Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
48/12.2GEGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
SUSPENSÃO
SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º CP
Sumário: A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não pode ser dispensada, suspensa ou substituída por caução de boa conduta ou por trabalho a favor da comunidade ou por admoestação.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I. Relatório:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Guarda, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido

A..., filho de B... e de C..., natural da freguesia de (...), concelho da (...), casado, agricultor, residente na (...), Guarda

imputando-lhe a prática, em autoria material, de factos susceptíveis de integrarem um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292°, n° 1 e 69º, nº1 al. a) do C. Penal.


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2. Por sentença de 20 de Agosto de 2012, o tribunal julgou a acusação procedente e, em conformidade, condenou o arguido, pela autoria material do supra referido crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de 7 (sete) euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias.

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3. Inconformado, recorreu o arguido, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª- O arguido é um condutor prudente e cuidadoso, sendo que a falha que teve foi um caso isolado, pelo que teria sido mais curial que a pena acessória de inibição de conduzir fosse substituída por caução de boa conduta.

2ª_A pena acessória de inibição de conduzir foi aplicada ao arguido de modo automático o que não é sustentável.

3ª_O arguido é agricultor, sendo que a pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado, impede-o de desenvolver a sua actividade agrícola numa altura em que esta é muita intensa, uma vez que é altura das colheitas e das vindimas

4ª-Por assim ser a carta de condução é imprescindível ao arguido que não tem quem o substitua na sua azáfama agrícola.

5ª-Pelo que, e sempre sem prescindir, crê-se, salvo o devido respeito - que é muito - por melhor opinião, teria tido cabimento que o Tribunal a quo, tivesse diferido a pena acessória em que o arguido foi condenado, para os finais de Outubro.

6ª-Por não se haver verificado uma grave violação das regras de trânsito rodoviário, não parece inaceitável que o Tribunal a quo proferisse uma admoestação ao arguido até porque não existe, por parte deste, qualquer dano a reparar.

7ª_ A sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo, violou, entre o mais que Vossas Excelências bem melhor se dignarem suprir os artigos 30°, n° 4 da CRP e 65.º, n.º 1 do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelência, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente recurso, depois de admitido, ser considerado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com todas as consequências legais daí decorrentes, como é de inteira JUSTIÇA ”


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4. Nos termos do artº 413 do C.P.P., veio o M.P. responder, a fls. 32/38, defendendo que deverá improceder o recurso, onde formula as (transcritas) conclusões:

“1. O arguido sujeito a exame de alcoolemia veio a acusar uma TAS de 1,72 g /l.

2.Atendendo á gravidade dos factos apurados, ao grau de culpa do arguido e às anotadas exigências de prevenção, entendemos como correctamente fixada a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 meses e 15 dias.

3.A Constituição não proíbe a lei de definir como penas ou medidas de segurança a privação definitiva ou temporária de direitos - o que proíbe é a perda automática desses direitos, como consequência automática de uma condenação penal.

4.A imposição de penas acessórias não viola, por isso, o artigo 30° nº 4 da CRP.

6. As penas são impostas (e não propostas) ao condenado e é também por essa razão que o Estado, assegura e fiscaliza o respectivo cumprimento.

7. Conforme tem sido entendido de forma pacífica quer na jurisprudência esta medida acessória de proibição de condução de veículos com motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal, é insusceptível de ser suspensa na sua execução, tendo de ser executada.

  

8.A suspensão desta medida acessória, não tem qualquer fundamento ou apoio legal.

9.Temos assim de concluir que a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no artigo 69° do CP e aplicável ex vi do artº 292° do mesmo diploma, não permite suspensão da sua execução, ou substituição por caução.

  

Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser declarado totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido, confirmando-se, em consequência a Douta Decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA. ”

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5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procuradora Geral Adjunto, no seu douto parecer, quando da vista a que se refere o art. 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de dever ser improcedente o recurso (fls. 51/52).
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6. Notificado, então, o arguido, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417º, n.º 2, do C. P. Penal, o mesmo nada disse.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:

1. Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem.

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no artº 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No caso sub judice, as questões postas à consideração deste tribunal ad quem pelo recorrente são as seguintes:

- Se deverá ser alterada ou mantida a pena acessória de inibição de conduzir, que foi aplicada pelo tribunal “a quo”, ou se a mesma deve ser substituída pela caução de boa conduta ou a multa substituída por admoestação.

