Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1922/15.0T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO
LEGITIMIDADE EXECUTIVA PASSIVA
TERCEIRO
PROPRIETÁRIO
BENS
GARANTIA REAL
EXEQUENTE
HIPOTECA
VENDA ANTERIOR NÃO REGISTADA
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – C. BRANCO - JC CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 54º, Nº 2 DO NCPC; 2º E 5º, Nº 4 DO C. REG. PREDIAL.
Sumário: I – O artº 54º, nº 2 do nCPC consagra um desvio à regra geral da determinação da legitimidade, concedendo essa legitimidade (passiva) em execução ao terceiro dono de bens dados como garantia real ao exequente, se o exequente pretender fazer valer essa garantia, independentemente de poder ou não também demandar o devedor.

II – Não se deve entender-se que o artº 54º, nº 2 do nCPC apenas é aplicável a terceiros garantes de dívidas (conceito de terceiros para efeitos de registo), dada a própria redação desse preceito, que não dispõe no sentido de também ser exigível que o terceiro dono do bem ou dos bens dados em garantia seja igualmente garante da dívida.

III – Razão pela qual se deve entender que o artº 54º, nº 2 do nCPC não é apenas aplicável a terceiros garantes de dívidas, mas relativamente a terceiros como tal considerados para efeitos de registo.

IV – Consideram-se terceiros, para efeitos de registo, aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

V - É o caso do Exequente e da Embargante, que receberam ou adquiriram dos mesmos autores – os devedores ao Exequente – direitos incompatíveis entre si, como é o caso do efeito da doação feita à Embargante e da hipoteca constituída sobre o mesmo bem e a favor do Exequente, direitos que conflituam entre si, dado o disposto no artº 686º do C. Civil.

VI - Afigura-se-nos ser este o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, especialmente depois da entrada em vigor do Dec.Lei nº 533/99, de 11/12, que, na sequência dos Ac. UJ do STJ nº 15/97, de 20/05/1997, e do Ac. UJ do STJ nº 3/99, de 18/05/1999, ao introduzir o citado nº 4 ao artº 5º do CRPredial consagrou um conceito restrito de terceiro – os que adquiriram de um mesmo autor direitos entre si incompatíveis -, assim se evitando que o direito registado venha a ser arredado por um facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.

VII - No confronto entre o direito real de garantia de hipoteca voluntária, registada, titulado pela exequente, e o direito de propriedade da opoente decorrente de transmissão anterior, não registada, deve prevalecer, quanto a nós, o direito real de garantia de hipoteca.

VIII - A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo e os factos a ele sujeitos só produzem efeitos em relação a terceiros após a data do respectivo registo – arts. 2º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, CRegP.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – C. Branco – JC Cível, correm termos os autos de execução, para pagamento de quantia certa, com processo comum, que o Banco B..., S.A., com sede na ..., instaurou contra T..., residente em ..., para cobrança da quantia de €242.123,50.

            Por apenso a essa dita execução veio a referida Executada deduzir a presente oposição à execução e oposição à penhora, pedindo que seja declarada a ilegitimidade da Embargante na execução, em virtude de não ser terceira garante perante o Exequente, com a sua consequente absolvição da instância executiva; que seja declarada a prevalência do seu direito de propriedade sobre o direito de crédito com garantia real (hipoteca) do Exequente, com a consequente absolvição da Embargante do pedido executivo; que seja declarada a extinção da execução; e que seja ordenado o levantamento da penhora efetuada sobre o imóvel que é sua propriedade.

Alega para o efeito e em síntese que é parte ilegítima na execução, já que não é terceira garante da obrigação em causa na execução, razão pela qual deve ser absolvida da instância; que o seu direito de propriedade sobre o imóvel penhorado prevalece sobre o direito de crédito com garantia real (hipoteca) do Exequente, sendo que a Embargante não é responsável pela dívida em causa, razão pela qual deve ser absolvida do pedido; que o direito de propriedade da Embargante sobre o imóvel penhorado é anterior à constituição da garantia de crédito (hipoteca) que os mutuários/devedores vieram a realizar, sem o conhecimento e intervenção da Embargante; que o terceiro só terá legitimidade passiva na execução quando tenha prestado a garantia (hipoteca) e/ou quando tenha adquirido a coisa onerada, isto é, o seu direito real de aquisição seja posterior à constituição da garantia real, o que no caso não acontece; que a Embargante é, pois, parte ilegítima na execução, porque não é terceiro garante perante a execução; que à data da constituição da hipoteca em causa o imóvel penhorado já não incorporava o património dos mutuários, constituindo um bem alheio destes, pertencente à Embargante; que a Embargante não teve qualquer tipo de relação comercial com o Banco Exequente; que a penhora do imóvel deve ser levantada, já que incide sobre bem que lhe pertence, sendo inadmissível tal penhora.


II

O Exequente/Embargado contestou, sustentando a legitimidade passiva da Executada/Embargante, já que embora seja terceira em relação à obrigação, não é terceira perante a execução, pois é titular de bem que responde pela obrigação.

Que o direito real de garantia do Exequente, registado com data anterior à transmissão da propriedade, prevalece sobre tal direito de propriedade registado em data posterior ao registo daquele.

Que a ação executiva teve por base um contrato de mútuo celebrado no dia 25/05/2007 entre o Embargado e os pais da Embargante, tendo sido então dada como garantia das obrigações emergentes do referido contrato uma hipoteca sobre o prédio penhorado, devidamente registada.

Que embora nessa data o prédio já tivesse sido transmitido, por doação, à Embargante, cuja escritura foi outorgada em 15/10/2001, o seu registo predial apenas teve lugar em 25/06/2009, ou seja 8 anos depois da doação e 2 anos decorridos sobre a data de constituição da hipoteca.

Face ao que ao Embargado continua a assistir o direito de poder realizar o seu crédito, visto que a constituição do direito real de garantia faz nascer sobre o imóvel um vínculo de natureza real oponível ‘erga omnes’, nos termos do artº 54º, nºs 2 e 3 do nCPC.

Que o Embargado propôs a execução apenas contra a Embargante, terceira, porque à data da sua propositura os devedores, pais da Embargante, se encontravam insolventes.

Pelo que não restam dúvidas de que a Embargante é parte legítima na execução, devendo os presente embargos serem julgados improcedentes.


III

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade processual dos presentes embargos, não existirem excepções dilatórias, nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumprisse conhecer, sendo relegado o conhecimento da arguida ilegitimidade passiva da Embargante na execução para sentença final; foi definido o objecto do litígio e foram fixados os temas da prova.

            Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova testemunhal produzida, conforme acta de fls. 47.

