/01/2013, publicado in www.dgsi.pt, “… da redacção original do n.º 1 do art. 47.º não constava o segmento “em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados” e a alteração introduzida em 2006 visou clarificar que tal suspensão não é automática, i. e., não basta a mera pendência de impugnação judicial tributária ou oposição à execução, para determinar a suspensão imediata do processo penal tributário (note-se que o previsto no artigo 50.º do RJIFNA e sobre o qual se debruçou a análise do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2007, não era igual à actual redacção do artigo 47.º do RGIT).

Actualmente, torna-se necessário analisar se na impugnação judicial apresentada está em causa matéria em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”. Ou seja, como também se refere na decisão sob recurso, a suspensão do processo penal tributário ocorrerá sempre que se considere que a questão em discussão na impugnação judicial tributária se apresenta como uma verdadeira questão prejudicial no processo penal em curso (em relação às questões prejudiciais em processo penal rege o nº 2 do art. 7º do Cód. Proc. Penal que “quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida essa questão no tribunal competente” – o que significa que para que se reconheça o carácter de “questão prejudicial” é imprescindível que o julgamento dessa questão seja necessário para se conhecer da existência do crime).

Pelo que se deve concluir, como faz o despacho recorrido “que a suspensão do processo penal fiscal, em consequência de uma impugnação judicial só reveste carácter obrigatório se a mesma for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal. Ao que se junta agora a própria enunciação do artigo 47º do RGIT: se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”.

Veja-se ainda, entre outros, sobre a questão da suspensão da prescrição por força do disposto no artigo 21º, nº 4, do RGIT e problemática do inicio da sua contagem, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31/10/2018, publicado in www.dgsit.pt, onde se concluiu pelo início após despacho judicial. Com efeito, conforme se pode ler em tal acórdão, e onde se citam vários outros acórdãos, “… A este respeito, importa ter em consideração recente jurisprudência sobretudo no que diz respeito à automaticidade da suspensão e data de início da contagem da suspensão. Assim, seguindo de perto acórdão da Relação do Porto de 03 de Julho de 2013, pesquisado em www.dgsi.pt , que “do art.º 47º do RGIT resulta que, ocorrendo impugnação judicial de determinada situação tributária, o processo penal tributário suspende-se até ao trânsito em julgado, constituindo essa decisão caso julgado material no processo penal tributário”, e ainda que “tal situação só faz sentido havendo repercussão de um processo no outro - causa prejudicial -, pelo que o objeto de ambos tem de ser o mesmo ou estar numa relação de dependência direta e necessária.

Consagra, pois, o citado artigo 47º, n.º 1 consagra um desvio ao princípio da suficiência do processo penal, que está consagrado no artigo 7º, n.º 1 do Código Processo Penal, nos termos do qual o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.

Na base deste princípio está a tutela das exigências de concentração e continuidade processual, obviando-se à sua fraturação, ou mesmo paralisação, perante a existência ou a criação “artificial” de obstáculos ao exercício da ação penal e do jus puniendi do Estado - Neste sentido Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 1981, pg. 72 e sgs., e Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1981, pg. 163 e sgs. -. Tais obstáculos ou condicionantes são conhecidos como questões prejudiciais, as quais, no âmbito do processo penal podem assumir natureza penal, como não penal. Podendo da apreciação da questão prejudicial à margem do processo penal resultar, como se expôs, a atrofia ou mesmo paralisação deste processo, há que fixar critérios para a sua admissibilidade, sob pena de se permitir que tal suceda de facto praticamente por mera vontade e impulso do arguido visado nesse processo.” Deverá então entender-se à luz do citado artigo 47º, n.º 1 do R.G.I.T., citando agora o Acórdão da Relação do Porto de 1 de Fevereiro de 2006 (P.º 515213), pesquisado em www.dgsi.pt, o referenciado acórdão, que a suspensão do processo penal fiscal em consequência de uma impugnação judicial só reveste carácter obrigatório se a mesma for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal, o que só sucede quando:

1.º) a questão aí versada revista carácter estritamente tributário, na medida em que vise a tutela judicial dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria fiscal relacionada com a conduta imputada aos arguidos, independentemente destes serem ou não partes naquele processo tributário.