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Vejamos então.
2. Na sentença recorrida foram dados como provados e não os seguintes factos, com a seguinte motivação (transcrição):

   “II. Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

a) No dia 17 de Agosto de 2012, pelas 21h20, na Avª dos Cesteiros – Gonçalo - Guarda, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula K (...), de sua propriedade.

b) Ao ser submetido ao exame de pesquisa no álcool no sangue acusou uma taxa de alcoolemia de 1,72 g/l.

c) Ao conduzir da forma descrita o arguido actuou de forma livre e voluntária, apesar de antes ler ingerido bebidas alcoólicas, bem sabendo que a ingestão de bebidas alcoólicas o havia colocado em estado de embriaguez e, assim, lhe havia retirado a atenção, discernimento e reflexos indispensáveis a uma condução de automóveis com o mínimo de segurança;

d) O arguido agiu de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

e) O arguido é casado e vive em casa própria, é agricultor auferindo entre 500 600 €uros mensais e a sua esposa ajuda-o nas lides agrícolas.

  f) O arguido estudou até ao 4.º ano de escolaridade;

g) Do Certificado do Registo Criminal do arguido nada consta.

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  III. Factos não provados:

   Inexistem.

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   Consigna-se que a factualidade dada como provada, não provada e sua fundamentação teve por base o que consta de fls. 4, 5 e 16 dos autos e audição da leitura da sentença que consta do suporte digital junto aos autos, audição essa por nós efectuada, que também procedemos á respectiva transcrição.

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3. Do mérito do recurso.

Conforme acima se referiu, o tribunal a quo, deu como assentes os factos que o foram, pelo que dúvidas não temos, nem o arguido/recorrente põe em causa, que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292º do C. Penal, foi praticado pelo arguido.

Mais se encontra assente que o arguido circulava com uma TAS de 1,72 g/l.

Vejamos então, agora, se a pena aplicada foi ou não a justa.

O crime pelo qual o arguido foi condenado, tipificado no artigo 292º, n.º 1, do Código Penal é portador de alguma maleabilidade da moldura penal - prisão até 1 ano ou pena de multa de 10 a 120 dias - permitindo que o juiz gradue a pena consoante a culpa e a gravidade objectiva do acto ilícito.

Na decisão sob crítica, tendo em conta o disposto nos artigos 70º e 40º, n.º 1 do CP, optou-se pela pena de multa, por se considerar que se mostra adequada e suficiente para promover a recuperação social do arguido e para satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

Tendo em conta os critérios da sua determinação, a pena deve ser aferida em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim e retomando os critérios para a determinação concreta da pena, temos, duas regras centrais: a primeira consiste em ter presente que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, é de que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e a necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.

Contudo o arguido/recorrente conformou-se com a pena aplicada e o seu quantum.

Assim, a única questão que importa analisar é a de saber se se deve manter a sanção acessória de inibição de conduzir ou se a mesma deve ser suspensa na sua execução, ou deferido o seu cumprimento, e ainda se seria de aplicar ao arguido apenas uma pena de admoestação, entendo o recorrente que aquela deveria ser suspensa e a multa substituída por admoestação.

  Vejamos.

 O art. 69.º, n.º 1 do CP, faculta genericamente ao juiz o poder/dever de delimitar, em face das exigências de cada caso, a sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor, do limite mínimo de 3 meses ao máximo de 3 anos.

A proibição de conduzir tem como suporte a prática de um crime, in casu, o de condução em estado de embriaguez e, como verdadeira pena que é, submete-se às regras gerais de determinação penal, ressalvando-se a finalidade a atingir, que se revela mais restrita, porquanto a sanção em causa visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente, ainda que se reconheçam também necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, através da tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma in casu violada.

O recorrente alega que o mesmo é um condutor prudente e cuidadoso, sendo que a falha que teve foi um caso isolado, pelo que teria sido mais curial que a pena acessória de inibição de conduzir fosse substituída por caução de boa conduta.

 Acresce que o arguido é agricultor, sendo que a pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado, impede-o de desenvolver a sua actividade agrícola numa altura em que esta é muita intensa, uma vez que é altura das colheitas e das vindimas, pelo que, em seu entender, o Tribunal a quo, deveria ter diferido a pena acessória em que o arguido foi condenado, para os finais de Outubro.

Assim,

3.1. Deve ou não ser suspensa pena acessória de inibição de conduzir ou deferido o seu cumprimento?

Como se sabe a pena acessória incide sobre o instrumento da condução automóvel, privando o agente de exercer temporariamente a actividade em cujo exercício praticou a infracção. 

