Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/16.0T9MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
DEFINIÇÃO LEGAL DE DOCUMENTO
REPRODUÇÃO FOTOGRÁFICA
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO INST. CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 255.º E 256.º DO CP
Sumário: Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 255.º e 256.º do CP, um fotografia – reproduzindo um “cenário” concretizado na aposição de “um ferro com arame e uma argola e dois pilares em pedra sustentando um cancela”, com o propósito de fazer prova dos limites de determinada propriedade –, não integra o conceito de documento.
Decisão Texto Integral:







Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 5/16.0T9MGL, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Viseu – Juízo Inst. Criminal – Juiz 1, finda a fase de inquérito, o Ministério Público proferiu despacho final determinando o arquivamento dos autos quer relativamente ao denunciado crime de falsificação de documentos, quer quanto aos crimes de falsidade de depoimento e falsidade de testemunho, em relação ao primeiro por entender que «os factos imputados aos arguidos não consubstanciam a prática de qualquer crime de falsificação de documentos …», no que concerne aos segundos por não ter sido possível recolher indícios suficientes que permitissem concluir pela prática por parte dos arguidos «dos crimes de falsidade de depoimento (no caso da arguida C... ) e de falsidade de testemunho (no caso dos demais arguidos)» - [cf. fls. 279 a 284].

2. Requerida que foi, pelo assistente A... , a abertura da instrução, realizados os atos instrutórios teve lugar o debate instrutório, na sequência do qual, por despacho de 18.01.2017, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

1) Não pronunciar a arguida C... pelos factos que constam do RAI e pela prática de um crime de alteração de marcos, p.p.p. artigo 216.º, um crime de falsificação de documento, p.p.p. artigo 256.º, al. a) e d) e um crime de falsidade de depoimento, p.p.p. artigo 359.º, todos do CP;

2) Não pronunciar os arguidos E... , F... , G... e H... pelos factos que constam do RAI e pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p.p.p. artigo 360.º do CP.

3. Inconformado com a decisão recorreu o assistente, formulando as seguintes conclusões:

1. O Assistente apresentou queixa contra os arguidos C... , E... , F... , G... e H... , imputando-lhe a prática de crimes de alteração de marcos, falsificação de documentos, falsidade de depoimento (no caso da arguida C... ) e de falsidade de testemunho (no caso dos demais arguidos).

2. Tais factos foram praticados no âmbito do processo n.º 79/2015 do Julgado de Paz de Carregal do Sal, em que são demandantes A... (assistente nos presentes autos) e mulher B... e demandados C... e marido D... .

3. Do ponto de vista fáctico, em causa está, para além do depoimento de parte e dos testemunhos prestados na audiência de julgamento do referido processo (crimes de falsidade de depoimento e de testemunho), a alegada colocação de objetos, o seu registo fotográfico e a sua apresentação no processo como prova (crime de falsificação de documentos).

4. Fixa a lei que se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respetivos – o artigo 283º, n.º 2, define como suficientes os indícios “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Posto isto,

5. Do crime de alteração de marcos p.p.p. artigo 216.º do CP;

6. Sobre esta matéria, importa atentar ao disposto no artigo 216.º do Código Penal.

7. Não é verdade que o assistente não tenha alegado os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em causa, nomeadamente, a existência anterior dos marcos.

8. Para tal, basta atentar na queixa-crime apresentada.

9. Para se concluir que foram alegados os elementos do tipo em causa.

10. De facto, como alegado e documentado, a arguida C... , com intenção de apropriação de coisa móvel alheia (prédio de que o assistente é proprietário), para si, arrancou e alterou os marcos.

11. Isso mesmo, aliás, resulta do documento que ora se junta e cujo teor se dá por reproduzido.

12. Trata-se de um auto de ocorrência, elaborado pela GNR.

13. Como resulta dos mesmos, 7 de Janeiro de 2015, a aqui arguida, afirmou “agora estava a delimitar o caminho com dois pilares, mais pequenos que os penedos que ali estavam antigamente” e, “andavam por conta da Sra Lusitania”.

14. Neste documento está concretizado e confessado a existência de uma anterior marco, colocado, alterado pela arguida.

15. Alegados e provados os elementos do tipo em causa:

a. A existência de marcos,

b. A sua alteração,

c. A intenção de apropriação de terreno, por parte da arguida.

16. Provado que foi a arguida C... que colocou o ferro com arame e uma argola, bem como dois pilares sustentados numa cancela.

17. Deve, como se requer, a arguida C... ser acusada, julgada e condenada pelo crime de alteração de marcos.

18. E quanto aos crimes de falsificação de documentos, de falsidade de testemunho, de falsidade de depoimento p.p.p. artigo 359.º do CP, dir-se-á:

19. Assente que as fotografias elaboradas pela Arguida C... , são documentos nos termos e para os efeitos do artigo 255.º, alínea a),

20. Importa, também, dar por assente, pela prova carreada para os autos, que as mesmas fotografias são documentos falsos.

21. E são documentos falsos porque, retratam uma “realidade fabricada”.

22. Retratam um cenário que nunca existiu, e que foi composto para que as fotografias pudessem ser elaboradas.

23. Para que as mesmas fotografias pudessem ser apresentadas em Tribunal como meio de prova.

24. E a montagem desse cenário concretizou-se com a criação de Marcos, como resulta da alínea g) do artigo 202º do Código Penal.

25. E patente a contradição entre o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de inquérito e o depoimento dos arguidos, proferido na audiência de julgamento.

26. Em sede de audiência de julgamento vieram os arguidos atestar a existência de dois pilares em pedra sustentando uma cancela impedindo o acesso à propriedade do seu legítimo dono e possuidor.

27. Como vieram declarar ter existido na extrema da propriedade, um muro de pedra que recentemente teria sido retirado, e impedia o acesso à propriedade e à casa, e que o mesmo acesso seria feito no lado norte (extrema norte).

28. Tudo declarações que foram contrariadas pelo depoimento das testemunhas inquiridas no presente processo, em sede de inquérito.

29. Não se trata, como se conclui, em nosso modesto entender, de “duas versões distintas”, mas, antes, uma verdadeira e uma falsa.

