Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
290/10.0TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
INSOLVÊNCIA
SOCIEDADE
RÉU
PROCESSO
ENCERRAMENTO
INSUFICIÊNCIA DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 230º, Nº 1, AL. D), E 232º, Nº 2 DO CIRE; 287º, AL. E) DO CPC (277º, AL. E) DO NCPC); AC. UN. JUR. DO STJ Nº 1/2014.
Sumário: I – Tendo, por despacho, o processo de insolvência sido declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos artigos 230º, nº 1, al. d), e 232º, nº 2, do CIRE, foi nele constatada a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e bem assim das restantes dívidas da massa insolvente.

II – Se no decorrer do processo de insolvência o Administrador da Insolvência constatar haver insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, tal constatação leva ao encerramento desse processo de insolvência, nos termos dos artºs 230º, nº 1, al. d), e 232º do CIRE, sendo que do nº 7 do artº 232º do CIRE (na redacção do DL nº 282/2007, de 7/8) se presume a insificiência da massa quando o património seja inferior a € 5.000,00.

III - Daí resulta que, com tal decisão, cessaram todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência e que a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais... - artºs 233º, nº 1, al. a), e 234º, nº 4 do CIRE, na redacção do artº 35º do DL nº 76-A72006, de 29/03.

IV - Afigura-se-nos que também deverá ser entendido que tal situação conduz necessariamente à declaração de extinção de instância declarativa pendente contra a sociedade insolvente, porquanto, em virtude destes novos factos ocorridos/verificados na pendência do processo de insolvência, a decisão a proferir na acção declarativa instaurada contra a sociedade declarada insolvente já não tem nem pode ter qualquer efeito útil, porque está judicialmente reconhecido que não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo declarativo em causa, pois não há património passível de satisfazer qualquer eventual condenação desta sociedade, mas também porque esta dita sociedade entrou em fase de liquidação e consequente extinção (a obter por meios administrativos).

V - Registando-se o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente (art. 230º, nº 1, al. d) do CIRE), nem por isso a acção declarativa movida contra a sociedade declarada insolvente terá qualquer interesse autónomo, porquanto se não existem bens desta suficientes a liquidar, também não haverá qualquer utilidade em manter a instância declarativa.

VI – O que nos conduz a que deva ser declarada esta acção declarativa como extinta, por inutilidade superveniente desta lide.

Decisão Texto Integral:

            Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Leiria - Instância Central - Secção Cível - Unidade 2, corre termos a presente acção declarativa, com processo ordinário, que a sociedade ‘M..., L.dª ’, com sede na Rua ..., intentou contra a sociedade ‘A..., L.dª‘, com sede na ...

O pedido formulado pela A. é o de condenação da Ré no pagamento da quantia de € 117.075,00, com o acréscimo de juros de mora vencidos desde 12/03/2008 e juros de mora vincendos até efectivo pagamento.


II

            A Ré contestou a acção e deduziu reconvenção, onde nega ser devedora da A. da quantia peticionada, terminando com o pedido de apenas dever ser condenada a pagar à autora a quantia de € 29.750,00, devendo ser absolvida do remanescente, e ser a Autora/Reconvinda condenada, em reconvenção, a:

i) eliminar os defeitos da obra elencados nos nºs 30, 31, 32, 37 e 38 do articulado de contestação e a efetuar os trabalhos ‘a menos’ não realizados discriminados no nº 39, devendo ser fixado um prazo razoável para a eliminação dos defeitos e para a execução dos trabalhos a menos não realizados;

ii) pagar à Ré/Reconvinte, a título de indemnização, o valor que se vier a apurar em execução de sentença pelos prejuízos que resultarem do tempo que a Ré tiver que suspender a sua actividade para que sejam eliminados os defeitos;

iii) nos termos do disposto no nº 1 do artigo 829º do CC, a pagar uma sanção pecuniária compulsória não inferior a 100,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da decisão que contra si vier a ser proferida.