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Consequências Jurídicas do Crime, pág.165), o pressuposto material de aplicação da pena acessória referida no artigo 69º do CP prende-se com o exercício da condução quando se tenha revelado, no caso concreto, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do facto. Por isso à proibição de conduzir deve assegurar-se também um efeito geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro dos limites da culpa. Por fim, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.

Assim, vejamos agora a questão da suspensão da execução da pena acessória requerida pelo recorrente.

Adiantaremos desde já que não tem qualquer fundamento legal, este pedido.

Na verdade, a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir só está prevista no Código da Estrada em relação a contra-ordenações graves, não estando cominada para as penas acessórias, como aquela que foi aplicada no caso.

   Aliás tem sido entendimento maioritário da nossa jurisprudência de que carece de suporte legal a pretendida suspensão da execução da pena acessória decretada, condicionada ou não a prestação de caução de boa conduta, pelo que citamos, a título de exemplo, os seguintes arestos:

  “I – A taxatividade do artigo 50º. Do Código penal, ao prever unicamente a suspensão da pena de prisão, não oferece quaisquer dúvidas. A suspensão, em casos em que se não decreta a prisão, corresponderia á criação de um instrumento sancionatório criminal que lei anterior não prevê, o que necessariamente afrontaria o princípio da legalidade, violando, ilegal e inconstitucionalmente, o princípio derivado nulla pena sine lege. Não há assim qualquer possibilidade de se suspender a sanção decretada, de proibição de conduzir prevista no artigo 69°, n° l, alínea a), do Código Penal, para quem for punido por crime do artigo 292º.” (Ac TRG de 10.01.05, Proc.1943/04-1, Rel.: -Miguez Garcia, em www.dgsi.pt.) 

  “I – É legalmente inadmissível a suspensão da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada por condenação pelo crime de condução em estado de embriaguez. II – Deve ser rejeitado por manifesta improcedência o recurso que tenha por objecto apenas a pretensão de que tal sanção acessória seja suspensa” (Ac. TRL de 10.05.05, Proc.5549/04-5ª.Secção, Rel.: -Filipa Macedo, em www.pgdlisboa.pt.) 

- “I – A pena de multa bem como a pena acessória não são passíveis de suspensão na sua execução, nem de substituição por outra qualquer medida. Na verdade o CP, na redacção da Lei n.º 48/95, de 15/3, apenas contempla a suspensão da execução da pena de prisão. II – “A Comissão Revisora discutiu a questão da suspensão da execução da pena de multa, e…acabou por deliberar pela eliminação da possibilidade da referida suspensão (Acta n.º 4, 34) tendo sido ponderado, quando se colocou a questão, que em termos de surgimento histórico da suspensão da execução da pena, a pena de multa não devia ser suspensa” (cfr. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado – 3.ª ed., 1.º vol., pág. 638). III – Acresce que, ao contrário do que sucede coma medida de inibição da faculdade de conduzir aplicada no âmbito do Código da Estrada, a pena acessória prevista no art.69.º do CP não é susceptível de ser substituída por caução de boa conduta, por impossibilidade legal” (Ac. do TRL de 24.05.05, Proc.627/05-5ª.Secção, Rel.: -Ana Sebastião, em www.pgdlisboa.pt)

  - “I. Em concordância coma jurisprudência unânime dos tribunais superiores, entende-se não ser possível a suspensão da pena acessória de proibição da condução de veículos motorizados prevista no art.69º. do Código Penal, mesmo quando é aplicada pena de prisão e esta tiver sido suspensa na sua execução (neste sentido, cfr. Germano Marques da Silva, 'Crimes Rodoviários', pág.28). II. Se alguma dúvida houvesse a tal respeito, face à opção tomada pelo legislador no DL nº.44/05, de 23.02 de limitar a suspensão da execução da medida de inibição de conduzir aos casos em que tal medida decorre da prática de contra-ordenação grave (excluindo-se tal suspensão quando se trata de contra-ordenação muito grave - cfr. art.141º., nº.1 do C. Estrada), estaria ela agora definitivamente arredada. III. Com efeito, embora se trate de sanções de natureza algo distinta, certo é que, face ás semelhanças que entre elas se surpreendem, nomeadamente quanto aos idênticos fins que mediante elas se pretendem atingir, seria no mínimo absurdo ficar postergada a hipótese de suspensão da inibição de conduzir pela prática de uma contra-ordenação (ainda que muito grave) e admitir-se, em contrapartida, a suspensão da proibição de conduzir aplicada em consequência da prática de um crime em que o desvalor da acção e o grau de censura ético-jurídica estão necessariamente num patamar muito mais elevado. IV. Por idênticas razões, não pode a mesma sanção acessória ser substituída por caução de boa conduta. V. Consequentemente, deve o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art.420º., nº.1 do C.P.P.”  (Ac do TRL de 26.09.06, Proc.6486/06-5ª.Secção, Rel.: -José Adriano, disponível em www.pgdlisboa.pt). 