            Proferida a sentença, nela foi decidido:

- Julgar a oposição à execução parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu-se:

i. Extinguir a execução na parte em que se reporta ao saldo devedor de cartão de crédito/conta bancária;

ii. Ordenar o prosseguimento da execução para o pagamento, através do imóvel penhorado, da quantia em dívida referente ao “contrato de mútuo”, relegando para incidente de liquidação a fixação do valor exacto em dívida, sendo esse o valor pelo qual a execução prosseguirá os seus termos.

- Julgar a oposição à penhora improcedente.


IV

            Dessa sentença interpôs recurso a Embargante, em cujas alegações recursivas formula as seguintes conclusões:

...


V

            Não foram apresentadas contra-alegações pelo Banco Embargado/Recorrido, tendo o recurso interposto sido admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação.

            Nada obsta a que se conheça do seu objecto, o qual se pode resumir à apreciação das seguintes questões (face às conclusões recursivas apresentadas):
A- Apreciação da impugnação da decisão de facto proferida em 1ª instância;
B- Reapreciação da decisão de direito, designadamente as seguintes subquestões:

B1- Saber se a Embargante é parte legítima na execução, nos termos do artº 54º, nº 2 do nCPC, apesar de ser terceira não garante da dívida;

B2- ou se se deve entender que o artº 54º, nº 2 do nCPC apenas é aplicável a terceiros garantes de dívidas – conceito de terceiros para efeitos de registo;

B3- Saber se deve dar-se (ou não) prevalência ao direito obrigacional com garantia do Exequente – hipoteca - sobre o direito real de propriedade da Embargante,  este adquirido (por terceiro) anteriormente à constituição da garantia a favor do Exequente;

            B4- Incidente de liquidação decidido na sentença, para determinação do valor exato em dívida.

            Donde resulta, desde logo, que não é objecto do presente recurso a parte da decisão proferida segundo a qual se declarou extinta a execução na parte em que se reporta ao saldo devedor de cartão de crédito/conta bancária.

Começando a nossa apreciação pela referida questão A, insurge-se a Recorrente

...

            Donde que sejamos levados a concluir pela improcedência da impugnação apresentada.

          Assim sendo, os factos provados e não provados são os constantes da sentença recorrida, e são os seguintes:                 

Factos provados:

1. Nos autos a que estes correm por apenso foi dado à execução um acordo, denominado “Compra de Mútuo”, datado de 25.05.2007, subscrito por representante do Banco P..., S.A., e por F... e mulher M..., enquanto segundos, cujas assinaturas se mostram reconhecidas perante Notário, porque feitas pelos próprios na sua presença, pelo qual o Banco concedeu aos segundos um empréstimo no montante de 300.000,00 €, pelo prazo de 8 anos, cujo valor seria pago, com uma carência de 6 meses, em prestações mensais, debitadas no dia 6 de cada mês, cujo valor corresponderá ao reembolso do capital, acrescido de juros (o valor vence juros à taxa Euribor a 3 meses, arredondado para ¼ ponto percentual superior, acrescida de um spread de 1,75 %, sendo a taxa nominal, à data do contrato, de 6 %), sendo que, em caso de mora, a título de cláusula penal incidirá sobre o montante da prestação e durante o tempo de mora, para além dos juros aplicável, uma percentagem de 4% ao ano, correndo por conta dos segundos as despesas, encargos, impostos e taxas do contrato, bem como as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicito que hajam de fazer para garantia e cobrança do crédito, cujas despesas se fixam em 4% sobre o valor que se mostrar em devido.

2.  Os valores em dívida ao B... ficam, refere tal acordo, caucionados por livrança em branco, subscrita pelos segundos mutuários. As obrigações assumidas ou a assumir por via deste contrato ficam ainda asseguradas pela hipoteca sobre o seguinte prédio de que são proprietários os mutuários: prédio urbano, sito na Quinta ..., descrito na Conservatória do Registo predial de ...

3. Por acordo, reduzido a escrito, datado de 30 de Julho de 2008, subscrito por representante do Banco P..., S.A., e por F... e mulher M..., enquanto segundos, foi modificado o “Contrato de Mútuo” nos seguintes termos: o prazo do empréstimo é de 144 meses; a taxa de juros, sobre a taxa Euribor a 3 meses, acresce spread de 2,25 %.

4. Por escritura de Hipoteca, outorgada em 25 de Maio de 2007, no Cartório Notarial do Fundão, F... e mulher M... declararam que constituem a favor do Banco P..., S.A., que declarou aceitar, hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, sito na Quinta ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., inscrito a favor deles (inscrições G-um e G-dois), para garantia do bom pagamento e liquidação e todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir por eles, junto do Banco que o segundo outorgante representa, por crédito concedido e/ou a conceder, por valores descontados e/ou adiantados e/ou garantias bancárias prestadas e/ou a prestar em nome e a solicitação dos referidos e, designadamente, para garantia das responsabilidades emergentes do desconto de letras e/ou de livranças, de mútuos, de abertura de créditos simples e/ou em conta corrente, de descobertos na conta e depósito à ordem, de subscrição de cheques, prestação de fianças, avales até ao limite global de capital de 300.000,00 €; dos juros estabelecidos ate à taxa de 4,75 % por ano, acrescido de 4% em caso de mora; e de despesas judiais e extrajudiciais … sendo o máximo de crédito e acessórios de 390.750,00 €.

5. Em documento complementar a tal escritura, subscrita por F... e mulher M..., consta que a hipoteca pode ser executada quando vencida qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura e a mesma não seja paga, ou quando não for cumprido qualquer dos deveres assumidos perante o B..., emergentes dos contratos celebrados ou a celebrar com os garantes …, sendo que se o imóvel vier a ser objecto de penhora, arresto … se, sem autorização expressa do B..., vier a ser … alienado, total ou parcialmente, ou por qualquer forma onerado, ou, de um modo geral, vier a ser prejudicada a sua livre disposição…, pode o B... exigir, imediatamente, o cumprimentos das obrigações que a hipoteca assegura, podendo esta ser executada.

6. Nos autos de execução foi, em 14.01.2016, penhorado o prédio dado em hipoteca descrito supra.

7. T... nasceu a 21 de Janeiro de 1984, sendo filha de F... e de M...

8. F... e M..., por escritura de doação outorgada em 15 de Outubro de 2001, declararam que doam à filha T..., menor, por conta da quota disponível dos doadores, o prédio urbano sito na Quinta ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., e inscrito a favor dos doadores, reservando para si o usufruto simultâneo e sucessivo até á morte do último deles.