Subsidiariamente, em caso de impossibilidade ou desproporcional onerosidade para a Autora da eliminação dos defeitos e execução dos trabalhos a menos não executados, pede-se que a Autora seja condenada a:

i) executar uma obra nova, em prazo razoável a fixar pelo Tribunal;

ii) pagar à Ré/Reconvinte, a título de indemnização, o valor que se vier a apurar em execução de sentença pelos prejuízos que resultarem do tempo que a Ré tiver que suspender a sua actividade para que seja efetuada a obra nova;

iii) nos termos do disposto no nº 1 do artigo 829º do CC, a pagar uma sanção pecuniária compulsória não inferior a 100,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da decisão que contra si vier a ser proferida.

Ainda subsidiariamente e relativamente aos dois pedidos anteriores, pede-se que se reduza o preço da obra em 135.000,00 euros e que a Autora/Reconvinda seja condenada a:

i) restituir essa quantia à Ré, uma vez que já recebeu quase a totalidade do preço da obra;

ii) restituir aquela quantia à Ré acrescida de uma sanção compulsória à taxa de 5% ao ano a acrescer aos juros de mora legais desde a data da sentença de condenação.

Finalmente e ainda subsidiariamente relativamente aos três pedidos anteriores, pede-se que a Autora seja condenada a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de 135.000,00 euros, a título de indemnização pelos defeitos da obra e trabalhos a menos não executados identificados nos nºs 30 a 32 e 37 a 39 da contestação, acrescida de juros de mora legais, desde a data da sentença de condenação.


III

            Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência da reconvenção deduzida pela Ré/Reconvinte e mantendo o pedido de condenação da Ré, tal como foi formulado na petição inicial.

IV

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi admitida a reconvenção deduzida, foram julgados como verificados as pressupostos processuais e procedeu-se à selecção da matéria de facto alegada pelas partes.

            Nessa sequência foi trazida aos autos a informação de que a Autora foi declara insolvente, no processo nº ..., de cuja sentença foi junta cópia, conforme fls. 92 a 100, pela qual se verifica que essa sentença está datada de 28/01/2011 e transitou em julgado em 11/03/2011.

            Dado que pelo sr. Administrador da Insolvência não foi constituído mandatário nos presentes autos, foi determinado que a presente acção apenas prosseguisse para apreciação do pedido reconvencional.

            Porém, em 18/03/2015 foi proferido despacho nos seguintes termos: 

            “Os presentes autos prosseguiram para apreciação do pedido reconvencional.

            Através dele pretende a reconvinte que a reconvinda seja condenada a:

...

            Os autos demonstram que:

1. Por sentença de 28.01.2011, transitada em julgado em 11.03.2011, proferida nos autos de insolvência nº ..., a Autora/Reconvinda foi declarada insolvente, tendo sido fixado prazo para a reclamação de créditos.

2. Por despacho de 22.03.2013, o aludido processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos artigos 230º, nº 1, al. d), e 232º, nº 2, do CIRE.

3. A Ré/Reconvinte reclamou créditos nesses autos, no valor de € 135.000,00, tendo sido declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente, atento o encerramento do processo principal por insuficiência da massa insolvente.

Conforme se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2014, de 08.05.2013 (in DR, I série, de 25.02.2014), «Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência; A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE».

Daí que tal aresto tenha fixado a seguinte jurisprudência obrigatória: «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C».

No caso dos autos, o pedido reconvencional consubstancia um pedido de prestação de facto (reparação de defeitos) e indemnizatório.

O encerramento do processo de insolvência deu-se por insuficiência da massa insolvente, caso em que a liquidação prossegue nos termos do regime dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais (artº 234º, nº 4, do CIRE).

Não está alegado e não resulta dos autos que, entretanto, a Autora/Reconvinda tenha retomado a sua atividade, caso em que a requerida condenação numa prestação de facto seria exequível. Também não resulta que tenha sido ultrapassada a situação de insuficiência da massa, caso em que seria viável um pedido de condenação no pagamento de quantia certa.

