Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5362/18.0T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: FACTOS SUPERVENIENTES
FACTOS ESSENCIAIS
ALTERAÇÃO DA AÇÃO
ACORDO DAS PARTES.
ALTERAÇÃO OU AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J.C. CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 264º, 265º E 588º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: I - Os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração. Só esses, como se refere no nº 2 do art. 611º, têm «segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».

II - E hão-de ser factos supervenientes - objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento depois de findos os prazos normais para a sua alegação.

III – Resulta do disposto no art. 264º CPC que o legislador entende que o acordo das partes legitima a instauração de uma ação diferente da inicial na pendência da primitiva, e admite-o na medida em que, pese embora a diversidade de objetos de uma e outra ação, haverá sempre nessas situações elementos factuais e processuais comuns a aconselharem o aproveitamento do até aí praticado em homenagem ao princípio da economia processual.

IV - Não havendo acordo das partes para a alteração ou ampliação do pedido ou/e para a alteração ou ampliação da causa de pedir, rege o art. 265º, que, proibindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando tais modificações impliquem convolação para relação jurídica da controvertida - referido nº 6 dessa norma -, admite, no entanto, a alteração ou a ampliação da causa de pedir quando o réu confesse factos que conduzam a essa alteração e o autor os aceite – nº 1 dessa norma - e admite a ampliação do pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo - nº 2 da mesma norma.

V - Há duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito mais estreito ou mais amplo, de que se parta, de causa de pedir nesta matéria de alteração do objeto.

VI - A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo, assim, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao conceito amplo de causa de pedir.

VII – Segundo este conceito, só haverá alteração da causa de pedir se nenhum dos factos constitutivos das normas invocadas quanto ao pedido inicial for comum ao pedido ampliado.

VIII - Quando o autor proceda à modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos do nº 2 do art. 265º, fazendo-o fora dos articulados, deve servir-se para o efeito de “peça superveniente”, e não de articulado superveniente, por a tal articulado dever ser dado o conteúdo que decorre da disciplina do art. 588º CPC.

Decisão Texto Integral:


            Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – J... intentou ação declarativa de condenação contra M..., O... e J..., SA, fazendo-o em 3/7/2018,  pedindo que:

 a) os RR. sejam condenados a proceder à limpeza do prédio rústico sito em Vale de ...;

b) e condenados a reparar ao A. todos os danos não patrimoniais descritos nos articulados, pagando indemnização a liquidar em execução de sentença, porque ilíquidos.

Alegou, em síntese, que comprou  às duas 1ª RR. o prédio rústico em causa, e que, em virtude do mato existente, não percebeu o estado real em que esse prédio se encontrava, vindo a constatar, aquando da sua limpeza, que o mesmo continha largas camadas de entulho, compostas por fibrocimento, betão, alcatrão, restos de obras, plásticos, entre outros materiais poluentes, justificando a demanda da sociedade, 3ª R., por ter a mesma  utilizado aquele terreno, com autorização das 1ª RR., como estaleiro da obra que desenvolveu para as ...

Alegou, ainda, que, quando se apercebeu do referido estado do terreno, contactou as RR., tendo-se a 3ª prontificado para proceder à limpeza do terreno, o que iniciou no dia 13/10/2017, mas abandonou-a em  26/10/2017, tendo procedido à mesma apenas  em 5% do terreno. Refere que «nada mais quer que ver o seu terreno limpo», adiantando, no entanto, que o adquiriu para a realização de um projecto pessoal e que toda esta situação o tem impedido de o desenvolver, acarretando-lhe enorme prejuízos. Invoca ainda que por carta de 27/3/2018 fixou às RR.  o prazo de 15 dias para início dos trabalhos, sem que estas o tenham feito.

A R. J..., SA contestou, admitindo ter executado para ... uma obra de construção de rede de transporte de águas e saneamento e ter utilizado para estaleiro o terreno dos autos, tendo-o feito em função de um contrato verbal de arrendamento com as duas 1ª RR. Refere que o A., sendo residente na ..., tinha conhecimento do estado  do terreno, o qual nunca esteve cheio de silvas e mato, e que, de todo o modo, o mesmo, pelo menos a olho nú, está perfeitamente limpo, requerendo a sua absolvição do pedido na procedência da excepção do abuso de direito e pedindo a  condenação do A. por litigância de má fé.

