Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/19.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: PPR
CONTEÚDO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
CULPA
Data do Acordão: 02/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 798º, 799º, 487º, NºS 1 E 2, E 496º, Nº 1, TODOS DO C. CIVIL; DEC. LEI Nº 158/2002, DE 2/07.
Sumário: I – Os PPR são produtos ou aplicações financeiras, impropriamente também chamados seguros financeiros, e têm como único objetivo a rentabilização a médio e longo prazo do aforro: através deles, na generalidade dos casos, o aforrador/investidor recebe o capital por si investido e ainda o rendimento entretanto gerado, desde que se verifiquem determinadas situações e se preencham as condições para esse efeito legalmente tipificadas.

II – Os PPR pressupõem a entrega de uma quantia em dinheiro e o seu reembolso futuro nos momentos determinados na lei, isto é, mencionados no art. 4º do Decreto-Lei nº 158/2002, de 2 de Julho, como a reforma ou a situação de invalidez do beneficiário ou o completar a idade de 60 anos.

III - Cabe na rubrica genérica da responsabilidade civil “a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento de obrigações emergentes de contratos, de negócios unilaterais ou da lei”, se se encontrarem preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, nomeadamente o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entra o facto e o dano (art.ºs 798º, 799º, 487º, nºs 1 e 2, e 496º, nº 1, todos doC. Civil).

IV - O critério da culpa do devedor, na falta de um critério legal, é o da diligência própria de bom pai de família. Mas essa diligência implica, de acordo com a lei, que, não obstante a abstração da figura, sejam tomadas em linha de conta as circunstâncias concretas do caso.

Trata-se, portanto, de um critério abstrato que não prescinde do concreto contexto apurado. O que determina que se tenha de hipotizar o que seria o comportamento do bom pai de família colocado nas condições em que realmente se acha o devedor.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

M... e marido T... intentaram no Juízo Central de Leiria, Comarca de Leiria, uma acção sob a forma de processo comum contra F..., S.A., pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 59.969,22, acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegam para tanto, e em suma, que em 09.10.2017 a A. subscreveu num balcão da C... um produto financeiro da Ré F... denominado PPR ..., 2ª Série, no qual aplicou o capital de €55.439,00; por carta datada de 2 Março de 2018, recebida pela A. apenas em Maio de 2018, a Ré informou a A. que, de acordo com instruções desta recebidas, em 1 de Março desse ano procedera ao resgate do aludido PPR liquidando o valor de €55.269,22; contudo, nunca a A. procedeu a qualquer resgate, vindo posteriormente a apurar que este  foi desencadeado a partir de uma comunicação provinda de um endereço de e-mail que nunca foi o seu; viu-se a A. na contingência de ter de se deslocar a Portugal desde a África do Sul, onde reside, com o propósito de averiguar junto da Ré o que se passara, despendendo como tal viagem a quantia de €1.200,00; passou noites sem dormir e ficou nervosa e angustiada com o desaparecimento das suas poupanças; danos não patrimoniais estes que pela sua importância devem ser ressarcidos pela Ré mediante o pagamento de uma indemnização de €3.500,00.

Citada, veio a Ré contestar alegando que no dia 08.12.2017, via contact center, recebeu um mail da Autora a solicitar o cancelamento da apólice em questão, mail ao qual respondeu solicitando o envio do pedido por escrito e assinado pela cliente, bem como cópia do documento de identificação e comprovativo de NIB onde constasse o SWIFT; o pedido de resgate foi então efectuado no dia 16.01.2018; tendo a Ré solicitado então cópia de um documento de identificação, foi o pedido reiterado pela A. em 06.02.2018 e 17.02.2018; só no dia 02.03.2018 procedeu a Ré ao resgate da apólice, creditando o valor na conta da cliente; fê-lo depois de toda a documentação conferida; só após ter confirmado a sua proveniência e titularidade é que a Ré procedeu à solicitada transferência do valor seguro para a conta indicada pela Autora; são excessivos os valores peticionados a título de indemnização pela A. Termina assim com a improcedência da acção e absolvição da Ré do pedido.

Os AA. apresentaram articulado superveniente em 20.5.2019 no qual deram conta de terem obtido a informação de que outro PPR – 2ª Serie, subscrito a 09.10.2017, correspondente à apólice nº ..., no valor de €36.200,00, foi igualmente resgatado sem que houvesse instruções da A. para o efeito. Requereram, assim, a ampliação do pedido de forma que a R. seja condenada a pagar-lhes a quantia global de €96.169,22, acrescida de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

 

Responderam ao AA. à contestação reafirmando que jamais contactaram a Ré por telefone, e-mail ou outro meio a solicitar o cancelamento da apólice, como nunca receberam qualquer telefonema, e-mail, ou outro contacto da mesma, concluindo como na p.i..

No despacho saneador foi rejeitado o articulado superveniente.