Assim, pese embora, pelas razões doutamente expendidas pela Ré/Reconvinte a fls. 203-vº, não tenha ainda ocorrido a extinção da devedora, com a sua consequente falta de personalidade judiciária, os autos evidenciam uma situação de inutilidade superveniente da lide. Em abono desta conclusão, segue-se de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.09.2011 (in www.dgsi.pt/jtrl, relatado pela Exma. Sra. Juíza desembargadora Dra. Dina Monteiro), onde se lê que: «(…) no que se refere à segunda das questões colocadas há que ter presente que a 2.ª Ré foi declarada insolvente por decisão transitada em julgado em 29 de Outubro de 2009 e que os pedidos contra a mesma formulados nesta acção baseiam-se na sua responsabilidade enquanto construtora do imóvel, visando a sua condenação na eliminação dos defeitos de construção indicados e/ou a sua reparação em dinheiro e respectiva indemnização pelos prejuízos sofridos. Ora, os dados acima referidos permitem-nos desde logo afirmar que qualquer eventual decisão condenatória proferida no âmbito deste processo sempre constituiria uma decisão inexequível em relação a esta segunda Ré».

Destarte, e decidindo, nos termos do artº 277º, al. e), do CPC declara-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas pela massa insolvente (artº 536º, nº 3, do CPC).

Registe e notifique.”.


V

            Deste despacho interpôs recurso a Ré/Reconvinte, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

...


VI

            Não foram apresentadas contra-alegações e nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância (como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo), nada obstando a que se conheça do seu objecto.

            Tal objecto resume-se à reapreciação do despacho recorrido, ou seja saber-se se deve ou não ser mantida a decisão que declarou extinta a presente instância declarativa, no que à reconvenção diz respeito, nos termos do artº 277º, al. e) do nCPC. 

            Como resulta do relatório supra, a presente acção apenas está a correr termos face à reconvenção deduzida pela Ré, uma vez que a Autora foi declarada insolvente, por sentença de 28/01/2011, transitada em julgado em 11/03/2011, e não foi pelo sr. Administrador dessa Insolvência constituído mandatário para prosseguir com a presente acção declarativa, tudo nos termos do artº 39º, nºs 3 e 6 do CPC (artº 47º, nºs 3 e 6 do nCPC).

            Porém, entendeu-se, no despacho recorrido, que tendo sido encerrado o processo de insolvência da Reconvinda, por insuficiência da massa, e tendo, ainda, a Ré/Reconvinte reclamado créditos nesses autos (em acção para verificação ulterior de créditos), no valor de € 135.000,00, acção esta que foi declarada extinta, por inutilidade superveniente, atento o encerramento do processo principal por insuficiência da massa insolvente, tal circunstancialismo processual impunha/impõe que também a presente acção, tal como prosseguiu, fosse igualmente declara extinta, por inutilidade superveniente.

            É deste entendimento que a Reconvinte discorda, defendendo, em resumo, que ‘não tendo havido, no processo de insolvência, qualquer sentença a reconhecer e a graduar os créditos dos credores, as acções declarativas instauradas contra a insolvente devem continuar os seus termos, para definir os direitos dos credores que estejam dependentes de sentença, pois que a sentença a proferir em acção declarativa será a única forma de obter o reconhecimento judicial do crédito’.

            É o que cumpre apreciar:

            Conforme resulta do artº 1º (nº 1) do CIRE (aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004, de 18/08, alterado quer pelo Dec. Lei nº 200/2004, de 18/08, quer pela Lei nº 16/2012, de 20/04), o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores... ou a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

            Numa sentença de declaração de insolvência, além do mais, é designado prazo para a reclamação de crérditos (artº 36º, al. j)), salvo o caso de logo se concluir que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, situação esta que dispensa aquela designação, sendo o processo de insolvência declarado findo logo que a sentença transite em julgado... – artº 39º, nºs 1 e 7, al. b), do CIRE.