Em 15/4/2019 o A. juntou aos autos articulado superveniente que terminou pedindo a condenação dos RR., «ainda» a pagarem-lhe (só se referirá o que importa ao presente recurso):

-a quantia de €18.750,00, referente ao rendimento de que esteve privado, pela não plantação dos mirtilos e respectivas colheitas nos anos de 2018 e 2019, na parte quantificada;

- das quantias que se vierem a apurar posteriormente, e que relega para liquidação em execução de sentença, da privação dos rendimentos que deixou de beneficiar pelas não colheitas, bem como pelo atraso na não obtenção do rendimento máximo, pela produção de mirtilos, que seria atingida no 4º ano após aquela;

Alegou, em síntese, o seguinte:

Só recentemente, através da sua mandatária, foi autorizado a consultar o Proc. de Contra-Ordenação que se encontra pendente contra a aqui 3ª R., cujo auto de notícia foi levantado pela Direcção Geral de Serviços de Fiscalização da CCDR-Centro. Refere  que no âmbito desse processo foi ordenado por oficio de 15/6/2018, pela referida CCDR-Centro, que a 3ª R. procedesse no prazo de 30 dias à remoção e envio para destino autorizado de todos os RCD”S depositados no prédio, reconstituindo a situação anterior à prática daquela infracção  – doc 19. E que, não tendo sido dado cumprimento ao ordenado, após nova fiscalização em 25/7/2018, foi lavrado Auto de Noticia, que foi enviado à DSAJAL, onde foi elaborado Relatório e proferida Decisão no referido Processo de Contra Ordenação (nº...) - doc 23 e 24.

Mais referiu, nesse articulado, ter tomado “conhecimento de que, após denúncia por si apresentada a várias entidades, foram encetadas diligências pelas mesmas, nomeadamente deslocações ao terreno, consoante resulta dos 39 documentos que junta, e  dos quais não podem subsistir dúvidas de que, efetivamente, a 3ª R. procedeu à deposição e aterro de resíduos de construção e demolição (RCD) no prédio.

Refere ainda que esta situação também foi verificada in loco pela GNR, consoante Relatório de serviço, doc 26.

Também ... reconheceu a existência de resíduos no prédio do A., tendo proposto à 3ª R. a sua limpeza – doc 13.

Envidou esforços junto de várias entidades no sentido de ver o seu prédio limpo – consoante  comprova pelos doc 1 a 12, 14 a 18, 20, 21, 27 a 31 e 39.

A Associação Zero também foi contactada  e encetou diligências  junto das ...  - doc 32 a 38 – pois, após visita ao local, constatou os apontados resíduos  e que esse aterro elevou a cota do terreno, pelo  que parte das árvores existentes se mostram soterradas.

Invoca depois o A. no articulado a que se vem fazendo referência que  destina o prédio à cultura de mirtilos e que iria ter  no 4º ano de plantação – período em que a plantação atinge a produção máxima -  uma  produção média de 9 toneladas de mirtilo por hectar, ou seja, em 12.500m2 iria ter  uma produção de 11.250 Kg, e que, como o preço médio de venda é de 3,00€/Kilo, teria anualmente um rendimento de 9.375,00, deduzidos já os custos de plantação, pelo que até à”, foi privado, em 2018 e 2019, de rendimentos que estima no valor de €18.750,00, somando-se a esse valor  o decorrente de ver protelada a obtenção do rendimento máximo daquela produção que se daria no 4º ano da mesma, relegando para execução de sentença o cálculo desse prejuízo, por não ser previsível  a data em que os resíduos serão retirados na totalidade do seu prédio.

À dedução deste articulado superveniente opuseram-se a 1ª e 2ª RR., por um lado, e a 3ª, por outro, aquelas pondo em evidência que no mesmo o A. não carreia para os autos factos constitutivos  e ou modificativos dos factos que servem de fundamento à acção e que o pedido aditado, referente aos danos patrimoniais, não é consequência de factos ocorridos depois de proposta esta acção, pelo que tal modificação e consequente ampliação (ou em rigor, cumulação) do pedido são processualmente inadmissíveis, e  que a ampliação/cumulação de pedidos não se destina a suprir eventuais falhas cometidas na petição inicial, concluindo pelo indeferimento da dedução do articulado em apreço e requerendo o  respectivo desentranhamento dos autos.

Em 3/6/2019 foi proferido despacho em que se admitiu o articulado superveniente e a ampliação do pedido que o mesmo encerra.

Deste despacho foi interposto recurso pelas RR. O..., M... e também pela R. J..., SA.

