Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1396/07.9TBCBR.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
PRESUNÇÃO
USO EXCLUSIVO
AFECTAÇÃO MATERIAL
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1418 E 1421 CC
Sumário: 1. Quando o nº 2 do art. 1421º do C.Civil prevê as partes que se presumem comuns na propriedade horizontal, estabelecendo a al. e) desse preceito legal deverem presumir-se como tal “em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos”, tem subjacente o entendimento de que tudo aquilo que não for atribuído, no título constitutivo, exclusivamente a algum condómino, não pertence ao construtor, ao vendedor do prédio ou a qualquer terceiro, mas é antes parte comum do prédio, objeto de compropriedade entre os vários condóminos.

2. Sem embargo, tem sido entendido que se configura uma destinação objetiva de uma coisa/espaço a uma fração de um prédio constituído em propriedade horizontal, quando essa coisa pela sua estrutura objetiva, pela sua situação ou por alguma outra circunstância juridicamente relevante, se encontra destinada a essa fração autónoma.

3. Isto segundo o entendimento de que uma coisa/espaço que pela sua destinação objetiva só possa servir um condómino não pode deixar de ser considerada parte própria, e tendo presente que esta destinação objetiva de que se está a falar corresponde a uma afetação material existente à data da constituição do condomínio.

4. O que precisamente ocorre numa situação como a dos autos em que o espaço/zona reivindicado apenas pode e deve servir de modo exclusivo ao uso e gozo de uma parte do imóvel (na circunstância, à fração dos RR.), na medida em que a presunção legal do condomínio horizontal, ex vi do citado art. 1421º do C.Civil, se funda na destinação ao uso ou ao gozo comum – que deve resultar de elementos objetivos – e determinam uma aptidão funcional do bem ao serviço e ao gozo coletivo.

Decisão Texto Integral:           
  Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

N (…), Ld.ª”, com sede em (...) , Coimbra, na qualidade de administradora do condomínio do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (...) , Coimbra, intentou os presentes autos de ação declarativa condenatória, com forma ordinária, contra

1.ºs – J (…) e mulher, R (…), ambos residentes em (...) , Ansião, e

2.º JC (…), residente em (...) , Ansião,

pedindo que sejam os RR. condenados:

a) - a reconhecerem que o espaço a que aludem – espaço amplo e livre, localizado entre o 4.º e o 6.º pisos, com cerca de 287 m2, não identificado no documento complementar integrante da escritura de constituição da propriedade horizontal e sem qualquer acesso ao seu espaço interior, seja através de parte comum do edifício seja através de fração individualizada – é parte comum do prédio aludido supra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 680, inscrição G – ap. 4 de 21/04/1995, e, portanto, propriedade do condomínio;

b) - a absterem-se de quaisquer atos que impeçam ou perturbem a posse do condomínio sobre aquela parte integrante e comum do aludido prédio;

c) - a entregarem-no livre e devoluto à administração do condomínio;

d) - a reporem o citado espaço no seu estado anterior, com o fechamento (tapagem) da abertura de acesso feita a partir do interior da fração “R”, mas, apenas e só, após a realização de um estudo que a administração do identificado condomínio terá que promover em ordem à abertura de um acesso ao interior do mesmo, através de parte comum do edifício, por força da factualidade vertida nos art.ºs 18.º a 20.º e 25.º da petição inicial (doravante p. i.).

Para tanto, alega, em síntese, que:

- o referido prédio é composto, para além do mais, por seis pisos destinados a habitação, sendo que, localizado entre o 4.º e o 6.º pisos existe o aludido espaço amplo e livre;

- os RR. são proprietários da fração “R” do identificado prédio urbano, correspondente a um apartamento localizado no quarto piso, designado pela letra “A”, tendo efetuado, em meados de 2005, uma abertura de acesso àquele mesmo espaço amplo e livre a partir do interior da sua fração, rasgando a parede e colocando uma porta de acesso, sem darem qualquer tipo de conhecimento ou justificação deste ato aos restantes condóminos;

- após o que procederam à divisão desse espaço, limpeza, arranjo e colocação ali de mobiliário, transformando-o, assim, numa habitação, querendo dessa forma apoderar-se de tal espaço, que lhes não pertence;