30. O que, além do mais, resulta do facto de a referida extrema norte ser uma encosta com um desnível superior a três metros de altura.

31. Facto que por si só põe em evidência a falsidade dos depoimentos prestados neste ponto.

32. Falsidade que resulta, ainda, das duas fotografias aéreas tiradas pelo Exército Português datadas, uma de 1965 e outra de 1974, e obtidas junto dos serviços competentes, evidenciando a inexistência do muro, cancela, ferro e arames que

33. os arguidos afirmaram existirem no local desde sempre.

34. Também estes documentos, e por si só, põem em evidência a falsidade das declarações prestadas pelos arguidos na audiência de discussão e julgamento.

35. Documentos que não foram sequer valorados no despacho de arquivamento.

36. E, novamente, erradamente, em nosso modesto entender, também, agora, não foram valorados pelo Senhor Juiz de Instrução.

37. Não se trata de duas versões distintas, sem mais.

38. Trata-se de versão falsa, por parte da arguida, declarada e testemunhada por todos os arguidos, sustentada em depoimentos e documentos falsos com alteração de marcos.

39. De outro modo, se apenas existem versões distintas, então, nunca existirá a prática dos crimes denunciados.

40. Os arguidos cometeram os crimes denunciados.

41. Sendo que, a prática desses crimes, está devidamente evidenciado nos autos, testemunhal e documentalmente.

42. A Arguida C... por forma a adulterar a verdade dos factos em discussão, colocou um ferro com um arame e uma argola no local objeto dos autos por forma a enganar o Tribunal, pretendendo criar a convicção de que o dito arame serviria para prender uma alegada cancela, qua ali nunca existiu (cfr. documento nº 3, 4 e 5 juntos com a denúncia, cópias das fotografias juntas pela Arguida e por esta identificadas como Documentos 4, 5 e 6).

43. A mesma Arguida, e ainda com o intuito de adulterar a verdade dos factos, colocou também dois pilares em pedra sustentando uma cancela – também por si colocada e fechada a cadeado – impedindo o acesso à propriedade do seu legítimo dono e possuidor. (cfr. Documento nº 6 e 7 juntos com a denúncia, cópias das fotografias juntas pela participada e por esta identificadas como Documentos 1 e 3, bem como, de novo, os documentos 3 e 4).

44. Após as Arguidas C... e E... fotografaram o cenário que assim criaram, com o intuito concretizado de juntarem aquelas fotografias ao processo que então corria termos no Julgado de Paz de Carregal do sal.

45. Os Arguidos (todos) declararam depois em audiência de discussão e julgamento que aqueles Marcos (o ferro com um arame e uma argola bem como dois pilares em pedra sustentando uma cancela) sempre existiram naquele local.

46. Bem como, ao afirmarem nunca ali ter existido passagem para o Sr. I... .

47. E mais ainda, afirmando ter existido na extrema desta propriedade, um muro de pedra que recentemente teria sido retirado, e impedia o acesso à propriedade e à casa, e que o mesmo acesso seria feito no lado norte (extrema norte).

48. Isto quando na extrema norte a encosta junto ao caminho tem mais de 3 metros de altura.

49. Todos os arguidos sabem que tudo quanto testemunharam em audiência de julgamento é falso.

50. E com a mesma falsidade, afirmaram ainda que o Sr. I... era um homem solteiro, quando este na verdade era casado e pai de sete filhos.

51. A Arguida C... , cometeu com esta relatada conduta um crime de alteração de marcos, previsto e punido pelo artigo 216º, em concurso com um crime de falsificação de documento previsto e punido pela artigo 256º, alíneas a) e d) e um crime de falsidade de depoimento, previsto e punido pelo artigo 359º, todos do Código Penal.

52. Os Arguidos E... , F... , G... e H... , cometeram, com a relatada conduta um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo artigo 360º do Código Penal.

Termos em que, por violação do legalmente disposto, acima enumerado, deve o recurso ser julgado procedente, a decisão recorrida revogada e, consequentemente, deve ser proferido despacho de pronúncia dos Arguidos, pelos crimes acima identificados, e, em consequência, ordenar-se o envio dos presentes autos para julgamento, tudo com as legais consequências.

4. Por despacho exarado a fls. 464 foi o recurso admitido.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1. Do inquérito instaurado não foram reunidos indícios suficientes para deduzir acusação contra as arguidas.

2. As diligências levadas a efeito em sede de instrução não trouxeram aos autos novos elementos que infirmassem a matéria coligida e examinada n inquérito.

3. Da decisão sob recurso resulta que o julgador se baseou, de forma expressa, nos meios de prova que indicou e particularizou, os quais apreciou no seu conjunto e de forma articulada, chegando em alguns casos a explicitar o confronto que fez entre os meios de prova para melhor explicar a razão pela qual parte da versão do assistente e de algumas testemunhas o não convenceram e, portanto, não mereceram crédito ao tribunal.

4. Como consequência concluiu a Sr.ª Juíza a quo ser mais provável a absolvição das arguidas em sede de julgamento do que a sua condenação.

Assim, mantendo-se a douta decisão que não pronunciou os arguidos, farão, Vossas Excelências, como sempre, e mais uma vez, Justiça.