A final foi prolatada sentença na qual se julgou a acção totalmente procedente por provada e, em consequência, se condenou a Ré F..., S.A., a pagar à A. M... a quantia global de €59.969,22, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Inconformada, deste veredicto recorreu a Ré F..., recurso admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A apelação.

Nas conclusões do recurso com as quais a apelante encerra a respectiva alegação - e delimitam o objecto recursivo – são suscitadas as seguintes questões:

Reapreciação da matéria de facto;

Incumprimento e culpa da Ré.

Extensão da respectiva responsabilidade.

Contra-alegaram os AA. pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Decidindo.

A reapreciação da decisão de facto.

Quer a apelante ver alteradas para não provado as respostas de provado que na 1ª instância foram dadas aos seguintes factos:

24. A Autora não requereu nem deu autorização para o resgate da apólice.

               25. A Autora usa habitualmente o endereço de e-mail m...

               44. Toda a situação causou sérios transtornos e embaraços à A.,

45. Que se deslocou da África do Sul a Portugal.

Para contrariar o sentido da decisão de facto da sentença recorrida a recorrente convoca o depoimento da testemunha e solicitadora ..., que reputa de “condicionado” e de falta de imparcialidade, transcrevendo uma passagem em que a mesma afirma ter acreditado na palavra da A. quando esta lhe revelou que não fez o resgate do PPR.

Esta forma de “impugnação” não pode surtir o efeito desejado pela recorrente.

É que ouvido o aludido depoimento e, bem assim, as declarações da A., ficou esta Relação convencida da sua seriedade pelo tom sereno do testemunho. Seriedade que se harmoniza com as declarações da A., a qual, não obstante o seu estatuto de  parte, foi igualmente coerente nas suas afirmações, não tendo este tribunal qualquer dúvida em tomar as mesmas como inteiramente verdadeiras. Sendo, por conseguinte, perfeitamente justificada a prova do facto com o nº 24. No que concerne ao facto dado como provado em 25 nada é apontado pelo recorrente que infirme o sentido da resposta dada.

Também almeja a apelante ver invertida para não provado a resposta de provado dos acima elencados factos nºs 44 e 45.

Porém, não especifica qualquer meio de prova, gravado ou não gravado, que imponha uma resposta diversa ao facto nº 44 (“Toda esta situação causou sérios transtornos e embaraços à Autora”), não observando no que a ele diz respeito o ónus imposto pelo art.º 640, nº 1, al.ª b), do CPC. No que concerne ao facto nº 45 a recorrente cinge-se à alusão que foi feita no depoimento da sua funcionária ... ao facto de nenhum colaborador da Ré ter exigido ou sugerido a presença física da A. em Portugal, como se não fosse absolutamente natural que qualquer pessoa na situação da A. se deslocasse da África do Sul a Portugal para, presencialmente, poder confrontar a Ré com tão insólito quanto grave acontecimento.

Em todo o caso, tendo-se procedido à audição dos vários depoimentos gravados, a necessidade da deslocação que foi realmente levada a cabo pela A. é novamente sustentada pelas declarações A. diante das quais não vemos razão para colocar qualquer reserva ou reticência. O que, de resto, também se compagina plenamente com o testemunho da solicitadora ..., incumbida de esclarecer o caso até à chegada da A., no segmento em que esta profissional deu conta da aflição da A. quando se apercebeu da saída do dinheiro.

Resumindo: nenhuma alteração se introduz no acervo fáctico reunido pelo tribunal recorrido, acervo que, por definitivamente assente, se passa agora a transcrever:

1. Em 9/10/2017 a Autora, através de um balcão da C..., subscreveu um produto financeiro junto da R., com a denominação PPR...2ª série, no valor de €55.439,00 apondo para o efeito a sua assinatura em documento intitulado “Pedido de Subscrição”, onde surge como “Tomadora” a Autora.

2. Tal aplicação era titulada pela apólice n.º ...

3. No extracto global da C..., enviado para a A. e relativo ao período de 1/2/2018 a 28/2/2018, tal apólice surge identificada no separador dos “seguros financeiros”.

4. No dia 8/12/2017, via o contact center a que corresponde o endereço ..., a R. recebeu um e-mail proveniente do endereço m..., com o assunto “APOLICE:..” e com o seguinte teor: “Bom dia, atualmente estou na Ásia, precisamente no Vietnã, para alguns projetos e por razões pessoais eu decidi cancelar meu contrato de Apolice com o número (...). Gostaria de cancelar esta Apolice e gostaria de ter uma Redenção total da Apolice. O valor em dinheiro deve ser transferido para a minha conta aqui no Vietnã. Confirme agora o que será o Procedimento para esta Transação. O que você precisará de mim? Caso seja necessário assinar um formulário, envie-o como um pdf. Melhores cumprimentos, M...”.

