Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
365/10.6TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAR
NULIDADE DO CONTRATO
Data do Acordão: 05/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10.
Sumário: I – Os contratos de adesão restringem de forma severa a liberdade de negociação e de estipulação, consistindo o seu traço comum na superação do modelo contratual clássico – os clientes subordinam-se a cláusulas previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios.´

II – O artº 5º do Dec. Lei º 446/85, de 25/10, dispõe que “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las; a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

III – Nos termos do artº 8º, al. a) desse diploma, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artº 5º consideram-se excluídas dos contratos singulares, isto é, a real integração das cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte.

IV – A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais, isto é, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.

Decisão Texto Integral:             ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

            I- RELATÓRIO

            I.1- «Banco A..., S.A.», com sede em Lisboa, instaurou em 1.2.10 acção especial para pagamento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra B... e C..., residentes em ..., alegando, em síntese que: - no exercício da sua actividade comercial e com vista à aquisição do veículo de matrícula 65-FD-25, por parte do R. marido, a A., por contrato datado de 24 de Outubro de 2008, concedeu ao R. crédito directo, tendo-lhe emprestado a quantia de 5.825,00 €; - nos termos de tal contrato, a A. emprestou ao R. tal quantia, com juros à taxa nominal de 15,910 % ao ano, devendo a importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão, as despesas de transferência de propriedade, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida, a serem pagos em 65 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira a 25.11.2008, e as seguintes nos dias 25 dos meses subsequentes; - segundo o acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato das restantes; - mais foi acordado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada - 15,910% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 19,910 %; - o R. não pagou a 5ª prestação e as seguintes, tendo, contudo, liquidado a 7ª prestação, vencida em 25/05/2009, vencendo-se então todas as demais prestações; - na data referida, 10.04.2006, o R. ficou a dever as 31 prestações em falta, ou seja, 6.245,57 € (31 x 201,47 €); - instado para pagar a importância assim em débito e juros respectivos, o R. fez a entrega ao A. do dito veículo, pelo que, em 10 de Setembro de 2009, procedeu esta à venda do veículo automóvel pelo preço de 1.585,19 €, quantia que ficou para a A. por conta das quantias em dívida.

Em consequência, pede a condenação do R. a pagar à A. a quantia de 7.476,15 €, acrescida de 583,17 €, de juros vencidos, mais 23,33 € de imposto de selo sobre os juros e ainda os juros que se vencerem, à taxa anual de 19,910 %, desde 02.02.2010, até integral pagamento, bem como o imposto de selo sobre os juros vincendos.

Finalmente, a A. alega que o mencionado empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR., pelo que a Ré C... é solidariamente responsável com o R. B... pelo pagamento dos valores em causa.

            Citados pessoalmente, os dois Réus deduziram separadamente oposição.

            A Ré C... alegou nunca ter subscrito qualquer operação de financiamento e, muito menos, aquela aqui em causa. Por outro lado, o bem que o marido adquiriu, sob financiamento da A., era defeituoso e foi entregue por aquele para ser vendido e, com esse valor, ser liquidado o empréstimo.

            O Réu B..., invocou defeitos no veículo adquirido por via do financiamento da A. e, devido a isso, depois de um representante desta se ter deslocado a sua casa, o R. entregou o veículo, convencido que, com a sua venda, já não pagaria mais nada. Por outro lado, alegou ter pago seis e não cinco prestações.

Por último, alegou que as cláusulas do contrato de crédito não lhe foram informadas devidamente e de forma a que compreendesse a extensão das mesmas e consequências do contrato que estava a assinar.

            Notificada das oposições, a A. a elas respondeu em extenso articulado de 20 páginas.

            Realizou-se o julgamento, e por último foi proferida sentença datada de 18.10.10, na qual se verteu a matéria de facto julgada provada e não provada, a respectiva motivação, seguindo-se, após fundamentação jurídica, a decisão a julgar a acção totalmente improcedente.

            I.2- Apelou a autora.

            Alegando, conclui nestes termos:

[…]

I.3- Contra-alegaram, em separado, os RR., batendo-se pela manutenção do julgado.

            Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

                                                           #                      #

            II – FUNDAMENTOS

            II.1 - de facto

            Foi a seguinte a factualidade com interesse para a decisão da causa, que na 1ª instância se deu como provada, e que não vem impugnada:

[…]

Julgou-se não provado, com interesse para a decisão da causa, que: no dia em que o contrato foi subscrito pelo R., a A. ou o fornecedor do veículo 65-FD-25 comunicou e explicou todas as cláusulas desse acordo.

                                               #                      #

II.2 - de direito

Como se colhe das precedentes conclusões, a questão essencial a decidir é a de saber se, conforme decidido na sentença, a A. não cumpriu perante o R., os deveres de comunicação e de informação das cláusulas constantes das condições gerais e específicas insertas no contrato de mútuo ajuizado, que assim foram dele consideradas excluídas.

