Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
336/12.8GAALB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: ESCUSA
JUIZ
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ALBERGARIA-A-VELHA (COMARCA DO BAIXO VOUGA)
Texto Integral: S
Meio Processual: PEDIDO DE ESCUSA
Decisão: RECUSADA A ESCUSA DE JUIZ
Legislação Nacional: ARTIGO 43.º, N.ºS 1, 2 E 3, DO CPP
Sumário: O facto de o juiz ser “primo direito” da advogada dos arguidos, com a qual mantém uma relação de grande proximidade, confiança e afectividade, não constitui fundamento para a concessão de escusa de intervenção em processo que lhe foi distribuído.
Decisão Texto Integral: Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

A Sra. juiz de direito do Juízo de Instância Criminal de Albergaria-a-Velha, Comarca do Baixo Vouga, vem requerer a sua dispensa de intervir em causa pendente (Processo Comum Singular, com o n.° 336/12.8GAALB) que corre os seus termos naquele tribunal:

 

2- Foram juntas aos autos cópias do processo em causa.

3- Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência.

4- O requerimento de escusa tem o seguinte teor, no essencial:
«(...) Encontra-se pendente neste tribunal os autos de Processo Comum (Tribunal Singular), com o n.° 336/12.8GAALB, tendo por intervenientes A..., B..., C..., D..., todos arguidos.
Sucede porém que os três primeiros arguidos são patrocinados pela Exma. Sra. Dra.F..., prima direita da ora signatária, com quem a mesma mantém uma relação de grande proximidade de confiança e de afectividade.
Para além do constrangimento por mim sentido no eventual realização da aludida audiência de julgamento, afigura-se existir um sério risco de a minha intervenção ao nível do julgamento poder ser vista com suspeita, designadamente pelos demais arguidos, já que poderão colocar a hipótese de qualquer pre­determinação ou pré-juízo quanto à decisão da lide.
E porque o prestígio da função exige não somente seriedade, mas também aparência de seriedade, creio que a concreta situação dos autos é adequada a poder gerar um sentimento de desconfiança relativamente à minha imparcialidade, tanto mais que a cidade de Albergaria-a-Velha é um meio pequeno, todos os intervenientes são conhecidos, sendo de igual modo conhecidas as respectivas funções profissionais (...) ».

O art 43.º do Cod Proc Penal determina

«1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade;

«2. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1 a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º ( ... );

«4. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.º 1 e 2.»

O citado normativo , ao dispor sobre recusa e escusa do juiz, estabelece um regime que tem como primeira finalidade prevenir e excluir as situações em que possa ser colocada em dúvida a imparcialidade do juiz, importando fazer aqui a abordagem da questão suscitada na sua dimensão objectiva, porque é nessa perspectiva que se situa o requerimento de escusa, dir-se-á que nesta dimensão sobressai, afinal, aquilo que se poderá dizer ser o campo das aparências, que ganha expressão no adágio  "justice must not only be done; it must also be seen to be done", ou seja, a consideração de factos ou situações que,  de um ponto de vista do destinatário da decisão e do público em geral, possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objectivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum pré-juízo ou preconceito da parte do julgador que possa ser negativamente considerado contra o tal destinatário. De outro modo: o pedido de escusa do juiz para intervir em determinado processo pressupõe que a tal intervenção possa correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade, ou quando tenha tido intervenção anterior no processo fora dos casos do artigo 40º do Cód. Proc. Penal (art 43.º-1,          2 e 4).

Dado um caso concreto, «a gravidade e a seriedade do motivo hão-de revelar-se, assim, por modo prospectivo e externo, e de tal sorte que um interessado - ou, mais rigorosamente, um homem médio colocado na posição do destinatário da decisão - possa razoavelmente pensar que a massa crítica das posições relativas do magistrado e da conformação concreta da situação, vistas pelo lado do processo (intervenções anteriores), ou pelo lado dos sujeitos (relação de proximidade, quer de estreita confiança com interessados na decisão), seja de molde a suscitar dúvidas ou apreensões quanto à existência de algum prejuízo ou preconceito do juiz sobre a matéria da causa ou sobre a posição do destinatário da decisão » ( Ac STJ, de 13-4-2005, proc. 05P1138, www.dgsi.pt ; no mesmo sentido os Acs do STJ de 19/05/2005 e de 6/10/2005, http://www.dgsi.pt ) .

No presente caso, o facto de a mandatária ser prima e íntima da Sra. magistrada não é impedimento a que esta deva saber manter a sua neutralidade, como não tem necessariamente de suscitar, nas pessoas directamente envolvidas ou no público em geral, suspeitas em relação à sua isenção. Salvo relações pessoais ou familiares  muito próximas, o que não é o caso ( não falando de outras situações de conflito ou de interesse do julgador ), deve ter-se como natural que o juiz possa ter uma relação de amizade ou familiar com um mandatário forense ou qualquer profissional do foro e que se possa salvaguardar o essencial das funções de cada um e a independência do julgamento.  Ou seja, no que tange à suspeita sobre a imparcialidade do juiz, os motivos invocados têm de ser de molde a considerar-se que a intervenção do ou dos juízes corra o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
        E o ponto de vista a relevar não é o do particular ponto de vista do requerente (isto é, o seu sentimento pessoal de que a sua intervenção no processo possa gerar desconfiança ou ser considerada suspeita), mas a situação objectiva que possa derivar de uma determinada posição do juiz em relação ao caso concreto ou a determinado sujeito ou interveniente processual, a potenciar ou a determinar  um perigo real de não reconhecimento público da sua imparcialidade. Porque, a dar-se predominância aos sentimentos ou impressões pessoais, por muito estimáveis e respeitáveis que sejam, poder-se-ia estar a dar caução, com o pedido de escusa, a situações que podiam relevar de motivos mesquinhos ou de formas hábeis para um qualquer juiz se libertar de um qualquer processo por razões de complexidade, de incomodidade ou de maior perturbação da sua sensibilidade.

No caso concreto dos autos, a procederem os fundamentos invocados pela ilustre requerente, bem podíamos ver a requerente afastada de todos os processos em que intervém a familiar em causa, com os inconvenientes que isso pode trazer par o funcionamento do tribunal  em causa.                                                                               -

Decisão:

Pelos fundamentos expostos :

Não se defere ao pedido de escusa.

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      (Paulo Valério - Relator)


                                                                                         (Frederico Cebola)