            No presente caso (de declaração de insolvência da Autora/Reconvinda) foi fixado prazo para reclamação de créditos em relação à declaração de insolvência de M..., L.dª, conforme certidão da sentença de declaração de insolvência de fls. 92 a 100, tendo o respectivo processo seguido os seus regulares termos processuais, tendo até a sociedade aqui Ré/Reconvinte requerido acção para verificação ulterior de créditos seus, por apenso ao dito processo de insolvência, nos termos do artº 146º do CIRE, verificando-se que nessa dita acção a aqui Ré/Reconvinte reclamou créditos nesses autos, no valor de € 135.000,00, quantia esta que é a mesma a que se reporta o pedido final deduzido, por si, em reconvenção na presente acção.

            Sucede, no entanto, que, por despacho de 22.03.2013, o aludido processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos artigos 230º, nº 1, al. d), e 232º, nº 2, do CIRE, isto é, foi (só) então constatada a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e bem assim das restantes dívidas da massa insolvente.

            Donde resulta que, face a esse despacho, cessaram todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência e que a liquidação dessa sociedade prosseguiu nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais... - artºs 233º, nº 1, al. a), e 234º, nº 4 do CIRE, na redacção do artº 35º do DL nº 76-A72006, de 29/03.  

            Além de que todos os credores da insolvência ficaram com o poder de exercer os seus direitos contra o devedor, sem qualquer restrição  – artº 233º, nº 1, al. c) do CIRE.

            O que, aliás, foi expressamente reconhecido e declarado em sede de despacho judicial proferido no processo de insolvência, datado de 22/03/2013, conforme fls. 199 a 202 destes autos (o despacho antes referido).

            Tendo a aqui Reconvinte requerido o prosseguimento da presente acção, para conhecimento do pedido reconvencional que formula, foi proferido o despacho agora sob recurso, sendo certo que também foi declarada a extinção da instância de reclamação ulterior de créditos, que corria por apenso ao processo de insolvência, por inutilidade superveniente desse tipo de processo, atento o encerramento do processo principal por insuficiência da massa insolvente.

            Ora, como bem resulta do supra exposto e até da própria decisão de encerramento do processo de insolvência, dessa mesma decisão resulta que cessaram todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência e que a liquidação dessa sociedade prosseguiu nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais... - artºs 233º, nº 1, al. a), e 234º, nº 4 do CIRE, na redacção do artº 35º do DL nº 76-A72006, de 29/03 - , além de que todos os credores da insolvência ficaram com o poder de exercer os seus direitos contra o devedor, sem qualquer restrição  – artº 233º, nº 1, al. c) do CIRE.

            Ou seja, estamos já no domínio da inexistência do dito processo de insolvência, tendo cessado todos os efeitos desse tipo de declaração.

            Assim sendo, à partida não se veriam razões legais/processuais para o não prosseguimento dos presentes autos e até para a recuperação da petição inicial e do pedido formulado pela autora, com a manutenção do ilustre patrono constituído pela Autora a representá-la, tudo se passando como não tendo havido a citada interrupção ou suspensão da presente acção, em função dessa dita declaração de insolvência.

            Por outras palavras, a presente acção teria até recuperado toda a sua virtualidade e razão de ser, na sua plenitude, quer enquanto acção quer enquanto reconvenção.

            Só a eventual declaração de extinção da dita sociedade poderia vir a ter efeitos processuais, o que (ainda) não é o presente caso, tanto mais que nem sequer se pode considerar a dita sociedade como dissolvida – artºs 141º, nº 1, al. e), à contrário, e 160º do Código das Sociedades Comerciais -, além de que é passível de de que as acções em que a sociedade seja parte continuem após a sua extinção – artºs 162º e 163º do CSC.

            Não se nos afigura, pois, à partida, que estivessemos perante um caso de inutilidade superveniente da lide, tal como se prevê no Ac. do STJ nº 1/2014, in DR, 1ª série – nº 39, de 25/02/2014.

            Mas será assim?

