Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1018/17.0T9CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: TRÂNSITO EM JULGADO DE DECISÃO PENAL
PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
REJEIÇÃO DO RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI N.º 4-B/2021
DE 1 DE FEVEREIRO
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ART. 6.º-B, N.º 5, ALS. A), C) E D), DA LEI N.º 4-B/2021, DE 01-02; ART. 9.º DO CC
Sumário: I - A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

II - Rompendo com a solução anterior, a nova Lei não suspendeu todos os prazos e expressamente não suspendeu «os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão» [artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d)].

III - Este texto legal é aplicável à Jurisdição criminal.

IV - Os prazos nos processos urgentes nunca se suspendem.

V - As decisões que transitaram entre 22 de Janeiro de 2021 e 2 de Fevereiro de 2021 ficaram transitadas, não se mexendo nesse trânsito.

VI - A unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1, do CC) impõe que se tenha que considerar que também não estão suspensos os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão num processo não urgente onde a audiência de julgamento e a prolação da respectiva decisão final tenha ocorrido antes de 22/1/2021 e que, nesta data, ainda não tivessem terminado (portanto, ainda sem trânsito).

VII - Assim, quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias foram realizadas antes de 22/1/2021, tendo a respectiva decisão sido proferida também antes dessa data; quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias foram realizadas antes de 22/1/2021, tendo a respectiva decisão sido proferida após aquela data e antes de 2/2/2021; quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias foram realizadas antes de 22/1/2021, tendo a respectiva decisão sido proferida após 2/2/2021; quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias e a leitura da sentença foram realizadas após 2/2/2021, a conclusão é a mesma: o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória proferida não se suspendeu, assim como não fica suspenso o prazo de resposta e a tramitação subsequente, sem prejuízo do cumprimento do disposto no art.º 6.º-B, n.º 5, al. c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1/2, se e quando estiverem em causa a realização de actos presenciais [cfr. art.º 6.º-B, n.º 5, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1/2]).

VIII - Como tal, o prazo para interposição de recurso não se suspende, quer em relação a sentenças já proferidas e notificadas às partes, quer em relação a sentenças já proferidas e ainda não notificadas às partes, quer em relação a sentenças proferidas após a entrada em vigor do preceito em análise, aplicando-se a não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d), da Lei em causa, quer a decisões que tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021, quer a decisões que tenham sido proferidas antes dessa data.

Decisão Texto Integral:






                        DECISÃO SUMÁRIA (artigo 417º, n.º 6, alínea b) do CPP)

                I - RELATÓRIO

   1. No processo comum singular n.º 1018/17.0T9CLD do Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha – Juiz 2 -, o arguido M., devidamente identificado nos autos, foi condenado, por sentença de 15 de Janeiro de 2021, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º/1 e 204º/2 a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, suspensão essa condicionada ao pagamento de uma quantia indemnizatória à assistente (dois mil euros).

Foi ainda condenado o mesmo arguido, agora na veste de demandado, condenado a pagar ao demandante J. a quantia de € 2.000 (dois mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação para contestar até efectivo e integral pagamento.