Discorreu-se assim: “Da matéria assente, resulta demonstrado que, aquando da assinatura do contrato de crédito ninguém comunicou e explicitou ao R. o teor de todas as cláusulas gerais e específicas.

Na verdade, o contrato de crédito que foi junto aos autos contém condições específicas e condições gerais, pelo que, atenta a sua composição, verificamos estar perante um contrato de adesão com recurso à inserção de cláusulas contratuais gerais. (…) o contrato de crédito em análise está submetido ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais previsto no DL 446/85, de 25/10, com as alterações do DL nº220/95, de 31/08, e DL nº249/99, de 7/07. (…) para que essas cláusulas sejam tidas como aceites pelo utilizador e, como tal, objecto de mútuo acordo entre as partes, terá de ser garantido ao destinatário um perfeito conhecimento prévio de todo o clausulado. (…) dado que o R. alegou que as cláusulas do contrato não foram sequer devidamente comunicadas, é à Autora que cabia a invocação de que comunicou ao mutuário a existência e conteúdo dessas cláusulas.

Ou seja, a alegação e prova da realização da comunicação devida, tal como a alegação e prova do dever de informação competem ao dador do crédito, a aqui Autora. (…) que deveria ter alegado e provado as circunstâncias concretas de tempo e lugar e modo que teriam sido comunicadas e explicadas as cláusulas constantes do contrato de crédito aqui em causa, com a finalidade de podermos concluir ter sido cumprido o dever de informação que lhe cabia. A propósito desta matéria, F. Gravato Morais, in “Contratos de Crédito ao Consumo” (…) preconiza que o consumidor subscreve frequentemente o contrato de crédito no estabelecimento do vendedor, pelo que se questionará se esse fornecedor conhece as peculiaridades do clausulado e se tem capacidade para explicar ao consumidor os aspectos essenciais do mesmo. A norma do art.8º, al.a), do DL 446/85, prevê que as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art.5º se consideram excluídas do contrato, mantendo-se o contrato em vigor na parte restante, a não ser que, por força de tal exclusão, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais, caso em que o contrato padecerá de nulidade. Atendendo à fundamentação enunciada, não tendo a Autora demonstrado ter comunicado adequadamente o teor das cláusulas constantes das condições gerais e específicas, as mesmas têm de se considerar excluídas do contrato, com a consequente nulidade do contrato de crédito por indeterminação insuprível do seu conteúdo.”.

            Adianta-se que a solução preconizada na sentença merece a nossa concordância.

            Através desta acção, pretende a A. «Banco A...» que se condenem os RR. por incumprimento do contrato ao abrigo do qual, o banco/A. concedeu ao R. um empréstimo no montante de 5.825,00 €, para financiar o pagamento de um veículo automóvel fornecido por terceiro. Diz a A. que o R. pagou algumas prestações, não providenciando pelas transferências bancárias para pagamento das restantes prestações no valor total de 8.268,60 €, calculada nos termos das cláusulas 4ª e 8ª das condições gerais do contrato de crédito acordadas entre os contraentes, referentes à taxa de juros, cláusula penal, capitalização de juros, e vencimento imediato de todas as prestações em caso de falta de pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento.

            Na sua defesa, diz o R., para além do mais, que não foi informado devidamente e de forma a que compreendesse a extensão as cláusulas e consequência do contrato que estava a assinar.

            Normalmente, quando celebram o negócio, as partes fixam livremente o conteúdo negocial que por elas deve ser respeitado e cumprido, consequência do princípio da liberdade contratual (art.405º/C.C.). Existem porém situações em que as cláusulas ou algumas delas aparecem de antemão estabelecidas de modo geral e abstracto para uma série de contratos, e que acabam por integrar-se no contrato singular, sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos. São as chamadas cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual e aceite pela contraparte do utilizador, que se regem pelo DL 446/85, de 25.10 (art.1º/1).

Ressalta do documento apodado de “contrato de mútuo nº ...” (fls.13 e 14), que as cláusulas específicas e gerais nele inseridas são impressas em letra de tamanho reduzido, pré-ordenadas com espaços em branco que foram preenchidos (cláusulas específicas).

Trata-se de um modelo ou impresso elaborado não pelo utilizador mas por terceiro, para uma pluralidade de contratos de mútuo celebrados pela banco/A., com condições pré-formuladas (cláusulas gerais) dirigidas a uma generalidade de pessoas antes da conclusão do contrato. A circunstância de os formulários serem preenchidos na altura da conclusão do contrato não retira ás cláusulas em jogo o seu carácter de estandardizado.[1]

É seguramente certo que se está perante um contrato de adesão, padronizado, celebrado entre uma pessoa colectiva, sociedade financeira, e uma pessoa singular, definido como aquele em que um dos contraentes – o cliente, o consumidor – não tendo a menor participação na preparação e redacção das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público.[2]

O contrato de adesão restringe de forma severa a liberdade de negociação e de estipulação, consistindo o seu traço comum na superação do modelo contratual clássico. Os clientes subordinam-se a cláusulas previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios.[3]

Ás cláusulas do contrato em causa, com conteúdo previamente elaborado, é aplicável o regime das cláusulas gerais do referido DL nº446/85, de 25.10, dispondo-se no art.1º/1 que “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.