2.º) tal questão tenha, concomitantemente, natureza substantiva e esteja conexionada com o ato tributário cujo tipo legal fiscal, imputado ou suscetível de imputar aos arguidos, se vise tutelar, sendo, por isso, determinante, na sua qualificação ou então na escolha ou determinação da pena a aplicar.

Aliás, este segmento do preceito, que não constava da sua redação original, e que foi nele introduzido pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, teve precisamente como intenção clarificar definitivamente este aspeto.

A suspensão do processo penal tributário só será pois obrigatória quando a questão em discussão na impugnação judicial/oposição à execução se apresente como uma verdadeira questão prejudicial no processo penal em curso, nos termos do preceituado pelo n.º 2, do artigo 7º, do Código de Processo Penal, ou seja, quando a decisão dessa questão (prejudicial) seja absolutamente indispensável para a decisão do crime fiscal ou tributário (questão prejudicada), relativamente à qual se assume como um verdadeiro “antecedente jurídico - concreto”, de caráter autónomo.

E tal suspensão opera “ope legis” e não “ope judicis”, na medida em que o artigo 47.º, n.º 1 do RGIT refere que “… o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças”, ao passo que o artigo 7.º, n.º 2 do Código de Processo Penal refere que “… pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente”.

Ou seja, a suspensão do processo penal tributário em consequência de processo de impugnação judicial ou de oposição à execução é obrigatória e não facultativa como no processo penal comum se se mostrar absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (verificação do crime fiscal tributário).

Neste sentido, veja-se também os recentes Acórdãos da Relação do Porto de 23 de Setembro de 2015, e de 11 de janeiro de 2017, pesquisados em www.dgsi.pt, assim sumariando: “Para que ocorra a suspensão do processo prevista no artº 47º1 RGIT não basta a pendência da impugnação judicial tributária ou oposição à execução fiscal, mas é ainda necessário que a qualificação criminal dos factos imputados dependa da definição da concreta situação tributária ali em discussão”. Como se pode ler no texto deste aresto, infere-se do regime previsto neste artigo 47º do RGIT que “existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais”.

O certo é que, uma vez verificados os pressupostos do artigo 47.º, n.º 1 do RGIT, a suspensão do processo penal é decretada por força da lei e até ao trânsito em julgado da decisão da questão prejudicial pela jurisdição tributária, o que consubstancia um regime especial relativamente ao que, em geral, a lei processual penal prevê para os casos de prejudicialidade de questões não penais em processo penal, em que a suspensão é sempre decretada por um prazo, ainda que prorrogável, findo o qual a questão será decidida no processo penal. Impõe-se assim o regime decorrente daquele artigo 47.º do RGIT como verdadeira regra especial e obrigatória, relativamente ao princípio geral da suficiência do processo penal, do artigo 7.º do Código de Processo Penal.

No mesmo sentido pronunciam-se ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 06 de Junho de 2012, de 28 de Março de 2012 e de 23 de Janeiro de 2013, o Acórdão da Relação de Guimarães de 09 de Janeiro de 2012, e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15 de Janeiro de 2013 e de 10 de Abril de 2014, todos pesquisados em www.dgsi.pt.

Ora, nos termos do artigo 21º, n.º 4 do RGIT, “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica- se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º”.

 Deste modo, suspenso o processo penal por força da pendência nos tribunais administrativos e fiscais de questão prejudicial de natureza fiscal, suspende-se também o prazo prescricional respetivo.

Afigura-se-nos que, para efeitos de determinação da suspensão da prescrição, tal como para efeitos de determinação da própria suspensão do processo penal, releva o despacho que determina tal suspensão, quer o proferido ao abrigo do disposto no artigo 42º, n.º 2 do RGIT, quer o proferido ao abrigo do disposto no artigo 47º do RGIT.