9. Na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..., referente ao prédio urbano aludido supra, constam (para além do mais) as seguintes inscrições:

a. Ap. 10 de 2007/03/22, hipoteca voluntária a favor do B.., para garantia do máximo assegurado de 390.750,00 €.

b. Ap. 3089 de 2009/06/25, aquisição a favor de T..., por doação de F... e M...

c. Ap. 1546 de 2016/01/14, penhora realizada no âmbito do processo executivo a que estes autos estão apenso.

10. F... e M... estão declarados insolventes desde 16.01.2014 e 7.05.2013, respectivamente.

11. Os mutuários F... e M... deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do contrato de mútuo.

12. O Exequente concedeu ao mutuário F... um financiamento decorrente da utilização de cartão de crédito, associado à conta n.º ...

13. A 27 de Novembro de 2012 tal conta apresentava uma utilização de 2.918,08 €.

14. O Exequente, desconhecendo a celebração da escritura da doação, confiou na situação jurídica do prédio configurada no registo e negociou com os titulares do direito aí inscritos.

15. Em momento algum os doadores informaram o Exequente sobre a titularidade do prédio, que afirmaram ser seu.

16. Com o registo da doação em data posterior, os doadores quiseram furtar-se ao pagamento da dívida.

Factos não provados:

a. O incumprimento do mútuo ocorreu em 19 de Dezembro de 2012.

b. Estando em dívida o valor de 189.061,87 € de capital.

c. O exequente concedeu a M... um financiamento decorrente da utilização de cartão de crédito.

d. A constituição da hipoteca foi realizada sem conhecimento da embargante.

e. A embargante por desconhecimento e ignorância não registou o seu direito e propriedade.

f. A embargante desconhece, não consentiu (aos pais) a oneração do imóvel.


***

                  Prosseguindo, cumpre reapreciar as questões de direito supra enunciadas, começando pela subquestão B1- Saber se a Embargante é parte legítima na execução, nos termos do artº 54º, nº 2 do nCPC, apesar de ser terceira não garante da dívida:

                  Como resulta claramente da citada disposição, ela consagra um desvio à regra geral da determinação da legitimidade, concedendo essa legitimidade (passiva) em execução ao terceiro dono de bens dados como garantia real ao exequente, se o exequente pretender fazer valer essa garantia, independentemente de poder ou não também demandar o devedor.

                  Este preceito corresponde, com apenas alterações de pontuação e de tempos verbais, ao anteior artº 56º do CPC, disposição esta que Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, vol.I, em notas ao artº 56º, comentava do seguinte modo: ‘A reforma do processo civil procurou, desde o início, solucionar os problemas de determinação da legitimidade nos casos de dívidas providas de garantia real que onere bens pertencentes ou na posse de terceiro – pondo termo às dúvidas consentidas pelo nº 2 deste preceito, nma redação anterior ao DL nº 329-A/95.

... (Este diploma) concedeu legitimidade passiva para a execução, tanto ao proprietário dos bens onerados com a garantia, como ao respetivo possuidor, naturalmente nos casos em que o devedor pretende efetivar a garantia real (sem actuar contra o devedor), sem, todavia, se impor o litisconsórcio necessário, quer entre os referidos proprietário ou possuidor, quer relativamente ao próprio devedor; considerou-se, para tal, que cumpria ao exequente avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvientes que emergem de efetivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos, ou de apenas algum ou alguns deles, devendo naturalmente ponderar que poderá ver-se confrontado com a possível dedução de embargos de terceiro por parte do interessado que não haja curado de demandar.’.

                  Donde resulta o citado desvio no conceito de legitimidade passiva para as execuções em que haja garantias reais sobre bens de terceiro (não do devedor), como sucede no presente caso, uma vez que os devedores/mutuários são F... e mulher, e que o bem dado em garantia real (hipoteca) pelos devedores ao Exequente era, já à data da constituição da hipoteca, da Embargante, a quem fora antes doado anteriormente, embora com a reserva de usufruto a favor dos doadores, seus pais.

                  Mas como o registo da doação ocorreu posteriormente ao registo da hipoteca, não há dúvidas acerca da qualidade de dono do imóvel à data da constituição da garantia – a Embargante –, por efeito do disposto no artº 954º, al. a) do C. Civil, e bem assim do interesse do Exequente, enquanto credor, na propositura da execução contra o dono desse bem, pelo que goza este de legitimidade indireta na execução instaurada, por força do citado artº 54º, nº 2, do nCPC.

                  Donde improceder esta subquestão suscitada pela Embargante.


***

                  Prosseguindo com a subquestão B2 - se se deve entender que o artº 54º, nº 2 do nCPC apenas é aplicável a terceiros garantes de dívidas (conceito de terceiros para efeitos de registo), é manifesto que assim não é, dada a própria redação desse preceito, que não dispõe no sentido de também ser exigível que o terceiro dono do bem ou dos bens dados em garantia seja igualmente garante da dívida.

                  Mas mesmo que seja entendido que também é exigível tal condição, afigura-se-nos que no caso deve ser entendido que o Exequente – a quem foi dado em hipoteca o bem em causa - e a Embargante, donatária desse mesmo bem, são terceiros para efeitos de registo, dado o disposto nos artºs 2º, nº 1, als. a) e h), 4º, 5º, nºs 1 e 4, e 6º, nº 1, todos do Código Registo Predial, disposições estas das quais resulta claramente quais os actos/factos sujeitos a registo, a eficácia entre as partes dos factos sujeitos a registo e a oponibilidade dos factos sujeitos a registo contra terceiros, sendo que se consideram terceiros, para efeitos de registo, aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

                  É o caso do Exequente e da Embargante, que receberam ou adquiriram dos mesmos autores – os devedores ao Exequente – direitos incompatíveis entre si, como é o caso do efeito da doação feita à Embargante e da hipoteca constituída sobre o mesmo bem e a favor do Exequente, direitos que conflituam  entre si, dado o disposto no artº 686º do C. Civil.

                  Razão pela qual se deve entender que o artº 54º, nº 2 do nCPC não é apenas aplicável a terceiros garantes de dívidas, mas relativamente a terceiros como tal considerados para efeitos de registo.  

                  Afigura-se-nos ser este o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, especialmente depois da entrada em vigor do Dec.Lei nº 533/99, de 11/12, que, na sequência dos Ac. UJ do STJ nº 15/97, de 20/05/1997, e do Ac. UJ do STJ nº 3/99, de 18/05/1999, ao introduzir o citado nº 4 ao artº 5º do CRPredial consagrou um conceito restrito de terceiro – os que adquiriram de um mesmo autor direitos entre si incompatíveis -, assim se evitando que o direito registado venha a ser arredado por um facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.

