Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/05.4GBOBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CONTUMÁCIA
ARRESTO DE BENS
Data do Acordão: 05/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 337º CPP
Sumário: Se após a declaração de contumácia houver informações respeitantes à titularidade de bens pelo arguido não há qualquer impedimento para que o Tribunal declare o arresto desses bens, nos termos do artº 337, nº 3 do CPP.
Decisão Texto Integral: O Ministério Público, não se conformando com o despacho proferido pela Mma Juiz que indeferiu o pedido de arresto dos bens do arguido, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

Por despacho de fls. 137 - 138, datado de 07 de Dezembro de 2009, foi o arguido A... declarado contumaz, nos termos do art. 335.º e 337.º do CPP.
2.º
Do despacho que declarou o arguido contumaz, consta o seguinte: "a presente declaração de contumácia implica a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados desde esta data e a proibição de obter certidões e registos junto das entidades públicas, bilhete de identidade, carta de condução passaporte e respectivas revalidações. ".

Estando ainda o arguido numa situação de contumácia, de fls. 209 dos autos, segundo informação prestada pelo Serviço de Finanças, resulta ser (I arguido titular dos seguintes imóveis:
3/4 de um prédio urbano com o art.º n.º … da freguesia de …;
- um prédio rústico com o art.º n.º … da freguesia de …:
- e os prédios rústicos com os arts …………da freguesia …, bem como do veículo de matrícula …,

Face a esta informação superveniente à declaração de contumácia do arguido, em 13.09.2011, o Ministério Público Pr. o arresto daqueles bens do arguido, nos termos do art. 337.°, n.º 3, in fine, do Código de Processo Penal.

O Tribunal ad quo refere no despacho recorrido, designadamente, "Ora, nos termos do artigo 337º, nº 3 do Código de Processo Penal, igualmente pode ser determinado o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido,
Acontece, todavia, que não foi determinado no despacho de declaração de contumácia o arresto dos bens do arguido,
Como tal, entende o tribunal que neste momento já não poderá ser fixado tal efeito à declaração de contumácia.
Neste sentido, pode consultar-se o "Código de Processo Penal". Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, pág 844, onde se diz o seguinte. e com o qual concordamos.' "o arresto repressivo é decretado pelo juiz penal em simultâneo com a declaração de contumácia, que logo dirá sobre que bens recai a apreensão ".
Pelo exposto, por extemporâneo, indefere-se o requerido arresto de bens do arguido,".
6.º
Com todo o devido e merecido respeito, o Ministério Público não concorda com o entendimento sufragado pelo Tribunal. Com efeito, nada na lei processual penal parece impedir que, após c: declaração de contumácia do arguido, o Tribunal não possa declarar o arresto dos bens, no; termos do art. 228.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
7.º
Com efeito. após a declaração de contumácia do arguido, foram trazidos ao conhecimento do processo elementos respeitantes à titularidade de direitos de propriedade pelo arguido sobre bens imóveis e sobre um veículo.
8.º
Parece-nos, pois, que in casu a situação de contumácia do arguido seria desencorajada se o Tribunal declarasse o arresto daqueles bens, nos termos do art. 337.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não constituindo qualquer óbice a circunstância de o arguido ter sido declarado contumaz por despacho anterior.

Pelo exposto, viola o despacho recorrido o disposto no art. 337.°, n." 3, do Código de Processo Penal, devendo aquele despacho ser substituído por outro que declare o arresto daqueles bens, ou, caso se entenda por conveniente, se oficie, antes de mais, à Conservatória do Registo Predial, ;l fim de informar se aqueles imóveis estão registados em nome do arguido.
Pelo que, dando provimento ao recurso interposto e alterando a decisão recorrida, V. Ex.as farão JUSTIÇA!

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:

O arguido A... foi declarado contumaz por despacho proferido em 07.12.2009 (fls. 137-138), tendo sido fixado como efeito da contumácia a "anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após esta data e a proibição de obter certidões e registos junto das autoridades públicas, bilhete de identidade, carta de condução) passaporte ou respectivas revalidações."
Ora, nos termos do artigo 337°, n° 3 do Código de Processo Penal, igualmente pode ser determinado o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido.
Acontece, todavia, que não foi determinado no despacho de declaração de contumácia o arresto dos bens do arguido.
Como tal, entende o tribunal que neste momento já não poderá ser fixado tal efeito à declaração de contumácia.
Neste sentido, pode consultar-se o "Código de Processo Penal", Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, pág. 844, onde se diz o seguinte, e com o qual concordamos: "o arresto repressivo é decretado pelo juiz penal em simultâneo com a declaração de contumácia, que logo dirá sobre que bens recai a apreensão".
Pelo exposto, por extemporâneo, indefere-se o requerido arresto de bens do arguido.