Pois se se impõe, seja proferido um despacho que, ponderando os fundamentos da impugnação ou da oposição à execução pendente nos tribunais administrativos e fiscais, verifique se os mesmos têm em concreto relevância para a questão suscitada no processo penal, determinando a suspensão do processo penal se concluir da verificação dessa relevância, então também a suspensão da prescrição só pode ocorrer a partir do momento em que tal despacho é proferido. “Entender-se que a suspensão do processo penal opera automaticamente, com a instauração das competentes impugnações judiciais e oposições à execução, pressupõe necessariamente a consideração de que o despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 42º, n.º 2 do RGIT ou ao abrigo do disposto no artigo 47º do RGIT tem efeitos retroativos, pois é nesse despacho que são verificados os pressupostos da suspensão.” “Mais ainda, entender-se que a suspensão do processo penal opera automaticamente, com a instauração das competentes impugnações judiciais e oposições à execução, pressupõe considerar-se que o processo penal poderá estar suspenso sem que o próprio processo penal disso tenha conhecimento, pois que a instauração das referidas ações pode não ser logo comunicada ao processo penal, o que é absurdo! No limite, no caso de a instauração das impugnações judiciais e oposições à execução nos tribunais administrativos e fiscais respetivos preceder a instauração do competente procedimento criminal, então o procedimento criminal “nasce” suspenso, sem que disso tenha conhecimento, o que, uma vez mais, é absurdo” Transcrevemos: “Depois, tal entendimento seria dificilmente compatível com o próprio funcionamento das causas de suspensão e de interrupção da prescrição, e com as consequências das mesmas. A suspensão do processo penal neste caso concreto do artigo 47º do RGIT pressupõe que o mesmo não prossiga os seus termos e aguarde que os tribunais administrativos se pronunciem em definitivo sobre as questões prejudiciais (em relação ao processo penal) que nos mesmos foram suscitadas, por decisão transitada em julgado, encontrando-se também suspenso o prazo prescricional respetivo.

Ora, se assim é, como é que um processo “automaticamente” suspenso pode prosseguir os seus termos, desde logo com a prática de atos processuais com relevo para efeitos de prescrição, como é desde logo a constituição como arguido? É que a constituição como arguido interrompe o prazo prescricional que se encontra em curso, determinando que novo prazo comece a correr a partir da data de tal constituição. E se o prazo de prescrição já estiver suspenso, é possível interromper-se um prazo suspenso?” Tal resulta igualmente da própria letra da lei.

Decorre do disposto no n.º 2 do artigo 47º do RGIT que “Se o processo penal tributário for suspenso (negrito nosso), nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie”.

Da redação deste preceito decorre claramente que tal suspensão não é automática nem opera pela simples instauração dos processos fiscais nos tribunais competentes, tornando-se necessário que o processo penal tributário seja suspenso, podendo sê-lo ou não, nos termos do n.º 1 do artigo 47º do RGIT, através do competente despacho que tome posição, que decida sobre esta suspensão.

A causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 21º, n.º 4 do RGIT é a suspensão do processo penal. E, por sua vez, a suspensão do processo penal só ocorre a partir do momento em que o tribunal a determina, nos termos do n.º 1 do artigo 47º do RGIT (ou o Ministério Público nos termos do artigo 42º, n.º 2 do RGIT), conforme já referimos.