6. Também os arguidos reagiram ao recurso, concluindo:

1. A queixa apresentada pelo Assistente, e que esteve na base da instauração do procedimento criminal contra os arguidos, não tem qualquer sustentação fáctica nem legal;

2. O processo penal não pode ser o refúgio da parte que vê ser-lhe negada uma qualquer pretensão pelos Tribunais (sejam eles judiciais, Julgados de Paz ou outros) para daí tirar desforço, exercer vingança ou retirar dividendos que lhe permitam instaurar novas ações judiciais que de outra forma não conseguiriam, configurando tal conduta um atentado à Justiça e ao Estado de Direito;

3. No inquérito realizado não foram recolhidos quaisquer indícios suficientes que permitam deduzir acusação contra a arguida C... , nem contra os demais arguidos;

4. Também as diligências probatórias levadas a cabo no decurso da instrução não permitem infirmar a factologia apurada em sede de inquérito, nem pôr em causa o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público;

5. Aliás, tais diligências só serviram para confirmar o acerto daquele despacho de arquivamento;

6. A decisão instrutória apresenta-se devida e corretamente fundamentada, quer na específica e particular análise crítica dos factos que forma coligidos ao longo do processo (tanto na fase de inquérito, como na fase da instrução), quer na interpretação e justificação da Lei;

7. A conclusão da M. Juiz de Instrução de que não foram recolhidos nos autos indícios suficientes para acusar a arguida C... e demais arguidos pelos factos e crimes que o Assistente lhes imputou, atento o disposto nos art.ºs 286.º, 308.º, n.º 1 e 283.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não merece qualquer crítica, pois que a probabilidade da absolvição dos mesmos em sede de julgamento é muito maior do que a da sua condenação.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o douto suprimento de Vªs Exas., deve ser mantida a decisão proferida pela M. Juiz de Instrução de não pronúncia dos arguidos, com o que Vossas Excelências farão inteira e sã Justiça.

7. Na Relação o Exmo. Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer defendendo a correção da decisão de não pronúncia dos arguidos pelos crimes que lhes foram imputados, pronunciando-se, assim, no sentido de o recurso não merecer provimento.

8. Cumprido o n.º 2 do artigo 417º do CPP nenhum dos sujeitos processuais reagiu.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Considerando as conclusões, pelas quais, sem prejuízo do conhecimento das questões de natureza oficiosa, se delimita o objeto do recurso, cabe a este tribunal apreciar se ao não pronunciar a arguida C... pela prática dos crimes de alteração de marcos, de falsificação de documento e de falsidade de depoimento, p. e p. respetivamente pelos artigos 216.º, 256.º, n.º1, alíneas a) e d) e 359.º, todos do C. Penal, e os arguidos E... , F... , G... e H... pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º do mesmo diploma, violou o despacho recorrido o disposto os supra citados preceitos.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho recorrido [transcrição parcial]:

[…]

II- Fundamentação da decisão:

Cabe agora proferir a decisão a que alude o art. 307º do CPP.


***

De acordo com o art.º 286º do CPP:

“1- A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

(...) ”.

Por seu turno o art.º 308º do mesmo diploma preceitua:

“1- Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Sobre indícios dispõe o art.º 283º, nº2 do CPP que: “ Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.

Da conjugação dos citados artigos conclui-se que para a pronúncia do arguido basta a existência de indícios suficientes da prática do crime. De facto, a instrução não visa, ao contrário do julgamento, a demonstração da realidade dos factos da causa, a certeza jurídica, mas apenas a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito.

Tal como refere o Figueiredo Dias a suficiência dos indícios que legitima a submissão de alguém a julgamento só ocorrerá quando: “seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição (in Direito Processual Penal, I, 1974, pág. 133).

A este respeito refere, ainda, Germano Marques da Silva: “ o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido” (in do Processo Preliminar, p. 347 e 348).

É verdade que o entendimento sobre a noção de indícios suficientes não é unanime.

De facto, há quem defenda (como parece defender o Prof. Germano Marques da Silva, acabado de citar), que quando a possibilidade de futura condenação for mais provável do que a possibilidade de absolvição deve o arguido ser pronunciado, posição esta que acaba por ter o acolhimento de grande parte da jurisprudência, que defende ainda que a fase de instrução não pode nem deve ser confundida com a fase do julgamento.

Contudo, há ainda quem tenha uma posição mais exigente. Na verdade há os defensores do critério da possibilidade particularmente qualificada, em que os diversos elementos de prova, relacionados e conjugados, fazem nascer uma convicção de alta probabilidade de que o arguido, em julgamento, será condenado (como parece defender Jorge Noronha e Silveira em o conceito de indícios suficientes no processo penal português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, pp. 155 e seguintes).

Tal tese vai igualmente buscar argumentos ao princípio in dúbio pro reo, que deve ser aplicado à valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia e ao art. 32.º n.º2, da Constituição».

Assim, o juízo sobre a suficiência dos indícios deverá passar pela probabilidade elevada que se traduz num juízo de prognose não só da condenação ser mais provável que a absolvição, mas mais, que em julgamento será ultrapassada a barreira do in dúbio pro reo na fase do julgamento.

Acontece que na prática, e em cada caso concreto, muitas vezes é difícil aferir se estamos apenas perante uma probabilidade superior de condenação, em relação à absolvição, ou se, fazendo o tal juízo de prognose, o principio in dúbio pro reo será ultrapassado em julgamento, sendo que muito facilmente as duas teses se confundem, parecendo não existirem duvidas que quando está ultrapassada, em fase de instrução, o principio in dúbio pro reo, a probabilidade de condenação do arguido em julgamento é muito superior à da sua absolvição, já sendo mais difícil aferir se não obstante a existência da probabilidade de condenação superior à da absolvição, foi ultrapassada a barreira do in dúbio pro reo.

Assim, impõe-se uma análise cuidada caso a caso, a qual obviamente não pode esquecer o artigo 308 do CPP, nem os princípios constitucionalmente consagrados, inclusive o da presunção da inocência, devendo existir uma articulação entre os mesmos.

E aqui chegados não podemos deixar ainda de citar o Prof. Castanheira Neves (in Processo Criminal, Sumários, p. 39) que a este respeito escreveu: “na apreciação da suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final - só que a instrução (…) não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.


*

Dos crimes em causa:

Do crime de alteração de marcos, p.p.p artigo 216 do CP:

1 - Quem, com intenção de apropriação, total ou parcial, de coisa imóvel alheia, para si ou para outra pessoa, arrancar ou alterar marco é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.

São elementos do tipo em causa:

a) A existência de marcos;

b) O seu arrancamento ou alteração;

c) Intenção de apropriação de coisa imóvel alheia.

Por seu turno, a noção de marco consta do artigo 202, al. g) do CP.