            Estabelece o art. 277º, al. e) do NCPC (antigo artº 287º, al. e) do C.P.Civil) que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Como é reconhecido pela doutrina, estes casos de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio. Daqui resulta que somente em caso de inutilidade patente e absoluta da acção é que deve ser declarada a sua extinção.

            Ver, neste sentido, entre outros, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in ‘Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, pgs. 367-373’; e JOSÉ LEBRE DE FREITAS e OUTROS, in  ‘Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, Coimbra Editora, 1999, pgs. 510-512’.

            No Ac. do STJ (uniformizador de jurisprudência) nº 1/2014, in ‘DR, 1ª série, nº 39, de 25/02/2014’, escreve-se, a este propósito: “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção da instância – alínea e) do artº 287º do CPC – resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-ser: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida.

            A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada.”- fls. 1645 do DR citado, 1ª coluna.   

            Portanto, não resultando a discutida inutilidade superveniente da lide de uma concreta norma legal/processual, e muito menos do CIRE, é aos considerandos supra que nos temos de ater para concluir (ou não) pela ocorrência de uma situação que a tal possa conduzir.     

            Com efeito, não decorre directamente de qualquer disposição do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo Dec-Lei 53/2004), a obrigatoriedade de declaração da inutilidade superveniente da lide em relação às acções declarativas pendentes em que seja demandada a entidade/sociedade declarada insolvente.

No caso concreto estamos perante uma acção declarativa de condenação, em que a Ré deduziu pedido reconvencional contra a A., enquanto pretensa responsável obrigacional, sociedade esta que entretanto foi declarada insolvente.

Mas sucede que no decorrer do processo de insolvência desta reconvinda o Administrador da Insolvência constatou haver insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, o que levou ao encerramento desse processo de insolvência, nos termos dos artºs 230º, nº 1, al. d), e 232º do CIRE, sendo que do nº 7 do artº 232º do CIRE (na redacção do DL nº 282/2007, de 7/8) se presume a insificiência da massa quando o património seja inferior a € 5.000,00.

Além de que, neste caso, a liquidação da sociedade prossegue oficiosa e administrativamente – artº 234º, nº 4 do CIRE.

            Sendo assim, será que deve (ou não) entender-se que se verifica a inutilidade superveniente de uma acção declarativa de condenação instaurada contra essa sociedade (insolvente), dado que foi expressamente constatado e reconhecido judicialmente haver insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, o que levou ao encerramento desse processo de insolvência?

            Afigura-se-nos que assim deverá ser entendido porquanto, em virtude destes novos factos ocorridos/verificados na pendência do processo de insolvência, a decisão a proferir na acção declarativa instaurada contra a sociedade declarada insolvente já não tem nem pode ter qualquer  efeito útil, porque está judicialmente reconhecido que não é possível dar satisfação à pretensão que a demandante/Reconvinte quer fazer valer no processo declarativo em causa, pois não há património da Reconvinda passível de satisfazer qualquer eventual condenação desta sociedade, mas também porque esta dita sociedade entrou em fase de liquidação e consequente extinção (a obter por meios administrativos).

            Aliás, essa declaração de inutilidade superveniente da lide declarativa até se impunha que tivesse tido lugar numa fase anterior à declaração de encerramento do processo de insolvência, tal como este foi declarado nos termos da jurisprudência uniformizada pelo STJ no seu Ac. nº 1/2014, supra referido, pois que a partir da declaração de insolvência já deveria assim ter sido decidido.

            Note-se, até, que a aqui Reconvinte/Recorrente instaurou processo especial para verificação ulterior do seu pretendido crédito contra a sociedade insolvente, por apenso ao processo de insolvência, processo esse cuja inutilidade superveniente foi declarada, tendo tal declaração transitado em julgado.

Conforme se escreve nesse aresto, «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C».

Este princípio ou espírito jurisprudencial tem, pois, plena aplicabilidade ao caso em apreço, não se nos afigurando que possa ou deva ser relegado no caso presente, apenas porque o processo de insolvência foi já julgado como encerrado, tendo presente o supra exposto e os fundamentos desse encerramento.