                2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, concluindo (transcrição):
                «1. A sentença condenatória, proferida pelo Tribunal a quo deu como provados diversos factos, entre eles os referidos nos pontos 5 e 12, relativamente aos quais não consta a devida fundamentação, nomeadamente o Tribunal não identifica a provas ou as provas e respectiva interpretação do seu conteúdo, que conduziram à conclusão que tais factos deveria ser considerados provados;
2. Relativamente a estes pontos dos factos provados (5 e 12), a sentença está ferida de nulidade, nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. a) do CPP, o que deverá ter como consequência a sua retirada dos factos considerados provados.
3. Caso o Tribunal assim não entenda, o que se admite como mera hipótese e sem conceder, sempre deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada, por ter havido um erro manifesto na apreciação da prova, porquanto a mesma não pode conduzir a serem considerados tais factos como provados;
4. A principal questão que está em discussão, nos presentes autos, é saber se o assistente, ao autorizar o arguido a movimentar as suas contas bancárias, formalizando junto do banco essa autorização, se estabeleceu limites ou condicionamentos ao modo de proceder a essa movimentação, e se nomeadamente, o arguido estava, enquanto autorizado na conta apenas autorizado a movimentar a mesma para pagar despesas do assistente;
5. O Tribunal considerou que o arguido apenas tinha essa autorização e sabia que não estava autorizado a proceder de outra forma;
6. Na douta sentença as únicas referências que são feitas em relação a este facto reportam-se às declarações prestadas pelo assistente e ao recurso às regras da experiência comum;
7. Em relação às declarações do assistente, o Tribunal a quo considera que este negou de forma enérgica que tivesse dado tal autorização ao arguido;
8. Mas o arguido não pode aceitar que as declarações do assistente, prestadas em sede de audiência de discussão em julgamento, possam ser consideradas enérgicas ou esclarecedoras, pois, o diálogo com aquele tornou-se quase impossível, para além de o discurso do mesmo ter revelado à saciedade que este não tinha noção da realidade, apresentando um discurso muito débil;
9. Também não se pode aceitar que o mesmo tenha reiterado o que afirmara em sede de inquérito, pois, quando foi confrontado com essas declarações foi apoiado na pergunta: O senhor não mentiu ao Ministério Público, pois não???, uma resposta a uma pergunta feita desta forma não pode merecer credibilidade;
10. Quanto às regras da experiência comum, o Tribunal limitou-se a dizer que o assistente não seria “estúpido” para, aos 89 anos, permitir que o seu sobrinho ficasse com grande parte do dinheiro das suas poupanças;
11. Tal conclusão do Tribunal, não alicerçada em nenhum fundamento concreto, não se afigura adequada, pois, no entendimento da defesa é perfeitamente normal e adequado pensar que uma pessoa de 89 anos, sem filhos, sem problemas de dinheiro para o resto da sua vida, pretendesse deixar ao seu sobrinho preferido, com quem lidava como se fossem pai e filho, grande parte do dinheiro que tinha em contas bancárias;
12. Sendo muito ténue os motivos nos quais o Tribunal se apoiou para a sua conclusão;
13. Na certeza que outras provas não atendidas revelam o contrário, o que conduz à conclusão que não só não se provou o que o Tribunal considerou estar provado, como as provas existentes revelam o contrário;
14. Assim, do depoimento da testemunha Sara Vasconcelos, ao qual o Tribunal não conferiu credibilidade, resulta que o assistente tinha permitido ao arguido que transferisse dinheiro para contas suas e que ainda o tenha apoiado quando este o informou que o fizera;
15. Se a esta prova juntarmos a decorrente do documento de autorização deixado no banco, que permitia sem referência a qualquer limitação, o arguido a movimentar as contas do assistente, tanto assim sendo que ele o fez de forma livre e correcta;
16. E ainda o facto de, em sede de processo civil, intentado pelo assistente contra o arguido, no qual aquele exigia a este a totalidade do dinheiro transferido, invocando que este o transferira sem autorização e que o arguido alegava que o fizera devidamente autorizado, ambos acordaram que seria restituído apenas uma parte desse valor e que o assistente se considerava integralmente ressarcido com esse pagamento, não havendo mais nada a pagar-lhe;
17. Num reconhecimento recíproco que, afinal, não havia integralmente razão para uma das partes, o assistente reconhecendo ali que, uma parte do dinheiro poderia ter sido transferida e o arguido que não poderia ter transferido todo o montante;
18. Mas sem querer significar que o arguido pretendesse apropriar-se ilicitamente dessa quantia, na certeza que parte desse dinheiro fora utilizado para fazer face a despesas do próprio assistente;
19. O Tribunal, além de não ter considerado que tal acordo homologado judicialmente tivesse significado ou valor, ignorando-o por completo, em parte dos factos provados incorreu em contradição insanável, nomeadamente quando refere que o arguido apenas estava autorizado a utilizar o dinheiro para fazer face a despesas e encargos do assistente, para depois concluir que se afigura irrelevante que tenha utilizado essa quantia para pagar despesas do assistente;
20. E também quando refere que não pode funcionar o disposto no art.º 206.º n.º 1 do Código Penal, porque não houve concordância do assistente na restituição do valor indevidamente transferido, quando o acerto do montante em causa foi acordado entre ambos em sede de transacção judicial;
21. Por todos estes motivos, os factos 5 e 12 dos factos provados devem ser considerados como não provados;
22. E em consequência disso, deve o arguido ser absolvido do crime de furto qualificado, porquanto, eliminados aqueles factos dos que se consideram provados, o que resulta provado é que o arguido era sobrinho do assistente, que este fizera um testamento com o conteúdo que do mesmo consta, que autorizara o sobrinho a movimentar as suas contas bancárias, permitindo ao mesmo o acesso às contas e que, com base nessa autorização, o arguido transferiu diversos montantes para contas pessoais, o que não consubstancia a prática de um crime de furto;
23. Para além de tudo o mais e não obstante se considerar que a matéria de facto deve ser alterada, mesmo não sendo, verifica-se uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, porquanto os factos apurados nos presentes autos não consubstanciam a prática de um crime de furto;
24. Na medida em que proceder a uma transferência bancária de uma conta para a outra não configura um acto de subtrair;
25. E porque a actuação do arguido, que tendo autorização do assistente para movimentar as contas bancárias deste, sem que da autorização escrita conste alguma limitação ao modo de transferir esses montantes, transfere determinadas quantias para as suas contas pessoais, sem que se tenha apurado o destino dado a essas quantias e na certeza que procedeu a pagamento de despesas do próprio assistente, não pratica um tipo de ilícito de furto;
26. Pelo que, também por isso, deverá o arguido ser absolvido do crime de furto qualificado.
Termos em que, com o mui douto suprimento de vossas excelências, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência:
1.  Ser a sentença que condenou o arguido considerada nula por falta de fundamentação dos factos 5 e 12 dos factos provados, devendo tais pontos ser eliminados do leque dos factos considerados provados.
Ou, caso assim não se entenda:
2. Ser alterada a matéria de facto dada como provada e os pontos 5 e 12 considerados como não provados.
E consequentemente, por via de qualquer uma destas conclusões,
ser o arguido absolvido do crime de furto qualificado.
Ainda assim, não sendo este o entendimento,
3.  Ser considerado que os factos provados não consubstanciam a prática de um crime de furto, devendo ser absolvido pelo mesmo».

                3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra.

4. O assistente também respondeu, alegando a extemporaneidade do recurso e, de forma subsidiária, a improcedência total do mesmo.

5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 662-664, sendo de parecer que o recurso é extemporâneo, o que deve ser declarado, rejeitando-se o mesmo.

                6. O arguido respondeu a tal parecer, a fls 668-670, defendendo que o recurso foi interposto dentro do prazo, mercê das contingências pandémicas que suspenderam prazos de recurso.

7. Cumpre proferir decisão sumária, na medida em que se entende que deverá ser rejeitado o recurso interposto [artigos 414º, n.º 2, 417º, n.º 6, alínea b) e 420º, n.º 1, alínea b) do CPP], cabendo, assim, especificar sumariamente os fundamentos da nossa decisão (artigo 420º, n.º 2 do CPP).

                II – FUNDAMENTAÇÃO

               

1. As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso.

                Porém, há que decidir a questão prévia e cuja procedência obsta ao conhecimento do objecto do recurso - tempestividade ou não do recurso intentado.

                2. A sentença recorrida foi datada de 15 de Janeiro de 2021, tendo sido depositada nesse mesmo dia (cfr. fls 620).

O arguido esteve presente no dia da leitura da sentença, tendo sido pessoalmente notificado do seu teor (fls 619).

O recurso do arguido veio a dar entrada no tribunal no dia 19 de Abril de 2021 (fls 622), tendo sido admitido por despacho de fls 645 em 13 de Maio de 2021.

Esquecendo a questão que se irá agora discutir, a propósito da pandemia em que vivemos, o prazo normal de 30 dias de recurso expirou em 15/2/2021 (cfr. artigo 411º/1 c) do CPP).

Atendendo, porém, que o recorrente sempre beneficiaria da possibilidade de praticar o acto num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, desde que procedesse ao pagamento da multa a que alude o nº 5 do artigo 139º do C.P.Civil, o termo final para a interposição do recurso ocorreu no dia 18 de Fevereiro de 2021.

Pergunta-se agora:

A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (por ocasião do 3º surto pandémico vivido em Portugal), veio suspender este prazo assim normalizado?

Vejamos.

3. Recorramos à Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, entrada em vigor em 2/2/2021 (embora o disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, tenha produzido efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e actos processuais entretanto realizados e praticados):

Artigo 6.º-B
Prazos e diligências

1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 – (…)

3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

6 – (…)

7 - Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

8 - As partes, os seus mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal, devendo, em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.

9 - Em qualquer das diligências previstas na alínea c) do n.º 5 e na alínea a) do n.º 7, a prestação de declarações do arguido e do assistente, bem como o depoimento das testemunhas ou de parte, devem ser realizadas a partir de um tribunal ou de instalações de edifício público, desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas orientações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

10 - Para o efeito referido no n.º 7, consideram-se também urgentes, para além daqueles que, por lei ou por decisão da autoridade judicial sejam considerados como tal:

a) Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro;

b) Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável ou de difícil reparação, designadamente os processos relativos a menores em perigo ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.

11 – (…)

12 - Nos atos e diligências realizados através de meios de comunicação à distância não se aplica, a não ser ao arguido, o disposto no n.º 3 do artigo 160.º do Código de Processo Civil e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 95.º do Código de Processo Penal, o que é consignado pelo oficial de justiça no próprio auto.

13 – Os serviços dos estabelecimentos prisionais devem assegurar, seguindo as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais em matéria de normas de segurança, de higiene e sanitárias, as condições necessárias para que os respetivos defensores possam conferenciar presencialmente com os arguidos para a preparação da defesa.

14 - Os tribunais e demais entidades referidas no n.º 1 devem estar dotados dos meios de proteção e de higienização desinfetantes determinados pelas recomendações da DGS.

4. Esta Lei alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

Rompendo com a solução anterior, a nova Lei não suspendeu todos os prazos e expressamente não suspendeu «os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão» [artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d)].

Antes de mais, há que dizer que este texto legal é aplicável à Jurisdição criminal.

Na Proposta de Lei n.º 70/XIV que esteve na génese da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, que introduziu o art.º 6.º-B na Lei n.º 1-A/2021, de 19-03, que estabeleceu medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus e da doença Covid-19, consta que se pretendia estabelecer “(...) um conjunto de medidas relativas à suspensão de prazos para a prática de atos processuais (...) que devam ser praticados no âmbito dos processos (...) que corram termos nos tribunais judiciais (...)”, sendo que, para tal foi consagrada a suspensão do “(...) cômputo do prazo dos processos (...) não urgentes, garantindo-se, todavia, a tramitação daqueles que se apresentam como indispensáveis e estabelecendo-se uma série de exceções que permitem mitigar os efeitos genéricos da suspensão”.

Mas aí também consta que, com o regime decorrente de tal preceito legal se visou “(...) consagrar a possibilidade de tramitação de um conjunto de processos (...)”, uma vez que “(...) os tribunais (...) contam já com uma importante experiência na tramitação de processos e procedimentos em formato eletrónico, bem como na realização de diligências através de meios de comunicação à distância”.

Por outro lado, da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 70/XIV e da letra da lei (cfr. art.º 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02) não resulta que o legislador tenha querido estabelecer qualquer diferença entre jurisdições.

Na verdade, resulta precisamente o contrário, ou seja, que o legislador quis estabelecer um mesmo regime aplicável, no que agora interessa, a todos os processos que corram termos nos tribunais judiciais, numa visão de unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil).

5. A regra geral da suspensão de todas as diligências e todos os prazos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos que correm termos nos tribunais judiciais (cfr. art.º 6.º-B, n.º 1) só se aplica às diligências, aos prazos processuais e aos processos que não sejam excepcionados nos números seguintes, destinando-se tais exceções a “mitigar os efeitos genéricos da suspensão” ou correspondendo as mesmas às classificadas pelo legislador como “indispensáveis”.

Assim, a dita regra não obsta à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes [cfr. al. a), do n.º 5, do art.º 6.º-B], à tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais [cfr. al. b), do n.º 5, do art.º 6.º-B], à prática de actos e realização de diligências não urgentes mediante acordo expresso dos sujeitos processuais [cfr. al. c), do n.º 5, do art.º 6.º-B], à prolação de decisões finais em que o tribunal entenda não ser necessária a realização de novas diligências [cfr. al. d), do n.º 5, do art.º 6.º-B], à prática de actos urgentes e realização de diligências urgentes e à tramitação e prática de actos e diligências nos processos urgentes (cfr. art.º 6.º-B, n.º 7).

Desta forma:
A.     Processos urgentes (v.g. presos, detidos preventivos e processos de violência doméstica[1]) – tudo corre sem suspensões ou interrupções (cfr. n.º 7 do artigo 6º-B) - ou seja, quanto aos processos urgentes, no que se refere ao prazo para a interposição de recurso e subsequente tramitação que não implique a realização de actos presenciais, não existe qualquer diferença entre o regime geral (cfr. arts. 103.º, n.º 2, 104.º, n.º 2, do C.P.P.) e aquele que decorre do referido preceito legal [cfr. art.º 6.º-B, n.º 5, al. a), e n.º 7, da Lei n.º 1-A/2021, de 19-03, na redacção decorrente da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02].
B. Processos não urgentes (todos os outros)
· Nos processos não urgentes, a regra será sempre, nos termos do n.º 1, a da suspensão dos prazos e das diligências processuais, o que não impede que, em alguma medida, prossiga a “tramitação do processo”, permitindo que as secretarias judiciais procedam, por exemplo, a citações ou notificações, mesmo que se mantendo suspensos, em regra, os respectivos prazos processuais decorrentes desses actos.
· Note-se que essa suspensão dos actos e diligências processuais a praticar/realizar pelas partes (leia-se, mais rigorosamente, na jurisdição penal, «sujeitos processuais») e pelo julgador só cessará se o juiz entender que existem condições para se manter a tramitação integral do processo e notificar as partes desse entendimento, advertindo-as que esse prazo para a sua audição não se encontra suspenso nos termos do n.º 1 do artigo 6º-B.
· Se todos os sujeitos processuais estiverem de acordo com a manutenção da tramitação (e manifestarem – bastando o defensor, em caso de arguido - essa vontade de forma expressa, não bastando o seu consentimento tácito) e com a “prática de actos” processuais e a realização de “diligências não urgentes” através das “plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via electrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados”, o juiz deverá determinar o reinício da tramitação integral do processo e dos respectivos prazos processuais, a ocorrer após a notificação às partes do respectivo despacho fundamentado.

6. No que tange a sentenças e decisões judiciais não finais, não há suspensão do prazo de recurso nas situações do artigo 6.º- B, n.º 5, al. d) - é a lei a dizê-lo, sem margem para dúvidas, reportando-se a decisões finais proferidas, nas condições aí descritas, após a entrada em vigor da lei.
O legislador estabeleceu que a regra geral da suspensão também não obstava a que fosse proferida decisão final nos processos em que não se imponha realizar qualquer diligência probatória, caso em que expressamente consagrou que os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de rectificação ou reforma da decisão não ficavam suspensos [cfr. al. d), do n.º 5, do art.º 6.º-B].
Apesar da omissão do legislador, tal possibilidade ter-se-á que referir necessariamente aos processos não urgentes dado que, quanto aos processos urgentes, determinou que os mesmos prosseguiriam a sua tramitação sem qualquer suspensão (cfr. art.º 6.º-B, n.º 7).
Sob o ponto de vista da unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1, do C.C.), não faz qualquer sentido defender que a al. d), do n.º 5, do art.º 6.º-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, não é aplicável aos processos criminais - na verdade, a tal defender, os processos criminais de natureza não urgente em que as audiências de julgamento já tivessem sido realizadas e em que não fosse necessário realizar qualquer outra diligência probatória seriam os únicos que entrariam numa espécie de limbo ficando sem acórdão, tendo que se exigir, para que fossem proferidos, acordos que a lei exige para outras situações (diligências probatórias) ou renúncias expressas à arguição da nulidade que consubstanciaria a mera notificação dos mesmos pelas plataformas informáticas, sem a sua leitura, caso se perfilhe o entendimento que tal nulidade é apenas dependente de arguição (cfr. arts. 120.º, n.ºs 1 a 3, 121.º, n.º 1, 372.º, n.º 3, do C.P.P.).
Diga-se que mesmo na vigência do art.º 7.º, n.º 5, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06-04, sempre se defendeu que a dita possibilidade permitia que, no processo penal, fossem proferidas decisões finais nos processos em relação aos quais o tribunal entendesse não ser necessária a realização de novas diligências, necessariamente probatórias, ou seja, sentenças em que a audiência de julgamento estivesse já encerrada, decisões instrutórias com o debate instrutório encerrado e ainda despachos de encerramento de inquérito quando o procurador titular entendesse que nenhuma outra diligência havia a realizar (cfr. Estado de Emergência – Covid 19 – Implicações na Justiça, CEJ, Ebook já acima citado, Abril de 2020, pág. 512).
Da simples utilização do verbo transitivo “proferir” no referido art.º 6.º-B, n.º 5, al. d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, não se pode extrair estarem aí abrangidas apenas as decisões notificadas aos sujeitos processuais e seus mandatários através de meios de contacto à distância.
Na verdade, “proferir” significa precisamente pronunciar em voz alta, articular, dizer, decretar ou ler (cfr. Infopédia, dicionários Porto Editora).
Ora, de acordo com a lei processual penal, a leitura de um acórdão/uma sentença é um acto público no qual o juiz presidente ou qualquer outro dos juízes terá precisamente que ler a fundamentação (ou uma súmula se a mesma for muito extensa) e o dispositivo da decisão penal (cfr. arts. 87.º, n.º 5, 372.º, n.º 3, e 373.º, n.º 2, 374.º, n.º 2 e n.º 3, do C.P.P.).
Por outro lado, mesmo sob o ponto de vista da “mobilidade” e “contactos sociais” que, segundo a dita exposição de motivos importa reduzir, são evidentes as diferenças entre a realização de uma diligência (probatória) e a leitura de um acórdão no que se refere ao número de pessoas que se têm que deslocar e concentrar no mesmo local e à própria duração das “diligências”.
Como tal, podem incluir-se aqui nesta alínea d) os casos de todas as sentenças/acórdãos lidos em audiência durante o período da «pandemia», devendo, contudo, o tribunal, por mera cautela, aquando da audiência, suscitar o possível acordo de todos os intervenientes processuais – que ficará em acta - para a alínea c) do artigo 6º, n.º 5, acordo este para a prática de actos e realização de diligências que não pode ser limitado – uma vez prestado é válido para a tramitação posterior (mesmo para a não suspensão dos prazos de recurso).

7. Nas situações em que, à data da entrada em vigor da lei, a decisão já estivesse transitada em julgado, como forma de salvaguarda da intangibilidade do caso julgado - se houver sentença transitada entre 22/1 [data do início da produção de efeitos do disposto no art. 6º-B] e 2/2 [data da entrada em vigor da lei], nada obsta a este trânsito pois a retroactividade da lei, fixada no seu art. 4º, não afecta os efeitos do caso julgado entretanto verificado, entre o limite temporal do início da aplicação retroactiva e a data da entrada em vigor da lei (afasta-se a retroactividade da lei para garantir a eficácia do caso julgado, assente que a expansão retroactiva dos efeitos da lei a 22/1 não tem a virtualidade, fazendo renascer um prazo já extinto, para recorrer, de destruir o caso julgado entretanto formado – v.g artigos 12º e 13º do CC).

8. Quanto às decisões anteriores à entrada em vigor da lei, finais ou não finais, não transitadas em 22 de Janeiro (o nosso caso), a lei nada diz expressamente.
Contudo, sob o ponto de vista da unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1, do C.C.), não era coerente considerar não suspenso o prazo de recurso caso a decisão fosse proferida na vigência da lei e suspenso caso a decisão fosse anterior quando as situações são idênticas.
Tratando-se de processo não urgente em que anteriormente à data da produção de efeitos do dito preceito legal (antes de 22/1) já haviam sido realizadas todas as diligências probatórias necessárias, faltando apenas proferir acórdão/sentença, sempre se teria que entender que a regra geral da suspensão de todas as diligências (probatórias) e de todos os prazos em tais processos também não obstava a que a decisão final fosse proferida após a produção de feitos do dito preceito legal. E, nesse caso, os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão não ficavam suspensos [cfr. al. d), do n.º 5, do art.º 6.º-B].
A ser assim, por maioria de razão, a unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1, do C.C.[2]) impõe que se tenha que considerar que também não estão suspensos os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão num processo não urgente onde a audiência de julgamento e a prolação da respectiva decisão final tenha ocorrido antes de 22/1/2021 e que, nesta data, ainda não tivessem terminado (portanto, ainda sem trânsito).
É este o NOSSO caso - sentença lida em 15/1/2021 (estando nós perante uma situação em que, finda a audiência a 11/12/2020, foi marcado novo dia para leitura da sentença, tendo a defesa respondido por escrito ao despacho exarado a fls 593 e 593-v, a propósito de uma anunciada alteração da qualificação jurídica dos factos da pronúncia/acusação, não havendo necessidade de realizar novas diligências antes dessa leitura).

9. Nos processos em que a decisão final é proferida na vigência da lei (decisão depois de 22/1) – não há suspensão de prazos pelos motivos já acima referidos (ou pela alínea c) do artigo 6º-B/5 – acordo em acta – ou pela aplicação directa da alínea d) do artigo 6º-B/5).
Ou seja:
Ou a decisão foi antecedida do dito acordo e este é válido para a tramitação subsequente.
Ou então a audiência foi feita antes da lei e como tal a tramitação subsequente à decisão prossegue por força da al. d).
Em conclusão, seja por um fundamento ou outro [artigo 6º-A/5 c) ou d)], nunca haverá suspensão dos prazos de recurso no processo criminal[3].

10. Em conclusão:
Os prazos nos processos urgentes nunca se suspendem.
As decisões que transitaram entre 22 de Janeiro de 2021 e 2 de Fevereiro de 2021 ficaram transitadas, não se mexendo nesse trânsito.
Quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias foram realizadas antes de 22-01-2021, tendo a respectiva decisão sido proferida também antes dessa data (22-01-2021) - o nosso caso -, quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias foram realizadas antes de 22-01-2021, tendo a respectiva decisão sido proferida após aquela data e antes de 02-02-2021; quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias foram realizadas antes de 22-01-2021, tendo a respetiva decisão sido proferida após 02-02-2021, quer para os casos de processos que não assumam natureza urgente, em que todas as diligências probatórias necessárias e a leitura da sentença foram realizadas após 02-02-2021, a conclusão é a mesma: o prazo para a interposição de recurso da decisão condenatória proferida não se suspendeu, assim como não fica suspenso o prazo de resposta[4] e a tramitação subsequente, sem prejuízo do cumprimento do disposto no art.º 6.º-B, n.º 5, al. c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, se e quando estiverem em causa a realização de actos presenciais [cfr. art.º 6.º-B, n.º 5, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02]).

11. E tenho conforto jurisprudencial para esta posição por mim assumida.
Encontramos já algumas decisões que no Cível assentam na ideia de que a lei da suspensão dos prazos processuais aprovada no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controle da pandemia Covid 19, e perante a declaração de estado de emergência, surge com o desiderato de evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio.
É, pois, com referência a essa ratio legis que terá de interpretar-se o nº 5 alínea d) do artigo 6º-A da Lei nº 1-A/2020, aditado pela Lei nº 4-B/2021, de 2.2, não havendo razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei.
«A razão de ser num e noutro caso é a mesma. Evitar deslocações de pessoas aos tribunais finalidade que é prosseguida de igual modo num e noutro caso», na douta expressão da Juíza Desembargadora Isoleta Costa (Acórdão da Relação do Porto de 13/5/2021 – Pº 598/18.7T8LSB.L1-8).
Também o acórdão da Relação de Évora (datado de 13/5/2021 – Pº 2161/19.6T8PTM.E1), profusamente citado pelo Exmº PGA no seu douto parecer, adianta que «o fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na al. d) do n.º 5 do art.º 6-B) foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se dê a prolação da sentença.
Aí se deixa escrito que:
«Da análise que fazemos do regime inicial da suspensão dos prazos no âmbito da pandemia, que vigorou no primeiro semestre de 2020, com o regime que foi instituído pela Lei n.º 4-B/2021, resulta que no âmbito deste último regime, sem pôr em causa a regras da segurança das pessoas, pretendeu-se, na mediada do possível, que a máquina do judiciário, continuasse a tramitar e julgar os processos, constituindo, assim, uma das diferenças concretas entre os dois regimes o facto de proferida sentença em processos não urgentes pelos tribunais de 1.ª instância, os prazos para a prática dos atos subsequentes não se suspenderem, devendo os recursos ser interpostos nos prazos legalmente fixados (de 15 ou 30 dias consoante os casos). Resulta que existiu preocupação do legislador em não parar totalmente a tramitação dos processos e procedimentos não urgentes, aceitando que possa avançar quando não implique contactos presenciais com sujeitos ou participantes processuais, o que é o caso da interposição de recursos que é efetuada por via eletrónica.
Este preceito pode, para uma maior clareza de leitura, ser dividido em duas partes: a que se refere à não suspensão dos prazos para que o Tribunal profira decisão final nos autos - ao contrário do que acontecia em Março, em que até os prazos para prolação de sentenças/decisões finais ficaram, por determinação legal, suspensos - a significar que os prazos para prolação de decisão final não se encontram suspensos - quer, relativamente a prazos já em curso à data da entrada em vigor da Lei e à retroação de efeitos, quer relativamente a processos cuja conclusão para prolação de decisão final seja apresentada posteriormente; a segunda respeitante aos atos a praticar pelas partes, neste caso e para o que nos interessa, o ato de recorrer.
O prazo para interposição de recurso não se suspende, quer em relação a sentenças já proferidas e notificadas às partes, quer em relação a sentenças já proferidas e ainda não notificadas às partes, quer em relação a sentenças proferidas após a entrada em vigor do preceito em análise».
Igualmente o acórdão da Relação do Porto de 7/10/2021 (Pº 121276/19.8YIPRT.P1) vai nesta linha:

«A não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, aplica-se quer as decisões tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021 quer tenham sido proferidas antes dessa data.

Importa referir que não existe qualquer contradição no entendimento de não aplicar a suspensão da contagem dos prazos mesmo às decisões proferidas antes da entrada em vigor da lei em apreço.

Como qualquer lei, esta podia interferir com os prazos em curso ou apenas com os prazos iniciados após a sua entrada em vigor. Os prazos que se encontravam a decorrer não estavam suspensos. Foi a nova lei que suscitou a questão de saber se eles foram suspensos ou não pela lei. Portanto, quando se interpreta a nova lei no sentido de que a suspensão da contagem de prazos nela prevista não se aplica a qualquer prazo de interposição de recurso (isto é, aos prazos para a prática desse acto já iniciados ou iniciados depois) está-se a excluir esse prazo da aplicação da nova lei, precisamente por efeito da interpretação desta, ou seja, da definição do âmbito de aplicação que a própria lei estabeleceu para o regime nela consagrado.

É, pois, perfeitamente coerente invocar as disposições da nova lei para concluir que a suspensão de prazos não se aplica aos prazos de interposição de recurso, ainda que de decisões já proferidas e mesmo que o prazo de interposição de recurso dessas decisões já se tivesse iniciado.

Se o legislador entendeu que os prazos de interposição de recurso das decisões proferidas já em pleno período de confinamento não se suspendem, entendeu seguramente que as razões e as implicações do confinamento não impediam os mandatários de reagir em tempo, através da interposição de recurso, contra as decisões judiciais proferidas nesse contexto e período, isto é, que a actividade dos mandatários de estudo, preparação e apresentação de recursos não estava limitada pelo confinamento ao ponto de justificar a suspensão de prazos por se tratar de um trabalho exclusivo do mandatário que o mesmo pode executar sozinho, em isolamento social, sem necessidade de contacto pessoal com outras pessoas.

Sendo assim, por que razão haveria de entender que isso já não era assim em relação às decisões judiciais proferidas antes, cujos prazos já se tinham iniciado e para cujo termo os mandatários já se haviam preparado, planeando o respectivo trabalho?».

Na verdade, o acto de recorrer não foi minimamente beliscado pelo estado pandémico que estávamos – e estamos -  a viver, não apresentando qualquer risco para a saúde pública.

Não tenho dúvidas que foi preocupação do legislador em não parar totalmente a tramitação dos processos e procedimentos não urgentes, aceitando que possa avançar quando não implique contactos presenciais com sujeitos ou participantes processuais, o que é o caso da interposição de recursos que é efectuada por via electrónica.

Em termos lógicos e de sistema, é absolutamente incompreensível que para decisões finais proferidas depois da entrada em vigor da lei não haja suspensão do prazo de recurso e para decisões finais proferidas antes da entrada em vigor da lei tal suspensão deva ocorrer.

Como é que se vai suspender um prazo à luz de uma legislação menos restritiva? A mais restritiva, não manda suspender tal prazo. Como compreender que a anterior legislação, não tão restritiva, o faça?

Pensar o contrário é ir contra a coerência de um sistema de justiça que, embora vivendo em pandemia, não pode ser desvirtuado por interpretações contra o espírito da lei e do seu (presumido) prudente autor.

12. A CONCLUSÃO É, pois, SÓ UMA: o recurso que ora se analisa foi apresentado fora do prazo.

Nos termos do artigo 420º do CPP, o recurso deve ser rejeitado se se verificar causa que devia determinar a sua não admissão, nos termos do art. 414º, n.º 2 do mesmo Código.

 Ora, o art. 414º, n.º 2 estipula que o recurso não é admitido quando interposto fora de prazo, não obstando à sua rejeição, nos termos do disposto nos artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b) do CPP, o despacho de admissão que no tribunal a quo foi proferido, uma vez que o tribunal superior – este - a ele não está vinculado (cfr. o art. 414.º, n.º 3 do mesmo diploma).

                III – DISPOSITIVO

                Em face do exposto, decide-se, sumariamente, REJEITAR o recurso intentado pelo arguido M., por manifesta intempestividade [artigos 417º, n.º 6, alínea b) e 420º, n.º 1, alínea b) – que remete para o 414º, n.º 2 – do CPP].

                Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs, a que acresce condenação no pagamento de 3 Ucs (artigo 420º, n.º 3 do CPP).

Notifique.

Coimbra, 28 de Outubro de 2021

(Consigna-se que a decisão foi elaborada e integralmente revista pelo signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPP - , aqui se anotando que este recurso me foi redistribuído em 26/10/2021)

Paulo Guerra


[1] (cfr. E-book CEJ sobre Estado de Emergência - COVID-19 Implicações na Justiça)
O CPP não categoriza os processos como urgentes e não urgentes, mas antes se refere apenas a actos que se praticam num regime normal (nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais – artigo 103.º, n.º 1) e num regime excepcional (sem essas limitações – artigo 103.º, n.º 2). Prevê depois, no artigo 104.º/2, que correm em férias judiciais os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 113.º, a saber: a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas; b) Os actos relativos a processos em que intervenham arguidos menores, ainda que não haja arguidos presos; c) Os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações; d) Os actos relativos a processos sumários e abreviados, até à sentença em primeira instância; e) Os actos processuais relativos aos conflitos de competência, requerimentos de recusa e pedidos de escusa (no e-book em causa é escrito que «consideramos que aí se devem incluir também as alíneas f) (as atos relativos à concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida a parte da pena necessária à sua aplicação) e h) (os atos considerados urgentes em legislação especial), por se tratar de manifesto lapso do legislador aquando das alterações ao artigo 103.º, n.º 2, feitas pela Lei n.º 33/2019 (quanto à alínea f)) e pela Lei n.º 20/2013 (quanto à alínea h)), que não cuidou de atualizar o n.º 2 do artigo 104.º».
No âmbito do processo penal interno, os únicos diplomas avulsos que estabelecem a urgência de tipos de processos por tipos de crimes são a Lei n.º 112/2009 (estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas), que, no seu artigo 28.º, prescreve que «[o]s processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos» (n.º 1) e que «[a] natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal» (n.º 2), e o Código de Justiça Militar, que, no seu artigo 199.º, n.º 1, prescreve que «[n]os processos por crimes estritamente militares, é aplicável à prática de atos processuais o disposto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, correndo em férias os prazos relativos aos mesmos processos». O Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, no seu artigo 151.º, determina que «[c]orrem em férias os processos de concessão de adaptação à liberdade condicional, de liberdade condicional e de liberdade para prova, de modificação da execução da pena de prisão por motivo de doença grave, evolutiva e irreversível, de verificação da legalidade e de impugnação de decisões dos serviços prisionais com efeito suspensivo» (n.º 1) e que «[s]ão também considerados urgentes e correm em férias os processos cuja demora possa causar prejuízo, quando o juiz, oficiosamente ou a requerimento, assim o decida por despacho fundamentado». Declara ainda expressamente a urgência de vários recursos ou impugnações judiciais (artigos 179.º, n.º 3, 186.º, n.º 3, 186.º-C, n.º 6, 202.º, n.º 2, e 222.º-B, n.º 3).
Nos diplomas que regem matérias de cooperação judiciária internacional em matéria penal, há diversos procedimentos a que a lei atribui carácter de urgência. Assim o faz a Lei n.º 144/99 quanto à extradição passiva (artigo 46.º, n.º 1), à extradição activa (artigo 73.º, n.º 2), à execução de sentenças penais estrangeiras (artigo 100.º, n.º 4) e à execução no estrangeiro de sentenças penais portuguesas (artigo 108.º, n.º 1). Também o faz a Lei n.º 158/2015 quanto ao reconhecimento e execução, em Portugal, de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade (artigo 16.º-A, n.º 8), e a Lei n.º 65/2003 quanto ao processo de execução do mandado de detenção europeu (artigo 33.º, n.ºs 1 e 2). É ainda devida menção aos processos de internamento compulsivo previstos na Lei n.º 36/98 (Lei de Saúde Mental), que, apesar de não terem natureza processual penal, são da competência dos juízos locais criminais (ou, não existindo estes, dos locais de competência genérica – artigo 30.º) e também têm natureza urgente – artigo 36.º da Lei n.º 36/98.
[2] O artigo 9.º do Código Civil dispõe que:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
[3] A deficiente formulação das leis em causa é causadora deste brainstorming e destas leituras que podem não ser unânimes, como é óbvio (há quem venha defendendo por aí que os prazos de recurso se suspendem por leitura algo literal da lei). 
[4] Não obstante a lei, nessa alínea d), inexplicavelmente, deixar de fora da não suspensão os prazos de resposta ao recurso, o que é verdadeiramente despropositado e inaceitável, em nome da dita unidade do sistema jurídico gritado aos sete ventos pela letra do artigo 9º do CC.