Tal como se escreve no ac. da RP de 7.7.1998, in http://www.dgsi.pt/jtrp

I - Para efeitos do artigo 216 n.1 do Código Penal de 1995, coisa alheia é apenas aquela cujo direito de propriedade pertence a outrem que não o agente, sendo o respetivo proprietário o titular dos interesses que a lei quis proteger especialmente com a incriminação.

II - No que toca à inviolabilidade dos marcos (artigo 202 alínea g) do Código Penal de 1995) e interesses correlativos diretamente protegidos, o que está em causa é o direito de propriedade, enquanto direito real.

E no ac. da mesma relação, disponível no mesmo sit, de 11.5.2011, escreve-se: “Nos crimes contra a propriedade [v.g. Dano (art. 212.º, do CP) e de Alteração de marcos (art. 216.º, do CP)], saber que a coisa é “alheia” constitui um a priori da própria ação típica. II – À luz do princípio da suficiência da ação penal, a propriedade “alheia” da coisa sobre que versa a ação delituosa pode ser apurada no processo penal. III – Quando a natureza “alheia” da coisa é incerta ou controvertida, essa situação de incerteza acaba por se projetar na possibilidade de se vir a formar uma convicção segura sobre o dolo do agente”.

Desde logo, na situação concreta, o assistente nem sequer alega os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em causa, nomeadamente não alega a existência anterior dos marcos.

Igualmente não alega a existência de um marco colocado no local por decisão judicial, ou com o acordo de quem estava legitimado para o dar, como exige o artigo 202, al. g) do CP, desconhecendo o Tribunal, a ter existido em local diferente, a forma como aí foi colocada.

De facto, só há punição nos termos do artigo 216 do CP, quando o marco foi colocado no local por decisão judicial, ou com o acordo de quem estava legitimado a dar.

Logo, a primeira conclusão a extrair é a de que desconhece o Tribunal, não tendo tal sequer sido alegado pelo assistente, a existência de um anterior marco colocado em determinado local nessas condições.

Assim, e sem necessidade de apreciarmos os meios de prova nos autos, nunca a arguida C... poderia ser pronunciada por este crime, na medida em que nem sequer foram alegados os elementos do tipo em causa.

Do crime de falsificação de documento:

De acordo com o artigo 256 do CP:

“1) - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;

b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;

c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;

d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;

 e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou

 f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;

 é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

 2 - A tentativa é punível.

 3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

 4 - Se os factos referidos nos nºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

De acordo com esta norma são elementos do tipo de falsificação:

objetivos:

a) - o prejuízo real ou potencial, ou a obtenção de um benefício ilegítimo;

b) - o fabrico de documento falso, o uso de documento falso, a detenção e o facultar;

subjetivo:

c) - intenção do agente de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa um benefício ilegítimo (dolo).

 No crime de falsificação de documento o bem jurídico protegido é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, visando-se proteger a segurança relacionada com os documentos.

A “segurança e a credibilidade dos documentos e notações técnicas no tráfico jurídico”, surge, deste modo, segundo a generalidade dos autores, como o bem jurídico tutelado pelo tipo legal incriminador (cfr. Helena Moniz, Crime de Falsificação de Documentos e Enrique Bacigalupo “Estudios sobre la Parte especial del Derecho Penal”, pág 416).

 Trata-se de um crime de perigo, uma vez que após a falsificação do documento ainda não existe uma violação do bem jurídico, mas um perigo de violação deste: a confiança pública e a fé pública já foram violadas, mas o bem jurídico protegido, o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório documental apenas foi colocado em perigo. Além disso, é também um crime de perigo abstrato, não sendo necessário a produção de qualquer resultado.

No crime de falsificação o agente tem de atuar com a específica intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo. Aquando da prática do crime de falsificação o agente deverá ter conhecimento de que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outrem benefício ilegítimo.

Assim, no crime de falsificação exige-se o dolo específico ou seja a intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo.

Contudo, a consumação do prejuízo patrimonial é indiferente no crime de falsificação.

Além disso, um documento é uma declaração de um pensamento humano suscetível de constituir meio de prova, bem como que seja idónea para provar facto jurídico relevante.

Logo, um documento é falso quando não corresponde à realidade, o que tanto pode ocorrer com o fabrico de documentos falsos e a alteração de documentos verdadeiros (falsificações materiais), como com a falsificação do conteúdo de documento verdadeiro (falsificação ideológica).

Por seu turno, o nº3 do citado artigo agrava a moldura penal do crime em causa quando o documento é autêntico.

Do crime de falsidade de testemunho:

Preceitua o artigo 360 do CP que:

“1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.

2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução.

3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias”.

No crime de falsidade de testemunho o bem jurídico protegido é a realização ou administração da justiça como função do Estado. Desta forma, visa-se o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade, que possam desta forma dignificar a justiça.

Estamos perante um crime de mão própria.

Assim, no que tange ao elemento objetivo do tipo o mesmo verifica-se quando uma testemunha presta depoimento falso, perante o tribunal ou funcionário competente para receber tal depoimento como meio de prova.

Quanto ao elemento subjetivo basta que a conduta do agente se tenha produzido com dolo genérico.

Do crime de falsidade de depoimento, p.p.p artigo 359º do CP.

1 - Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 - Na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a sua identidade.

Também aqui estamos perante um crime de mão própria.

Mais uma vez o bem jurídico protegido é a realização ou administração da justiça como função do Estado.

No que tange ao elemento objetivo do tipo o mesmo verifica-se quando uma parte ou o assistente prestam declarações falsas, perante o tribunal ou funcionário competente para receber tal depoimento como meio de prova.

Quanto ao elemento subjetivo basta que a conduta do agente se tenha produzido com dolo genérico.

Dos indícios:

Refere a assistente que os arguidos, todos eles prestaram depoimentos e declarações (no caso da arguida C... ) falsos, na ação79/2015 JPCSal, que correu termos no Julgado de Paz de Carregal do Sal, acrescentando ainda que a arguida C... , demandada nessa ação, fabricou fotografias para valerem nesses autos como meio de prova.