- tendo tomado conhecimento desta situação, os restantes condóminos decidiram pôr-lhe cobro, tendo deliberado, em assembleia-geral de condóminos, realizada em 10/01/2006, reivindicar para o condomínio o citado espaço, fazendo-o agora através desta ação;

- acresce que nesse espaço existe, desde o início da construção do edifício, um poço de acesso a uma linha de água que o atravessa, para obviar ao eventual perigo de inundação, o que, a ocorrer, exigirá uma intervenção célere por parte da administração do condomínio em ordem à sua debelação, donde a necessidade de não manter esse espaço sem qualquer tipo de acesso ao seu interior;

- tal espaço, excluído das partes comuns do edifício que são imperativamente comuns, é parte presuntivamente comum, de acordo com o disposto no art.º 1421.º, n.º 2, do Código Civil (doravante C.Civil), devendo ser restituído ao condomínio.

Conclui pela procedência da ação.

Contestaram os RR. J (…) e JC (…) (cfr. fls. 26 e segs.):

- excecionando a ilegitimidade ativa, pois que a A. não foi validamente nomeada administradora do condomínio, bem como a ilegitimidade passiva, já que, sendo o R. (…) casado no regime da comunhão de adquiridos, deveria ter sido demandado também o seu cônjuge, o que não ocorreu nos autos, e que, por outro lado, quem deveria ser demandada era a empresa “M (…), Ld.ª”, pois que foi ela a construtora do edifício e vendedora da dita fração “R” e do espaço em causa, tudo com a consequência processual da absolvição dos RR. da instância;

- impugnando diversa factualidade alegada na p. i.;

- alegando que é impossível criar noutra fração ou espaço comum outro acesso ao dito espaço, o qual, em termos de projeto de arquitetura, constitui um espaço morto e totalmente desafetado do condomínio, sendo que cada fração autónoma tem a área que lhe cabe, não podendo os condóminos reivindicar um espaço que não pagaram, nem fez parte do objeto negocial, bem sabendo tanto da fração que iriam adquirir e das áreas que constituíam partes comuns;

- no espaço aludido passam centenas de canos condutores de água e esgotos, bem como centenas de cabos elétricos , tendo os construtores optado, em vez o atulhar com terras, por reservá-lo para a única fração que dela pode fisicamente dispor, a dita fração “R”, agora propriedade dos RR.;

- o aludido poço está tapado e, ainda que assim não fosse, não haveria risco de inundação;

- o espaço em causa está na posse dos RR., que são seus proprietários, agindo como os seus antecessores, sendo que do título constitutivo da propriedade horizontal não consta que tal espaço seja parte comum, devendo excluir-se das partes comuns as coisas que pela sua afetação ou destinação objetiva apenas sirvam um dos condóminos, o que ocorre no caso.

Concluem pela procedência da dita exceção de ilegitimidade, com a consequente absolvição dos RR. da instância, ou, a assim não se entender, pela improcedência total da ação, por não provada.

Replicou a A. (fls. 40 e segs.), impugnando factualidade vertida pelos RR. em sede de contestação, bem como os argumentos pelos mesmos expendidos, assim concluindo pela improcedência das exceções deduzidas e, bem assim, como na sua petição inicial.

Designada a audiência preliminar, foi depois proferido despacho saneador, vindo a afirmar-se a verificação dos pressupostos de validade e regularidades da instância, designadamente a legitimidade das partes, assim resultando improcedente a excecionada ilegitimidade ativa e passiva.

Procedeu-se à elaboração do elenco dos factos assentes e dos quesitos da base instrutória, de que não veio a ser apresentada qualquer reclamação.

Vieram os RR. interpor recurso de despacho proferido em matéria de provas, o qual foi admitido, como de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 109 e v.º).

Prosseguiram os autos para a fase de julgamento, vindo a proceder-se, com observância do legal formalismo, à audiência de discussão e julgamento, com intervenção do Tribunal Singular e gravação das provas, como das respetivas atas consta.

Discutida a causa, foram respondidos, sem qualquer reclamação, os quesitos formulados, pela forma constante de fls. 210 a 216.

Não apresentaram as partes alegações escritas acerca do aspeto jurídico da causa, nos termos do disposto no art.º 657.º do C.P.Civil.