                  Vejam-se neste sentido, entre outros, o Ac. STJ de 21/04/2009, Col. Jur. STJ ano XVII, tomo II, pg. 37; Ac. STJ de 7/07/1999, Col. Jur. Ano XVII, tomo II, pg. 164; o Ac. STJ de 30/06/2011, proc.º nº 91-G/1990.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj e citado na sentença recorrida, do qual se transcrevem as seguintes passagens:

“A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo e os factos a ele sujeitos só produzem efeitos em relação a terceiros após a data do respectivo registo – arts. 2º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, C.R.Predial.

Preconiza, por sua vez, o art. 7º do mesmo diploma que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, ao passo que o art. 6º proclama o princípio de que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens.

Só quem tiver a qualidade de terceiro é que beneficia da presunção e prioridade decorrentes do registo.

Impõe-se ainda frisar que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art. 1° C.R.Predial), não tendo natureza constitutiva, mas apenas valor declarativo. Os actos existem fora do registo, sendo o efeito deste simplesmente declarativo, não conferindo, por princípio, quaisquer direitos.

O conceito de terceiros deve, por isso, reflectir e ser entendido de acordo com essa função declarativa do registo e da sua natureza publicitária.

Apesar das divergências doutrinais e jurisprudenciais sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo, o acórdão uniformizador nº 3/99, de 18 de Maio de 1999, revendo anterior jurisprudência, veio consagrar o conceito tradicional de terceiro, considerando que terceiros, para efeitos do art. 5° do Cód. Reg. Predial, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.

Aliás, em consonância com a doutrina emergente deste acórdão, foi aditado um nº 4 ao art. 5º C.R.Predial, pelo Dec-Lei 533/99, de 11 Dezembro, em que se consigna que terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

No caso vertente, o confronto existente é entre um direito real de garantia (hipoteca e sua conversão em penhora) e um direito real de propriedade decorrente de uma doação, ambos resultantes de actos sucessivos dos executados, pais da embargante.

O credor tem o direito de executar o património do devedor, sendo-lhe inoponíveis, sem prejuízo das regras do registo, os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados (arts. 817° e 819° C.Civil).

É certo que o direito de propriedade sobre os bens penhorados, aquando da constituição da hipoteca e posterior conversão em penhora, já não existia na esfera jurídica dos executados, estando antes radicado na esfera da embargante e seu irmão, para quem havia sido transferido por efeito da celebração da escritura de doação.

Mas a verdade também é que o mesmo doador constituiu voluntariamente hipoteca, mediante contrato, sobre os bens que havia doado. E enquanto a doação não foi levada ao registo, a hipoteca foi-o.

A hipoteca é um direito real de garantia que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – art. 686°, n° 1 C.Civil.

Saber se embargante e exequente podem ser considerados terceiros para efeitos de registo tem de ser resolvido à luz da definição acolhida no acórdão uniformizador n° 3/99 e da norma do n° 4 do art. 5° C.R.Predial, norma, aliás, de natureza interpretativa.

Dúvidas não subsistem de que houve um transmitente comum deste direito: o executado que doa os prédios é o mesmo que depois sobre eles constitui voluntariamente hipoteca. E a donatária nenhuma intervenção teve no contrato de constituição de hipoteca.

A eficácia do registo aparece aqui intimamente conexionada com a boa fé de quem regista. Se os prédios estão inscritos no registo ainda em nome do doador, não traduzindo a nova realidade, ou seja, a transferência desse direito para a esfera jurídica da embargante/donatária, é legítimo dar protecção ao embargado que, desconhecedor (até prova em contrário, o que nem sequer foi alegado) da nova titularidade está a negociar com o titular inscrito do direito.

Estes dois direitos em confronto, ainda que não sendo da mesma natureza, enquanto um é um direito real de propriedade, o outro é um direito real mas só de garantia, são incompatíveis entre si, já que, conferindo a hipoteca ao seu beneficiário o direito de se fazer pagar pelo valor do respectivo bem, isso vai conflituar com o conteúdo pleno do direito de propriedade radicado noutra pessoa.

Assim, embargante e embargado, porque adquirentes de direitos incompatíveis entre si de um autor comum, são terceiros para efeitos de registo, na definição acolhida no acórdão uniformizador n° 3/99, e, nesta medida, a prioridade derivada do registo proclamada no n° 1 do art. 6° C.R.Predial vai determinar a prevalência do direito deste último e, consequentemente, a inoponibilidade do direito da embargante.

A não se conferir esta prevalência seriam postos em causa os princípios estruturantes do registo predial, como sejam a publicidade e a segurança do comércio jurídico. O exequente, beneficiário da hipoteca, estando de boa fé, confiou na informação registral que não dava conhecimento da transmissão anterior do direito para a esfera jurídica da embargante.

A constituição de hipoteca voluntária registada sobre determinados imóveis prevalece sobre escritura de doação, anterior, não registada, incidente sobre esses mesmos imóveis.

Daí que perante a prevalência da hipoteca, os embargos tenham de improceder, como se decidiu na lª instância.

A embargante sustenta que à luz do Acórdão Uniformizador nº 3/99 não ocorre incompatibilidade entre o seu direito e o direito do recorrente, por se tratarem de direitos de diferente natureza: o direito de propriedade e um direito real de garantia, a hipoteca.

Está fora de causa que, em abstracto, possam coexistir sobre a mesma coisa um direito de propriedade e uma hipoteca; e que a hipoteca tanto pode garantir uma dívida do proprietário como de um terceiro.

Só que essa evidência não conduz a considerar compatíveis os concretos direitos de propriedade e do credor hipotecário, no caso presente, pela razão já atrás apontada.

E não é exacto que assim se desrespeite o Acórdão Uniformizador nº 3/99. Contrariamente ao que a embargante sustenta, a lógica do acórdão conduz a distinguir consoante a penhora foi ou não precedida de hipoteca. Como se pode ler em Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.II, Coimbra, 1987, 2ª reimp, nº 57, pág. 19 – transcrição que se faz porque o referido acórdão expressamente quis consagrar a noção de terceiro ali defendida – Terceiros para efeitos de registo predial são as pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiram direitos incompatíveis (total ou parcialmente) sobre o mesmo prédio. Assim, se A vendeu certo prédio a B e depois a C, estes dois adquirentes são terceiros entre si, e portanto prevalece a venda que primeiro for registada, e que pode ser a 2ª não obstante dar-se o caso de já nessa altura não ser A mas B o verdadeiro proprietário do prédio. O mesmo sucede, mutatis mutandis, se A vendeu o prédio a B e depois constituiu uma servidão ou outro direito real (usufruto, hipoteca, etc) ou vice-versa, sem ter ressalvado, nesta hipótese, o direito real anteriormente constituído. Mas não assim se, em tal hiopótese, A fez a ressalva indicada. Nem ainda se o mesmo prédio foi vendido por A a B e por C a D. Neste caso B e D não serão terceiros entre si, prevalecendo, das duas vendas, aquela que tenha sido feita (se alguma o foi) pelo verdadeiro proprietário. Só neste último sentido é que pode dizer-se, como usualmente se diz, que o registo não dá direitos, mas apenas os conserva.”