Relativamente a esta matéria o Senhor Procurador Adjunto decidiu-se pelo arquivamento dos autos constando do despacho de arquivamento nomeadamente:

“Já que nos respeita aos crimes de falsidade de depoimento (no caso da arguida C... ) e de falsidade de testemunho (no caso dos demais arguidos), haverá que atentar que os respetivos factos terão sido praticados, como se disse, na (s) audiência (s) de julgamento, ocorridas no âmbito do processo nº 79/2015 do Julgado de Paz de Carregal do Sal.

Importa, antes de mais, referir que, apesar de tais declarações terem sido produzidas em processo de Julgado de Paz, tendo “As decisões proferidas pelos julgados de paz têm o valor de sentença proferida por tribunal de 1.ª instância” – cfr. artigo 61º Lei 78/2001 (que regula a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência), de 13 de Julho –, nenhuma dúvida se nos coloca quanto ao preenchimento dos crimes previstos nos artigos 359º e 360º, ambos do Código Penal, caso estejam preenchidos os respetivos pressupostos.

Ora, tal decorre do preceituado no artigo 2º, nº 2 da referida lei 78/2001, “Os procedimentos nos julgados de paz estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual”, pelo que audiência de julgamento não é gravada, nem é registado, por qualquer outro modo, o depoimento das testemunhas.

Assim sendo, para a reconstituição das declarações emitidas em sede de julgamento pelos arguidos, haverá aqui que relevar, sobretudo, aquilo que a Sra. Juiz de Paz deixou dito sobre tais depoimento, não porque a decisão tenha aqui o valor probatório absoluto, mas porque tais considerações provêm de entidade legalmente legitimada para a prolação de decisões, “de acordo com a lei ou equidade” e goza de independência em relação aos intervenientes processuais, tendo tal decisão sido proferida após a realização de um julgamento, sujeito às regras da imediação, oralidade e contraditório.

Ora, no que respeita ao depoimento da arguida C... , não vislumbramos na decisão já proferida qualquer referência a tal depoimento, constando apenas da ata da audiência, do dia 28-10-2015, que as partes terão apresentado a sua versão sobre os factos em litígio – cfr. fls. 196.

Já no que respeita aos demais arguidos (como se disse, testemunhas em tal processo), Sra. Juiz de Paz referiu, quanto ao depoimento de E... , por ser filha dos demandados, que o mesmo “tem de ser valorado com reserva atenta a relação familiar com os demandados”.

Na motivação, contudo, não sintetizou declarações com relevo para os factos imputados aos arguidos.

No que respeita ao depoimento do arguido F... , apesar de destacar o facto do mesmo ser irmão do demandado, o seu depoimento foi considerado “credível e sobre factos de que tem conhecimento direto”.

Mais se fez constar que “Esteve presente na Inspeção ao Local onde confirmou que a cancela atual está no local da antiga”.

Já no que respeita à arguida G... , o seu depoimento foi caraterizado como “emotivo”, devendo, por isso, “ser valorado com reservas”.

Esta arguida terá afirmado, segundo a síntese da sentença, “Que ainda há umas semanas antes do seu depoimento ainda lá havia uma argola em arame que engata na cancela, num dos penedos do muro provisório”.

Por fim o depoimento da arguida H... , apesar de se referenciar que a mesma é prima da demandada, foi caraterizado como “credível” tendo deposto “sobre factos de que tinha conhecimento direto”.

Mais se salientou que “confirmou na Inspeção ao Local onde confirmou que a cancela se situava onde está a atual”.

Ora, perante tais sínteses de depoimentos e juízos de valoração, importa reconhecer que é impossível de concluir se aquilo que os arguidos disseram na audiência de julgamento corresponde ao conhecimento adquirido pelos mesmos sobre a realidade observada, independentemente desta corresponder àquela que é descrita pelo queixoso e assistente, também eles partes envolvidas e interessadas no litígio em causa.

Diga-se ainda que o sentido da decisão (absolvição dos demandantes), não representando particular argumento para a credibilidade dos depoimentos dos aqui arguidos, já que o objeto do processo era mais abrangente do que os factos que aqui lhe são imputados e, para além disso, teve-se em conta outra matéria probatória, bem como foi levada em conta a própria regra do ónus da prova, tal sentido da decisão, repete-se, não traz nenhum valor probatório à imputação efetuada aos arguidos, antes pelo contrário…

Por outro lado, apesar de terem sido inquiridas as testemunhas indicadas pelo queixoso e assistente e das declarações destas, pelo menos em parte, contradizer os depoimentos dos arguidos (segundo a parca reconstituição que é possível fazer dos seus depoimentos) não se vislumbra, por um lado, como reconhecer maior idoneidade ao depoimento daquelas testemunhas e, por outro lado, como demonstrar, sem margem para dúvidas, que a reconhecer-se maior idoneidade a tais depoimentos, se conseguisse, sem o registo dos depoimentos dos arguidos, demonstrar as suas falsas declarações.

Por tudo o exposto, urge reconhecer que não se conseguiu, nem se mostra possível de conseguir, a obtenção de indícios suficientes que permitam concluir pela prática dos arguidos dos crimes de falsidade de depoimento (no caso da arguida C... ) e de falsidade de testemunho (no caso dos demais arguidos)”.

Ora, e com todo o respeito pela posição do assistente concordamos na íntegra com a posição do Digno Procurador Adjunto, no que tange aos indícios recolhidos, valendo os mesmos argumentos ainda para o crime de falsificação de documento.

De facto, pretende o assistente a pronúncia dos arguidos, por terem prestados falsas declarações e falsos testemunhos, bem como pelo facto de terem fabricado provas na ação nº 79/2015 do Julgado de Paz de Carregal do Sal.

Acontece que nessa ação, como em todas, e daí o litígio, existiam duas versões distintas, a dos demandantes nessa ação (pais do assistente) e a da demandada (ora arguida C... ).

Nessa ação, como igualmente acontece em quase todas, a versão dos demandantes (pais do ora assistente) foi corroborada pelos depoimentos das testemunhas por si indicadas, inclusive pelo depoimento do ora assistente, e a versão dos demandados (sendo uma das demandadas a arguida C... ), pelas testemunhas por si indicadas na ação, aqui arguidos.