5. A 11/12/2017 a Ré responde: “Confirmamos que estamos a dedicar ao seu pedido a nossa melhor atenção. Com vista à atualização dos seus dados, pedimos que nos confirme se o endereço eletrónico a partir do qual nos é remetida a presente mensagem, pode ser inserido na sua Ficha de Cliente a par do seu contacto telefónico. (…)

6. A 12/12/2017 a R. recebe resposta do mesmo endereço de e-mail anteriormente referido, dizendo o seguinte: “Senhora T..., Obrigado pelo seu correio. Sim, você pode manter este endereço de e-mail no sistema e você pode se comunicar comigo através deste e-mail. Meu telefone celular é o ... Por favor, confirme o procedimento para o meu pedido. (…)”

7. Ainda no mesmo dia responde a R. dizendo: “Agradecemos o seu contacto. Informamos que o seu email e contacto, já se encontram actualizados na ficha de cliente. (…)”.

8. A 13/12/2017 a R. recebeu, do mesmo endereço de e-mail acima identificado, o seguinte e-mail: “Senhora T..., Liguei para esta manhã e me pediram para enviar todas as minhas perguntas. meu nome completo: M.... minha data de nascimento: 16/10/1951. Devido a uma emergência, eu tenho que cancelar meu Contrato (Apolice76 /...). Preciso que o valor em dinheiro seja devolvido de volta para mim. Como eu estarei no Vietnã na próxima semana, eu quero que o valor em dinheiro seja transferido para minha conta do Vietnã. o que você precisará de mim para esta transação? responda gentilmente sobre isso (…)”.

9. A Ré respondeu: “para proceder ao resgate da apólice ... basta que nos devolva devidamente preenchido o documento que remetemos em anexo, juntamente com a seguinte documentação: - cópia do BI e número de identificação fiscal ou cartão do cidadão; - documento comprovativo de Titularidade de Conta onde conste o nome e IBAN do titular, caso pretenda receber por crédito de conta (…)”

10. Em 16/1/2018 a Ré recebeu do mesmo endereço de e-mail anteriormente referido, a mensagem “bom dia, Obrigado pela sua resposta. Anexei as cópias do documento que você solicitou. gentilmente prossiga com ele e envie-me uma prova de transferência uma vez que esteja completo. Melhores cumprimentos, M...”.

11. A tal e-mail foram anexados: um formulário de “pedido de resgate/reembolso produtos vida”, com data de 16/1/2018, preenchido com os dados identificativos da A., mas com código postal diverso do indicado no boletim de subscrição e no qual se mostra aposta uma assinatura no local do “Tomador do Seguro” bem como do “Cônjuge da Pessoa Segura”; uma cópia de um cartão de residente não cidadão da África do Sul, no qual surgem o n.º de identificação e data de nascimento correctos, mas em que o nome da A. aparece como “M...”; e um extracto bancário de uma conta no VietinBank, do Vietname, com o nome associado de “M...”.

12. Em 31/1/2018 a Ré responde dizendo: “Informamos que para podermos proceder ao solicitado, é necessário que nos remeta a cópia de um documento de identificação de V. Exa, onde possamos conferir a assinatura que consta no pedido de resgate, o que desde já agradecemos.”

13. A 2/2/2018 a R. recebe nova resposta, do mesmo endereço, com o seguinte teor: “boa tarde, Obrigado pelo seu email. Por favor, perdoe-me. O erro é de mim. Encontre uma cópia do meu passaporte e um novo formulário, no anexo proceda com a transferência.”

14. A tal e-mail foi junta uma cópia de um passaporte sul-africano, com o n.º ..., com a fotografia da A., a sua data de nascimento e o nome M...; um novo formulário de “pedido de resgate/reembolso produtos vida”, com os mesmos dados identificativos do anterior, mas com a data aposta de 2/2/2018 e uma assinatura do “Tomador do Seguro” diferente da aposta no anterior; e ainda, o mesmo extracto bancário do Vietinbank anteriormente enviado.

15. Em 6/2/2018 do mesmo endereço m..., escrevem à Ré dizendo: “bom dia, você recebeu os documentos que enviei? Confirme gentilmente. Melhores cumprimentos, M...”.

16. Em 8/2/2018 a Ré responde com o seguinte teor: “Agradecemos o seu contacto. Confirmamos a recepção da documentação que nos enviou e informamos que o seu assunto já está a ser analisado. Voltaremos ao seu contacto o mais breve possível (…)”.

