Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
122/08.0GAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: RECURSO
MOTIVAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 03/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 412º E 417º CPP
Sumário: 1.- A apreciação do recurso da matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo mas, apenas e tão só, um remédio jurídico que visa despistar e corrigir os erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente.

2.- Por essa razão impõe a lei ao recorrente que queira impugnar a matéria de facto que nas conclusões especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas a renovar e que, tendo como referência o consignado na acta — quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência —, indique concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes.

3. As concretas provas terão de corresponder a segmentos das declarações ou do depoimento e não a toda a extensão dos mesmos.

4.- Quando o recorrente não tenha procedido à mencionada especificação no texto da motivação nem nas respectivas conclusões, não é caso para convidar à reformulação das conclusões uma vez que, constituindo o texto da motivação (stricto sensu) limite absoluto que não pode ser extravasado nas conclusões e sendo estas um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso, há que concluir que o que não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões.

Decisão Texto Integral: Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal:

“a) Julgar as acusações públicas e particular improcedentes, absolvendo os arguidos MD..., LM..., JL... e LF..., da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, e os arguidos MD..., JL... e SS... de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal;
b) Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos cíveis deduzidos pelo assistente LM... e pela ofendida MD..., deles absolvendo os demandados.
c) Condenar o assistente LM... nas custas do processo, fixando-se em 2UC (duas) a taxa de justiça devida, nos termos do artigo 515.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
d) Condenar os demandantes cíveis nas custas cíveis do processo – artigo 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal.”

Inconformado com o decidido, o arguido LM... interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

1ª- Verifica-se uma deficiente e errada valoração do material probatório sujeito a apreciação, dado que a prova produzida em sede de audiência de julgamento, conduziria à condenação dos recorridos e jamais à sua absolvição.
2ª- Efectivamente, os recorridos MD..., JL..., LF... e SS..., cometeram os crimes que lhe eram imputados nas Acusações Públicas e Particular - Os crimes de ofensa á integridade física e o crime de difamação - bastante para tanto, atentar nos depoimentos conjugados do recorrente, das testemunhas CC... e EJ..., os quais, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, não podem deixar de merecer credibilidade e ser devidamente valorados.
3ª- Da prova produzida em sede de audiência de julgamento terá que se dar como provados os factos constantes das alíneas
A), C), C), D), E), F), G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), S), T) e U) das presentes Alegações de recurso, alterando-se, assim, a matéria dada como provada na sentença recorrida.
4ª- A prova produzida em julgamento, concretamente os depoimentos do recorrente, CC...e EJ..., não são contraditórios e incoerentes entre si, antes e ao invés, da sua conjugação só se poderia ter inferido uma sentença condenatória, quer no que respeita ao libelo acusatório, quer quanto à matéria do pedido Cível. A decisão recorrida valorando erradamente a prova produzida, conduziu a uma sentença que enferma de deficiente análise dos elementos probatórios (testemunhais e documentais), que se traduz num total descrédito da justiça que aos Tribunais se pede e exige. 5ª As circunstâncias em que ocorreram os factos, tudo muito rápido e inesperado, e o facto do Assistente/recorrente, com as agressões de que foi vítima ter perdido os sentidos, bem justifica que não se lembre de tudo pormenorizadamente.
6ª- No entanto, no essencial resulta da conjugação dos depoimentos das testemunhas, CC...e EJ..., únicos que presenciaram todos os factos, que o recorrente foi barbaramente agredido fisicamente pela arguida Delminda, bem como pelos arguidos JL...e LF..., não restando quaisquer dúvidas ao Tribunal aquando da identificação destes dois últimos em sede de audiência de julgamento, que o arguido JL...é o mais alto e o LF...o mais baixo e forte.
7ª- Foram, efectivamente, estas três pessoas que agrediram fisicamente o recorrente e não quaisquer outras pessoas. Não se entende, assim, quais as dúvidas e contradições que se apontam na sentença recorrida. Estes três arguidos agrediram fisicamente o recorrente, tal como consta da Acusação Pública, com as consequências descritas nos pontos 5,6 e 7 descritas na mesma.
8ª- E, dúvidas não subsistem que os mesmos agiram com o propósito manifesto de molestar fisicamente o recorrente, o que conseguiram, agindo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei Penal, cometendo, cada um deles, em autoria material e na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143°, nº 1 do C.Penal.
9ª- Quanto ao crime de difamação imputado aos arguidos/recorridos MD..., JL...e SS..., decorre desde logo do depoimento do recorrente que, quando recuperou os sentidos, viu a arguida SS… e o filho da arguida MD…( que afinal o Tribunal após a sua identificação em julgamento não ficou com dúvidas de que se tratava da pessoa do arguido JL…, a dizer à sua mulher, CC..., que quando esta estava em França" eram só putas em sua casa”.
Importante, também, é o que resulta do depoimento da testemunha CC..., que refere que se encontrava a discutir com a arguida MD...e SS..., aquela e o seu filho “mais miúdo”, (referindo-se ao mais alto e mais magro, que identificou fisicamente no Tribunal ao visualizá-lo, o JL…, não havendo confusão com o outro arguido), afirmaram-lhe que “eram só putas em sua casa”
Tudo isto imputando à pessoa do recorrente que seria, na óptica e expressões proferidas pelos arguidos, o responsável pelos factos difamatórios.
E o facto desta testemunha não se ter referido à arguida SS... como tendo proferido expressões desta jaez, em nada afecta ou abala aquilo que foi dito pelo recorrente e pela testemunha EJ..., confirmando este que também a arguida SS..., bem como a arguida MD… e JL...(o mais alto) proferiram expressões difamatória do recorrente, afirmando para a D. CC...que “eram só putas em casa dela.
10ª- Não existem, assim, contradições e incoerências nos depoimentos prestados, a que, incompreensivelmente, se refere a sentença recorrida.
11ª A sentença recorrida é contraditória nos seus próprios termos. De facto a dado passo refere que os depoimentos do recorrente e das testemunhas CC...e EJ... são concertados e, quase de seguida, refere que tais depoimentos são divergentes, díspares e incongruentes.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, uma posição concertada jamais poderá ser divergente, díspar e incongruente.
12ª- E, se quanto aos factos das Acusações Pública e Particular deduzidas é indubitável abundância de prova, o mesmo se diga quanto aos factos vertidos no pedido cível deduzido pelo recorrente.
Não há um único facto nos autos nem um único depoimento testemunhal que valide a insustentada conclusão e afirmação de que quanto ao pedido cível formulado pelo recorrente “não foi produzida qualquer prova”, antes e ao invés, confrontando e conjugando os citados depoimentos do recorrente, CC...e EJ..., resultam claramente provados e, como tal, deverão os recorridos ser condenados na peticionada indemnização.
13ª- Não pode, com todo o respeito que nos merece a Meritíssima Juiz do Tribunal" a quo", ter acolhimento a defesa que faz e como o faz da inocência dos arguidos, porquanto insustentável nos factos e na aplicação do direito, tendo a sentença recorrida violado o disposto nos artigos 143°, nº 1 e 180°, nº 1 do C. Penal.
14ª- A condenação dos arguidos, como se defende é de inteira justiça, repercute-se, igualmente, no âmbito do pedido de indemnização cível, que e contrariamente ao também decidido na sentença, não pode deixar de ser atendido.
15ª- Também aqui se verifica erro na apreciação dos factos, bem como na aplicação do direito, com manifesta violação do disposto no artigo 483° do C.C., conjugado com o disposto no artigo 129° do C.Penal.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença do Tribunal “a quo”, condenando-se os arguidos/recorridos pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e difamação, e bem assim, no pedido cível contra si formulado”