  - “I - A suspensão da execução da sanção acessória apenas pode ser decretada quando estiver em causa a prática de contra-ordenação grave. E mesmo nesta, se o condenado não tiver sofrido condenação nos últimos cinco anos. II - A atenuação da sanção acessória unicamente é possível nos casos previstos no art.º 140, do C. E. III - A norma do art.º 141º, do C. E. não sofre de inconstitucionalidade”, na consideração de que “No caso de condenação por crime cometido no exercício de condução de veículo automóvel há que aplicar o Código Penal em bloco, sem recurso às normas do Código da Estrada, pelo que a imposição da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados do artigo 69° daquele Código constitui uma consequência normativa, não sendo legalmente possível afastar a pena acessória, ou suspendê-la, ou substitui-la, nomeadamente condicionada a prestação de caução de boa conduta”. (Ac. do TRC de 13.06.07, P.346/06.4TBGVA.C1, Rel. Gabriel Catarino, em www.dgsi.pt)

  - “É inadmissível a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.” (Ac. do TRC de 24/4/2013, processo nº 77/11.3GBNLS.C1, Relator: ORLANDO GONÇALVES em www.dgsi.pt.).

  - “O artigo 141º, do Código da Estrada, estabelece o regime de suspensão da execução da sanção acessória (inibição de conduzir), que se restringe a contra-ordenações graves, estando excluídas do mesmo as contra-ordenações muito graves.” (Ac. do TRC de 12/12/2012, processo nº 257/12.4T2ILH.C1, Relator: ALBERTO MIRA em www.dgsi.pt.).

   - A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a que se reporta o art.º 69º, do C. Penal, não pode ser dispensada, nem atenuada especialmente, suspensa ou substituída por caução de boa conduta ou por trabalho a favor da comunidade, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade. (Ac. do TRC de 16/11/2011, processo nº87/11.0GTCTB.C1, Relator: PAULO GUERRA, em www.dgsi.pt)

  Ou seja, para a proibição de conduzir prevista na Lei Penal, não existe norma que preveja a suspensão da pena, ou a sua substituição por outra. Com efeito, a unidade da pena (principal e acessória) exige que a suspensão da sua execução não possa cindir-se (sendo que para a pena de multa é seguro não poder a mesma ser suspensa) e também a finalidade do instituto da suspensão (aludido no artigo 50 do C.P.) não tem aplicação no âmbito da pena acessória, que não serve as finalidades da reintegração social do agente, mas tão só a sua dissuasão da prática da infracção a que se reporta.

  O mesmo cabe dizer quanto à fixação de caução de boa conduta, apenas prevista para o regime das contra-ordenações.

  Assim sendo temos que a pretensão da suspensão da pena acessória da proibição de conduzir, com vista ao exercício e manutenção do seu trabalho, esbarra, deste modo, na inadmissibilidade legal dessa suspensão quando o arguido comete um dos crimes sancionados no n.º1 do art.69.º do Código Penal.

   Se é certo que o direito ao trabalho é um direito social, que é constitucionalmente garantido, também é certo que como todos os direitos pode sofrer limitações, designadamente por outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos, como é o caso da segurança rodoviária, da vida e da integridade física de quem circula nas vias públicas.

  Na doutrina, também o Prof. Germano Marques da Silva defende que “…ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir.”, (in  Crimes Rodoviários, pena Acessória e Medidas de Segurança”, pág. 28).

E a mesma posição apresenta o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque ao escrever que “ não é admissível a suspensão da pena de proibição de conduzir, nem a sua substituição por caução no processo penal, independentemente do destino da pena principal, uma vez que aquela suspensão e esta substituição só estão previstas no CE no âmbito do direito contra-ordenacional.” (Comentário do Código Penal, Univ. Católica Editora, 2.ª edição, pág. 264.)

É evidente que durante o período de proibição de conduzir o arguido verá dificultada a sua deslocação para o trabalho e o bom andamento dos seus trabalhos agrícolas. Mas o arguido só de si se pode queixar, pois conhecendo as suas necessidade de conduzir, tinha um dever especial para consigo e para com a sua família, de não realização da conduta ilícita por que foi condenado, e de acautelar a sua vida profissional.