17. No mesmo dia a R. recebe ainda e-mail do mesmo endereço m... dizendo “boa tarde, obrigado por suas mensagens, Envie-me uma cópia da Transferência quando estiver concluída. (…)”

18. Em 16/2/2018 a Ré envia o seguinte e-mail para esse outro endereço: “Informamos que, para podermos proceder ao solicitado, é necessário que nos remeta o comprovativo de titularidade de IBAN, onde seja mencionado o IBAN e o titular da conta (…)”

19. Em 17/2/2018 a Ré recebe novo e-mail do sobredito endereço dizendo: “Boa tarde, Obrigado por sua mensagem. Encontre o Documento no anexo. Ao enviar a Transferência, envie meu nome completo (M...)…….. Por favor, não abreviem (…)”

20. Com tal e-mail foi enviado documento, em papel timbrado, do VietinBank, redigido em inglês, cujo teor traduzido para português é o seguinte: “Nós, Vietinbank  (…), cidade de Ho Chi Minh (Saigão), Vietname, Morada: (…) Ho Chi Minh (Saigão), Vietname, Confirmamos pela presente a abertura da sua conta, em conformidade com o contrato para a abertura e utilização da conta corrente n.º ..., datado de 11/1/2016, assinado com o Vietinbank, com os seguintes dados: Nome do cliente: M... Titular da conta: M..., IBAN: ... Moeda: VND Data de abertura: 11/01/2016; No Vietinbank, Balcão (…)  Ho Chi Minh (Saigão), Vietname Código SWIFT: ICB(…) Telefone: 0(…).”

21. No dia 2/3/2018 a Ré procedeu ao resgate da apólice objecto dos presentes autos, creditando o valor de 55.269,72€ na conta indicada no ponto anterior.

22. Por carta datada de 2 de Março de 2018 mas recebida pela A. apenas em Maio de 2018, com o assunto “resgate na apólice n.º ...”, a Ré comunica que “por razões de controlo de qualidade, vimos confirmar que, em 1/3/2018, de acordo com as instruções recebidas procedemos à realização de um resgate na apólice supramencionada, no montante de 55.269,72€”

23. No boletim de subscrição a Autora não facultou à Ré qualquer endereço de e-mail.

24. A Autora não requereu nem deu autorização para o resgate da apólice.

25. A Autora usa habitualmente o endereço de e-mail m...

26. Em 15 de Maio de 2018, por e-mail, a A. tentou obter informação sobre a razão de tal resgate junto da C...

27. Tendo recebido nesse mesmo dia resposta da C... informando-a que deveria contactar a F..., por ter sido esta a proceder directamente ao resgate, sem intervenção da C...

28. A A. insistiu junto da C..., por e-mail, para que informasse o que se passou, uma vez que havia tratado de tudo junto daquela.

29. No dia seguinte (16/5/2018) a C... respondeu que aguardava informações da R.

30. Nesse mesmo dia recebe resposta por parte da Ré, via e-mail, com o seguinte teor:

“Estimada Sra. D. M..., informamos que, foi rececionado no dia 16/1/2018, através do e-mail m..., o pedido de resgate referente à apólice... Esclarecemos que para esclarecimentos adicionais, para podermos proceder em conformidade com o seu pedido, basta que o e-mail do qual nos contacta identifique o Tomador de Seguro.

Em alternativa, poderá anexar um documento digitalizado, devidamente assinado, a solicitar a referida informação.”

31. A A. respondeu ainda no mesmo dia dando conta que não tinha procedido a qualquer resgate e solicitando informações sobre como o resgate foi feito e por quem.

32. Atenta a omissão de resposta a A. contactou a distinta solicitadora ...

33. Tendo a solicitadora em 4/6/2018 contactado a Ré por e-mail pedindo que lhe fosse enviada a documentação que foi utilizada para tal resgate, afirmando que a A. não solicitou o mesmo.

34. A referida solicitadora insistiu na obtenção de resposta da parte da R., por e-mail de 21/6/2018.

35. Por e-mail de 25/6/2018 a Ré respondeu à solicitadora a informar que o assunto estava a ser alvo de toda a atenção.

36. Em 17 de Julho a solicitadora insistiu perante a R. a fim de obter resposta, referindo que “o pedido de resgate em causa nunca fora solicitado pela minha constituinte, e além disso, é um processo que precisa de assinaturas presenciais e nunca por e-mail”.

37. A Ré respondeu em 19 de Julho informando que estava a analisar o assunto.

38. A referida solicitadora remeteu novo e-mail em 19/7/2018 reafirmando que a A. não solicitou qualquer resgate e que “deveriam ter sido diligentes em não ter cedido tal resgate por email, este tipo de ação é presencial, ou por documentação enviada por vós e reconhecida a assinatura no consolado de Portugal, neste caso em África do Sul, que é o país onde se encontra a Dª M...”.

39. Em 21 de Julho a Ré informa a solicitadora que a sua solicitação está em tratamento.

40. A 26 de Julho a Ré, por e-mail, informa a solicitadora ... que “no seguimento do seu pedido, informamos que depois de analisada toda a documentação, verifica-se que o documento que nos foi remetido como procuração não é válido. Para o podermos prestar informações a V. Exa, é necessária uma procuração passada pela cliente, cuja assinatura deve vir reconhecida notarialmente ou pelo consulado.