Responderam os arguidos MD..., JL..., LF... e SS... defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.

Nesta instância a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questões a decidir:

- Erro na apreciação da prova

- Integração jurídico-criminal da factualidade resultante da alteração da matéria de facto  

- Pedido de indemnização civil

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“1 – No dia 24 de Agosto de 2008, cerca das 17h30, o arguido LM... dirigiu-se a casa da arguida MD..., sita na Rua … .

2 – A arguida MD... encontra-se de baixa médica há três anos, auferindo um subsídio no valor mensal de € 700 (setecentos euros).

3 – A arguida MD...vive em França, sozinha, em casa arrendada, pagando de renda o montante mensal de € 359 (trezentos e cinquenta e nove euros).

4 – O arguido LM... encontra-se reformado há três anos, auferindo uma pensão de reforma no montante mensal de € 1.000 (mil euros).

5 – O arguido LM...vive em França com a sua esposa, que exerce actividade profissional remunerada, em casa arrendada, pagando de renda o montante mensal de € 500 (quinhentos euros).

6 – O arguido JL... trabalha como servente de pedreiro, auferindo uma remuneração mensal no montante de € 1.200 (mil e duzentos euros).

7 – O arguido JL...vive com o pai, que não exerce actividade profissional remunerada, em casa deste.

8 – O arguido LF... trabalha como servente de pedreiro, auferindo uma remuneração mensal no montante de € 1.600 (mil e seiscentos euros).

9 – Vive com a companheira, que exerce actividade profissional remunerada, e uma filha menor, em casa própria, pagando mensalmente de prestação para aquisição da mesma o montante de € 1.100 (mil e cem euros).

10 – Os arguidos não registam antecedentes criminais.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

“Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que:

- nas circunstâncias referidas no ponto 1) dos factos provados, encontrando-se o arguido LM..., na via pública, mesmo em frente à residência da arguida MD...e após uma troca de palavras entre ambos, esta, sem que nada o fizesse prever, abeirou-se do arguido LM... e desferiu-lhe várias bofetadas na face;

- acto contínuo, o arguido LM...empurrou a arguida MD…, fazendo com que esta caísse ao chão;

- de imediato, os arguidos JL... e LF..., filhos da arguida MD…, abeiraram-se do arguido LM... e desferiram-lhe vários murros e chapadas na face, fazendo com que este, igualmente e por sua vez, caísse ao chão;

- como consequência directa da actuação dos arguidos MD…, JL... e LF..., o arguido LM... sofreu edema e contusão do nariz e da hemiface direita, bem como equimose com 4x0,5cm de coloração violácea desde a comissura interna do olho direito à região infra-palpebral e tumefacção edemaciada de contornos mal definidos na região malar direita com 6x3,5cm;

- lesões que determinaram, directa e necessariamente no arguido LM... um período de doença de cerca de quinze dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral de profissional;

- como consequência directa da actuação do arguido LM..., a arguida MD...sofreu dores que careceram de tratamento hospitalar e das quais não resultou para a mesma qualquer dia de doença ou de afectação para a capacidade de trabalho geral e profissional;

- ao actuar da forma descrita, os arguidos MD…, JL... e LF... agiram com o propósito de molestar fisicamente o arguido LM..., o que conseguiram;