Por decisão sumária deste Tribunal da Relação, proferida a 17/12/2018, foram julgados procedentes ambos os recursos e foi revogado o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro  que «designe  data para produção de prova, como o exige o nº 2 in fine  do art. 568º CPC, a fim de se inteirar quando teve o A. conhecimento dos factos  alegados no requerimento de articulado superveniente, anulando-se o demais, daí em diante, desde que, necessário. Ou seja, se actos praticados que possam depender do que vier a resultar provado, para a pertinência da sorte do articulado superveniente. Não conhecer da questão de saber se houve violação do nº 2 do art. 588º CPC, por precludido, na vertente dos factos alegados pelo A. no requerimento que intitula de articulado superveniente, serem ou não constitutivos do direito a que se arroga».

Na 1ª instância foram as partes «convidadas a alegarem/requererem, sucessivamente, os meios de prova que tivessem por convenientes»,  na sequência do que o A., reiterando que só teve conhecimento dos factos que reportou no articulado superveniente  apenas após a consulta do processo pela sua actual mandatária, pelo que só então lhe foi possível carrear para os autos toda a prova documental que ali foi junta, muitos dos quais haviam já sido endereçados à R. J..., SA,, veio requerer para a prova da superveniência subjectiva o seu depoimento de parte.

Ao que as RR. responderam que tal meio de prova para o caso é inadmissível, «pois o A. não vai dizer coisa diversa do já vertido nos seus requerimentos», no mesmo sentido se tendo pronunciado a R. J..., SA.

Foi então proferido despacho, em 28/2/2020, no qual se veio a decidir ser admissível e tempestiva a ampliação do pedido, nos termos do nº 2 do art. 265º CPC, e tempestivo o articulado superveniente, «sem necessidade de produção  por declarações ou de prova testemunhal, atendendo ao acervo documental carreado e mormente da data da factualidade aí vertida no respeitante às actuações administrativas».

 É desse despacho que as três RR. apelam.

 II – As RR. O... e M... concluíram as respetivas alegações de recurso, nos seguintes termos:

...

III – E a R. J..., SA concluiu as suas alegações do seguinte modo:

...

Termos em que deve ser dada provimento ao recurso revogando-se, o despacho pré-saneador, na parte em que admitiu o articulado superveniente e ampliação do pedido – e assim a Ré recorrente absolvida do pedido de imediato e com todas as consequências legais, ou quando assim se não entender, o despacho ser mandado substituir por outro que julgue inadmissível aquele articulado, e por consequência inadmissível a junção dos documentos que o mesmo juntou aos autos com todas as legais consequências.

O A. ofereceu contra-alegações, sustentando o decidido, mas não procedeu nelas a conclusões.

IV – A matéria de facto relevante para a decisão dos recursos contém-se no relatório do presente acórdão.

V – Resulta das conclusões das alegações serem questões a aqui decidir, num e noutro recurso, se o articulado superveniente e a ampliação do pedido nele efetuada, por serem tempestivos, devem ser admitidos.

Do recurso da J..., SA resulta ainda como objeto do recurso saber se deve ser admitida a junção aos autos dos documentos que o A. a eles trouxe com o intitulado articulado superveniente.

Iniciando a apreciação das referidas questões pela de saber se o articulado superveniente se mostra efetivamente tempestivo, como o considerou o tribunal recorrido, cumpre, antes de mais, tomar posição relativamente ao entendimento dos apelantes de que a decisão recorrida, ao ter considerado desnecessária, face aos documentos juntos, a produção de prova para se aferir quando o A. teve conhecimento dos factos alegados no requerimento de articulado superveniente, desrespeitou a decisão deste Tribunal da Relação contida na  decisão sumária de  17/12/2018, referindo mesmo a apelante sociedade, a esse propósito, haver ofensa de caso julgado.

Como é evidente, não houve desrespeito, e menos ainda ofensa de caso julgado.

O tribunal de 1ª instância quando convidou as partes a alegarem/requererem, sucessivamente, os meios de prova que tivessem por convenientes em face do decidido pelo Tribunal da Relação naquela decisão, cumpriu liminarmente o determinado por essa decisão.

A decisão em causa não o obrigava a considerar tempestivo ou intempestivo o articulado em causa, tão pouco, sequer, a, forçosamente, produzir prova a esse respeito, mas tão só a não admitir o dito articulado superveniente em função de uma superveniência subjetiva sem ponderar a prova dessa superveniência na nova decisão.