Caso a cliente pretenda que a informação lhe seja enviada à própria, é necessário um pedido assinado que deve também vir reconhecido notarialmente ou pelo Consulado Português, para atestar quem de facto está a solicitar as informações.”

41. A solicitadora respondeu nesse mesmo dia por e-mail com o seguinte teor: “Após análise da vossa esta última resposta, venho por este meio esclarecer vos que para obter informação sobre este assunto a D. M... teria de me enviar procuração com reconhecimento de assinatura, ou seja, termo de autenticação, ou procuração realizada pelo consulado, mas para terem feito regaste da apólice foi o mesmo requerido por alguém que se fez passar pela D. M..., sem qualquer tipo de identificação reconhecida presencialmente.” (sic)

42. E no mesmo dia insiste novamente por e-mail: “A minha constituinte Dª M... não recebeu da vossa parte qualquer outra informação sobre o assunto a não ser que estão a analisar a questão. Já passaram alguns meses desde que ela foi por vós informada que tinha sido solicitado por email o resgate da referida apólice, e que este tinha sido realizado com sucesso, mas não lhe deram qualquer informação sobre quem o tenha solicitado ou para onde terão enviado tal resgate, uma vez que para a Dª M... não foi”.

43. Em 2/8/2018 a Ré responde, novamente dizendo que a questão está em tratamento.

44. Toda a situação causou sérios transtornos e embaraços à A.,

45. Que se deslocou da África do Sul a Portugal,

46. Gastando com essa deslocação cerca de 1.200€.

47. A A. perdeu a sua paz e sossego,

48. Passou noites sem dormir,

49. Andou nervosa e angustiada, por ver as suas poupanças desaparecerem.

Incumprimento e culpa da Ré.

Rebela-se a recorrente, desde logo, contra a fonte obrigacional da sua condenação, por entender que, havendo incumprimento contratual, ao caso seria aplicável o disposto no art.º 289º, nº 1, do CC, normativo perante o qual apenas poderia ser condenada a restituir o que por ela foi prestado.

Salvo o devido respeito, é patente que a Ré e aqui recorrente labora numa confusão de institutos jurídicos.

O art.º 289º do C. Civil nada tem que ver com incumprimento contratual: como decorre da respectiva epígrafe, esta é uma norma que rege sobre as consequências da nulidade e anulação dos negócios jurídicos, vícios que de modo algum estão em causa na presente acção.

Sobre a sua conduta – que a sentença considerou fundamento de responsabilidade civil contratual – alegou a recorrente nas suas conclusões recursivas o seguinte:

“(…) 12. Não foi alegado e muito menos provado que a Ré ora recorrente teve um comportamento abusivo e propositado, porque efectivamente não teve, com o intuito claro de atrasar a entregar do valor indemnizatório à lesada para beneficiar com isso (…)” 13. Ora no caso presente isso não aconteceu claramente. A companhia já pagou o valor do prémio”.

Com isto parece querer afastar qualquer responsabilidade contratual do seu lado, ou, pelo menos, a sua culpa num eventual incumprimento do contrato realizado com a A..

Só que um tal desiderato não tem o menor respaldo nos factos que foram dados como provados.

Se não vejamos.

A sentença ora sob censura condenou a Ré, aqui apelante, em função das obrigações para ela decorrentes de um contrato financeiro celebrado com a A. sob a designação, de  PPR... (“Plano Poupança Reforma”), 2ª Série, “o qual pressupõe a entrega de uma quantia em dinheiro e o seu reembolso futuro nos momentos determinados na lei, isto é, mencionados no art. 4º do Decreto-Lei nº 158/2002, de 2 de Julho, como a reforma ou a situação de invalidez do beneficiário ou o completar a idade de 60 anos”.

Este produtos ou aplicações financeiras, impropriamente também chamados seguros financeiros[1], têm como único objetivo a rentabilização a médio e longo prazo do aforro: através deles, na generalidade dos casos, o aforrador/investidor recebe o capital por si investido e ainda o rendimento entretanto gerado, desde que se verifiquem determinadas situações e se preencham as condições para esse efeito legalmente tipificadas.

Entendeu-se na decisão recorrida que a Ré incorreu num ilícito contratual culposo – traduzido no incumprimento (definitivo) do contrato celebrado com a investidora – e, por isso, gerador da obrigação de indemnizar todos os danos sofridos pela outra contraente – in casu, a A. M... – neles se incluindo os danos patrimoniais e não patrimoniais que ficaram plasmados na materialidade provada.

Isto porque, cabendo na rubrica genérica da responsabilidade civil “a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento de obrigações emergentes de contratos, de negócios unilaterais ou da lei”, se encontravam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, nomeadamente o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entra o facto e o dano.