                                                           *

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados, após o que se considerou, em suma, que resultando ser o espaço em causa imperativamente comum, não poderia contudo declarar-se comum coisa que o título constitutivo da propriedade horizontal omite, enquanto não tiver sido declarada a nulidade deste, e bem assim superada a dita situação de clandestinidade, relativamente ao que importava dar conhecimento à competente entidade administrativa, nessa medida improcedendo a ação no seu essencial, o que se concretizou no seguinte concreto “dispositivo”:

«Pelo exposto, e decidindo, julga-se a acção improcedente, por não provada, termos em que vão os RR. absolvidos do contra si peticionado.

*

Após trânsito em julgado, dê-se conhecimento da situação à competente entidade administrativa, com certidão da sentença.

*

Custas pelo A., atento o seu decaimento.

*

Registe-se e notifique-se.»

                                                                              *

            Inconformada com essa sentença, apresentou a A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

            Não foi apresentada qualquer contra-alegação.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso[2], cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil:

            - incorrecta valoração da prova produzida, que levou ao incorrecto julgamento dos factos dados como provados que constituem as respostas dadas ao quesito 17º [“O espaço em apreço, em termos de projeto de arquitetura, constitui um espaço morto e totalmente desafetado do condomínio”] e 20º [“Os construtores reservaram aquele espaço para a fração de que os RR. são proprietários”], sustentando que não devia ter sido dada como provada a factualidade constante dos mesmos?;

- desacerto da decisão de direito, na medida em que o espaço objeto dos autos teria que ser considerado necessariamente como parte comum do imóvel (e consequentemente como propriedade de todos os condóminos), por ser parte presuntivamente comum nos termos do disposto na al. e) do nº2 do art. 1421º do C.Civil, o que não foi ilidido, acrescendo que a norma do art. 1418º do mesmo C.Civil, só determina a nulidade do título constitutivo, automaticamente, se faltar a especificação exigida no nº 1 desta?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que a A./recorrente tal impugna. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

I – Por escritura pública outorgada em 06/10/1997, no 2.º Cartório Notarial de Coimbra, lavrada a fls. 35 a 37 do Livro 471-B, foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano sito na Rua (...) (anteriormente denominada Rua (...) ), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) , concelho de Coimbra, sob o n.º 680, inscrição G – apresentação 4 de 21/04/1995, conforme documento junto a fls. 7 a 13, que se dá por integralmente reproduzido. [al. A) dos Factos Assentes];

II – Segundo o invocado título, o referido prédio urbano tem 25 frações autónomas, distintas, independentes, isoladas entre si e com acessos independentes, designadas pelas letras “A” a “AB”, destinando-se a habitação e estacionamento ou garagem, com exceção da fração “AB”, destinada, exclusivamente, a garagem e arrumo. [al. B) dos Factos Assentes];

III – O referido prédio urbano é composto por oito pisos e logradouro, sendo que os dois primeiros são exclusivamente destinados a lugares para estacionamento (1.º piso), garagens individuais (2.º piso) e arrumos em ambos os pisos referidos, e os restantes seis destinados a habitação. [al. C) dos Factos Assentes];

IV – Os RR. são proprietários da fração “R” do identificado prédio urbano, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de (...) , concelho de Coimbra, sob o art.º 2535, correspondente a um apartamento localizado no quarto piso, o primeiro de nascente, designado pela letra “A”. [al. D) dos Factos Assentes];

V – Esta fração “R” esteve na posse do construtor, promotor e vendedor do citado imóvel – “M (…), Ld.ª” – desde a conclusão do imóvel até à data da sua aquisição pelos ora RR., no ano de 2004/2005. [al. E) dos Factos Assentes];

VI – Os restantes condóminos deliberaram, por maioria de votos, em assembleia-geral de condóminos, realizada em 2006/01/10, reivindicar para o condomínio o espaço ora reivindicado. [al. F) dos Factos Assentes];

VII – Promovendo, numa primeira fase extrajudicialmente, uma tentativa de resolução amigável através de um pedido aos ora RR., por carta registada com aviso de recepção, para procederem ao encerramento da abertura de acesso ao espaço supra referido. [al. G) dos Factos Assentes];