  Ora, como já referimos por diversas vezes, o que se pretende, fundamentalmente, é evitar-se que alguém que comete os crimes «rodoviários» puníveis nos artigos 291º ou 292º, ou os restantes a que aludem as alíneas b) e c) do artigo 69º, do Código Penal, volte exercer a condução de veículos com motor durante um determinado período.

  Por isso o artigo 69.º, n.º 3, do Código Penal (redacção introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho), estatui que “No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo se não encontrar já apreendido no processo.”  e o artigo 500.º, n.º3, do C.P.P. repete esta disposição, acrescentando o n.º 4 que “A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular”.

Como bem refere, a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 226, nota nº 8 ao artigo 69º), “a proibição tem um efeito contínuo, como resulta do artigo 500º, nº 4, do CPP e do artigo 138º, nº 4, do CE”.

Mais salienta este autor (mesma obra e local) que, por isso, “a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…), nem pode ser diferido o início da respectiva execução” 

   De todo o exposto somos a concluir que nem estas normas legais, nem qualquer outra, permitem o cumprimento da proibição de conduzir veículos motorizados de forma descontínua, designadamente aos fins-de-semana, nas férias ou durante o horário de trabalho.

  Adiantaremos ainda que a pena de inibição de conduzir não viola, o artigo 30º nº4 da CRP. Isto porque a Constituição não proíbe a lei de definir como penas ou medidas de segurança a privação definitiva ou temporária de direitos - o que impede é a proibição desses direitos, como consequência automática de uma condenação penal.

Ou seja, o que esta norma proíbe é que à condenação em certas penas se acrescente de forma automática, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.

Contudo a pena acessória da proibição de conduzir resulta sempre de uma decisão do juiz, que, depois de avaliar as circunstâncias do caso concreto, a gradua entre os limites de 3 meses e 3 anos, tal como acontece com a pena de prisão ou multa, o que só por si afasta a ideia de automaticidade.

  Assim improcede a pretensão do recorrente em ver suspensa a pena acessória de inibição de conduzir, bem como improcede a sua pretensão de ver deferido o cumprimento dessa inibição para depois das vindimas, mantendo-se a decisão recorrida e não ocorrendo qualquer violação à Constituição.

 3.2.E será de substituir a pena aplicada pela admoestação?

  

   Finalmente veio o recorrente, na sua conclusão 6ª, referir que “6ª-Por não se haver verificado uma grave violação das regras de trânsito rodoviário, não parece inaceitável que o Tribunal a quo proferisse uma admoestação ao arguido até porque não existe, por parte deste, qualquer dano a reparar.”

  Contudo adiantaremos desde já que não tem razão o recorrente.

Isto porque entendemos que a lei penal não prevê qualquer pena substitutiva da pena de proibição de conduzir de veículos motorizados.

   Na verdade, esta sanção acessória, de natureza penal, não pode ser dispensada, suspensa ou substituída por caução de boa conduta ou por trabalho a favor da comunidade ou de admoestação, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade.

  Enquanto a pena principal tem em vista a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal), a pena acessória visa tão só prevenir a perigosidade desse agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral).

  Se a pena acessória apenas visa prevenir a perigosidade imanente na própria norma incriminadora, que a justifica e a impõe, sendo-lhe indiferente quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena.

Só através da proibição efectiva da conduta tal é alcançável, pois que o perigo que aqui subjaz é abstracto, no sentido de que, praticado o evento previsto na norma incriminadora, o perigo se presume invariavelmente.

Em conclusão, e sem necessidades de mais considerações, concluímos no sentido de que a condução de veículos motorizados em estado de embriaguez desencadeia e gera, só é prevenível com a execução efectiva da sanção inibitória imposta ao respectivo agente.

         Face a tal concluímos que esta pena acessória não é passível de (qualquer tipo de) substituição.

  Acrescentaremos ainda que, mesmo que se entendesse que o recorrente pretendia ver substituída a pena de multa pela admoestação, também assim improcederia a sua pretensão. Na verdade o critério para aplicação da admoestação é o de se aplicar tal medida quando se entenda que a pena de admoestação é adequada à satisfação das necessidades de prevenção geral, o que num caso como o dos autos não se verifica, pois que as necessidade de prevenção geral no que se refere aos crimes de condução sob o efeito do álcool, são enormes.

  Improcede, assim, este pedido do recurso.
                                                 ***

Face a todo o exposto, julga-se improcedente a totalidade do recurso, deste modo se confirmando sentença recorrida.

                                                  ***

III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso do arguido, mantendo-se a decisão recorrida.

 Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 4 UCs

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Calvário Antunes (Relator)

Vasques Osório