Tais asserções afiguram-se-nos insofismáveis em face do disposto nos art.ºs 798º, 799º, 487º, nºs 1 e 2, e 496º, nº 1, todos do C. Civil e dos fundamentos de facto a ter em conta.

Com efeito, na abordagem da questão em apreço importa reter especialmente a seguinte matéria provada:

Em 9/12/2017 a A. subscreveu junto da Ré um produto financeiro com a denominação PPR... – 2ª Série, no valor de €55.439,00, aplicação que ficou titulada pela apólice nº ...;

Em 2/03/2018 a Ré procedeu ao resgate desta apólice, creditando o valor de €55.269,72 numa conta aberta no Vietinbank (…), cidade de Ho Chi Minh (Saigão), Vitenam, aberta em 11/01/2016 em nome de M...;

A A. não requereu nem deu autorização para o resgate de apólice;

Esta materialidade configura indiscutivelmente um incumprimento[2] do núcleo central da obrigação contratual da Ré F..., S.A.: a de assegurar a restituição do capital aplicado pela A. até à verificação de um dos vários factos-eventos que, nos termos legais[3], permitem a respectiva restituição.

Incumprimento que se presumia com culpa, a apreciar nos termos do art.º 487º do CC, por força do disposto no art.º 799º, nº 1, sendo tal presunção meramente iuris tantum, que à Ré cabia elidir.

Acontece que não só a Ré não logrou elidir tal presunção como ainda foi reunida matéria factual que inequívoca e positivamente inculca a presença de uma culpa – e, como veremos, até de uma quase culpa grave no ilícito contratual em que incorreu.

Está, na verdade, demonstrado que:

Em 08.12.2017 a Ré recebeu um e-mail proveniente do endereço m... a solicitar a “Redenção” total da apólice ..., o qual tinha como remetente o nome M...;

Em 12.12.2017 a Ré pede para inserir o endereço electrónico e o telefone do remetente na Ficha de cliente da A.;

Após a Ré pedir ao remetente, além dos elementos da identificação da conta-destino da transferência, cópia do BI ou do cartão do cidadão, aquele enviou-lhe um formulário preenchido com cópia do cartão de residência na África dos Sul com o nome M... e um extracto bancário do Vietinbank com o nome associado de M...;

Em 17.12.2018 o mesmo remetente envia à Ré um documento do Vietinbank (…), atinente a uma abertura de conta em nome de M...;

Com estes elementos a Ré concretiza o resgate e credita o valor de €55.269,72 na aludida conta do Vietinbank;

A A. não facultou à Ré no boletim de subscrição qualquer endereço de e-mail.

Temos para nós que a factualidade apurada e agora acabada de destacar inculca uma culpa acentuada ou grave por banda da A..

Explicitando.

Nos dias que correm – e, porventura, em qualquer outro tempo – é logo de uma temeridade ou imprudência a todos os títulos censurável que, através de um processo totalmente canalizado por via de um endereço electrónico desconhecido, isto é não fornecido pelo cliente, uma empresa seguradora aceite como bom o pedido de “resgate” de um PPR no valor de mais de €50.000,00, em nome de alguém que reside na África do Sul para crédito de uma conta aberta num banco localizado no Vietname.

É que a partir desse e-mail veio a Ré a aceitar todas indicações do respectivo remetente, ao ponto de, com a maior leviandade, exclusivamente com base nelas ter procedido à actualizado a ficha de cliente da A..

Ora a Ré estava então suficientemente municiada pelo manancial de sinais que tinha à sua frente – para razoavelmente suspeitar de que de os mails que recebia não provinham da A.: pela errática identificação dos nomes próprios da A., designada ora como M..., ora como M... e pela variação da ordem dos apelidos a esta atribuídos, ora de ..., ora de ..., incoerências em que, como é óbvio, a A. nunca incorreria; e também pela utilização de termos e expressões característicos do português do Brasil, tais como “Vietnã” em vez de “Vietname”, “redenção” para significar “resgate”, “o que você precisará de  mim” em vez de “o que vai precisar”, “você pode se comunicar comigo” em vez de “pode comunicar comigo”, “me pediram para enviar” em vez de “pediram-me para enviar”, “tenho que cancelar meu contrato” em vez de “tenho de cancelar o meu contrato”, “seja transferido para minha conta” em vez de “seja transferido para a minha conta”, etc.

Agindo com a precaução e diligência de que na situação descrita se serviria um bom pai de família, tinha a Ré o dever de colocar as maiores reservas relativamente à autenticidade dos e-mails que lhe foram sendo enviados e aos quais foi sucessivamente respondendo e prestando uma estreita cooperação.