Inconstitucionalidade

A embargante sustenta que seria inconstitucional “qualquer interpretação do artigo 5º do Código do Registo Predial que conduzisse à afirmação da prevalência do registo da hipoteca e/ou da penhora sobre o direito de propriedade anteriormente adquirido”, por “violação intolerável do direito à propriedade privada”, uma vez que “o proprietário veria o seu direito de propriedade atingido, extinguindo-se irremediavelmente”.

Mas esta afirmação não tem fundamento, nem é coerente com a ausência de incompatibilidade entre os direitos que, em seu entender, deveria conduzir à procedência dos embargos.

A prevalência da hipoteca apenas significa que a hipoteca prevalece sobre o direito de propriedade da embargante e que a execução deve prosseguir; nada mais.

E sustenta ainda que violaria o princípio da proporcionalidade o não acolhimento de uma solução que se traduzisse em manter o (seu) direito de propriedade e a hipoteca, que “podem perfeitamente coexistir sobre o mesmo imóvel”, “quanto mais não fosse assumindo a hipoteca que recai sobre tal bem”, sem que ninguém saísse “virtualmente lesado” – procedendo então os embargos.

Esta solução seria possível ainda que se pudesse entender que “recorrente e recorrida se consideram terceiros para os efeitos do artigo 5º do CRP".

Ora volta-se a lembrar que a prevalência da hipoteca apenas significa isso mesmo; não provoca a saída do direito de propriedade da esfera jurídica da embargante.”.

            Veja-se, ainda no mesmo sentido, o Ac. STJ de 21/04/2009, Proc.º nº 5/09.6YFLSB, igualmente disponível em www.dgsi.pt/jstj, do qual também se transcrevem as seguintes passagens:

“Terceiros nas leis civil e registral.

A questão vem sendo posta encarando a disciplina dos artigos atrás citados – 291.º n.º 2 do Código Civil e 17.º, n.º 2 do Código de Registo Predial – e a sucessiva ponderação dos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/97, de 20 de Maio de 1997 (Diário da República, I, A de 4/7/97) e n.º 3/99, de 18 de Maio de 1999 (Diário da República, I, A, de 10/7/99).

Dispõe o n.º 1 do artigo 291 da lei civil: “A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a titulo oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.”

E o n.º 2: “Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidas se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.” (cf.,a propósito, Prof. Rui Alarcão, in “Invalidade dos Negócios Jurídicos” – BMJ 89-242).

Trata este preceito, no essencial, da inoponibilidade da nulidade ou da anulação a terceiros, sendo, antes, geralmente entendido que a invalidade operava não só no confronto entre as partes, como em confronto com terceiras pessoas (embora estas fossem protegidas em certas circunstâncias, como, v.g., na simulação (não oponível a terceiros de boa fé) ou pelo usucapião.

Sabido que a transmissão do direito da propriedade é um efeito essencial do contrato de compra e venda e que tal é inequívoco a nível estritamente interno (vendedor, comprador e seus herdeiros) há que acautelar esse princípio quanto aos terceiros e, nessa medida, atentar nos princípios do registo predial.

Mas, a montante, e para efeitos de registo, há que precisar o conceito de terceiro, no caso de dupla alienação do mesmo direito real, que é o que, aqui, releva.

Para o Prof. Manuel de Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 19) terceiros são apenas os que, relativamente a determinado acto de alienação, adquirem do mesmo autor ou transmitente, direitos total, ou parcialmente, incompatíveis.

Já para os Profs. A. Varela e Henrique Mesquita (apud RLJ 127-20) terceiros “são não só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervido nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca judicial, etc.) de que tais direitos resultam.” (cf., no mesmo sentido, Prof. Vaz Serra – RLJ 103-165 – com tónica no registo predial – “A noção de terceiro, em registo predial é a que resulta da função do registo, do fim tido em vista pela lei ao sujeitar o acto ao registo – preocupação já prevista pelo Prof. Oliveira Ascensão, in “Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa”, 29, 30; ainda os Profs. Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, II, 3.ª ed., n.º 4, ao artigo 819 e Anselmo de Castro – “A Acção Executiva Singular Comum e Especial”, 3.ª ed., 161, também aderindo ao conceito amplo de terceiros.

E foi nesta linha que o Acórdão Uniformizador de 1997 disse que “terceiros para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.”

Mas na uniformização de 1999 já se apelou para um conceito mais limitado decidindo-se que “terceiros, para os efeitos do disposto no artigo 5.º do Código de Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.”

Verificou-se, então, uma recondução ao conceito restrito de terceiros, considerando a função meramente declarativa, com escopo da segurança do comércio imobiliário que tem o registo predial, na lógica da sua dogmática que lhe confere a natureza não constitutiva (note-se que a presunção do artigo 7.º é meramente “iuris tantum”) limitando-se “a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.” – artigo 1.º do Código de Registo Predial – e, sendo, embora, inconveniente maximizar uma mera função publicitária, não pode sobrepor-se às normas e princípios do autentico direito substantivo (cf. Prof. Orlando de Carvalho – in “Terceiros para efeitos de registo”, in “Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra”, LXX, 1994 – ao afirmar que “quem adquiriu ‘a domino’, ainda que não tenha transcrito é sempre preferido a quem adquire ‘a non domino’, se bem que o seu titulo se torne público – fls. 102. Não se esqueçam as palavras do Prof. Manuel de Andrade ao afirmar “por apelo ao modo como está organizado o instituto do registo predial, que os prédios são inscritos a favor de determinadas pessoas apenas sobre base de documentos de actos de transmissão a favor das mesmas pessoas, e não depois de uma averiguação em forma, com audiência de todos os possíveis interessados. O registo não pode, portanto, assegurar a existência efectiva do direito da pessoa a favor de quem esteja registado um prédio, mas só que, a ter ele existido ainda se conserva – ainda não foi transmitido a outra pessoa.” (ob. cit. 20).