O que o aquele tribunal fez, para concluir que, em função dos documentos juntos, «considerando a data da sua emissão e criação ou acesso, deles se extrai a sua superveniência (ao menos conhecimento superveniente)», mais fazendo notar «que as diligências levadas a cabo pelas entidades mencionadas têm data posterior a 03 de Julho de 2018, conforme se pode verificar pelos documentos juntos».

Sendo agora esta decisão que é objeto do presente recurso.

E relativamente a ela não se pode concordar com a decidida tempestividade do articulado superveniente quando a questão da superveniência subjetiva relativamente aos factos constantes do pretendido articulado, sempre pressuporia  aquilo que à partida não se verifica – que os factos alegados nesse dito articulado superveniente, tendo-o sido pelo A. na ação, se mostrassem constitutivos ou modificativos do direito a que o mesmo se arroga na mesma.

Vejamos melhor a matéria do articulado superveniente.

O art. 588º CPC distingue nos articulados supervenientes o articulado  posterior  e o  novo articulado. O articulado posterior é o que deve ser oferecido na própria fase dos articulados, porque a superveniência objetiva ou subjetiva se verifique ainda nessa fase.  A lei não refere prazo especial para o apresentar, pelo que, em principio, valerá o normal de 10 dias, embora se deva admitir que se a superveniência objetiva ou subjetiva que se queira fazer valer nessa fase se mostrar compatível com a dedução dos respetivos factos no articulado normal a que haja ainda lugar, se deva utilizar este, acrescendo-lhe a matéria da superveniência.

Já o novo articulado é apresentado fora da fase dos articulados.

De um modo ou doutro, os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração.

 E hão-de ser factos supervenientes - objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorreram depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento  depois  de findos os prazos normais para a sua alegação.

A admissibilidade da superveniência subjectiva exige a prova do desconhecimento dos factos – 588º/2. A parte há-de tornar conhecidas no processo as razões pelas quais só depois dos prazos normais para a alegação dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que estejam em causa é que teve conhecimento dos factos, apresentando a prova dessas razões.

 O art. 588º/4 rege a respeito do despacho liminar incidente sobre o articulado superveniente referindo que nele haverá que aferir a tempestividade do articulado, a tempestividade da superveniência subjetiva, quando esta esteja em causa, e a relevância dos factos para a boa decisão da causa. 

À tempestividade da superveniência subjetiva refere-se a expressão “por culpa da parte”.

O desconhecimento que esteja na base desta superveniência terá que decorrer de da culpa grave, como o conclui Teixeira de Sousa.

Há que concluir que a culpa a que alude o art. 588º/4 incide não só sobre a apresentação do articulado superveniente mas também sobre o conhecimento do facto. O sentido inovatório da alusão à culpa no art. 588º/4 é o de impor a rejeição do articulado superveniente quando a parte por negligência não tenha tomado conhecimento do facto no momento devido e o pretenda alegar em juízo. O grau de desconhecimento admissível para que se torne ainda possível alegar como subjetivamente superveniente facto já ocorrido anteriormente, deve encontrar-se na disciplina da litigância de má fé - 542º/2 – de tal modo que se aí o legislador teve como irrelevante a negligência leve, aqui também se há-de entender não preterida à parte a possibilidade de alegar facto de que não teve anteriormente conhecimento por negligência leve. O que significa que o desconhecimento que está na base da possibilidade de se alegarem supervenientemente factos anteriores, não há-de decorrer de negligência grave da parte que deles se queira prevalecer. A alegação de que o facto lhe era anteriormente desconhecido só será admissível quando esse desconhecimento não radique em negligência grave[1].

Voltando à situação dos autos, o que verdadeiramente releva para a decisão do recurso, na opinião deste Tribunal, é percepcionar que o A. no articulado que apodou de superveniente não alegou factos essenciais.

Curiosamente, isso não deixou de ser percebido pela Exmo Juiz a quo, como resulta do despacho recorrido, embora, a nosso ver, o mesmo não tenha retirado dessa afirmação as devidas consequências e, bem pelo contrário, tenha acabado por contrariar  essa afirmação.

Repare-se o que refere: 

«Decorre dos nºs 1 e 4 do art. 588º, e nºs 1 e 2 do art. 611º que os factos alegados em sede de articulado superveniente terão de ser factos essenciais, i. é, devem integrar a previsão do nº1 do artº 5º do CPC [ quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as exceções aduzidas], e isto porque, como decorre do nº 2, da mesma e última disposição legal citada, os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz. Destarte, não é qualquer facto, ainda que objetiva ou subjetivamente superveniente, idóneo.