- por sua vez, ao actuar da forma descrita, o arguido LM... agui com o propósito de molestar fisicamente a arguida MD…, o que conseguiu;

- todos os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal;

- também nas circunstâncias referidas no ponto 1) dos factos provados, os arguidos MD…, JL... e SS..., dirigindo-se à mulher do arguido LM..., disseram, por diversas vezes e de viva voz, que “todos os dias é só putas em tua casa”, “quando estás em França é só putas lá em tua casa, andas com os olhos tapados e ainda lhe desculpas”;

- ao dirigirem aquelas expressões, os arguidos violaram em alto grau a honra, bom nome, consideração pessoal e social, enquanto pessoa idónea, responsável, reputada, muito respeitada e respeitadora que efectivamente é, ofendendo-o de forma grave e irreparável, ao ponto desta situação criada pelos arguidos ter deixado o seu casamento em risco;

- os arguidos conheciam bem o carácter ilícito da sua conduta, querendo-a mesmo assim, o que os faz incorrer em responsabilidade criminal;

- o assistente é pai de dois filhos;

- o assistente é pessoa educada, sensível, recatada, respeitada e respeitadora;

- como consequência das expressões proferidas pelos arguidos, o assistente ficou muito perturbado, triste e angustiado, o que se reflectiu no seu ambiente familiar e social, ficando o seu casamento fortemente abalado e à beira da ruptura conjugal;

- os factos praticados pelos demandados foram alvo de comentários públicos, pondo-se em causa a honorabilidade do assistente e tendo o mesmo ficado bastante abalado, tendo em conta as repercussões de tais expressões na sua vida pessoal e conjugal;

- como consequência da conduta dos arguidos MD…, JL…, LF… e SS..., o assistente passou de ser uma pessoa alegre e extrovertida a triste;

- o assistente começou a dormir mal, sofrendo de insónias, e vive o seu dia a dia em constante estado de angústia e ansiedade;

- o assistente recorda-se diariamente do sucedido, o que o atormenta;

- o assistente evita a exposição pública, tendo ficado uma pessoa mais recatada;

- a sua esposa, face a tais factos, chegou a pedir o divórcio ao assistente, fazendo com que este se sentisse ainda mais transtornado;

- o assistente sentiu dores físicas quer durante as agressões, quer nos dias que se seguiram;

- os hematomas visíveis com que o assistente ficou na zona da face inibiram-no durante largo período de aparecer em público, pela vergonha que sentia;

- como consequência da agressão do arguido LM..., a ofendido MD...sofreu dores físicas, angústias, vergonhas, receios e preocupações, tendo ficado triste e desanimada;

- a ofendida MD...é uma pessoa modesta e de humilde condição social, sendo uma pessoa honesta e séria;

- durante a agressão a ofendida MD...sentiu-se profundamente envergonhada e física e psicologicamente mal, tendo recebido tratamento hospitalar e tido de fazer curativos e tratamentos.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

“Nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.

Em sede de valoração de prova, dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal.

A convicção do Tribunal sobre a factualidade considerada provada e não provada baseou-se na análise crítica e ponderada dos seguintes elementos de prova:

Para dar como provado o facto constante da acusação, o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações dos arguidos MD…, LM... e JL… que expressamente o admitiram, bem como no depoimento das testemunhas CC..., EJ...  e LM…, que, neste ponto, foram coincidentes.

Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se nos Certificados do Registo Criminal dos arguidos juntos aos autos e relativamente à situação pessoal, familiar e económica destes, mereceram crédito as suas declarações.

Quanto aos factos não provados, tal resultou de quanto aos mesmos não ter havido qualquer prova ou de a prova produzida ter sido absolutamente contraditória entre si.

Assim, no que concerne aos factos susceptíveis de consubstanciar a agressão do arguido LM... à ofendida MD…, a única prova produzida consistiu nas declarações da própria ofendida, que não só não foram corroboradas por qualquer outro elemento probatório, como foram ainda infirmadas pelas declarações e depoimentos do arguido LM... e das testemunhas CC... e EJ... .

No que concerne aos factos susceptíveis de integrar os crimes de ofensa à integridade física e difamação na pessoa do arguido Licínio, a prova produzida foi completamente contraditória entre si.

Assim, relativamente a estes factos, temos desde logo duas versões: de um lado a versão dos arguidos MD...e JL...e da testemunha LM…, segundo a qual não houve qualquer agressão ao ofendido LM… nem foram proferidas as expressões constantes da acusação por parte dos arguidos MD…, JL…, LF… e SS...; e, do outro, a versão do arguido LM...e das testemunhas CC... (mulher do arguido LF…) e EJ...  (irmão do arguido LF…), que depuseram no sentido de que tais factos se verificaram. Contudo, porque esta última versão foi pautada por inúmeras contradições e incoerências, a mesma não mereceu qualquer credibilidade por parte do Tribunal, conforme se passa a expor.

Em primeiro lugar, o arguido LM...prestou, desde logo, declarações completamente incoerentes e contraditórias, tendo alterado a versão por si apresentada por diversas vezes, não só no que concerne à sequência como os factos se teriam passado, como às pessoas que se encontravam presentes. Assim, referiu o arguido que assim que chegou a casa da arguida MD…, esta cuspiu-lhe e desatou a dar-lhe chapadas enquanto lhe chamava “filho da puta”, tendo um dos filhos da arguida (que identificou como sendo o mais forte e que se encontrava de tronco nu)  dado-lhe um murro que o fez cair ao chão e perder os sentidos (sendo que não se recorda de ter sido agredido pelo outro filho da arguida, apenas o sabendo porque o seu irmão EJ... lho contou). Quando recuperou os sentidos, viu a arguida SS... e o filho mais forte da arguida MD… (que afinal já não era o que estava de tronco nu, mas sim o que estava vestido) a dizer à sua mulher que quando esta estava em França “eram só putas em sua casa”. Mais referiu que se levantou sozinho e foi para casa mudar de roupa, porque estava sujo de sangue. Relativamente a quem se encontrava presente, o arguido começou por referir que quando chegou apenas lá estava a arguida MD...e outra rapariga, que passado dois minutos chegou um dos filhos daquela e outra senhora, para depois mudar de versão, dizendo que um dos filhos tinha aparecido logo com a arguida MD...e o outro filho tinha aparecido um minuto depois.

Já a versão apresentada pela testemunha CC... é diferente, começando desde logo por referir que quando chegaram a casa da arguida MD...esta estava a entrar para um carro e depois voltou atrás, tendo dado várias bofetadas ao arguido LM...(contudo, esta testemunha não se recorda da arguida MD...ter chamado nomes ao seu marido nem sabe se lhe cuspiu). Neste momento, um dos filhos da arguida MD...(“o mais miúdo”) saiu do carro e começou a dar bofetadas ou murros no arguido Licínio, fazendo-o cair ao chão, tendo neste momento aparecido o outro irmão, que vinha de casa, e ficaram os dois a agredir o LM... ao mesmo tempo. Mencionou ainda não ter reparado se o arguido LM...desmaiou, mas que tal poder-se-ia dever ao facto de a testemunha se encontrar a discutir com as arguidas MD...e SS... enquanto o marido estava a ser agredido. Mais afirmou que quem lhe disse que “eram só putas em sua casa” foi o filho “mais miúdo” da arguida MD...e esta arguida (e não a arguida SS..., ao contrário do que o arguido LM...referiu).

Com o depoimento da testemunha EJ... , ganha-se uma terceira versão, segundo a qual, quando chegaram a casa da arguida MD…, já esta, os seus dois filhos e a arguida SS... se encontravam no quintal, tendo a arguida MD… de imediato dado duas chapadas ao arguido LM...e chamado-lhe “filho da puta”. De seguida veio um dos filhos da arguida MD… (“o mais alto”, embora não soubesse indicar se era o que se encontrava vestido ou de tronco nu) e deu dois ou três murros ao arguido LM…, após o que veio o outro filho que também deu murros neste, fazendo com que caísse ao chão. Saliente-se que esta testemunha foi peremptória em afirmar que, ao contrário do referido pela testemunha SS…, os arguidos JL...e LF...nunca estiveram os dois a agredir o arguido LM...ao mesmo tempo. Mais referiu que foi ele que ajudou o seu irmão a levantar-se e que viu as arguidas SS… e MD… bem como o filho mais alto desta a dizer à testemunha CC...que “eram só putas” em casa dela.

Dos três depoimentos que se acaba de resumir várias conclusões se pode extrair. Em primeiro lugar, que nem o arguido LM...nem as duas testemunhas em apreço conseguem distinguir de forma minimamente segura os arguidos JL...e LM…, pelo que não é de todo perceptível quais os factos que imputam a um e a outro.

Por outro lado, as inúmeras contradições e incoerências registadas nos referidos depoimentos e declarações mais não fizeram do que criar no Tribunal a firme convicção de que os mesmos foram concertados e de que os factos não se passaram tal como relatados pelo arguido e testemunhas em causa, pois que se tal versão correspondesse à verdade nunca os referidos depoimentos e declarações poderiam ser tão divergentes nem relatar com tamanha disparidade e incongruência o modo e a sequência como os factos se teriam passado.

Acresce que, conforme já se referiu, esta versão apresentada pelo arguido LM... e pelas testemunhas CC... e EJ...  foi totalmente infirmada pelas declarações dos arguidos MD...e JL... e pelo depoimento da testemunha LM…, sendo que tais depoimentos e declarações (ao contrário do que sucede quanto aos primeiros) articularam-se e conjugaram-se entre si de forma harmoniosa. Saliente-se ainda que, a nosso ver, o facto de o arguido JL... e da testemunha LM…, respectivamente filho e irmão da arguida MD…, terem referido desde logo não terem presenciado qualquer agressão do arguido LM...à arguida MD…, uma vez que quando chegaram ao local esta já se encontrava caída no chão, é, desde logo, um elemento que lhes confere credibilidade, por revelador de falta de interesse em factos em que foi interveniente uma familiar próxima.

Nesta conformidade, o Tribunal não pôde deixar de dar como não provados todos os factos constantes das acusações públicas e privada, atenta a falta de prova quanto aos mesmos ou a total incongruência e falta de credibilidade da prova produzida.

Relativamente aos factos não provados que resultam dos pedidos de indemnização civil, quanto aos mesmos não foi produzida qualquer prova, atendendo a que os mesmos foram alegados enquanto consequência da conduta dos arguidos e tal conduta não resultou provada.”


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Erro na apreciação da prova

O recorrente considera que da audiência de julgamento resultou uma factualidade diversa da que foi dada como provada.

Acontece porém, que tal discordância tem que ser manifestada segundo determinados parâmetros e estes não foram seguidos.

Vejamos:

A impugnação da matéria de facto impõe o cumprimento do formalismo consignado no Código de Processo Penal e este formalismo mostra-se ausente, não só nas conclusões, mas também nas motivações “stricto sensu”.