Aqui chegados, verifica-se que a última decisão uniformizadora originou que ao artigo 5.º do Código de Registo Predial fosse aditado (pelo Decreto-Lei n.º 533/99, de 11 de Dezembro) um n.º 4 a dispor que “terceiros para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.”, afirmando-se no preambulo do diploma que introduziu a norma ter-se tomado “partido pela clássica definição de Manuel de Andrade”.

Mas como acima se viu, o conceito de terceiro também surge no artigo 291.º, n.º 2 do Código Civil e no n.º 2 do artigo 17.º do Código de Registo Predial.

Não nos suscitam grandes dúvidas ao considerar que o conceito constante no artigo 291.º n.º 2 da lei civil se reporta à invalidade substantiva, enquanto o n.º 2 do artigo 17.º do Código do Registo Predial se limita à nulidade registral (cf. Dr. Henrich Ewald Horster, in Regesta, 52, 160; no sentido de serem disposições com igual âmbito de aplicação, a Dr.ª Isabel Pereira Mendes, in “Código do Registo Predial – Anotado e Comentado” 15.ª ed., 169).

É possível conciliar os dois preceitos naqueles precisos termos.

Já quanto ao conceito de terceiros, teremos de o precisar, deixando dito – como é óbvio – que não há “terceiro”, sem “segundo” ou “primeiro”.

No caso de alienação de um bem, o alienante é o primeiro na cadeia negocial, sendo que o transmissário é “segundo”, só sendo “terceiro” o adquirente do bem transmitido por este.

Se o “primeiro” aliena o mesmo bem duas vezes a duas diferentes pessoas estes são segundos adquirentes, só sendo “terceiros” nas suas relações entre si, aqui com a conceptualização registral.

Por isso no n.º 1 do artigo 291.º do Código Civil o “terceiro de boa fé” é o adquirente de um “segundo” na cadeia de transmissões.

Já para o direito registral o conceito de terceiro é o que consta do n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial, que, como se disse, no direito substantivo corresponde ao adquirente (“segundo”) após a aquisição do mesmo bem por outro (também “segundo”).

Para evitar esta sobreposição de conceitos impor-se-ia uma clarificação pela via legislativa.”.

Veja-se, ainda, o recente Ac. da Relação de Coimbra de 02/12/2014, Proc.º nº 2925/06.0TBACB-C.C1 (Fonte Ramos), disponível em www.dgsi.pt/jtrc, em cujo sumário consta o seguinte:

1. São terceiros para efeitos de registo, na definição do acórdão uniformizador n.º 3/99 (plasmada no art.º 5º, n.º 4, do Código do Registo Predial/CRP), o embargante que opõe embargos de terceiro invocando ter adquirido a propriedade de determinadas fracções autónomas (penhoradas) por escritura de permuta anterior - pela qual o embargante, dono de um terreno, cedeu esse terreno à empresa construtora (executada) em troca de diversas fracções autónomas do prédio a nele edificar, livres de ónus ou encargos -, não inscrita no registo, e o embargado/exequente, titular de hipoteca registada, constituída pela executada posteriormente àquela permuta e que incidiu sobre a parcela de terreno onde veio a construir o respectivo edifício habitacional.

2. Nesse circunstancialismo, a transferência da propriedade das fracções autónomas verifica-se quando construídas ou entregues (art.ºs 408º, n.º 2, 879º e 939º, do Código Civil) e os dois direitos em confronto, adquiridos do mesmo titular (executada), ainda que não sendo da mesma natureza, são incompatíveis entre si.

3. Ainda que a hipoteca voluntária constituída pela executada a favor de Banco (exequente/embargado), em garantia de empréstimo para a construção desse edifício e anterior à constituição da propriedade horizontal e registo da aquisição daquelas fracções autónomas a favor do embargante, com a extensão decorrente do art.º 691º, do Código Civil, se afigure válida e prevalecente sobre os registos posteriores (art.º 6°, n.º 1, do CRP), pretendendo o exequente fazer valer essa garantia, sempre a execução deverá seguir contra o embargante/terceiro (art.º 56º, n.º 2, do CPC de 1961, após a reforma de 1995/96 – art.º 54º, n.º 2, do CPC de 2013).

Também no mesmo sentido vejam-se ainda os seguintes arestos, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtr...:

- Ac. Rel. Coimbra de 11/03/2014, Proc.º nº 1483/11.9TBVIS.C1;

- Ac. Rel. de Lisboa de 15/02/2007, Proc.º nº 10376/06-2;

- Ac. Rel. de Lisboa de 12/03/2013, Proc.º nº 1520/09.7TBBRR-C.L1-7;

- Ac. Rel. de Guimarães de 20/04/2017, Proc.º nº 126/10.1TBPCR-C.G1, em cujo sumário se escreve:

I- O artº 5º, nº 1 do Código de Registo Predial não tem por objectivo fazer depender a oponibilidade do direito real da prévia inscrição registral da aquisição a favor do seu titular, mas sim o de proteger o terceiro que, confiando na aparência de uma situação registral desconforme à realidade substantiva, celebra um negócio jurídico inválido com o titular inscrito e regista a sua aquisição.

II - Essa protecção só é disponibilizada aos terceiros que, de harmonia com a concepção restrita, para efeitos de registo são os que do mesmo autor ou transmitente recebam sobre o mesmo objecto direitos total ou parcialmente conflituantes entre si - artº 5º, nº 4 do Código de Registo Predial.

III- Assim, a aquisição efectuada pelo Recorrente, sendo anterior, mas registada posteriormente ao registo da hipoteca voluntária, não é oponível ao credor hipotecário.

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            Donde se poder e dever concluir nos termos também defendidos na sentença recorrida, segundo  a qual: “Assim, em caso de incumprimento da obrigação garantia pela hipoteca o credor (hipotecário), através do recurso à acção executiva, poderá satisfazer o seu crédito pelo produto da venda (executiva) do bem com preferência sobre os outros credores, excepto se os créditos destes beneficiarem de privilégio imobiliário especial ou de direito de retenção.

Nestes termos, a questão que se coloca é a de se saber se o imóvel responde pelo pagamento da quantia de exequenda.

Os mutuários, em rigor de direito substantivo, deram em garantia imóvel que, apesar de registado em seu nome, já não lhes pertencia, por o haverem doado anos antes.

A exequente aceitou conceder o mútuo, mediante essa garantia, porque, registalmente, a titularidade do imóvel encontrava-se registada a favor dos mutuários.

A legitimidade para hipotecar só é concedida a quem tem legitimidade para alienar o bem (art. 715º do CC). Em regra, portanto, tal legitimidade pertence ao proprietário.