VIII – As frações encontram-se devidamente caracterizadas e individualizadas e possuem a respetiva permilagem que é parte do todo que corresponde ao edifício. [al. H) dos Factos Assentes];

IX – As permilagens estão corretas e correspondem à unidade. [al. I) dos Factos Assentes];

X – Cada condómino teve perfeito conhecimento tanto da fração que iria adquirir como das áreas que constituíam partes comuns. [al. J) dos Factos Assentes];

XI – Existe um poço no interior do espaço reivindicado. [al. L) dos Factos Assentes];

XII – Do título não consta que o espaço reivindicado seja parte comum e não está identificado no conjunto de frações descritas no documento complementar integrante da escritura de constituição da propriedade horizontal do citado prédio urbano. [al. M) dos Factos Assentes];

XIII – Entre o 4.º e o 6.º pisos, existe um espaço fechado sem qualquer acesso a partir do exterior e sem qualquer acesso a partir de qualquer das partes comuns do edifício, sendo que existe abertura de acesso àquele espaço apenas a partir do interior da fração dos RR., abertura essa efetuada em parede da fração aludida dos RR., com uma porta de acesso, sendo que a aludida fração dos RR. se situa, espacialmente, mais próxima e direta relativamente ao dito espaço, nada tendo os RR. dito sobre o assunto aos demais condóminos. [resposta aos quesitos 1.º a 5.º];

XIV – O aludido espaço fechado encontra-se limpo, com acabamento e mobiliários no seu interior, bem como dividido em quartos, casas de banho e outros compartimentos, constituindo, assim, um espaço habitável. [resposta ao quesito 6.º];

XV – A abertura referida em L) é de acesso a um curso de água que nasce no local e que o construtor do edifício, ao edificá-lo, recolheu em canal de escoamento em manilhas, deixando caixa de visita para o caso de alguma vez ser necessário ali aceder. [resposta ao quesito 7.º];

XVI – O espaço em apreço, em termos de projeto de arquitetura, constitui um espaço morto e totalmente desafetado do condomínio. [resposta ao quesito 17.º];

XVII – Na zona da cobertura do dito espaço em causa passam canos condutores de água e esgotos, bem como cabos elétricos. [resposta ao quesito 19.º];

XVIII – Os construtores reservaram aquele espaço para a fração de que os RR. são proprietários. [resposta ao quesito 20.º].

                                                                       *

3.2 –

(…)

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão igualmente supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido desacerto da decisão de direito desacerto da decisão de direito, na medida em que o espaço objeto dos autos teria que ser considerado necessariamente como parte comum do imóvel (e consequentemente como propriedade de todos os condóminos), por ser parte presuntivamente comum nos termos do disposto na al. e) do nº2 do art. 1421º do C.Civil, o que não foi ilidido, acrescendo que a norma do art. 1418º do mesmo C.Civil, só determina a nulidade do título constitutivo, automaticamente, se faltar a especificação exigida no nº 1 desta:

            Se bem captamos o sentido do sustentado pela Autora/recorrente, este seu fundamento tinha como pressuposto lógico e jurídico necessário dar-se como não provada a factualidade constante das respostas dadas aos quesitos 17º e 20º.

            Pois que a Autora/recorrente seguramente intuiu a importância da afirmação incontornável de que o espaço em causa era necessariamente ou inquestionavelmente “comum”, nos termos do disposto na al.e) do nº2 do art. 1421º do C.Civil.

            Efetivamente, compulsado o preceito do nº1 do artº 1421º do C.Civil, logo se conclui que o espaço discutido nestes autos, pela sua natureza e características, não se reconduzia a nenhum dos que vêm previstos em tal preceito, que o mesmo é dizer, seguramente não se tratava de um espaço imperativamente “comum”.

            Acontece que, prevendo o nº 2 do mesmo artigo as partes que se presumem comuns, estabelece a al. e) desse preceito legal deverem presumir-se como tal “em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos”.

            Pois que, consabidamente, tudo aquilo que não for atribuído, no título constitutivo, exclusivamente a algum condómino, não pertence ao construtor, ao vendedor do prédio ou a qualquer terceiro, mas é antes parte comum do prédio, objeto de compropriedade entre os vários condóminos. 