Centrando a nossa atenção no teor do articulado superveniente, diremos: quanto à 1ª parte, surge justificada a relevância desta “nova factualidade”, pese embora de cariz instrumental, não podendo afirmar-se que por si sejam constitutivos do direito invocado pela autora.  (…). Trata-se, nesta parte, em síntese, de alegação instrumental, relativa a atuação de entidades públicas ou junto de entidades públicas, em parte superveniente à propositura da causa (e na sua totalidade de alegado conhecimento superveniente) destinada a corroborar a invocada situação danosa.  Tal alegação de cariz eminentemente probatória respeita a factos não essenciais, e que sempre poderiam ser atendidos isoladamente em sede de um articulado superveniente.»

Esta última afirmação não pode aceitar-se.

Note-se ainda que as RR/apelantes (O... e M...) refletem este entendimento nas conclusões do seu recurso (cfr conclusões 14ª in fine e 16ª).

Não se concebe um  articulado superveniente sem a alegação de factos - ou elementos de facto [2] - até aí não alegados mas que  se mostrem essenciais. Como atrás se referiu, só esses são constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, ou se se quiser, com a maior explicitação que resulta do nº 2 do art. 611º, só esses, «segundo o direito substantivo aplicável», têm «influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».

 Dizem a este respeito Lebre de Freitas/IsabelAlexandre: «Os factos supervenientes têm, obviamente, que ter eficácia no âmbito das situações jurídicas controvertidas, de acordo com as normas de direito substantivo aplicáveis ao caso concreto»[3].

Ora, o que o A. alega na 1ª parte do articulado que intitula de superveniente é tão simplesmente que teve apenas então conhecimento de documentos de que resulta que a 2ª R. (que aqui se tem vindo a designar como 3ª), procedeu à deposição e aterro de Resíduos de Construção e Demolição no prédio em causa nos autos.

Como se extrai conclusivamente da seguinte afirmação contida no art 5º desse requerimento: «Conforme se demonstra pelos 39 documentos que aqui se juntam e se consideram devidamente reproduzidos para os devidos efeitos, nomeadamente pelas ações de fiscalização realizadas pela GNR e CCDR-Centro, dúvidas não podem subsistir que efectivamente a 2ª R. procedeu à deposição e aterro de Resíduos de Construção e Demolição  no prédio do aqui A.».

O que significa que o A. utilizou o requerimento em referência, na parte que agora se analisa, para juntar esses documentos, e intitulou-o de “superveniente” para,  por certo, se subtrair à condenação em multa pela sua junção tardia.

E o Exmo Juiz a quo, afinal, assim o entendeu, pois que refere no despacho objecto do presente recurso: «A pedra de toque reside não na alegação mas antes na junção de documentos. Ora, dada a efetiva relevância da factualidade aludida que deles transparece, de cariz instrumental e “probatória”, e a sua superveniência, admito os meios de prova documental carreados - e porque nos encontramos ainda em fase processual inicial, não há lugar à tributação da sua apresentação».

E será em função desta decisão – que não deixa de o ser, não obstante não ter sido evidenciada como tal no final da decisão recorrida – que, a aqui apelante J..., SA, pretende que não sejam juntos tais documentos (embora o sustente confusamente em função da inadmissibilidade de articulado superveniente como se constata da conclusão 5ª do seu recurso), sendo essa a acima terceira questão evidenciada como correspondente ao objeto do recurso.

Ora, os documentos em referência são relevantes para a decisão da causa, respeitam indiscutivelmente à situação material invocada, sendo pertinentes para a prova pretendida pelo A. –  a de que  a  3ª  R. procedeu à deposição  e aterro de Resíduos de Construção e Demolição  no prédio do mesmo. 

Nas palavras do art. 423º CPC, «destinam-se a fazer prova dos fundamentos da acção».

 Por isso, e à luz dessa norma, justifica-se a sua junção aos autos.

E justifica-se que o A. os não tenha junto com o articulado em que alegou os factos correspondentes – a petição inicial, cfr nº 2 dessa norma -  na medida em que, aquando desse articulado, os mesmos ainda não existiam ou o A. não tinha ainda conhecimento dos mesmos, por isso se devendo manter a não tributação do A. pela sua junção tardia, aspecto que, aliás, que não foi objeto autónomo de sindicância pela apelante sociedade.

Com o que se veio de explanar até agora, resulta que se deverá revogar o despacho recorrido na parte em que admite o articulado superveniente por tempestivo, mantendo-o na parte em que admitiu, sem tributação a junção aos autos dos 39 documentos.