Com efeito, atento o disposto nos art.ºs 410.º, n.º 2, 428.º e 431.º do Código de Processo Penal[[1]], a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação apenas pode ser abordada por duas formas:
1) Através da aferição de vícios que decorram do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência (sem apoio de quaisquer outros elementos externos, ainda que constantes do processo[[2]]), e
2) Através da reavaliação da prova produzida[[3]].

Assim:

Embora o art.º 428.º nos diga que “as relações conhecem de facto e de direito”, exceptuando os casos abrangidos pelo n.º 2 do art.º 410.º, a modificabilidade da decisão de facto da l.ª instância só pode ter lugar quando se verifiquem os requisitos estabelecidos no art.º 431.º do mesmo diploma e que são:
a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base,
b) se a prova tiver sido impugnada, nos termos do art.º 412.º n.º 3 ou
c) se tiver havido renovação da prova.

Por sua vez, o referido n.º 3 do art.º 412.º impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas

Dispõe, ainda o n.º 4 que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Temos assim que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto é susceptível de modificação se tiver sido impugnada nos termos do art.º 412.º nº 3 e 4[[4]].

Ora, os passos a seguir quanto à prova gravada estão claramente descritos na norma e são de fácil apreensão.

Contudo, não raramente, os recorrentes atropelam tais comandos e vêem defraudadas as suas expectativas.

Com efeito, como é jurisprudência uniforme[[5]], a apreciação do recurso da matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo mas, apenas e tão só, um remédio jurídico que visa despistar e corrigir os erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente[[6]].

Por isso, as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto vieram clarificar determinados pontos da lei anterior que foram alvo de interpretações discrepantes.
É agora a lei muito mais clara ao impor ao recorrente que nas conclusões especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (e as concretas provas a renovar) e que, tendo como referência o consignado na acta — quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência —, indique concretamente as passagens[[7]][[8]] em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de este entender que se justifica ouvir ou visualizar outras relevantes — nºs 4 e 6 do art.º 412º — (no mesmo sentido, v.g., Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Junho de 2008).

A este respeito, diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010[[9]] que “os condicionamentos ou imposições a observar no caso de recurso de facto, referidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º constituem mera regulamentação, disciplina e adaptação aos objectivos do recurso, já que a Relação, como se referiu, não fará um segundo julgamento de facto, mas tão só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham sido referidos no recurso e às provas que imponham (e não apenas sugiram ou permitam outra) decisão diversa indicadas pelo recorrente, uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e das razões de discordância.

Como referimos no acórdão de 05-12-2007, processo n.º 3406/07, «Esse imprescindível e indeclinável contributo do recorrente para a pedida reponderação da matéria de facto corresponde a um dever de colaboração por parte do recorrente e sua responsabilização na demarcação da vinculação temática deste segmento da impugnação, constituindo tais formalidades factores ou meios de segurança, quer para as partes quer para o tribunal».

O que está em causa é no fundo a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos a que se propõe o recorrente, com um especial ónus a cargo do recorrente, impondo-se-lhe o dever de tomar posição clara nas conclusões sobre o que é objecto do recurso, especificando o que no âmbito factual pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação deve especificar as provas que devem ser renovadas (alínea c) do n.º 3 do artigo 412.º).

Como se diz no acórdão de 08-03-2006, processo n.º 185/06-3ª “O ónus conexiona-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto”, e como se sintetiza nos acórdãos de 10-01-2007, processo n.º 3518/06-3ª e de 15-10-2008, processo n.º 2894/08-3ª “A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso”- cfr. ainda acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-06-2005, processo n.º 1577/05-3ª; de 08-02-2006, processo n.º 2892/05- 3ª (no sentido de que não vale uma impugnação genérica); de 04-01-2007, processo n.º 4093/06-3ª; de 25-01-2007, processo n.º 4551/06-5ª; de 28-02-2007, processos n.ºs 4698/06 e 35/07, ambos da 3ª secção; de 16-05-2007, processo n.º 1395/07-3ª; de 04-07-2007, processo n.º 2304/07-3.ª.

Como se refere no acórdão de 27-01-2009, processo n.º 3978/08-3.ª, “O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar.”

Ora, como diz Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1135, a «especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado» e a «especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida».

Aliás, como já se entendera no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, onde se pode ler que “se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

Acresce que ao determinar o n.º 6, do art.º 412º que “no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas (…)”, se terá que concluir que as concretas provas terão de corresponder a segmentos das declarações ou do depoimento e não a toda a extensão dos mesmos.

Aliás, é esta a interpretação que a nosso ver corresponde, não só à letra da lei, como muito especialmente à mens legislatoris, tal como resulta da proposta de Lei nº 109/X, onde consta que «o recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações; não é obrigado a proceder à respectiva transcrição (artigo 412.º). O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes».

Poderemos ainda acrescentar que se assim não fosse não se perceberia a razão da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto no artº 411º que se traduziu no aumento do prazo de recurso para os casos em que o mesmo tem por objecto a reapreciação da prova gravada, pois que só o reconhecimento da dificuldade acrescida do cumprimento do disposto no nº 4, do artº 412º pode justificar a diferenciação de prazos (vinte dias para os recursos em geral e trinta dias para os recursos que tenham “por objecto a reapreciação da prova gravada”).