            Sem embargo, ainda que se tenha alterado a resposta dada ao quesito 17º (de “O espaço em apreço, em termos de projeto de arquitetura, constitui um espaço morto e totalmente desafetado do condomínio” para “Ao espaço em apreço, em termos de projeto, não foi conferido qualquer uso específico”), cremos que não pode afirmar-se que o espaço ajuizado não se encontrava afetado ao uso da fração “R” dos ora RR./recorridos.

            Ao invés, em nosso entender, resulta da devida conjugação da factualidade provada, que o dito espaço tinha uma destinação objetiva a essa fração “R”!

            Senão vejamos.

            Tem sido entendido que configura uma destinação objetiva de uma coisa/espaço a uma fração de um prédio constituído em propriedade horizontal, quando essa coisa “pela sua estrutura objetiva, pela sua situação ou por alguma outra circunstância juridicamente relevante, se encontra destinada à fração autónoma  (v.g., um jardim a que só se possa aceder pela sala do rés-do-chão). Estas coisas que, não estando especificadas no título constitutivo, deveriam ser consideradas comuns, nos termos da presunção do nº2 do art. 1421º, não poderão, todavia, deixar de ser consideradas como partes próprias. A destinação objectiva da coisa funciona como um elemento limitador do seu domínio.”[3]

            Segundo esta linha de entendimento, uma coisa/espaço que pela sua destinação objetiva só possa servir um condómino não pode deixar de ser considerada parte própria.

            Isto naturalmente tendo presente que esta destinação objetiva de que se está a falar corresponde a uma “afetação material (…) existente à data da constituição do condomínio.[4]

            Ora, cremos ser precisamente uma tal situação de afetação material ou destinação objetiva do espaço ajuizado relativamente à fração “R” dos aqui RR./recorridos que ocorre no caso vertente.

            Na verdade, esse dito espaço, pelas suas características estruturais objetivas e situação real/material, como tal existente e operada pelos construtores/vendedores, a saber, encontrar-se contíguo à fração “R” dos aqui. RR./recorridos, ao nível do exterior do edifício, entre o 4.º e o 6.º pisos, mais concretamente enquanto “espaço fechado sem qualquer acesso a partir do exterior e sem qualquer acesso a partir de qualquer das partes comuns do edifício, sendo que existe abertura de acesso àquele espaço apenas a partir do interior da fracção dos RR., abertura essa efectuada em parede da fracção aludida dos RR., com uma porta de acesso, sendo que a aludida fracção dos RR. se situa, espacialmente, mais próxima e directa relativamente ao dito espaço” (cf. facto provado sob “XIII”), sendo certo que “Os construtores reservaram aquele espaço para a fracção de que os RR. são proprietários” (cf. facto provado sob “XVIII”), face a tudo o que, quanto a nós, o dito espaço/zona apenas pode e deve servir de modo exclusivo ao uso e gozo de uma parte do imóvel – na circunstância, à dita fração “R” dos aqui RR./recorridos.  

            O que bem se compreende, na medida em que a presunção legal do condomínio de algumas partes do edifício constituído em propriedade horizontal, ex vi do citado art. 1421º do C.Civil, funda-se na destinação ao uso ou ao gozo comum – que deve resultar de elementos objetivos – e determinam uma aptidão funcional do bem ao serviço e ao gozo coletivo.

            Acontece que tal não vislumbramos que ocorra no caso vertente – aqui se incluindo o que vem referido nos factos provados sob “XI”, “XV” e “XVII”!

Antes pelo contrário, esta apurada destinação objetiva do dito espaço/zona ajuizado à fração “R” dos aqui RR./recorridos, obsta à presunção de comunhão da mesma…

            Sendo certo que, também quanto a nós, “(…) a destinação objectiva não afasta a presunção de comunhão do artigo 1421.º, n.º2, mas impede, obsta à sua actuação. É um factor pré-negocial ou, pelo menos, extranegocial. Está antes e para além do título constitutivo, não ao lado dele.[5]

            O que tudo serve para dizer que, com base nesta linha de entendimento e enquadramento, sempre improcederia a reivindicação do dito espaço/zona ajuizada que a Autora/recorrente veio impetrar através da propositura da ação.