Neste sentido pronunciou-se expressamente o Acórdão da Relação do Porto de 23 de Janeiro de 2013, pesquisado em www.dgsi.pt, assim sumariado: “I. Para a suspensão do processo penal tributário não releva saber se a impugnação judicial foi previamente intentada ao processo criminal ou o seu contrário, mas apenas que se encontre pendente quando o tribunal tenha de decidir acerca da suspensão deste. (sublinhado e negrito nosso) II. A pendência de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal não determina, ipso facto, a suspensão do processo penal tributário, sendo necessário que a questão nela suscitada seja prejudicial relativamente ao objeto deste processo”. É certo que, no âmbito da vigência do RGIFNA, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2007, publicado do Diário da República n.º 37, Série I de 2007-02-21, que fixou jurisprudência no sentido de que “na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º20-A/90, de 15 de Janeiro, na redação do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal”. No entanto, tal Acórdão foi proferido no âmbito de legislação diferente, e o artigo 47º do RGIT tem uma redação claramente diferente do artigo 50º, n.º 1 do RGIFNA, a realçar e a vincar o entendimento de que a suspensão não opera automaticamente, não dependendo ipso facto da pendência de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal competente. Isto mesmo decidiu muito recentemente o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 24 de Abril de 2015 (relatora a Sra. Conselheira Helena Moniz), pesquisado em www.dgsi, e assim sumariado: “I - Quando o Supremo Tribunal de Justiça profere um acórdão de fixação de jurisprudência terá que, por força do disposto no art. 437.º, do CPP, se verificar não só a existência de soluções opostas sobre a mesma questão jurídica, mas ainda que estas tenham sido proferidas “no domínio da mesma legislação” (art. 437.º, n.º 1, do CPP). Isto porque o que se pretende é, em nome de uma ideia de segurança e certeza jurídicas, obter uma identidade de decisões. E esta identidade só poderá ser plenamente estabelecida quando esteja em causa a mesma legislação. Além disto, uma qualquer solução jurídica deve ter por base não só o específico normativo que esteja em discussão, mas todo o regime em que este esteja enquadrado, sendo relevante não só todo o diploma em que se integra, mas todo o ordenamento jurídico em vigor. II - No presente caso, estamos perante um recurso de uma decisão em que se invoca a sua não conformidade com um acórdão de fixação de jurisprudência; trata-se de um recurso que tem em vista a defesa de um interesse na unidade do direito. Porém, para que se possa afirmar esta unidade é necessário que as decisões sejam proferidas no âmbito da mesma legislação. Ora, nas duas decisões em confronto, o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2007 e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.11.2014, foram proferidos no âmbito de legislações distintas.

III - É certo que se constata, a partir do recurso interposto pelo Ministério Público, que não há uniformidade de jurisprudência quanto à questão de saber se é necessário ou não um despacho para que se possa considerar que a impugnação judicial tributária determina a suspensão do processo penal fiscal e a suspensão de prescrição do procedimento criminal penal por crime fiscal. Porém, a ser assim, outro recurso, o de fixação de jurisprudência, terá que ser interposto”. Acrescente-se que o artigo 47º do RGIT tem aplicação ao caso dos autos, uma vez que se trata de disposição de natureza processual, que, como tal, é de aplicação imediata, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 5º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

No RGIT, a mesma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal está prevista no seu artigo 21º, n.º 4, 2ª parte, e a suspensão do processo penal tributário, está prevista no artigo 47º, do RGIT, contudo, como se entendeu no Acórdão do TRP de 06.06.2012, Proc. 36/08.3IDPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt. que tem a mesma Relatora do presente Acórdão: «Da imediata leitura da disposição do artigo 47º, ressalta que na actual redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a suspensão do processo penal tributário não é automática e só pode ser decretada se no processo fiscal se discutir “situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”. Portanto, o ponto essencial deste regime é que a suspensão do processo penal só ocorre quando, em virtude do recurso aos expedientes processuais tributários, se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.».

Concluindo-se, assim, que a suspensão do processo penal tributário não é nem automática nem opera ope legis, o que tem como consequência que em face do disposto no artigo 47º do RGIT, a suspensão da prescrição do procedimento criminal fica dependente de um despacho que reconheça a suspensão do processo penal tributário, segundo os pressupostos enunciados na redação atual do artigo 47º do RGIT.