Veja-se agora a 2ª parte do despacho recorrido, em que foi admitida a ampliação do pedido feita no referido articulado, «por tempestiva».

Dispõe o art. 264º que «havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instancia, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

Do que resultará, por contraposição ao que consta do nº 6 do art. 265º, que,  havendo acordo das partes, pode o autor proceder à modificação simultânea do pedido e da causa de pedir mesmo que tal modificação conjunta implique convolação para relação jurídica diversa da inicialmente controvertida.

O legislador entende, pois, que o acordo das partes legitima a instauração de uma ação diferente da inicial, na pendência da primitiva, e admite-o na medida em que, pese embora a diversidade de objetos de uma e outra ação, haverá sempre nessas situações elementos factuais e processuais comuns a aconselharem o aproveitamento do até aí praticado em homenagem ao princípio da economia processual.

Não havendo acordo das partes para a alteração ou ampliação do pedido ou/e para a alteração ou ampliação  da causa de pedir, rege já o art. 265º, que, proibindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando tais modificações impliquem convolação para relação jurídica da controvertida - referido nº 6 dessa norma -, admite, no entanto,  a alteração ou a ampliação da causa de pedir  quando o réu confesse factos que conduzam a essa alteração e o autor  os aceite, apenas exigindo, nessa circunstância, que a alteração ou ampliação seja feita no prazo de 10 dias após a aceitação pelo autor – nº 1 do art. 265º.

Não prevê essa norma outras situações de alteração ou ampliação da causa de pedir.

Já quanto ao pedido, refere no nº 2 que «o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode amplia-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».

Torna-se, pois, fulcral para se perceber o alcance desta norma, a distinção entre, por um lado, alteração ou ampliação, e por outro, e apenas no que respeita ao pedido, entre desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

Como as palavras utilizadas o sugerem, a alteração implica mudança e a ampliação, não.  Em termos literais, “ampliação” implicará a manutenção do pedido primitivo de que se retiram novas potencialidades, que o legislador pretendeu que se assumissem como «consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo». O que significa que entre o pedido primitivo e o pedido que resulta da ampliação tem de haver um nexo de «consequência» ou «de mero desenvolvimento», o que implica, nas palavras de Alberto dos Reis, que «a ampliação deva estar contida virtualmente no pedido inicial»[4].

Há, no entanto, duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito de que se parta de causa de pedir nesta matéria de alteração do objecto.

Assim o adverte Mariana França Gouveia fazendo notar que  no instituto de alteração do objeto e da cumulação sucessiva são susceptíveis de utilização dois diferentes conceitos de causa de pedir que desembocam, um numa causa de pedir mais estreita, e outro, numa mais ampla[5].

Respetivamente, e como essa autora o refere, «ou se entende que a causa de pedir se identifica com a previsão da norma, ou melhor, com o acervo de factos constitutivos que compõem essa previsão; ou se entende que a causa de pedir, enquadrando todos esses factos constitutivos, se identifica com aquela que é comum ao objecto inicial e sucessivo». Concluindo: «Na primeira hipótese, só não haverá alteração da causa de pedir nos casos em que se mantêm idênticos todos os factos essenciais (…). Na segunda hipótese, a causa de pedir altera-se apenas se nenhum dos factos constitutivos das várias normas for idêntico».

E esclarece este último ponto, acrescentando: «Ou seja, se houver coincidência meramente parcial entre as previsões normativas onde se inserem os factos alegados, já não haverá alteração».

A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função [6]) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art. 265º), permitindo assim, como já se referiu, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que  implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao acima referido conceito amplo de causa de pedir.

Que é aquele a que Mariana França Gouveia adere na matéria em apreço, quando  procede à definição da causa de pedir através do facto principal comum a ambas as pretensões. Acrescentando: «Pretensões processuais, se houver também alteração do pedido, pretensões materiais, se houver apenas alteração da norma invocada». E mais adiante conclui: «A causa de pedir, para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objecto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação».  

Debrucemo-nos agora sobre o pedido concretamente feito pelo A. no  articulado que intitulou de superveniente.

Pediu aí  «ainda» a condenação das RR. a pagarem-lhe a quantia de €18.750,00, referente ao rendimento de que esteve privado, pela não plantação dos mirtilos  e respetivas colheitas nos anos de 2018 e 2019, na parte quantificada; e as quantias que se vierem a apurar posteriormente, e que  relega para liquidação em execução de sentença, da privação dos rendimentos que deixou de beneficiar pelas não colheitas, bem como pelo atraso na  não obtenção do rendimento máximo, pela produção de mirtilos, que seria atingida no 4º ano após aquela.