Acontece que os demandantes perderam a ação e os demandados (onde se inclui a arguida C... ) foram absolvidos do pedido.

Acresce que, da sentença junta fls. 232 dos autos, resulta que os depoimentos das testemunhas indicadas pelos demandados, aqui arguidos, mereceram, no geral, a credibilidade da Senhora Juiz de presidiu ao julgamento (inquirida em instrução e que confirmou o teor da sentença), apesar de, com algumas reservas, no que tange ao depoimento de G... e E... , por terem sido prestados de forma emotiva e pelo facto da E... ser filha dos demandados.

Contudo, não resulta da sentença, minimamente indiciado que tenham sido falsos.

O certo é que do teor da sentença se extrai que a Senhora Juiz não teve suspeitas de que os depoimentos prestados fossem falsos, ou que as provas tivessem sido falsificadas. Antes pelo contrário, foram os demandantes que não lograram provar a sua versão, mostrando-se a dos demandados, aos olhos da Senhora Juiz, mais credível.

Perante tal, e não obstante as testemunhas inquiridas nos autos, não logrou o assistente provar a existência de indícios suficientes para sujeitar os arguidos a julgamento.

Na verdade, o que pretende o assistente, agora, com outras testemunhas é repetir a ação cível. Contudo, não são os depoimentos agora prestados em inquérito pelas testemunhas inquiridas que levam este Tribunal a formular uma conclusão distinta da que consta da sentença junta a fls. 232, nem nos permite concluir pela falsidade dos depoimentos e declarações ai prestados.

Com esta prova a absolvição dos arguidos em julgamento parece evidente.

Assim, e por referência ao RAI, não se encontra suficientemente indiciado:

- Que tenha sido a arguida C... a colocar no local o ferro com arame e uma argola, bem como dois pilares sustentados numa cancela;

- Que na ação nº 79/2015 do Julgado de Paz de Carregal do Sal os ora arguidos tenham prestado depoimentos ou declarações que não correspondessem à verdade, nomeadamente quando atestaram a existência, desde sempre, do ferro com a argola e o arame, bom como dos pilares e do muro, e que nunca ali existiu qualquer passagem;

- Que todos os arguidos soubessem que tudo quando afirmavam era falso;

- Que a arguida C... tenha atuado com o intuito de adulterar a verdade dos factos.

Aliás, e só a título de conclusão e no rigor dos princípios, o RAI nem sequer deveria ter sido admitido, na medida em que não descreve a totalidade dos elementos subjetivos no que tange aos tipos em questão, nomeadamente a consciência da ilicitude.

[…].

3. Apreciação

a.

Questão prévia

Sobre a ocasião em que devem ser juntos os documentos em processo penal rege o artigo 165.º do CPP, elegendo, para o efeito, como momento próprio, o decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, sempre o encerramento da audiência será o termo final.

Com o requerimento de interposição de recurso veio o recorrente juntar aos autos cópia de um auto de ocorrência lavrado, em 07.012015, pela GNR, pretendendo, dessa forma, demonstrar a confissão, por parte da arguida C... , sobre a existência de um anterior marco no caminho – [cf. pontos 11., 12., 13. e 14 das conclusões de recurso].

Sem prejuízo do disposto na já identificada norma, dada a natureza do recurso [ordinário], cujo fim é o de modificar as decisões postas em crise - e não já o de criar novas decisões –, nunca o documento ora junto poderia ser considerado pela Relação, desde logo porque se trata de elemento que não esteve ao dispor do tribunal recorrido. Admitir o contrário seria contrariar a filosofia do recurso, pois que não se estaria a ajuizar da justeza da decisão recorrida mas antes a proferir, sobre a questão, uma nova decisão.

Não é, assim, admissível em processo penal a junção de documentos com a motivação de recurso já que estando vedado ao tribunal ad quem valorar o seu conteúdo para justificar a decisão, manifesta se torna a sua inutilidade [cf. no mesmo sentido, entre muitos outros, os acórdãos do TRP de 24.01.2007 (proc. n.º 0611509), TRL de 17.04.2007 (proc. n.º 2989/07.9), de 19.092007 (proc. n.º 6513/2007 – 3), TRC de 07.05.2008 (proc. n.º 50/06.3GCCTB.C1), do TRG de 12.07.2010 (proc. n.º 1453/07.1TAVCT.G1)].

Por conseguinte, não se atenderá ao documento junto com o requerimento de interposição de recurso.

a.

Insurge-se o recorrente com a decisão do tribunal enquanto não pronunciou a arguida C... pela prática dos crimes de alteração de marcos, de falsificação de documento e de falsidade de depoimento, p. e p. respetivamente pelos artigos 216.º, 256.º, n.º 1, alíneas a) e d) e 359.º, todos do C. Penal, e os arguidos E... , F... , G... e H... pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º do mesmo compêndio normativo.

No que ao crime de alteração de marcos respeita considerou o tribunal a quo não haver o recorrente alegado os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal, designadamente a existência anterior de marcos, ao que acresceria a circunstância de ter ficado, igualmente, por alegar a existência de um marco colocado no local por decisão judicial, ou com o acordo de quem estava legitimado a dá-lo, como exige o artigo 202º, al. g) do C. Penal, desconhecendo, assim, o decisor a forma como o mesmo, a ter existido, aí havia sido colocado.

De semelhante juízo diverge o recorrente, invocando, com vista a contrariá-lo a queixa – crime apresentada, de cujo teor constariam todos os elementos típicos do crime em referência.

Posta a coisa nestes termos, imperioso se torna tecer algumas considerações a propósito do requerimento para abertura da instrução, o qual não estando sujeito a uma forma especial deve, não obstante, obedecer a vários requisitos de conteúdo prescritos no artigo 287º do CPP, a saber:

- a enunciação “em súmula” das razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação;

- a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende ver levados a cabo, bem como dos meios de prova que não hajam sido considerados no inquérito e ainda dos factos que, através de uns e de outros, o requerente espera provar.

Sendo o requerimento apresentado pelo assistente tem o mesmo, igualmente, de observar o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283º do CPP.