Não se percebe, em suma, por que motivo a Ré nunca encetou e desenvolveu um conjunto de esforços que paralelamente a habilitassem a aferir da verosimilhança dos dados e informações veiculados através de um e-mail atribuído a uma sua cliente habitualmente residente na África do Sul e agora ocasionalmente no Vietname. Não podendo/devendo ignorar a crescente sofisticação da fraude no mundo informático, a Ré confiou quase cegamente na autenticidade de um e-mail que não lhe foi fornecido pela cliente, e-mail que nem sequer teve o basilar cuidado de confirmar junto da A., p. ex. por contacto telefónico, telegrama ou qualquer outra via postal.

Uma das circunstâncias a atender na ponderação da culpa é naturalmente o conhecimento da vida, a experiência, e também a estrutura e capacidade económica do lesante, designadamente quando este integra uma organização de tipo empresarial. Como é notório, uma empresa seguradora com a dimensão da apelante encontra-se dotada de um aparelho organizacional tão eficiente quanto economicamente poderoso – neste plano incomparável com a capacidade de um qualquer particular – quer pelo domínio do mercado que não pode deixar de possuir – para o que conta com equipas de profissionais e colaboradores profundamente conhecedores – quer pelos meios técnicos que naturalmente tem ao seu alcance e lhe proporcionam a célere obtenção de informações em qualquer parte do mundo.

Por isso, não podia a Ré enquanto empresa seguradora ter ignorado – ou, quando menos, deixado de estranhar – as incoerências dos mails, incoerências ou anomalias que indiciavam fortemente a possibilidade de estar perante uma fraude, como, de resto, se veio a confirmar.

Estatui o nº 2 do art.º 487º do C. Civil, aplicável à responsabilidade contratual, que a culpa “é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso”. 

Confrontada com as circunstâncias acima referidas, e não podendo, de forma alguma, tomar como segura a origem dos mails que lhe eram enviados, deveria a Ré ter actuado aqui como actuaria um bonus pater famílias: requerendo a presença física da A., ou pelo menos, procurando confirmar a genuinidade do endereço electrónico pelo qual fora contactada. Desse modo, certamente que não correria o risco de transferir para a conta que foi aberta num banco sito no Vietname uma quantia tão avultada como aquela que estava aplicada pela sua cliente no PPR. Sem embargo, quedou demonstrado à saciedade que a Ré, ora apelante, ignorou ou desprezou todo um conjunto de sinais/incoerências/contradições que levariam uma pessoa diligente – até menos diligente que o bom pai de família – a suspeitar fortemente de um esquema fraudulento.

Como se disse, o critério da culpa do devedor, na falta de um critério legal, é o da diligência própria de bom pai de família. Mas essa diligência implica, de acordo com a lei, que, não obstante a abstracção da figura, sejam tomadas em linha de conta as circunstâncias concretas do caso.

Trata-se, portanto, de um critério abstracto que não prescinde do concreto contexto apurado. O que determina que se tenha de hipotizar o que seria o comportamento do bom pai de família colocado nas condições em que realmente se acha o devedor.

Admitindo embora que o funcionamento do critério consubstanciado pelo padrão do bom pai de família – critério que é mais exigente daquele que parte do homem médio – é aparentemente mais adequado ao comportamento do indivíduo/pessoa singular, há que adaptá-lo à avaliação de condutas de entidades com uma natureza empresarial como é o caso da Ré ora apelante.

Com a exposição cristalina que o caracterizava, escreveu o Prof. Galvão Telles[4] propósito das várias modalidades de graduação da culpa:

“Quer a culpa grave (que também se diz culpa lata) quer a culpa leve correspondem a condutas de que uma pessoa normalmente diligente – o bonus pater famílias – se absteria. A diferença entre elas está em que a primeira só por uma pessoa particularmente negligente se mostraria susceptível de ser cometida. A culpa grave apresenta-se como uma negligência grosseira; nímia ou magna negligentia lhe chamvam os romanos, que diziam consistir em non intelligere quod omnes intelligunt”.

Se é justo afirmar que a Ré não se comportou como alguém absolutamente destituído de sentido crítico – como é o comportamento que tipicamente se enquadra na clássica definição da negligência grosseira – na medida em que, apesar de tudo, se esforçou por coligir alguma informação de suporte para a credibilidade dos elementos de identificação da A. fê-lo através do único contacto electrónico de que dispunha. Revelou uma intolerável leviandade intolerável para o bom pai de família – quando apenas com base nesse contacto e e-email acedeu a transferir os elevados valores que lhe estavam confiados para uma conta aberta num banco sediado no Vietname.

Qualificamos, assim, a culpa da Ré de uma negligência situada no limiar do patamar do que tradicionalmente configura a culpa grave ou negligência grosseira.

Destarte, afigura-se-nos, diante de todos os elementos que se mostram carreados para a materialidade apurada, que a Ré, como empresa seguradora a quem estava confiado o capital da A., agiu com uma culpa acentuada e grave, tão acentuada que se situa para lá da zona de fronteira da culpa dita leve entrando no campo da chamada negligência grosseira.

Improcede, assim, a questão da inexistência de responsabilidade contratual e da ausência de culpa da Ré.