Para efeito dessa modificação do pedido para mais alegou, em síntese  (repetindo-se aqui o que já se fez constar do relatório): que  destina o prédio à cultura de mirtilos e que iria ter  no 4º ano de plantação – período em que a plantação atinge a produção máxima -  uma  produção média de 9 toneladas de mirtilo por hectar, ou seja, em 12.500m2 iria ter  uma produção de 11.250 Kg, e que, como o preço médio de venda é de 3,00€/Kilo, teria anualmente um rendimento de 9.375,00, deduzidos já os custos de plantação, pelo que, até à “presente data”,  foi privado em 2018 e 2019 de rendimentos que estima no valor de €18.750,00; e que a esse valor se haverá de somar o decorrente de ver protelada a obtenção do rendimento máximo daquela produção que se daria no 4º ano da mesma, relegando para execução de sentença o cálculo desse prejuízo, por não ser previsível  a data em que os resíduos serão retirados na totalidade seu prédio.

A ação deu entrada em 3/7/2018 e a compra e venda do terreno ocorreu em 2017.

A pretendida ampliação do pedido foi feita em 15/4/2019.

Para o pedido primitivo -  o da condenação das RR.  a proceder à limpeza  do prédio rústico que comprara – apenas necessitou de alegar os factos de que decorreu essa compra e venda, a circunstância de não poder saber antes dela o estado real em que o terreno se encontrava, a de a 3ª R. ter feito desse terreno estaleiro para obra que prestou a terceiro, fazendo-o com o acordo das duas 1ª RR., e o estado em que o terreno se encontrava, e aquele em que ficou depois que a 3ª R. aí procedeu a uma breve limpeza.

Para o pedido que fez no dito articulado – da condenação das RR.  a pagarem-lhe indemnização  pelos prejuízos que entretanto já teve e que continuará a ter até ao 4º ano referente à plantação de mirtilos que nesse terreno pretendia fazer  e não pôde fazer logo em 2018, produção essa  que nesse 4º ano atingiria o seu máximo - somou aos factos já alegados, o seu propósito de em 2018 ter feito nesse terreno plantação de mirtilos, o rendimento que obteria dessa plantação desde aí até Abril de 2019, o que iria obter no 3º ano de produção e o ainda superior que obteria no 4º ano da mesma.

Como é evidente, a causa de pedir num e noutro dos pedidos é a mesma, quando se adopte, como se deve, o conceito amplo de causa de pedir a que se fez referência.

E o pedido é uma mera consequência do pedido inicial, como se afirmou no despacho recorrido: é, porque o terreno precisa de ser limpo dos resíduos que nele se encontram, limpeza essa a que as RR. não procederam, que, em consequência disso, o A. não pôde fazer a plantação de mirtilos a que o destinava, pelo que estas serão tão responsáveis pela limpeza do terreno como o serão pelos prejuízos decorrentes da não plantação nele dos mirtilos. 

Com razão o despacho recorrido cita Alberto dos Reis quando o mesmo refere  que «a ampliação há-de estar virtualmente contida no pedido inicial»; e quando utiliza os exemplos que aquele autor dá de  “consequência” e de “desenvolvimento”. São exemplos de mera consequência: «pediu-se, em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. Pediu-se a restituição da posse de um prédio; pode, depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e dos danos causados pelo esbulho»[7]. Já  como exemplo de mero desenvolvimento refere Alberto dos Reis,  «o pedido posterior de juros de uma divida inicialmente invocada».

Nestas situações de consequência e desenvolvimento, o autor tem necessariamente que no âmbito da mesma causa de pedir, trazer aos autos factos que ainda não alegara, e que se consubstanciem, relativamente aos primitivamente alegados, como consequência ou desenvolvimento daqueles.

Os factos assim alegados não tem que ser novos, no sentido de supervenientes, quer objetiva quer subjetivamente.

A circunstância de ter sido possível ao A. no início da ação ter logo pedido  indemnização pelos prejuízos que nesse momento podia já então prever que viria a ter em consequência do facto danoso, não impede que se guarde esse pedido  para depois, desde que até ao encerramento da discussão em 1ª instância, com a vantagem de, sendo feito mais tarde, melhor se poder especificar.  