O art.5º dispõe: 1- As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las; 2- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

 Nos termos do art.8º-a) do mesmo diploma, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art.5º, consideram-se excluídas dos contratos singulares.

            De acordo com a norma do art.5º, a real integração das cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte. Torna-se necessário que o utilizador comunique na íntegra à contraparte de modo adequado para, em atenção à importância do contrato e à extensão e complexidade do clausulado, possibilitar o seu completo e efectivo conhecimento pelo cliente que use de comum diligência.

            A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais. Tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. Logo, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.[4]

            No nº3 do art.5º estabelece-se que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas recai sobre o utilizador.

            Na situação presente, porque o ónus da comunicação cabe à A./recorrente, não provando ela que as cláusulas contratuais, nomeadamente as gerais, onde se incluem as referidas 4ª e 8ª, foi comunicada ao R., devem ter-se por excluída do contrato.

E não diga agora a recorrente que cumpriu tal dever de comunicação, por as mesmas constarem do contrato antes de o R. ter assinado. Precisamente porque as condições gerais do contrato já se encontravam impressas, portanto, sem hipótese de prévia negociação limitando-se o destinatário a subscrevê-las e aceitá-las – e daí o seu carácter estandardizado -, é que a lei exige efectiva comunicação das mesmas, sobretudo as mais complexas e importantes, de tal modo que o utilizador tome real conhecimento do seu teor.

Afirmar, como afirma a recorrente, que as cláusulas foram comunicadas porque estavam impressas e o R. assinou na folha onde elas se encontravam, não pode ser considerado como uma comunicação integral adequada, que possibilitou ao R. analisá-las e conhecer o que nelas está contido. Ademais, as cláusulas gerais em referência, em letra de pequenas dimensões, logo de difícil leitura, e atento o tecnicismo do seu conteúdo, não estava ao alcance da compreensão de qualquer cidadão comum, em particular de um cidadão com baixa escolaridade como o R..

Certo é que, como vem provado, aquando da assinatura do contrato de crédito, ninguém comunicou e explicou ao R. o teor de todas as cláusulas gerais e especiais.

Também se discorda da razão invocada pela recorrente, de que houve abuso de direito da parte do R. ao invocar a nulidade do contrato, por ter entregue o veículo adquirido com o empréstimo para que a A. procedesse à sua venda. Tem-se por adquirido que o R. não conhecia com rigor as cláusulas a que se vinculou, em particular a 8ª-b) que determina o imediato vencimento das restantes prestações em caso de não pagamento atempado de uma prestação, por não lhe terem sido adequadamente comunicadas. E daí que não estivesse inibido de invocar a nulidade quando se apercebeu do seu conteúdo.

            Como antes se salientou, em decorrência do disposto no art.5º/1 e 2, a integração das cláusulas gerais no contrato está sempre dependente de comunicação ao aderente, comunicação que terá que ser integral e adequada, conducente a um conhecimento completo e efectivo.[5] Como tal, a concessão do financiamento e a posterior entrega do veículo, não constitui prova da cognoscibilidade das ditas cláusulas, como pretende a recorrente.

            Assim, a consequência imediata da falta de comunicação das cláusulas especiais e gerais do contrato ajuizado, é terem-se as mesmas excluídas, de acordo com o citado art.8º/1-a).

            E nos termos do art.9º/2 do mesmo diploma, é nulo o contrato questionado.

            O que vale por dizer que as conclusões da alegação relativamente a esta matéria terão de improceder, ficando prejudicada a apreciação da outra questão levantada no recurso - responsabilidade solidária da ré -, nos termos do art.660º/2, C.P.C..

                                                           #                      #

            III - DECISÃO

            Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença apelada.

            Custas pela apelante.

                                                                       ##


Regina Rosa (Relatora)
Artur Dias
Jaime Carlos Ferreira


[1]   Almeno de Sá, «Cláusulas contratuais gerais», pág.216.
[2]  Cfr. A. Varela, «Das obrigações em geral», Vol.I, pág. 266
[3]   Almeida Costa, «Direito das Obrigações”, 3ª ed., pág.197
[4]  Cfr. Almeno de Sá, «Cláusulas contratuais», 2ª ed., pág.233 e 240
[5]  Cfr. Ac.STJ de 8.7.03 (CJstj,tomo II/03-150)