Donde, com propriedade, se pode afirmar que o requerimento do assistente deve conformar materialmente uma acusação [artigo 287º, n.º 2, parte final], impondo-se-lhe, sob pena de nulidade, que contemple os elementos referidos nas ditas alíneas alíneas do n.º 3 do citado artigo 283º, isto é “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” e, bem assim, “A indicação das disposições legais aplicáveis”.

O requerimento de abertura de instrução vale, neste caso, como uma verdadeira acusação, sendo através dele que se define o thema probandum em termos de não poder o tribunal, sob pena de nulidade, vir a pronunciar o arguido por factos diferentes daqueles que constam do mesmo, uma vez que tal se traduziria numa alteração substancial, aspeto que encontra justificação, desde logo, no direito de defesa, o qual para ser exercido de forma eficaz, implica o conhecimento concreto e preciso daquilo que se lhe imputa e a que título, isto quer ao nível dos factos, quer em sede do respetivo enquadramento jurídico.

Na verdade, a estrutura acusatória do processo, o princípio do contraditório, bem como o direito de defesa leva a que o tribunal esteja vinculado pelo “alegado” por quem requer a instrução, sem embargo dos poderes de investigação do juiz, que podendo praticar outras diligências probatórias, tendo em conta a indiciação constante do respetivo requerimento [princípio da investigação oficiosa], está, nessa atividade, sujeito aos limites do objeto da instrução fixados no requerimento de abertura de tal fase processual no caso de arquivamento do inquérito [artigo 303º do CPP].

Debruçando-nos sobre o caso concreto, importa indagar se, efetivamente, o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente/recorrente contém a descrição dos elementos típicos (objetivos/subjetivos) do crime previsto e punível no artigo 216.º do C. Penal.

Ora, percorrendo o RAI, dúvidas não subsistem que o assistente/recorrente não concedeu autonomia à vertente da “acusação”, limitando-se a enunciar os pontos de discordância e, bem assim os respetivos motivos, com o despacho de arquivamento proferido findo o inquérito e a indicar prova, reduzindo a vertente da «acusação», no essencial, à imputação – em termos de identificação de normas incriminatórias - a cada um dos arguidos dos crimes pelos quais os pretendia ver pronunciados, o que resulta manifestamente insuficiente.

Tendo por certo que o objeto da ação no crime em apreço é um ou mais marcos, conceito definido na alínea g) do artigo 202.º do C. Penal como qualquer construção, plantação, valado, tapume ou outro sinal destinado a estabelecer os limites entre diferentes propriedades, postos por decisão judicial ou com o acordo de quem esteja legitimamente autorizado para o dar, traduzindo-se a ação em arrancar (tirando do local onde se encontrava implantado) ou alterar (deslocando o sinal da demarcação) marco, pergunta-se: onde, no requerimento de abertura da instrução, vem descritos tais elementos? Mais, e ainda com referência ao dito crime, necessariamente doloso, em que parte do dito requerimento é feita alusão à intenção de apropriação, total ou parcial, de coisa imóvel alheia para si ou para outra pessoa? E, por fim, donde no mesmo resultam alegados os elementos intelectual e volitivo do dolo, traduzidos, respetivamente na representação pelo agente do facto ilícito típico, bem como na consciência de que esse facto é censurável e na vontade de realização do mesmo?

Sobre este último aspeto – o qual, como adiante veremos, vai condicionar definitivamente a apreciação em relação aos demais crimes em questão nos autos - convém ter presente que não existem presunções de dolo e, assim sendo, não é possível afirmar a sua existência simplesmente a partir de circunstâncias externas da ação concreta. Os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa impõem ao assistente que requeira a abertura da instrução, entre outros, o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente perante o bem jurídico – penal lesado pela conduta proibida.

Como ensina Figueiredo Dias “… a ideia de um “dolus in re ipsa”, que sem mais resultaria da simples materialidade da infração é hoje indefensável no direito penal. A moderna tendência para a personalização do direito penal não se compadece com uma estrita indagação da culpa dentro dos férreos moldes das antigas presunções de dolo” – [cf. R.L.J., 105, pág. 142].

Em idêntico sentido refere o acórdão do TRC de 30.09.2009 [cf. proc. n.º 910/08.7TAVIS.C1] “São elementos subjetivos do crime, com referência ao elemento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objetivo de ilícito) que permitem estabelecer o tipo subjetivo do ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respetiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo direto, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira.

Num crime doloso da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – o arguido pôde determinar a sua ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo – o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo)”.

O requerimento é omisso relativamente a todos estes aspetos, sendo irrelevante, para o efeito, o teor da queixa-crime, posto que o acusatório e a vinculação temática, com os correspondentes reflexos no exercício do direito de defesa operam relativamente àquele e não a esta.

Dito isto, é evidente que a sanação dos identificados vícios nunca poderia vir a ocorrer por ação subsequente do juiz, desde logo porque a introdução ex novo dos diferentes elementos do dolo traduzem mais do que uma alteração substancial na medida em que assim operaria a conversão em crime daquilo que, à luz da acusação, vertida no requerimento para abertura da instrução, o não era.

Posição que, quanto ao elemento subjetivo do crime, veio a vingar no Acórdão STJ n.º 1/2015 [publicado no DR 18, Série I de 2015-01-27] ao fixar jurisprudência no sentido de que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrado, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358º do Código de Processo Penal».

É claro que, como já acima antecipamos, tudo o que se afirmou passa por uma correta interpretação da real dimensão dos princípios da acusação, da vinculação temática e, não menos importante, do direito de defesa.

Sobre o princípio da acusação discorre Germano Marques da Silva “limita (…) o objeto da decisão jurisdicional e essa limitação é considerada como garantia da imparcialidade do tribunal e de defesa do arguido. Imparcialidade do tribunal na medida em que apenas terá de julgar os factos objeto da acusação, não tendo qualquer “responsabilidade” pelas eventuais deficiências da acusação, e garantia de defesa do arguido na medida em que a partir da acusação sabe de que é que se tem de defender, não podendo ser surpreendido com novos factos ou novas perspetivas dos mesmos factos para os quais não estruturou a defesa” – [cf. Curso de Processo Penal, III, pág. 68].