O certo é que, uma vez verificados os pressupostos do artigo 47.º, n.º 1 do RGIT, a suspensão do processo penal é decretada por força da lei e até ao trânsito em julgado da decisão da questão prejudicial pela jurisdição tributária, o que consubstancia um regime especial relativamente ao que, em geral, a lei processual penal prevê para os casos de prejudicialidade de questões não penais em processo penal, em que a suspensão é sempre decretada por um prazo, ainda que prorrogável, findo o qual a questão será decidida no processo penal.

Impõe-se assim o regime decorrente daquele artigo 47.º do RGIT como verdadeira regra especial e obrigatória, relativamente ao princípio geral da suficiência do processo penal, do artigo 7.º do Código de Processo Penal.

Cumpre, por último, assinalar que o procedimento criminal cessa com o trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena, nos termos do artigo 122º/2 do Código Penal, sendo que a partir da decisão transitada em julgado que aplica uma pena, estamos perante prazos de prescrição da pena, previstos no nº 1 deste mesmo preceito.

Vejamos se no caso vertente se verifica ou não a prescrição.

Para tanto, importa ter presente os seguintes factos:

- A data do último negócio simulado imputado aos arguidos ocorreu no dia 23/12/2003, data do início da contagem do prazo normal dos 5 anos de prescrição do procedimento criminal;

- Os arguidos B., Lda, A., E. e V. foram constituídos nessa qualidade em 6/02/2007 (cfr. fls. 687- constituição como arguido de A.; fls. 688- constituição como arguida da sociedade B., Lda, na pessoa do gerente A.;

fls. 692- constituição como arguido de E.; fls. 697- constituição como arguido de V.);

- A fls. 18 consta um oficio da DGI de 07-05-2008, subscrito pelo Director de Finanças Adjunto, foi comunicado ao MP a suspensão do processo criminal nos termos do artigo 47º do RGIT, fazendo refrª expressa ao Processo de impugnação 490/07.0BEBRG;

- A fls. 69 a 116 consta uma cópia da PI de impugnação judicial, intentada pela sociedade arguida, no TAF, alusiva a IRC do ano de 2002;

- A fls. 117 a 202 consta uma cópia da PI de impugnação judicial, intentada pela sociedade arguida, no TAF – alusiva a IRC do ano 2003;

- A fls. 308 a 353 consta uma certidão judicial da sentença proferida no TAF no processo 647/08.7 BEBRG, transitada em julgado em 13-05-2013;

- A fls. 413 a 445 consta uma certidão da sentença proferida no Proc. 490/07.0BEBRG, com trânsito em julgado em 16-12-2013;

- A fls. 877, consta uma informação do TAF de Braga quanto às datas de entrada das PI de impugnação judicial, a saber: Proc. 647/08.7BEBRG - 18-04-2008; Proc. 490/07.0BEBRG - 22-03-2007;

- A fls. 1363 a 1392 consta o despacho de encerramento de inquérito/ Despacho de Acusação datado de 15-03-2016;

- O arguido E. foi notificado de tal despacho e acusação, sendo que a fls. 1423 consta o PD respeitante a tal notificação, depositado a 24-03-2016;

- A sociedade arguida foi notificada de tal despacho e acusação, sendo que a fls. 1427 consta o PD respeitante a tal notificação, depositado a 24-03-2016;

- O arguido A. foi notificado de tal despacho e acusação, sendo que a fls. 1431 consta o PD respeitante a tal notificação, depositado a 24-03-2016;

- O arguido V. foi notificado de tal despacho e acusação, sendo que a fls. 1432 consta o PD respeitante a tal notificação, depositado a 24-03-2016;

- O arguido A. foi notificado do despacho que recebeu a acusação, e onde se designou data para a audiência de julgamento, sendo que a fls. 1520 consta o PD respeitante a tal notificação, depositada a 30-09-2020;

- O arguido E. foi notificado do despacho que recebeu a acusação, e onde se designou data para a audiência de julgamento, sendo que a fls. 1521 consta o PD respeitante a tal notificação, depositada a 30-09-2020;

- O arguido V. foi notificado do despacho que recebeu a acusação, e onde se designou data para a audiência de julgamento, sendo que a fls. 1522 consta o PD respeitante a tal notificação, depositada a 30-09-2020;

- A sociedade arguida foi notificada do despacho que recebeu a acusação, e onde se designou data para a audiência de julgamento, sendo que a fls. 1524 consta o PD respeitante a tal notificação, depositada a 2-10-2020.