Aliás, nem a Recorrente alguma vez alega ou sustenta, neste seu recurso, que a sociedade declarada insolvente tenha ainda meios de laboração passíveis de poderem ser canalizados para o seu pedido de eliminação dos defeitos que diz existirem na obra em causa, ou outros quaisquer meios concretos de poder satisfazer uma qualquer indemnização em que pudesse vir a ser condenada nesta acção.

Por tudo o exposto, afigura-se-nos que uma vez transitada em julgado a declaração de insolvência da pretensa devedora e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação – sempre no âmbito do respectivo processo de insolvência –, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de uma qualquer acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante contra a dita sociedade declarada insolvente, pois estes créditos sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.

Por outro lado, registando-se o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente (art. 230º, nº 1, al. d) do CIRE), nem por isso a acção declarativa referida terá qualquer interesse autónomo, porquanto se não existem bens suficientes a liquidar também não haverá qualquer utilidade em manter a instância declarativa de condenação da sociedade insolvente.

            No apontado sentido, afigura-se-nos, podem ver-se o Ac. da Relação do Porto de 25/11/2010, e o Ac. do STJ de 20/09/2011, ambos no Procº nº 2435/09.4TBMTS.P1.S1; e o Ac. do STJ de 25/03/2010, no Procº nº 2532/05.5TTLSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt/..., nos quais se concluiu que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada (insolvente), a acção declarativa que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 287º, al. e) do C.P.Civil.

            Concluindo, não podemos deixar de confirmar o despacho recorrido, nos seus precisos termos, pelo que improcede o presente recurso, o que se decide.


***

            Nos termos do artº 663º, nº 7 do nCPC, elabora-se o seguinte sumário:

I – Tendo, por despacho, o processo de insolvência sido declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos dos artigos 230º, nº 1, al. d), e 232º, nº 2, do CIRE, foi nele constatada a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e bem assim das restantes dívidas da massa insolvente.

II – Se no decorrer do processo de insolvência o Administrador da Insolvência constatar haver insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente, tal constatação leva ao encerramento desse processo de insolvência, nos termos dos artºs 230º, nº 1, al. d), e 232º do CIRE, sendo que do nº 7 do artº 232º do CIRE (na redacção do DL nº 282/2007, de 7/8) se presume a insificiência da massa quando o património seja inferior a € 5.000,00.

III - Daí resulta que, com tal decisão, cessaram todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência e que a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais... - artºs 233º, nº 1, al. a), e 234º, nº 4 do CIRE, na redacção do artº 35º do DL nº 76-A72006, de 29/03.  

IV - Afigura-se-nos que também deverá ser entendido que tal situação conduz necessariamente à declaração de extinção de instância declarativa pendente contra a sociedade insolvente, porquanto, em virtude destes novos factos ocorridos/verificados na pendência do processo de insolvência, a decisão a proferir na acção declarativa instaurada contra a sociedade declarada insolvente já não tem nem pode ter qualquer efeito útil, porque está judicialmente reconhecido que não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo declarativo em causa, pois não há património passível de satisfazer qualquer eventual condenação desta sociedade, mas também porque esta dita sociedade entrou em fase de liquidação e consequente extinção (a obter por meios administrativos).

V - Registando-se o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente (art. 230º, nº 1, al. d) do CIRE), nem por isso a acção declarativa movida contra a sociedade declarada insolvente terá qualquer interesse autónomo, porquanto se não existem bens desta suficientes a liquidar, também  não haverá qualquer utilidade em manter a instância declarativa.

VI – O que nos conduz a que deva ser declarada esta acção declarativa como extinta, por inutilidade superveniente desta lide.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho recorrido, nos seus precisos termos, proferido em 18/03/2015 – a fls. 209/212 destes autos -, pelo qual foi declarada a extinção da presente instância, por inutilidade superveniente desta lide.

            Custas pela Recorrente.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 23/06/2015

 Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira
Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

Des. Teles Pereira