E o negócio constitutivo da hipoteca para produzir efeitos, mesmo entre as partes, é necessário o registo (art. 687º do CC e art. 4º, n.º 2 do CRegP). A hipoteca voluntária emerge do contrato, contudo, a produção de efeitos está totalmente sujeita, ao contrário do que sucede nos outros negócios sujeitos a registo, à realização deste.

A exequente ignorava a transmissão da propriedade ocorrida, que não foi publicitada através do registo.

Os mutuários que constituíram a hipoteca omitiram a doação realizada, sabendo que sem essa hipoteca não lhes seria concedido o mútuo que beneficiaram.

A titular do imóvel é filha dos mutuários.

Portanto, o que aconteceu no caso em apreço pode subsumir-se nos seguintes termos:

Os mutuários transmitiram, por escritura de doação, o imóvel a uma filha.

Não deram publicidade a essa transmissão de propriedade, através do registo predial.

Anos depois, enquanto titulares registados do imóvel, omitindo essa transmissão, que conheciam, deram-no em garantia, constituindo uma hipoteca, a favor da exequente, que ignorava tal transmissão.

Após a constituição da hipoteca e o seu respectivo registo foi, só então nessa altura, registada a transmissão da propriedade.

Verificado o incumprimento das obrigações garantidas pela hipoteca, a exequente intenta a execução para pagamento das quantias em dívida contra a titular do imóvel em causa.

Quid iuris?

A questão resume-se ao seguinte: o imóvel hipotecado responde directamente, a partir do património da executada (filha dos mutuários), pela quantia que garantiu? Ou tal imóvel só responde quando estiver na titularidade dos mutuários, de onde decorre que previamente à execução a exequente tem de impugnar o acto de transmissão?

Da prevalência da hipoteca sobre transmissão anterior não registada

No confronto entre o direito real de garantia de hipoteca voluntária, registada, titulado pela exequente, e o direito de propriedade da opoente decorrente de transmissão anterior, não registada, deve prevalecer, quanto a nós, o direito real de garantia de hipoteca.

A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo e os factos a ele sujeitos só produzem efeitos em relação a terceiros após a data do respectivo registo – arts. 2º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, CRegP.

O registo definitivo, nos termos do art. 7º do CRegP, constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, sendo que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens (cf. art. 6º).

Porém, só quem tiver a qualidade de terceiro é que beneficia da presunção e prioridade decorrentes do registo.

Ora, o registo predial, em geral, tem a função essencial de dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art. 1° CRegP). Não tem, portanto, uma função constitutiva, antes declarativa.

Na constituição da hipoteca voluntária (na legal e judicial tem efeito constitutivo), já o referimos, a produção de efeitos está sujeita à realização do registo.

Ora, não havendo dúvidas da incompatibilidade substantiva entre o direito de propriedade da opoente e o direito real de garantia da exequente (e essa incompatibilidade resulta dos termos da execução apensa: a exequente pretende vender o imóvel para pagamento do seu crédito e a opoente não aceita essa venda executiva com o argumento de que a mesma é que é a titular do imóvel e isso afecta esse seu direito de propriedade), importa saber se é de aplicar a regra do art. 5º, n.º 1 do CRegP, os factos sujeitos a registo, como é o caso da aquisição da propriedade, só produz efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.

Na verdade, se assim for, naturalmente que o direito de propriedade da opoente, porque registado em data posterior à constituição da hipoteca, não produz efeitos contra esse direito real de garantia.

Nestes termos, assume parcial relevância a definição de “terceiro” para efeitos de registo. Em concreto, saber se a exequente é “terceiro” para esse efeito jurídico.

Existem a este respeito uma longa tradição de divergência na nossa doutrina e jurisprudência.

O Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência (acórdão uniformizador nº 3/99, de 18 de Maio de 1999) no sentido de que: Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.

O art. 5º, n.º 4 do CReg.P. veio acolher uma concepção restrita de terceiros: são todos aqueles que adquirem do mesmo causante, direitos incompatíveis, com base na sua vontade (já não aqueles que adquirindo direitos ao abrigo da lei, tenham esse causante como sujeito passivo, não obstante ele não ter intervindo nos actos jurídicos de que tais direitos resultaram – como seja a hipoteca judicial, o arresto, penhora).

No caso em apreço, quer a opoente, quer a exequente receberam direitos do mesmo “transmitente”. Quem doou e quem constituiu a hipoteca voluntária foram as mesmas pessoas. Ambos resultam da prática de actos sucessivos praticados pelos mesmos titulares.

É verdade que o direito de propriedade aquando da constituição da hipoteca já não pertencia a esses titulares (haviam transmitido, por doação, tal imóvel à filha, opoente nestes autos anos antes).

Porém, os mesmos doadores constituíram voluntariamente hipoteca, mediante contrato, sobre o bem que haviam doado. E enquanto a doação não foi levada ao registo, a hipoteca foi-o de imediato.

Ora, à luz da definição acolhida no AUJ n° 3/99 e no n° 4 do art. 5° do CregP. julgamos poder concluir que a exequente e a opoente são terceiros para efeito de registo.

Não verdade, no caso dos autos, houve um transmitente comum: as pessoas que doaram o prédio são as mesmas que, mais tarde, constituíram voluntariamente hipoteca.

A eficácia do registo aparece aqui intimamente conexionada com a boa fé de quem regista. Se o prédio está inscrito no registo ainda em nome dos doadores, não traduzindo a nova realidade decorrente da transferência desse direito para a esfera jurídica da opoente/donatária, é legítimo dar protecção ao exequente que, desconhecedor da nova titularidade, está a negociar com o titular inscrito do direito.

A exequente actuou, aquando da constituição da hipoteca, de boa fé.

Os dois direitos em confronto, ainda que não sendo da mesma natureza, enquanto um é um direito real de propriedade, o outro é um direito real de garantia, são incompatíveis entre si, já que conferindo a hipoteca ao seu beneficiário o direito de se fazer pagar pelo valor do respectivo bem, isso vai conflituar com o conteúdo pleno do direito de propriedade radicado noutra pessoa.

Assim, a exequente e a executada opoente, porque adquirentes de direitos incompatíveis entre si de um autor comum, são terceiros para efeitos de registo e, nesta medida, a prioridade derivada do registo proclamada no n° 1 do art. 6° CRegP vai determinar a prevalência do direito da exequente e, consequentemente, a inoponibilidade do direito da opoente.

É essa a posição do STJ acolhida no Ac. de 30.06.2011, que aqui seguimos de perto.