Conforme acima aludimos, e conforme defende a maioria da jurisprudência, entendemos que a suspensão do processo penal tributário não é automática com a mera existência de uma impugnação judicial tributária ou oposição à execução fiscal.

Para que ocorra a suspensão do processo prevista no artº 47º, nº 1 do RGIT, não basta a pendência da impugnação judicial tributária ou oposição à execução fiscal, mas é ainda necessário que a qualificação criminal dos factos imputados dependa da definição da concreta situação tributária ali em discussão e só pode ser decretada se no processo fiscal se discutir “situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados. Acresce que para efeitos de determinação da suspensão da prescrição, tal como para efeitos de determinação da própria suspensão do processo penal, releva o despacho que determina tal suspensão, quer o proferido ao abrigo do disposto no artigo 42º, n.º 2 do RGIT, quer o proferido ao abrigo do disposto no artigo 47º do RGIT. Pois se se impõe, seja proferido um despacho que, ponderando os fundamentos da impugnação ou da oposição à execução pendente nos tribunais administrativos e fiscais, verifique se os mesmos têm em concreto relevância para a questão suscitada no processo penal, determinando a suspensão do processo penal se concluir da verificação dessa relevância, então também a suspensão da prescrição só pode ocorrer a partir do momento em que tal despacho é proferido.

Nos autos inexiste qualquer despacho judicial a ordenar a suspensão do processo penal, por via das referidas impugnações judiciais intentadas pela sociedade arguida no TAF, alusivas a IRC dos anos de 2002 e 2003, pelo que teremos de concluir que no caso vertente não se verifica a referida causa de suspensão do processo prevista no artº 47º, nº 1 do RGIT.

Tendo em conta que a data do último negócio simulado imputado aos arguidos ocorreu no dia 23/12/2003 - data do início da contagem do prazo normal dos 5 anos de prescrição do procedimento criminal - e das interrupções que ocorreram nos autos – designadamente na data em que os arguidos foram constituídos nessa qualidade, ou seja em 6/02/2007, teremos concluir que na data em que foi deduzida a acusação, ou seja em 15/03/2016, já se mostrava decorrido o prazo máximo de prescrição - o prazo normal de prescrição (5 anos), acrescido de metade (2 anos e 6 meses), o que totaliza 7 anos e 6 meses, o qual terminou em 23/06/2011, sendo certo que até essa data não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição.

Pelo exposto decide-se julgar extinto o procedimento criminal contra os referidos arguidos B, Lda, A., E. e V., por efeito de prescrição, e ordenar o consequente arquivamento dos autos, ficando, assim, prejudicada a respectiva a produção de prova e o conhecimento do mérito da causa.

Notifique.”


*

3. APRECIANDO

O âmbito dos recursos é limitado em função das conclusões extraídas da respectiva motivação, pelos recorrentes, sem prejuízo, no entanto, das questões de conhecimento oficioso, conforme o disposto nos artigos 412º, n.º 1 e 410º, n.ºs 2 e 3 do CPP.

No presente recurso, a questão colocada à apreciação deste tribunal consiste em saber se se verificam os pressupostos para a suspensão dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 47º, n.º 1, do RGIT.


*

Dispõe o n.º 1 do artigo 47º do RGIT (redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12) que «Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.».

E o nº 2 - Se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie.

Atenta a sua natureza a norma é de aplicação imediata, conforme decorre do princípio de aplicabilidade imediata das normas processuais previsto no artigo 5º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que rege a sucessão de normas processuais próprio sensu.

Como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos ([1]), em anotação ao artigo 47º do RGIT, “Neste art. 47.º do RGIT tem-se por assente que as questões que são objecto de apreciação no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução, nos termos do CPPT constituem questões não penais que não podem ser convenientemente resolvidas no processo penal.”