Extensão da responsabilidade da Ré.

Insurge-se a Ré ora apelante contra o fundamento para a sua condenação em danos patrimoniais e não patrimoniais, além do pagamento dos juros à taxa legal vencidos desde a citação até efectivo pagamento.

Mas não tem razão.

Nos termos do art.º 798º do C. Civil o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, prejuízo que compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante (art.º 564º do C. Civil).

Nos danos emergentes como no lucro cessante, o cálculo da indemnização em dinheiro segue a chamada teoria da diferença a que se reporta o art.º 566º, nº 2, do CC: a reparação tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existisse o dano, assim se reconstituindo a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento (art.º 562º do CC).

Acontece que A. ficou privada não apenas do capital que a Ré indevidamente lhe retirou, mas ainda da quantia (€1.200,00) que teve que despender para empreender a viagem desde a sua residência na África do Sul até Portugal (ao que é de presumir com o objectivo de instar a Ré sobre a forma como havia sido “resgatado” o seu PPR e de procurar conseguir a reposição do statu quo ante). Estamos aqui diante de um patente dano emergente (art.º 564º, nº 1, do CC) que deve compor o quantum indemnizatório por corresponder a uma despesa inegavelmente causada pelo incumprimento da Ré ora apelante.

  Também quanto aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito é devida reparação/compensação adequada, nos termos do art.º 496º, nº 1, do CC.

Nada na lei autoriza a restrição da reparação destes danos à indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual.

Ao contrário do que alega a recorrente, é hoje consensual a aplicação do art.º 496º do CC no domínio da responsabilidade contratual[5].

Tendo em atenção a gravidade plasmada nos factos provados em 47, 48 e 49 – perda de paz e sossego pela A., que andou nervosa e angustiada por ver desaparecer as suas poupanças e passou noites sem dormir – na fixação equitativa do montante respectivo de acordo com as circunstâncias do art.º 494º do CC (nº 3 do art.º 496º), designadamente o elevado grau de culpa e a capacidade económica da Ré, considera-se apropriada a parcela indemnizatória a este título acolhida pela decisão recorrida de €3.500,00.

Quanto ao pagamento de juros a contar da citação em que a Ré foi condenada: porque se trata de juros moratórios, o que aqui é considerada é a indemnização necessariamente devida pela mora, nos termos do art.º 806, nºs 1 e 2 do CC. Indemnização que equivale sempre aos juros legais, salvas as situações mencionadas na 2ª parte do nº 2 do aludido artigo.

Em suma, também neste segmento o recurso claudica integralmente, nenhuma crítica merecendo a sentença recorrida.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela Ré e apelante.

                              Coimbra, 2 de Fevereiro de 2021

 


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[1] Em bom rigor, eles não se destinam a cobrir nenhum risco mas tão só a assegurar – na verificação de determinados facto-eventos – a restituição do capital investido e do rendimento gerado.
[2] É de um incumprimento definitivo que se trata já que o montante enviado pela Ré para a conta aberta no Vietname podia e devia ter sido por esta reposto logo que se apercebeu do esquema fraudulento em que fora envolvida. Com a adopção de um tal acto correctivo a Ré teria eliminado o dano causado à A., viabilizando ainda o normal desenvolvimento da sua relação contratual com ela.
[3] Esses factos-eventos são os que estão identificados no nº 1 do art.º 4º do Decreto-Lei nº 158/2002, de 2 de Julho:
a) Reforma por velhice do participante;
b) Desemprego de longa duração do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar;
c) Incapacidade permanente para o trabalho do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar, qualquer que seja a sua causa;
d) Doença grave do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar;
e) A partir dos 60 anos de idade do participante;
f) Frequência ou ingresso do participante ou de qualquer dos membros do seu agregado familiar em curso do ensino profissional ou do ensino superior, quando geradores de despesas no ano respectivo.
Além da verificação de um qualquer destes factos-eventos, torna-se ainda necessário que, conforme o caso, o interessado comprove os condicionalismos identificados nos nºs 2 a 10 do aludido art.º 4º. 
Note-se que, estranhamente, não só nenhuma das partes procedeu à junção das condições particulares da subscrição do PPR – a apólice, na terminologia da Ré, visto que qualifica o produto como um seguro – como o próprio tribunal a quo nunca convidou a Ré para esse fim (numa iniciativa que seria oficiosamente expectável).
[4] Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª Edição, pág.s 274-275.
[5] Como de resto se dá boa nota na sentença recorrida, evoluindo da negação que no passado prevalecia, a doutrina (nomeadamente Cunha Gonçalves, Galvão Telles e Pinto Monteiro) e a jurisprudência actuais têm considerado ressarcíveis estes danos não patrimoniais  no domínio da responsabilidade contratual desde que a sua gravidade imponha essa reparação.