Diremos ainda que não poderia ser outra a opção do legislador pois que só assim é possível, dentro da mais elementar boa-fé exigível às partes, um efectivo cumprimento do princípio do contraditório[[10]], para além de que um deficiente cumprimento do disposto no artº 412º, nºs 3, alíneas a. e b. e 4 tem grandes probabilidades de originar situações de excesso ou de omissão de pronúncia.

Na sequência do que acima deixámos dito, mostra-se conveniente deixar aqui uma nota que reputamos de importante, dada a tendência que muitos recorrentes (aparentemente) têm de considerar que a simples transcrição total ou parcial das declarações e/ou os depoimentos cumpre com o determinado no nº 4, do artº 412º.

Esta transcrição é absolutamente inócua para efeitos do referido nº 4 uma vez que, não só não é isso que a lei determina, como porque o que consta das motivações não pode, como é evidente, ser considerado prova e porque o modo de apreciação da prova gravada em suporte técnico está fixada na lei: “audição ou visualização das passagens indicadas”.

Isto não quer dizer que os recorrentes não devam fazer as referidas transcrições: parece-nos até que as mesmas são muito úteis enquanto coadjuvantes na exposição do raciocínio.

Mas só neste aspecto.

No âmbito do que acima deixámos dito, é claro o supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, onde se explica, de forma clara e taxativa, que na “impugnação da matéria de facto nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal — a apreciação pelo tribunal superior (…) abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.º s 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431.º, alínea b), do Código de Processo Penal.

Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto (…) sofre, no entanto, quatro tipos de limitações.

Desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.

A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.

(…)

Por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento integral.

Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.

No caso “sub judice”, como resulta evidente das conclusões, o recorrente não impugnou a decisão nos termos acima referidos, ou seja, não especificou, nos termos dos nºs 3, alínea b. e 4, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Uma simples leitura da reprodução que delas foi feita neste acórdão confirma o afirmado e torna desnecessária qualquer explicação.

Contudo, até por força do disposto no n.º 4, do art.º 417º, não é caso para convidar à reformulação das conclusões uma vez que, constituindo o texto da motivação (stricto sensu) limite absoluto que não pode ser extravasado nas conclusões[[11]] e sendo estas, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso[[12]], há que concluir que o que não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões[[13]][[14]].

Aliás, como bem historia e explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2008 e do qual se extrai ainda que tal exigência não viola o direito ao recurso[[15]].

Ora, examinando as motivações stricto sensu verifica-se que nas mesmas também não consta a exigência legal acima referida, ou seja, a especificação nos termos pormenorizados pelo n.ºs 3, alínea b. e 4, do art.º 412º, das concretas provas que, no entendimento do recorrente, impõem decisão diversa da recorrida: o que o recorrente faz é transcrever parte das suas declarações e o depoimento das testemunhas MC...e JP... (omitindo até, em certos casos, as perguntas que as motivaram).

Ora, não é isto que a lei determina.

Como se vê, embora pretenda recorrer da matéria de facto, o recorrente não fez constar das conclusões os requisitos determinados por lei e também não o fez constar das motivações “stricto sensu”, o que equivale a dizer nunca poderiam aquelas vir a cumprir tais exigências legais porque, como se disse, constituindo o texto da motivação (stricto sensu) limite absoluto que não pode ser extravasado nas conclusões, visto serem estas o resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso, o que não constar das primeiras, não pode constar das segundas.

Assim sendo, não haveria que dar cumprimento ao disposto ao n.º 3 do art.º 417º do Código de Processo Penal, como bem sintetiza o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2009, que nos diz: “Caso a recorrente não impugne a matéria de facto nos termos legalmente prescritos, ou seja, conforme o estatuído pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP – nomeadamente indicando os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e, sobretudo, as concretas provas que imporiam decisão diversa da adoptada e, bem assim, relativamente às provas produzidas em audiência de julgamento, as concretas passagens das gravações em que se fundava a impugnação –, e isto quer na motivação, quer nas conclusões da motivação do recurso, o Tribunal da Relação, legitimamente, “limita-se” a fazer o controle do processo lógico e racional seguido na apreciação da prova pelo Tribunal de 1.ª instância e a analisar a matéria de facto do ponto de vista dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP. Numa situação como a configurada, não se impõe que o tribunal a quo faça a reapreciação da prova produzida, nem sequer que enderece convite à recorrente para corrigir as conclusões – cf. Acs. de 04-10-2006, Proc. n.º 812/06, de 04-01-2007, Proc. n.º 4093/06, e de 10-01-2007, Proc. n.º 3518/06, todos da 3.ª.”.

Pelo exposto, está afastada a possibilidade de reapreciação da prova gravada.

No entanto, sempre diremos o seguinte:

De acordo com o disposto no art.º 412.º n.º 3 al. b), a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que imponham decisão diversa da recorrida

Tal como é explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2010, onde se pode ler: “(…) não se pode deixar de ter presente que o legislador, quando se refere à especificação das provas, as restringe àquelas que imponham decisão diversa. A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina. Por aí, se limita, ainda, o recurso em matéria de facto aos casos de valoração de provas proibidas ou de valoração das provas admissíveis em patente desconformidade com as regras impostas para a sua valoração.”

Revertendo para o caso concreto:

Como acima vimos, o recorrente não especificou as provas que no seu entender impõem decisão diversa da recorrida.

Contudo, ainda que o tivesse feito, sempre a sua pretensão naufragaria.

Como já acima foi aflorado, para que a pretensão do recorrente tenha vencimento há que tomar em consideração que, como se diz no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2010, “o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”, ou seja, perante duas teses, uma do tribunal e outra dele próprio, sempre aquela prevaleceria uma vez que só poderia ceder se se revelasse errada.

O que não é o caso dos autos.

Vejamos.

O art.º 127.º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.

Tal como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 131 “… a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.

Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.

Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é “… uma convicção pessoal — até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais —, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1.º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.º 355.º do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva” … a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens” – Cfr. “Do Processo Penal Preliminar”, Lisboa, 1990, pág. 68”.

O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto

Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:

«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (…). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. – In “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234.

Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso, como se diz, por exemplo, no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (CJ, ano XXVIII, 20, página 44).

Ora, atendendo aos factos não provados, temos que concluir que a fundamentação se estriba em juízos lógico-dedutivos acertados.

Com efeito, em sede de convicção probatória, o tribunal explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando cada uma das diversas provas tidas em consideração, relacionando-as umas com as outras e explicando porque considerava pouco credíveis as declarações do recorrente e o depoimento das testemunhas CC… e JL… e porque decidia num sentido e não noutro.

Concretizando:

Relativamente às declarações do recorrente, após afirmar que as mesmas se mostraram “completamente incoerentes e contraditórias, tendo alterado a versão por si apresentada por diversas vezes, não só no que concerne à sequência como os factos se teriam passado, como às pessoas que se encontravam presentes”, o tribunal resume-as e chama à atenção para as discrepâncias consistentes no facto de inicialmente ter afirmado que o arguido que lhe deu o soco era o que se encontrava em tronco nu e posteriormente afirmar que era o que estava vestido e de ter começado por afirmar que “quando chegou apenas lá estava a arguida MD...e outra rapariga, que passado dois minutos chegou um dos filhos daquela e outra senhora, para depois mudar de versão, dizendo que um dos filhos tinha aparecido logo com a arguida MD...e o outro filho tinha aparecido um minuto depois”.

Como se vê, as incoerências são evidentes.

Também demonstra que a versão de cada testemunha é diferente da apresentada pela outra e também da apresentada pelo recorrente.

Ora, em vez de procurar demonstrar que as incoerências encontradas pelo tribunal, que se encontram claramente concretizadas e explicadas na fundamentação, não existem, o recorrente limitou-se a afirmar que não “descortina onde e como se verificaram as alegadas contradições e incoerências” (cfr. motivações, fls. 656).

Também não faz qualquer sentido afirmar que a fundamentação padece de erro porque “aquando da identificação dos arguidos no início da audiência de julgamento, foi desde logo identificado o arguido JL...como sendo o mais alto e o LF...como sendo o mais baixo e mais forte”, porque a contradição detectada pelo tribunal não se prende com a altura dos arguidos JL...e LF…, mas sim com o facto de um se encontrar em tronco nu e outro não.

Quer isto dizer que, embora pareça criticar o raciocínio do tribunal a quo, o recorrente limita-se a afirmar que o mesmo está errado, mas demite-se de apontar o erro.

Por isso, apresentando-se a decisão do tribunal devidamente fundamentada nas regras da experiência e não demonstrando o recorrente a sua razão quando afirma a violação de tais regras, mais não havia do que confirmá-la.

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Diz o recorrente:

“11ª A sentença recorrida é contraditória nos seus próprios termos. De facto a dado passo refere que os depoimentos do recorrente e das testemunhas CC...e EJ... são concertados e, quase de seguida, refere que tais depoimentos são divergentes, díspares e incongruentes.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, uma posição concertada jamais poderá ser divergente, díspar e incongruente.”

Vejamos:

O recorrente refere-se ao trecho da fundamentação onde o tribunal refere que “as inúmeras contradições e incoerências registadas nos referidos depoimentos e declarações mais não fizeram do que criar no Tribunal a firme convicção de que os mesmos foram concertados e de que os factos não se passaram tal como relatados pelo arguido e testemunhas em causa, pois que se tal versão correspondesse à verdade nunca os referidos depoimentos e declarações poderiam ser tão divergentes nem relatar com tamanha disparidade e incongruência o modo e a sequência como os factos se teriam passado.

Há apenas uma aparente contradição.

Com efeito, examinando a globalidade da fundamentação, percebe-se que a “concertação de depoimentos” nela afirmada se reporta ao facto de o tribunal ter ficado convencido de que o arguido LM... e as testemunhas CC… e JL… acordaram em apresentar uma determinada versão dos acontecimentos mas que, perante perguntas concretas sobre diversos pormenores, não foram capazes de dar resposta idêntica.

A redacção do tribunal não é a melhor, mas é perfeitamente perceptível o alcance da palavra “concertados” e não comporta uma efectiva contradição com o posteriormente afirmado.

**

Em face de todo o exposto, e não vislumbrando este tribunal que a sentença padeça de qualquer dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto.

***

Perante a manutenção da matéria de facto, está prejudicada a apreciação das demais questões levantadas no recurso pois que o recorrente fundamenta tudo o mais (condenação dos arguidos MD..., LM..., JL... e LF... como autores de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal e dos arguidos MD..., JL... e SS..., como autores um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do mesmo diploma e ainda a sua condenação em indemnização) na peticionada, mas não atendida, alteração da matéria de facto.

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Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

*

Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

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Luís Ramos (Relator)
Calvário Antunes


[1] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[2] “… vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto — insuficiência ou contradição dos factos e razões que suportam a própria decisão —, ou de erros ostensivos ou patentes na valoração da prova, que pela sua natureza e gravidade constituem verdadeira nulidade da sentença” Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/03.
Também a este respeito, diz-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008, in www.dgsi.pt que “conforme jurisprudência uniforme e já remota, se entenda que os vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo – podendo ver-se neste sentido os acórdãos do STJ de 29-11-1989, processo 40255/89-3ª; de 19-12-1990, processo 41327/90-3ª, BMJ 402, 232; de 31-05-1991, BMJ 407, 377; de 03-07-1991, CJSTJ 1991, tomo 4, 12; de 16-10-1991, BMJ 410, 610; de 13-02-1992, BMJ 414, 389; de 22-09-93, CJSTJ 1993, tomo 3, 210; de 19-11-1997, processo 873/97-3ª; de 20-11-1997, processo 1242/97-3ª; de 28-10-1998 e 29-10-1998, BMJ 480, 83 e 292.
[3] A este respeito e de uma forma clara e sintética, diz-nos o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto (…) sofre, no entanto, quatro tipos de limitações.
Desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso.
A reapreciação por esta via não é global, antes restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
Já a nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e /ou, ainda, como no caso, das transcrições.
Por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2ª instância.
A intervenção da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
A jusante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
[4] O facto de a alínea b. do art.º 431.º remeter para o n.º 3 do art.º 412.º não exclui o n.º 4 uma vez que este se limita a regular o modo de em sede de recurso apresentar as provas especificadas em b. e c. do n.º 3 que hajam sido gravadas, ou seja, o n.º 4 nada mais é do que uma extensão do n.º 3.
[5] Entre outros, v. Acs STJ de 20 de Novembro de 2008, de 29 de Outubro de 2008, de 15 de Outubro de 2008 e de 14 de Maio de 2008 (todos em www.dgsi.pt
[6] «(…) O julgamento em 2.ª instância não é o da causa, mas sim do recurso e tão-só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos de imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas e admitidas alegações escritas.» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/06, de 18/01/2006 – ACS. Do Tribunal Constitucional, 64.º Vol., p. 399)
[7] São estas e não a integralidade das declarações ou dos depoimentos que constituem as provas que impõem decisão diversa da recorrida
[8] Como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 14 de Fevereiro de 2000, Relator Dr. Baião Papão: “A referência aos suportes técnicos aludida no n.4 do artigo 412 do Código de Processo Penal é a indicação das metragens da fita gravada que contenha as declarações, depoimentos ou acareações que o recorrente decide invocar, com referência ao número e ao lado da cassete em que se inscrevam.
É insuficiente para servir de base à transcrição a simples remissão para os números das cassetes.”
[9] Acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais que serão citados sem menção de acessibilidade
[10] A este respeito, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2005 (in www.dgsi.pt) “Com o estipulado no artº 412º do CPP e outras normas complementares o que se pretende, ao ser imposto recurso, é criar um conjunto de regras de natureza prática que permitam, uma vez observadas pelos recorrentes, colocar perante o tribunal ad quem, de forma clara, as razões fácticas e jurídicas que os levam a discordar e a atacar as decisões recorridas, de modo a que o tribunal possa apreciá-las com rigor, nem mais nem menos do que é pedido (salvo obviamente a margem de actuação oficiosa). A formulação de conclusões exigindo-se a sua articulação, insere-se no mesmo propósito, mas agora de molde a apresentar-se um quadro sintético, um resumo das questões que se pretende ver submetidas ao tribunal para que se recorre. Já se tem dito que se apela ao dever de colaboração das partes e dos seus representantes com o tribunal na administração da justiça, assegurando em última instância a defesa dos direitos e objectividade da sua realização”.
[11] Neste sentido e entre muitos outros, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, de 11 de Janeiro de 2001, processo n.º 3408/00-5, de 8 de Novembro de 2001 e processo n.º 2453/01-5, de 4-12-03 (www.pgdlisboa.ptpgdljurelstj)
[12] Neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, processo n.º 328/98 (cfr. Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos e Leal-Henriques, II Volume, 2ª edição, pág. 824)
[13] A este respeito, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “O STJ tem-se pronunciado no sentido de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, pois só se pode corrigir o que está mal cumprido e não o que se tem por incumprido - acórdãos de 08-03-2006, processo 185/06-3ª; de 04-10-2006, processo 812/06-3ª; de 04-01-2007, processo 4093/06-3ª e de 10-01-2007, processo 3518/06-3ª, podendo ler-se a este propósito no acórdão de 09-03-2006, processo 461/06-5ª: “Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do art. 412º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação”.
[14] Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art. 412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…)”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.
[15] Diz-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “O Tribunal Constitucional considera que tal solução não viola o direito ao recurso, como decidiu no acórdão nº 259/02, de 18-06-2002, in DR, II Série, de 13-12-2002, posição retomada no acórdão nº 140/2004, de 10-03-2004, processo nº 565/03, in DR, II Série, de 17-04-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 58º volume, p. 633 ss. aí se afirmando: «… o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4, do Código de Processo Penal, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. (…). Não pode, pois, concluir-se que os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso em matéria penal impliquem que ao recorrente tivesse sido facultada a oportunidade para aperfeiçoar, em termos substanciais, a motivação de recurso deduzido quanto à matéria de facto, quando este não especificou as provas que impunham decisão diversa da recorrida, fazendo-o por referência aos suportes técnicos. (…). Como se disse no Acórdão nº 259/2002 (supra referido), tal “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso”.
Não pode, pois, considerar-se inconstitucional a norma em causa…».