            Pois que, quanto a nós, resultou desta forma apurado que são os RR./ efetivamente proprietários daquele espaço que já vêm possuindo, enquanto integrante da sua fração autónoma “R”, espaço esse ao qual mais ninguém consegue aceder!

            Não obstante, igualmente se apura e subsiste como incontornável que o uso “habitacional” que os RR./recorridos vêm fazendo do dito espaço/zona, após as obras de adaptação nele feitas, é ilícito, por não licenciadas as obras pela entidade camarária competente, e nessa medida desconformes ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aplicável.[6]

            Donde igualmente é de sancionar e manter a ordem de comunicação da situação à Câmara Municipal de Coimbra, que constava da sentença recorrida, face à apurada obra “clandestina” nesse espaço/zona feita pelos RR./recorridos.  

            Face ao que consideramos prejudicada a apreciação da situação em termos da eventual indispensabilidade da declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal – como sufragado na sentença recorrida como fundamento para a improcedência da ação! – ou da não verificação de uma tal nulidade – na interpretação do art. 1418º do C.Civil constante das alegações recursivas.

  Assim, sem necessidade de maiores considerações e brevitatis causa, improcede o presente recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Quando o nº 2 do art. 1421º do C.Civil  prevê  as partes que se presumem comuns na propriedade horizontal, estabelecendo a al. e) desse preceito legal deverem presumir-se como tal “em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos”, tem subjacente o entendimento de que tudo aquilo que não for atribuído, no título constitutivo, exclusivamente a algum condómino, não pertence ao construtor, ao vendedor do prédio ou a qualquer terceiro, mas é antes parte comum do prédio, objeto de compropriedade entre os vários condóminos.

II – Sem embargo, tem sido entendido que se configura uma destinação objetiva de uma coisa/espaço a uma fração de um prédio constituído em propriedade horizontal, quando essa coisa pela sua estrutura objetiva, pela sua situação ou por alguma outra circunstância juridicamente relevante, se encontra destinada a essa fração autónoma.

III – Isto segundo o entendimento de que uma coisa/espaço que pela sua destinação objetiva só possa servir um condómino não pode deixar de ser considerada parte própria, e tendo presente que esta destinação objetiva de que se está a falar corresponde a uma afetação material existente à data da constituição do condomínio.

IV – O que precisamente ocorre numa situação como a dos autos em que o espaço/zona reivindicado apenas pode e deve servir de modo exclusivo ao uso e gozo de uma parte do imóvel (na circunstância, à fração dos RR.), na medida em que a presunção legal do condomínio horizontal, ex vi do citado art. 1421º do C.Civil, se funda na destinação ao uso ou ao gozo comum – que deve resultar de elementos objetivos – e determinam uma aptidão funcional do bem ao serviço e ao gozo coletivo.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos, ainda que com fundamentos parcialmente diversos.  

            Custas do recurso pela A./recorrente.

                                                                                   Coimbra, 30 de Junho de 2015

                                                 Luís Filipe Cravo (Relator)

                                           (António Carvalho Martins)

                                                    (Carlos Moreira)


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carvalho Martins
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Decidido que foi – e já transitado em julgado! – o recurso que questionava a admissão do rol de testemunhas da A., donde a plena validade da produção de prova que teve lugar oportunamente, e a sentença proferida em função disso, como tudo melhor flui do nosso anterior despacho de fls. 546-547.   
[3] Citámos SANDRA PASSINHAS, in “ A Assembleia de Condóminos e o Administrador na propriedade Horizontal”,  Coimbra, Livª Almedina, 2ª ed. 2001, a págs. 45-46.
[4] Assim o entendem ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, no “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., 1987, Coimbra Editora, a págs. 423, invocando que “Se, por exemplo, determinado logradouro só tem acesso através de uma das fracções autónomas do rés-do-chão, deve entender-se que pertence a esta fracção (…). E o mesmo se diga, ainda a título de exemplo, do sótão ou das águas furtadas do edifício, quando, no todo ou por parcelas, estejam apenas em comunicação com a fração ou as frações autónomas do último piso (faltando esta afectação material, o sótão será comum…)”.  
[5] Citámos novamente a já referenciada SANDRA PASSINHAS, em obra e local supra referidos na nota [5], ora a págs. 47.
[6] Cf. constante e aprovado pelo DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro, na sua atual redação.