Reconhece-se, nestes casos de estar pendente processo de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir essa matéria, o que tem justificação no carácter altamente especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a essa jurisdição especializada (art. 212.º, n.º 3, da CRP). Por isso, nestes casos em que está já pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial justifica-se plenamente que se aproveite essa situação, atribuindo-se aos tribunais fiscais competência exclusiva para decidir a questão -  Ac Rel Coimbra, 17-2-2021.

Porém e como adverte o Ac. TRP de 23-09-2015, “Para que ocorra a suspensão do processo prevista no artº 47º1 RGIT não basta a pendência da impugnação judicial tributária ou oposição à execução fiscal, mas é ainda necessário que a qualificação criminal dos factos imputados dependa da definição da concreta situação tributária ali em discussão.”. cfr ainda Ac TRP de 3-07-2013.

O que impõe a prévia análise, mediante competente despacho, dos fundamentos da impugnação judicial apresentada e se verifique se está em causa matéria em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.

O que legitima a conclusão de que “… para efeitos de determinação da suspensão da prescrição, tal como para efeitos de determinação da própria suspensão do processo penal, releva o despacho que determina tal suspensão, quer o proferido ao abrigo do disposto no artigo 42º, n.º 2 do RGIT, quer o proferido ao abrigo do disposto no artigo 47º do RGIT.

Pois se se impõe, seja proferido um despacho que, ponderando os fundamentos da impugnação ou da oposição à execução pendente nos tribunais administrativos e fiscais, verifique se os mesmos têm em concreto relevância para a questão suscitada no processo penal, determinando a suspensão do processo penal se concluir da verificação dessa relevância, então também a suspensão da prescrição só pode ocorrer a partir do momento em que tal despacho é proferido.

“Entender-se que a suspensão do processo penal opera automaticamente, com a instauração das competentes impugnações judiciais e oposições à execução, pressupõe necessariamente a consideração de que o despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 42º, n.º 2 do RGIT ou ao abrigo do disposto no artigo 47º do RGIT tem efeitos retroativos, pois é nesse despacho que são verificados os pressupostos da suspensão.” - cfr Ac Rel Porto de 31-10-2018,  Relator Des Paulo Costa.

Também o Ac Rel Coimbra de 17-2-2021 entende “… que, com a redacção do artigo 47º, n.º 1, do RGIT (introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dez.) a suspensão do processo penal tributário, em caso de impugnação judicial tributária ou oposição à execução, não é automática, tornando-se necessário analisar se na impugnação judicial apresentada está em causa matéria em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.

Ora, no caso vertente, não existe nos autos qualquer despacho judicial a ordenar a suspensão do processo penal, por força das referidas impugnações judiciais intentadas pela sociedade arguida no TAF, alusivas a IRC dos anos de 2002 e 2003, pelo que concluiu bem o tribunal recorrido que no caso vertente não se verifica a referida causa de suspensão do processo prevista no artº 47º, nº 1 do RGIT.

Concluiu também de forma correcta que na data em que foi deduzida a acusação, - em 15/03/2016, - já se mostrava decorrido o prazo máximo de prescrição - o prazo normal de prescrição (5 anos), acrescido de metade (2 anos e 6 meses), o que totaliza 7 anos e 6 meses, o qual terminou em 23/06/2011, sendo certo que até essa data não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição.

Com efeito, a data do último negócio simulado imputado aos arguidos ocorreu no dia 23/12/2003 - data do início da contagem do prazo normal dos 5 anos de prescrição do procedimento criminal - e a interrupção pela constituição de arguidos ocorreu em 6/02/2007.

Por conseguinte, nenhum reparo merece o despacho recorrido.


*

III- Dispositivo

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso.

Sem tributação,

Coimbra, 7 de Abril de 2021

Processado e revisto pela relatora

Isabel Valongo (relatora)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)