Não sendo uma técnica muito comum em tribunal, nada parece obstar à mesma, sob pena de não se compreender o alcance do nº 2 do art. 265º CPC.

Quando o  autor proceda à modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos desse nº 2 do art. 265º, fazendo-o fora dos articulados, deve servir-se para o efeito de “peça superveniente”, como o refere Lebre de Freitas [8], e não exatamente de articulado superveniente, por a tal articulado dever ser dado o conteúdo que já se viu que decorre da disciplina do art  588º.  

Consequentemente, o procedimento do A. apenas foi indevido na terminologia adoptada para nomear o articulado.  Deveria tê-lo nomeado como de articulado de junção de documentos e para ampliação do pedido, nomes que correspondem às finalidades que, legitimamente, deu ao mesmo.

Nestes termos, no que respeita à segunda parte do despacho recorrido, deverão julgar-se improcedentes as apelações.

VI - Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar parcialmente procedente as apelações e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, na parte em que admite o articulado superveniente por tempestivo e, no mais, julgarem-se as mesmas improcedentes, mantendo o despacho recorrido na parte em que admite a junção aos autos, sem tributação, dos 39 documentos que acompanharam o articulado em questão e na parte em que admitiu a ampliação ao pedido primitivo.

Custas na 1ª instância e nas apelações em ¾ pelos RR. apelantes e ¼ pelo A. apelado.

Coimbra, 26/1/2021

(Maria Teresa Albuquerque)

                                                                      (Falcão de Magalhães)

                                                                      (Pires Robalo)

I - Os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art, 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração. Só esses, como se refere no nº 2 do art. 611º, têm, «segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».

II - E hão-de ser factos supervenientes - objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento  depois de findos os prazos normais para a sua alegação.

III – Resulta do disposto no art. 264º CPC que o legislador entende que o acordo das partes legitima a instauração de uma ação diferente da inicial na pendência da primitiva, e admite-o, na medida em que, pese embora a diversidade de objetos de uma e outra ação, haverá sempre nessas situações elementos factuais e processuais comuns a aconselharem o aproveitamento do até aí praticado em homenagem ao princípio da economia processual.

IV - Não havendo acordo das partes para a alteração ou ampliação do pedido ou/e para a alteração ou ampliação da causa de pedir, rege o art. 265º, que, proibindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir quando tais modificações impliquem convolação para relação jurídica da controvertida - referido  nº 6 dessa norma -, admite, no entanto,  a alteração ou a ampliação da causa de pedir  quando o réu confesse factos que conduzam a essa alteração e o autor os aceite – nº 1 dessa norma -  e admite a ampliação do pedido  até ao encerramento da discussão em 1ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo - nº 2 da mesma norma.

V - Há duas maneiras de conceber o nexo de consequência ou de desenvolvimento a que se refere (para o pedido) a norma em apreço, consoante o conceito mais estreito  ou mais amplo, de que se parta, de causa de pedir nesta matéria de alteração do objeto.

VI - A circunstância de o legislador de 2013 (não obstante ter prescindido da possibilidade da alteração conjunta, e à partida inteiramente livre, do pedido e da causa de pedir, na réplica, por já não admitir esse articulado com essa função) ter mantido a norma do nº 6 do anterior art. 273º (que corresponde à do nº 6 do atual art 265º), permitindo, assim, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, parece que  implicará a sua adesão, pelo menos nesta matéria, ao  conceito amplo de causa de pedir.

VII – Segundo este conceito, só haverá alteração da causa de pedir se nenhum dos factos constitutivos das normas invocadas quanto ao pedido inicial for comum ao  pedido ampliado.

VIII- Quando o  autor proceda à modificação unilateral do pedido, por redução ou ampliação, nos termos do nº 2 do art. 265º, fazendo-o fora dos articulados, deve servir-se para o efeito de “peça superveniente”, e não de articulado superveniente, por a tal articulado dever ser dado o conteúdo que decorre da disciplina do art. 588º CPC.  


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[1] - “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed, p 299:
[2] - Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», II , 4ª ed , p 614
[3] -Obra referida, anotação ao art 611º, p 724
[4] «Comentário…»,  III,  94
[5] -- «A Causa de Pedir na Acção Declarativa», 2004, p 306 
[6]  - Que apenas está prevista para a defesa da reconvenção e para a impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu em acção de simples apreciação negativa.
[7] -– «Comentário…», III, p 93.
[8] -  Cfr Lebre de Freitas, «A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013», 3ª ed, p 148/149