Em suma, perante a evidência de não conter o requerimento para a abertura da instrução a descrição de todos os elementos, designadamente os acima referidos desde logo, mas não só, da tipicidade objetiva, do crime de alteração de marcos previsto e punível no artigo 216.º do C. Penal outro não poderia ser o sentido da decisão recorrida.

Estende-se, como vimos, a insatisfação do recorrente à decisão de não pronúncia dos arguidos relativamente aos crimes de falsificação de documento, falsidade de depoimento e falsidade de testemunho.

Depois de abordar, de per si, cada um dos ditos crimes, ficou a constar do despacho recorrido: «Aliás, só a título de conclusão e no rigor dos princípios, o RAI nem sequer deveria ter sido admitido, na medida em que não descreve a totalidade dos elementos subjetivos no que tange aos tipos em questão, nomeadamente a consciência da ilicitude».

Na verdade, poderíamos agora, com maior detalhe, enfrentar a questão de saber se as reproduções fotográficas [fotografias] – juntas ao processo que correu termos no Julgado de Paz - nas quais, alegadamente, teria sido “recriado um cenário”, no caso concretizado na aposição no terreno de um ferro com arame e uma argola e dois pilares em pedra sustentando uma cancela, mesmo que com o propósito de fazer prova dos limites de determinada propriedade, integram, para efeitos do crime de falsificação previsto no artigo 256.º do C. Penal, o conceito penal – não coincidente com a configuração que assume no direito civil - de documento, conforme definido na alínea a) do artigo 255.º do mesmo diploma. Com efeito, não consubstanciando as mesmas qualquer declaração [de um pensamento humano] corporizada num escrito ou registada em outro meio técnico, restaria o respetivo enquadramento no conceito de «sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta», encarado como um símbolo firmemente ligado à coisa, idóneo e destinado a efeitos probatórios [cf. vg. as chapas de matrícula de um automóvel; os números de motor ou de chassis; a marca do dono num animal; o sinal do artista na obra], o que, ressalvado o devido respeito, desde logo por não se assistir a uma declaração incorporada [cujas características passam pela respetiva inteligibilidade; possibilidade de o autor do documento ser identificável através do próprio documento e idoneidade para prova de um facto juridicamente relevante], a «uma forma codificada de representação de uma declaração» dotada de aptidão probatória de um facto juridicamente relevante, ou seja capaz de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas, não se nos afigura suceder.

Não obstante, como já acima assinalámos o requerimento de abertura de instrução não descreve os elementos subjetivos dos crimes em apreço, desconsiderando-os, na sua completude, também, em relação aos crimes de falsidade de depoimento ou declarações e falsidade de testemunho, p. e p. respetivamente nos artigos 359.º e 360.º do C. Penal, sobre os quais, diga-se, também não merece reparo o despacho recorrido.

De facto se se afigura difícil concluir que foram os arguidos, ouvidos no âmbito da ação de natureza cível, que então mentiram traduzindo, antes, a verdade o que foi transmitido pelas testemunhas arroladas pelo assistente nos presentes autos, juízo que não dispensaria uma base de sustentação suportada em dados objetivos, inequívocos, eventualmente decorrentes de outros meios de prova, mais complicado se torna ajuizar de tal modo quando inexistem registos de qualquer natureza do que ali foi dito pelos arguidos, contando o tribunal, tão-somente, com uma apreciaçãosempre subjetiva – da prova então produzida, da qual, ainda assim, não ressuma no caso concreto sintoma das falsidades que ora se lhe pretendem ver imputadas.

Seja qual for a perspetiva, sendo que a nossa é, relativamente a cada um dos crimes, a que se foi transmitindo, revela-se incontornável a não alegação dos factos integradores do elemento subjetivo dos crimes os quais tinham necessariamente de constar do requerimento apresentado pelo assistente, pois – reafirma-se – é por este que se delimita a instrução [artigo 309.º, nº 1 do CPP], o que não sendo, como vimos, o caso, deveria ter conduzido, por inadmissibilidade legal – considerando enfermar o requerimento apresentado da nulidade prevista no artigo 283.º, n.º 3, al. b) do CPP [cf. artigo 287º, n.º 2] - à sua rejeição [cf. n.º 3 do artigo 287.º do mesmo diploma], sendo certo que tais insuficiências não eram suscetíveis de, sem ofensa dos princípios do acusatório e da vinculação temática, sanação, mormente através de «convite ao aperfeiçoamento [cf. acórdão do TC n.º 389/2005, in DR, II Série, de 19.10.2005; acórdão do STJ n.º 7/2005, DR, I Série, de 04.11.2005].

Não tendo o requerimento para abertura da instrução – como se impunha – sido rejeitado, ou seja havendo o mesmo ultrapassado a fase do despacho liminar que sobre ele incidiu, declarando aberta a instrução, parece evidente que nunca os arguidos poderiam vir a ser pronunciados.

Na verdade, quando, na sequência de despacho de arquivamento proferido findo o inquérito, é requerida pelo assistente a instrução, sem que, contudo, o requerimento configure uma verdadeira acusação, desde logo por ser omisso quanto aos elementos referentes à tipicidade objetiva e/ou subjetiva do crime ou crimes que imputa ao arguido, ultrapassando o mesmo, não obstante a inadmissibilidade legal, o crivo do despacho liminar, o qual – mal – declara aberta a instrução, a decisão instrutória a proferir, independentemente dos indícios que possam resultar dos autos, não pode deixar de ser senão no sentido da não pronúncia – [cf. vg. os acórdãos TRP de 23.05.01, CJ, III, 238; TRL 01.10.11, CJ, IV, 141; 04.03.04, CJ, II, 124; TRC 04.06.30, Rec. nº 2125/04; TRC 05.04.06, Rec. nº 429/05-4].

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Fixa-se a taxa de justiça, a cargo do recorrente, em 3 [três] UCs – artigos 515.º, nº 1, alínea b) e 8.º do RCP.

Coimbra, 27 de Setembro de 2017    

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)