E não deixamos, conforme decorre do citado aresto, de referir: a não se conferir esta prevalência seriam postos em causa os princípios estruturantes do registo predial, como sejam a publicidade e a segurança do comércio jurídico. A exequente, beneficiária da hipoteca voluntária, estando de boa fé, confiou na informação registral que não dava conhecimento da transmissão anterior do direito para a esfera jurídica da embargante.

A lógica do acórdão uniformizado de jurisprudência conduz a distinguir consoante a penhora foi ou não precedida de hipoteca. A solução do presente caso não é, por isso, semelhante à que resulta do confronto entre o direito de propriedade não registado e a penhora desse bem em processo executivo – neste caso, prevalece o direito de propriedade porque o adquirente do imóvel e o beneficiário da penhora não são terceiros para efeitos de registo (que foi o caso tratado no citado acórdão uniformizador de jurisprudência).

Assim, se A vendeu certo prédio a B e depois a C, estes dois adquirentes são terceiros entre si e, portanto, prevalece a venda que primeiro for registada, e que pode ser a 2ª não obstante dar-se o caso de já nessa altura não ser A mas B o verdadeiro proprietário do prédio. O mesmo sucede, mutatis mutandis, se A vendeu o prédio a B e depois constituiu uma servidão ou outro direito real (usufruto, hipoteca, etc.) ou vice-versa, sem ter ressalvado, nesta hipótese, o direito real anteriormente constituído. Estamos perante direitos incompatíveis.

Quanto a nós, decisão diversa, para além de ser desconforme à justiça do caso concreto, daria cobertura a situações de absoluta má fé, integradora de abuso de direito (art. 334º do CC): um devedor, antes de dar em garantia os seus bens para receber um empréstimo, doa aos filhos os bens, omitindo essa transmissão no registo predial, sabendo que se tal fosse conhecido não receberia o empréstimo pedido, pretendendo, depois de recebido o empréstimo, prevalecer-se, através dos filhos, dessa transmissão “escondida”.

A constituição de hipoteca voluntária registada sobre determinados imóveis prevalece sobre escritura de doação anterior, não registada, incidente sobre o mesmo imóvel.

Nestes termos, o bem da opoente responde pela quantia exequenda nos termos infra definidos (ou a definir).

Ora, respondendo o imóvel, nos termos em que definimos infra, pela quantia exequenda (em abstracto), não se verificou qualquer ilegalidade na penhora.’.


***

                  Relativamente à subquestão B3 - Saber se deve dar-se (ou não) prevalência ao direito obrigacional com garantia do Exequente – hipoteca - sobre o direito real de propriedade da Embargante,  este adquirido anteriormente à constituição da garantia a favor do Exequente, tal questão está expressamente abordada no ponto anterior, no sentido afirmativo, isto é de que se deve dar prevalência ao direito obrigacional com garantia do Exequente – a hipoteca constituída - sobre o direito real de propriedade da Embargante,  este adquirido anteriormente à constituição da garantia a favor do Exequente, pelo que tal questão se encontra abordada, apreciada e decidida.

***

                  Por fim cumpre apreciar a subquestão B4 - Incidente de liquidação decidido na sentença, para determinação do valor exato em dívida.

                  Defende a Recorrente que o incidente de liquidação não pode ter lugar em sede de execução da sentença proferida nos embargos de executado, mas sim na fase liminar do processo executivo, conforme artºs 716º, nº 1 e 724º, nº 1, al. h), ambos do nCPC, o que não sucedeu na execução, porque no caso em apreço a obrigação exequenda não se encontrava fixada, o que se traduz em insuficiência do título executivo, o que deveria ter dado lugar ao indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do artº 726º, nºs 1, 2, al. a), e 5 do nCPC.

                  Sucede que no requerimento executivo, cuja cópia consta a fls. 92/93 destes autos, está liquidado o valor exequendo, no montante de €242.123,50.

                  A Embargante impugnou essa dita liquidação, face ao que foi definido como tema de prova o valor do crédito em dívida alegado no requerimento executivo – ver saneador a fls. 32.

                  Na sentença recorrida foi entendido que a ação executiva deveria prosseguir apenas para o pagamento da quantia em dívida referida no contrato de mútuo, cujo pagamento os mutuários deixaram de cumprir, mas também decidiu que não se provou qual era esse valor concreto em dívida, face ao que se decidiu relegar para liquidação de sentença a fixação desse valor em dívida, valor esse a ser pago através da venda do imóvel hipotecado e penhorado.

                  Ora, o que sucede é que o Exequente deu cumprimento ao disposto nos artºs 716º, nº 1, e 724º, nº 1, ambos do nCPC – liquidação da quantia exequenda -, face ao que cumpria ao executado contestar essa liquidação, nos termos do nº 4 do citado preceito, como fez a Embargante (ver ponto 65º da petição de embargos), pelo que tem lugar a aplicação do artº 360º, nºs 3 e 4 do nCPC.

                  É também o que resulta do artº 726º, nº 6 do nCPC, em consequência do que o executado pode opor-se à execução por embargos, que seguem os termos do processo comum declarativo – artºs 728º, 731º, 732º, nº 2, do nCPC.

                  Uma vez que foi dado como provado que os mutuários deixaram de cumprir as obrigações decorrentes do contrato de mútuo – facto 11 – e que foi dado como não provado que a dívida existente nesse contrato é de €189.061,87 – al. b) dos factos não provados -, restava/restou ao julgador aplicar o disposto no artº 609º, nº 2 do nCPC – condenação no que vier a ser liquidado - , como se fez, pelo que se nos afigura que carece de razão a Recorrente quanto a esta subquestão, não se afigurando correta a tese de que o incidente de liquidação não pode ter lugar neste apenso de embargos.

                  Não se pode, pois, dar razão à Recorrente quando defende que o incidente de liquidação não pode ter lugar em sede de execução da sentença proferida nos embargos de executado, mas sim e apenas na fase liminar do processo executivo, conforme artºs 716º, nº 1 e 724º, nº 1, al. h), ambos do nCPC, o que, diz a Embargante, não sucedeu na execução, porque no caso em apreço a obrigação exequenda foi fixada no requerimento executivo e aí devidamente liquidada, tendo apenas sucedido que em face da impugnação dessa dita liquidação, em sede de embargos de executado, não foi possível apurar essa  dita liquidação, pelo que carece de ter lugar o incidente de liquidação de sentença, nos termos decididos.


***

                  Concluindo, improcede o presente recurso, impondo-se a confirmação da sentença recorrida, o que se decide.

VI

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus exactos e precisos termos.

            Custas pela Recorrente.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 12/09/2017

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                   Des. Isaías Pádua