Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
79/10.7GCSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SEIA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 69º, 77º, N.º 4 E 78º, N.º 3, DO C. PENAL
Sumário: As penas acessórias aplicadas ao arguido, como a proibição de conduzir veículos com motor, não podem ser objecto de cúmulo jurídico.
Decisão Texto Integral: Recurso e processo n.º 79/10.7GCSEI.C1
Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO
1- No 1.º juizo do Tribunal Judicial de Seia, no processo acima identificado, por sentença de fls 180 sgs, na sequência da condenação do arguido A... pela prática de dois crimes de condução em estado de embriaguêz , efectuado o cúmulo juridico das correspondentes penas principais e acessórias de proibição de conduzir

2- O Ministério Público veio recorrer de tal cúmulo juridico das penas acessórias, alegando :
A pena acessória é uma censura adicional do facto praticado pelo agente e não tem necessáriamente de seguir o destino e a sorte da pena principal, tanto mais que não atinge os mesmos fins daquela, pois a pena acessória visa, tão só, prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral), enquanto a principal tern em vista a protecção de bems juridicos e a reintegração do agente na sociedade
Face a estas especificidades que as penas acessórias comportam, o Código Penal não admite o cúmulo juridico das mesmas e tal conclusão decorre, desde logo, do disposto no artigo 77.º, n.° 4, do Código Penal, ao estabelecer que as penas acessórias e as medidas segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis».
Mas, o entendimento da inadmissibilidade do cumulo juridico das penas acessórias também resulta do n.° 3 do artigo 78.°, referindo que "as penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostram desnecessárias em vista da nova decisão (...)", sendo que, no caso em apreço, nada se conclui por tal desnecessidade.
Aliás, e no que diz respeito a pena acessória de proibição de conduzir veiculos a motor é tão grande a preocupação e a intenção do legislador que tal pena seja efectivamente cumprida e sentida pelo condenado que no n°. 3, do art°. 69° do CódPenal estabelece que:" Não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança", pretendendo, assim, o legislador que, na prática, o condenado sinta no seu dia a dia, a proibição decretada em sede de pena acessória.
É tão grande a preocupação do legislador, no que diz respeito às proibições de conduzir, que quando estão em causa sanções acessórias estabeleceu que elas são sempre cumuladas materialmente - art°. 134°, n°3, do Código da Estrada. Ora, se assim é para as contra-ordenações, por que razão não haveria de ser, também, para os crimes (naturalmente situações mais graves)? É que uma interpretação diversa pode levar a uma desarmonia no sistema e a situações injustas, como o seguinte exemplo o demonstra : - se alguem for condenado por duas contra-ordenações graves, nomeadamente por ter conduzido, na via pública, com uma taxa de alcool no sangue igual ou superior a 0,8 g/1 e inferior a 1,2 g/l, as respectivas sanções acessórias aplicadas, ainda que em situação de concurso, terão de ser cumpridas separadamente mas se essa mesma pessoa viesse a acusar, em cada uma dessas vezes, uma taxa superior a 1,2 g/1, ou seja a incorrer na prática de (dois) crimes, caso se admitisse o cúmulo iuridico, perante situações mais gravosas, o infractor acabaria por se ver beneficiado, pelo que, também por esta razão se devem cumular materialmente as penas acessórias, sob pena da reacção penal ser menor e menos eficaz do que a contra-ordenacional, o que não se compreenderia.
Deste modo, se ao condenado tiverem sido impostas varias penas de proibição de conduzir veiculos com motor, o respectivo cumprimento é integral para cada uma delas e deve fazer-se sucessivamente, uma vez que a lei não contempla o cúmulo juridico daquelas - neste sentido ja se pronunciaram os Acs da Relação do Porto, de 11/10/2006, in CJ, ano XXXI, tomo 4, pag. 202; da Relação de Coimbra de 5/5/2010, no Processo n°. 183/09.4GBOAZ.P1 -4' Seccao ; da Relação de Guimarães, de 2005-02-10 (Rec. n° 2243/04-1 ; e o recente Ac da Relação de Coimbra de 29/6/2011, proferido no Processo n°.: 190/10.4GAVFR.C1, todos estes últimos disponiveis em www.dgsi.pt..
E, seguindo-se o regime de cúmulo juridico das penas principais, significa que havendo penas acessórias já integralmente cumpridas e por isso extintas, são, ainda, assim objecto de cúmulo juridico? E com que efeitos práticos ?.
0 cúmulo juridico não está pensado para as penas acessórias, não lhe podendo ser aplicavel, bastando, para tal, atentar na especificidade de algumas delas, como por exemplo as previstas no art°. 8° do D.L. n°. 28/84, de 20/01, nomeadamente a perda de bens; a caução de boa conduta (corn as implicações previstas no art°. 10°, n°3, de tal diploma legal); encerramento definitivo do estabelecimento ou publicidade da decisão condenatória, pois ninguem duvidará de que se ao agente for imposta pela prática de dois crimes previstos naquele diploma tais penas acessórias, o condenado tera de as cumprir separadamente, ainda que sejam da mesma natureza e respeitantes ao mesmo e concreto tipo de crime.
Imagine-se, ainda, por fim, que em sede de um processo de violência doméstica é aplicada ao condenado a pena acessória de proibição de uso e porte de armas e que esse mesmo arguido é condenado, noutro processo, por detenção de arma proibida, sendo-lhe aplicada igual pena acessória, ninguérn duvidará que aceitando-se o cumulo juridico das penas acessórias, se evitará acautelar os perigos, os riscos, que o legislador quis prevenir.
Deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que cumulou juridicamente as penas acessórias aplicadas ao arguido e, consequentemente, ser substituida por outra que o condene a cumprir, na integra, as penas acessórias aplicadas nestes autos e no Processo n°. 63/10.0GCSEI

3- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
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FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida tem, em resumo e com interesse, o seguinte conteúdo :
« (...) Por sentença datada de 17-09-2010, proferida no Processo Comum Singular nº 63/10.0GCSEI do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, transitada em julgado a 18-10-2010, foi o aqui arguido A... condenado pela prática, em 16-09-2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 99 dias de multa, à taxa diária de €5,50, no montante de global de €544,50, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 15 dias.
Por sentença proferida no âmbito dos presentes autos, datada de 10-02-2011, transitada em julgado em 14-02-2011, foi o aqui arguido condenado pela prática, em 23-09-2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de €5,00, no montante de global de €550,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses.
(...) importa operar o cúmulo jurídico das penas acessórias aplicadas nos presentes autos e no processo nº 63/10.0GCSEI deste mesmo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, dentro de uma moldura abstracta com um mínimo de cinco meses e um máximo de nove meses e quinze dias.
(...) condena-se o arguido na pena única de 190 dias de multa, à taxa diária de €5,50, o que perfez um montante global de €1.045,00 e na pena acessória única de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos motorizados (...) ».
Não seguimos o entendimento sufragado pela sentença agora recorrida. Pensamos que as razões apontadas no recurso do MP evidenciam bem as contradições e até aporias que resultam do facto de se entender que as penas acessórias em direito penal devem estar submetidas ao mesmo regime das penas principais no que ao cúmulo jurídico concerne. Basta para tanto retomar aqui os exemplos apontados no recurso.
E a letra dos preceitos legais aplicáveis aponta no mesmo sentido .
Assim, dispõe o art 77.º do CodPenal . « Regras da punição do concurso : (...) 3 — Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores. 4 — As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis ».
E o art 78.º diz : « Conhecimento superveniente do concurso : (...) 3 — As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm -se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior ».
Apesar de a determinação da pena acessória dever ser feita de acordo com o preceituado no nº 1, do artigo 71º, do CódPenal, (culpa do agente e exigências de prevenção), a duração e o regime da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da concretamente aplicada na pena principal, desde logo por via dos diversos objectivos de política criminal subjacentes a uma e outra, não sendo crível que o legislador, ao estabelecer as regras da punição do concurso, não tivesse feito, se fosse essa a sua intenção, uma ressalva semelhante para os dois tipos de penas ; sublinhando-se, uma vez mais, que se o regime penal fosse, no referente a sanções acessórias (de conduzir), mais favorável do que o contra-ordenacional ( uma vez que, aí, o cúmulo é material ), então caíriamos na situação estranha e ineficaz de ser mais favorável ao agente cometer crimes do que contra-ordenações, uma vez que nestas haveria cúmulo material e naquelas não .
No sentido expresso, para além dos acordãos referidos no recurso e no parecer do Exmo PGA, pronunciaram-se também os Acs Relação do Porto de 7-12-2011 ( processo 626710.4GAPER.P1, de 11/10/2006 ( processo n.º 0612894: subscrito como adjunto pelo relator do presente acordão ) e de 05/05/2010 (processo n.º 183/09.4GBOAZ.P1), todos em www.dgsi.pt).
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Concede-se provimento ao recurso, pelo que na 1.ª instãncia se deverá proceder ao cúmulo de acordo com o acima esposto

II- Sem custas

Paulo Valério (Relator)
Jorge Jacob