*

Dispõe o artº 337º
1.A declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no nº 2 do artigo anterior ou para aplicação da medida de prisão preventiva, se for caso disso, e a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração.
2. A anulabilidade é deduzida perante o tribunal competente pelo Ministério Público até à cessação da contumácia.
3. Quando a medida se mostrar necessária para desmotivar a situação de contumácia, o tribunal pode decretar a proibição de obter determinados documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas, bem como o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido.
4. Ao arresto é correspondentemente aplicável o disposto nos nº 2, 3, 4, e 5 do artº 228.
5. (…)
6. (…)
Da leitura deste normativo que trata dos efeitos substantivos da declaração da contumácia temos que a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial surge como um efeito necessário, ope legis, da declaração de contumácia.
Os restantes efeitos referidos no nº 3 do citado artº 337 funcionam “ope judicis”. Portanto, a proibição de obter determinados documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas, bem como o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido, só podem ser decretados pelo tribunal quando tais medidas se mostrarem necessárias para desmotivar a situação de contumácia.
Como vem referido no parecer do Mº Pº o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87, publicado na lª série do Diário da República de 09 de Fevereiro de 1987, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, apreciou a questão de apurar se os n.ºs 1 e 3 do artigo 337.° do Código de Processo Penal, quanto aos efeitos da contumácia, contenderiam com o disposto no n.º 1 do artigo 26 e com o n.º 1 do artigo 62 da Constituição da República Portuguesa e, logo, com os n.ºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição, pronunciou-se no sentido de não declarar inconstitucional os efeitos constantes dos n.ºs 1 e 3 do artigo 337º, concernentes à declaração de contumácia, afirmando, designadamente:
"Ora o direito à capacidade civil, reconhecido no nº 1 do artigo 26º da CRP, comporta restrições, “nos casos e termos previstos na lei” (nº 3 do mesmo artigo), e não parece que as restrições estabelecidas nas alíneas a) e b) do nº 1 e nº 3 do artigo 337º sejam desnecessárias ou desproporcionadas.
Todavia, não podem deixar de ficar de fora do âmbito da alínea b) os documentos, certidões ou registos, necessários ao exercício de direitos civis. profissionais ou políticos, já que, não podendo qualquer pena envolver como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (nº 4 do artigo 30º da CRP), não pode a declaração de contumácia, ao menos por identidade de razão, ter, como efeito necessário, uma tal perda. Por outras palavras: a alínea b) do n. o 1 do artigo 337.°, na parte em que se refere a documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos, é inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP, na medida em que a proibição decorre automaticamente da declaração de contumácia."
O Tribunal não se pronunciou assim "pela inconstitucionalidade da alínea a) do nº 1 e do nº 3 do artigo 337º, mas pronunciar-se pela inconstitucionalidade da alínea b) do nº 1, na medida em que a proibição decorre automaticamente da declaração da contumácia, e apenas na parte em que essa alínea é aplicável a documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos -por violação do artigo 30º, n.º 4, da Constituição".
Refere ainda, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 91-188-2, de 07 de Maio de 1991, sumariado em www.dgsi.pt:
"1 - O Código de Processo Penal de 1929 previa a presença do arguido em juízo não só como um dever mas também como um direito.
II - Todavia, e apesar das críticas da doutrina, o dever de competência do arguido em juízo, "maxime'' a audiência de julgamento, não impediu o Código de Processo Penal de 1929 de instituir, entre os processos especiais, o processo de ausentes
III - O Código de Processo Penal de 1987 veio abolir o processo de ausentes e criou, em sua; substituição, o instituto da contumácia: - os efeitos da declaração de contumácia estão previstos nos nºs. 1 e 3 do artigo 337, que são precisamente as normas em causa no presente recurso,
IV - A actual redacção de tais normas resultou da sua apreciação em fiscalização preventiva, concluindo a propósito, nessa parte, o Acórdão n. 7/87 do Tribunal Constitucional que os ns. 1 e 3 do artigo 337 do Código, ao estabelecerem como efeitos da contumácia a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados pelo arguido após a respectiva declaração (alínea a) do n. 1), a proibição de o arguido obter documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas (alínea b) do n. 1) e o arresto na totalidade ou em parte dos bens do arguido (n. 3), não são inconstitucionais, por as restrições a capacidade civil neles impostas se conterem dentro dos limites da necessidade e proporcionalidade (Constituição, artigos 26, ns. 1 e 3, e 18, ns 2 e 3); ficam, porem, fora do âmbito da alínea b) do n.1 os documentos, certidões ou registos necessários ao exercício de direitos civis, profissionais ou políticos ou, por outras palavras, tal norma é inconstitucional nessa parte, por violação do nº. 4 do artigo 30 da Constituição (proibição de as penas envolverem como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos).
V - Mas, sendo irrelevante a pronúncia do Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade das normas sujeitas a sua apreciação, importa averiguar se procedem os fundamentos de inconstitucionalidade que levaram o tribunal recorrido a desaplicar os preceitos em questão.
VI - As normas em causa não violam o direito a capacidade civil, pois tipificam restrições que se mostram ajustadas, adequadas e proporcionadas. Com efeito, visando pressionar os arguidos a comparecerem em juízo, a fim de ai serem julgados pelos crimes que lhes são imputados, com integral respeito pelo principio do contraditório, trata-se de uma finalidade de indiscutível interesse publico, que bem justifica a parcial e transitória restrição da capacidade civil do contumaz."
VII - Pelas mesmas razões, nada tem de desproporcionado ou desadequado as restrições ao direito de propriedade constantes das normas em apreciação."
Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA4, "a contumácia é a situação processual de suspensão dos termos do processo por ausência do arguido e que implica para o arguido declarado contumaz a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração (. .. ). Trata-se de um conjunto de medidas tendentes a coagir o arguido a comparecer em julgamento, dificultando-se-lhe a vida quando o processo estiver pendente a aguardar a sua comparência".
Portanto, se após a declaração de contumácia do arguido houver informações respeitante à titularidade de bens pelo arguido não há qualquer impedimento para que o Tribunal declare o arresto desses bens, nos termos do artº 337, nº 3 do CPP.

DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, julga-se procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que declare o arresto dos bens do arguido ou caso entenda antes por conveniente se oficie à Conservatória do Registo Predial, a fim de informar se os imóveis em causa estão registados em nome do arguido.


Sem custas.

Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade