Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1551/17.3T8VIS-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA POR VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO N.º 2 DO ARTIGO 816.º DO CPC
Data do Acordão: 06/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 816.º, N.º 2 DO CPC
Sumário: Não havendo acordo do exequente e do executado quanto à venda do bem por um valor inferior ao previsto no n.º 2 do artigo 816.º do CPC, cabe ao agente de execução requerer autorização, ao juiz, para a venda do bem por tal valor.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:


A) - 1) - Nos autos de acção executiva em que é exequente a “P..., S.A.”, sendo executada a “S..., S.A.” veio a C..., S.A., reclamar da decisão proferida pelo senhor Agente de Execução, datada de 28/09/2021, requerendo que tal decisão fosse “anulada e dada em efeito”, devendo, após os trâmites que refere, ser ponderada e aceite, caso assim se venha a atender, a proposta apresentada por si, ora Requerente, no valor de €175.000,00. Sustentou, em síntese:
- Que, tendo-se frustrado a venda em leilão eletrónico, não poderia o senhor Agente de Execução ter decidido que a venda do prédio em causa prosseguisse por negociação particular, segundo o artigo 832º, f) do CPC;
- Ser inaplicável ao caso, ao contrário do entendimento do senhor Agente de Execução, o estipulado no artigo 821º/3 do CPC;
- Que, anulada a referida decisão, devem ser seguidos os trâmites legais que aponta e que foram omitidos, relativamente à sua proposta no valor de €175.000,00 e, caso assim se entendesse, ser aceite tal proposta e realizada a venda em consonância com isso.
2) - Em 26.11.2021, o Mmo. Juiz do Juízo de Execução ..., julgou improcedente a reclamação apresentada. […]».


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3) – A C..., S.A., veio interpor recurso dessa decisão - recurso esse que a 1ª Instância admitiu como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (artigo 853.°, , n.° 2, al. c), e n.° 4, do Código de Processo Civil) – oferecendo, a terminar a respectiva alegação, as seguintes  “conclusões”:

«[…] I - Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal a quo e datada de 26.11.2021, que decidiu que “não assiste qualquer razão à reclamante da sua pretensão, tendo em consideração que, no momento em fez chegar aos autos a sua proposta, já o Senhor A.E. havia proferido decisão definitiva sobre a aceitação de proposta para venda do bem, motivo que determina a improcedência da reclamação apresentada”.
II - No caso concreto, encontra-se em causa a reclamação de uma decisão do agente de execução com fundamento, como decorre do teor daquela reclamação e como supra melhor se expôs, na ilegalidade por violação da lei processual, pelo que, dentro deste último critério, tal integrar-se-á no âmbito da atividade vinculada do agente de execução, e, como tal, a decisão judicial que incida sobre aquela decisão do agente de execução é recorrível, daí devendo ser admitido e apreciado o presente recurso e respetivas alegações.
III - A decisão do senhor Agente de Execução, datada de 28.09.2021 padece de invalidade, por violação de lei processual, pois fez uso de preceitos legais não aplicáveis ao caso concreto e deles extraiu conclusões que extravasam os contornos do caso concreto.

IV- A previsão da premissa contida no artigo 832, f) do CC, citada pelo senhor Agente de Execução na sua comunicação anterior, não se verifica no caso concreto, uma vez que, não estava em causa uma ausência total de proponentes e, portanto, de propostas, mas sim a apresentação de propostas de valor inferior ao valor mínimo anunciado para a venda, logo, não estava legitimado o prosseguimento da venda através de negociação particular nos moldes decididos pelo senhor Agente de Execução.
V - O artigo 821°/3 do CPC, aplicado pelo senhor Agente de Execução, diz respeito à venda mediante propostas em carta fechada e, por isso, não é aplicável ao caso concreto (venda em leilão eletrónico), existindo norma expressa (o n.° 2 do artigo 23° da Portaria n.° 282/2013, de 29/08,) que não faz a ressalva contida na parte final do artigo 821°/3 do CPC, logo não poderia o senhor Agente de Execução decidir pelo prosseguimento da venda através de negociação particular e tomar os necessários passos com vista à adjudicação do bem penhorado ao proponente que apresentou proposta, no leilão eletrónico, abaixo do valor mínimo anunciado para a venda.
VI - Ainda que por hipótese se considerasse legítimo, no caso concreto, o recurso ao artigo 821°, n.° 3 do CPC (e não é legítimo, repete-se), sempre do seu teor decorre que se exige das partes a manifestação de um acordo expresso e não um qualquer silêncio tácito.
VII - Na verdade, o silêncio de executada e exequente, quando lhes foi notificada a licitação por valor inferior ao mínimo anunciado para venda, só poderia valer como declaração negocial favorável à aceitação daquela proposta, se esse valor lhe fosse atribuído por lei (que não existe, antes pelo contrário), por uso ou convenção (cfr. artigo 218° do CC) (que também não existe), logo, o seu silêncio não poderia nunca conduzir à consequência que o senhor Agente de Execução lhe atribui na decisão que proferiu e datada de 28.08.2021, porque aquele silêncio não vale como aceitação tácita da proposta em causa.
VIII - Não pode considerar-se definitiva, nem tendo carácter definitivo, a comunicação notificada à executada e à exequente e datada de 20.07.2021.
IX - A impossibilidade de aceitação daquela proposta para efeitos da adjudicação resulta ainda das normas do Despacho n.° 12624/2015, de 09/11 e que foram desconsiderados pelo senhor Agente de Execução: artigo 2°/1, q); artigo 2°/3; artigo 2°/2; artigo 2°/1, i); artigo 7°/8.
X - Tendo a executada comunicado ao senhor Agente de Execução e também ao tribunal a quo, em 11.10.2021, o que sempre representaria a recusa expressa de aceitação da proposta dos €159.135,60, em 11.10.2021, a existência de um interessado (a proponente/recorrente) na aquisição do bem penhorado em causa, e por um preço de montante até superior à proposta dos €159.135,60  apresentada no leilão eletrónico, deveria ter o senhor Agente de Execução dado conhecimento dessa circunstância à exequente, para que a mesma viesse declarar se aceitava esta proposta de aquisição, nos termos do disposto no artigo 832°, b) do CPC, e, na falta de acordo expresso, ser solicitada a autorização do tribunal para se proceder à aquisição à aqui proponente/recorrente.
XI - Não existiu qualquer comportamento tardio por parte da executada ou da ora proponente/recorrente, pois que não poderia considerar-se aceite a proposta anterior e, como tal, não poderia ter sido proferida a decisão de aceitação da proposta anterior, e igualmente porque a comunicação da existência de uma nova proposta (a da proponente/recorrente), por parte da executada, ao senhor Agente de Execução e ao tribunal a quo, representa uma discordância clara quanto à decisão do senhor Agente de Execução, ou seja, representa a comunicação clara de não aceitação da proposta anterior, e consequentemente, de não aceitação da decisão do senhor Agente de Execução, não podendo, por isso, o tribunal a quo concluir que a decisão do agente de execução não foi objeto de reclamação ou impugnação e, como tal, sendo inatacável.
XII - Ao dar acolhimento à decisão do senhor Agente de Execução, datada de 28.09.2021, assim como à comunicação do mesmo, datada de 20.07.2021, violou o tribunal a quo as disposições conjugadas dos artigos 832°, f), 821°, n.° 3, 832°, b) todos do CPC, artigo 23°, n.° 2 da Portaria n.° 282/2013, de 29/08, artigos 2°/1, q), 2°/3, 2°/2, 2°/1, i) e 7°/8 do Despacho n.° 12624/2015, de 09/11, artigo 218° do C.C..
XIII - Deverá, assim, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo, datada de 26.11.2021 e substituída por outra que dê sem efeito a decisão de adjudicação tomada pelo senhor Agente de Execução e datada em 28.09.2021, e, consequentemente, ordene a notificação da exequente, para que a mesma  informe  se  aceita  a  proposta  apresentada  pela  aqui  proponente/recorrente,  no  valor   de

€175.000,00, seguindo-se os ulteriores termos legais para a eventual concretização de tal adjudicação. […]».

Terminou assim: «[…] Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda  a sua extensão, com as legais consequências, devendo a decisão recorrida e proferida pelo tribunal a quo, datada de 26.11.2021, ser alterada em conformidade de acordo com o explanado nas conclusões supra formuladas. […]»


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B)- As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi”  do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que,  com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35862).

Não obstante as extensas “conclusões” da alegação de recurso, delas resulta que a questão a decidir no presente recurso é a de saber se foi desacertada, porque ilegal, a decisão do Tribunal “a quo” em julgar improcedente a reclamação da ora recorrente.


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C) – a) - Do despacho recorrido extrai-se, em termos fácticos, o seguinte:
1 - No âmbito dos presentes autos foi promovida a venda por leilão eletrónico do imóvel penhorado - Prédio misto, composto de casa de habitação, dependência, pátio, terra  de centeio, milho, pastagem, pinhal, vinha, pomar de macieiras e árvores de fruto, sito na  Quinta ..., inscrito nas respetivas matrizes prediais sob os artigos U-1394° e R -5029.0, da União de freguesias ..., ... e ... e descrito na Conservatória do registo predial ..., sob o  n°  ...18,  da  freguesia ...

- pelo valor mínimo de € 265.200,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e duzentos euros).
2 - O leilão foi encerrado em 14.07.2021, com a melhor proposta obtida de € 159.135,60 (cento e cinquenta e nove mil cento e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos).
3 - Com data de 20.07.2021, o Senhor A.E. notificou exequente e executada, nos seguintes termos:
“Fica V Ex.a pela presente notificado, na qualidade de Ilustre Mandatário da executada, da certidão de encerramento do leilão, resultando da mesma que a melhor proposta foi apresentada por S... Unipessoal, Lda.,  no  montante  de €159.135,60,  todavia inferior aos 85% do valor base anunciado para a venda, motivo pelo qual não foi aceite;

Ora tendo-se frustrado a venda em leilão eletrónico, a venda prossegue mediante negociação particular, ao abrigo do disposto na alínea f) do artigo 832° do CPC.

Não obstante, fica V Ex.a também notificado, para se pronunciar no mesmo prazo, quanto à proposta de €159.135,60, informando o que tiver por conveniente, nomeadamente se se opõe à aceitação da supra citada proposta, agora no âmbito da venda através de negociação particular, atendendo o disposto no n° 3 do artigo 821° do CPC.".
4 - Em 20.07.2021, foram as partes notificadas da decisão proferida pelo Sr. A.E. de venda  por negociação particular, bem como para, já no âmbito de tal venda, se pronunciarem  quanto à proposta mais alta apresentada (€ 159.135.60), informando se se opunham à sua aceitação, mas, no prazo de dez dias, não apresentaram qualquer reclamação, nem se pronunciaram sobre a aceitação da referida proposta.
5 - O Senhor A.E. proferiu decisão, datada de 28.09.2021 e notificada às partes na mesma data, aceitando a referida proposta de € 159.135,60, nos termos do artigo 821.°, n.° 3, do Código de Processo Civil.
6 - Considerando-se feita em 01.10.2021 e decorrendo o prazo até 11.10.2021, as partes, perante esta nova decisão do Senhor A.E., não vieram da mesma reclamar, limitando-se a executada, em 11.10.2021, a anunciar ao Senhor A.E. a existência de melhor proposta - feita pela ora reclamante - cuja aceitação solicitou.
7 - Em 13.10.2021 a nova proponente veio corroborar nos autos o requerimento da executada.

b) – Dos autos resulta provado, ainda, que:
1- Do requerimento da executada de 11.10.2021, consta entre o mais:

«[…] Foi agora recebida uma proposta de aquisição de tal bem pela sociedade com a firma “C..., S.A.”, com sede em ..., NIPC ..., pelo preço de € 175.000,00.

Verificou-se que a melhor proposta apresentada para aquisição do referido bem, foi inferior aos 85% do valor base anunciado para a venda, pelo que não pode a mesma ser aceite. – No caso – Valor, igualmente inferior ao ora apresentado - 159.135,60 € (Cento e cinquenta e nove mil, cento e trinta e cinco euros e sessenta cêntimos);

Quer isto dizer que importa que seja aceite o valor agora proposto por ser benéfico para todos os intervenientes.

Face ao exposto, estarão assim reunidas as condições para que se concretize a adjudicação do bem à agora proponente,

Solicitando se contacte, directamente, com o Senhor Advogado que subscreve a proposta, para que proceda “ao depósito do preço”, demonstrando o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente a liquidação do IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e IS (Imposto de Selo), nos termos do nº 2 do artigo 824º do CPC. Promovendo-se a elaboração do título de transmissão supra identificado, a favor da ora proponente. […]».
2- O requerimento da Executada, de 13.10.2021, dirigido ao Sr. Agente de Execução, tem o seguinte teor: “C..., S.A., interessada nos presentes autos, vem informar que  corrobora o requerimento atravessado nos autos pela executada a fls (…), e requerer que lhe seja adjudicada a verba nos moldes ali expostos.”

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II – Quanto a nós, na análise do despacho recorrido e, consequentemente, do objecto do recurso dele interposto, importa distinguir as decisões do Sr. Agente de Execução, de 20/7/2021 e de 28.09.2021. A primeira respeita, decididamente, à não aceitação da proposta de aquisição, no âmbito da venda por leilão electrónico, da proposta de €159.135,60, porque inferior aos 85% do valor base anunciado para a venda;

Ao abandono do leilão electrónico como modalidade da venda e à decisão de proceder a esta por negociação particular;
A segunda das referidas decisões respeita, não, propriamente, à adjudicação do bem ao proponente,  mas antes à aceitação, no âmbito da venda por negociação particular, da proposta da compra de tal bem por parte da “S... Unipessoal, Lda.”, pela importância de € 159.135,60.

É verdade que já na decisão do Sr. Agente de Execução de 20/7/2021 se havia exarado: “…fica V Ex.a também notificado, para se pronunciar no mesmo prazo, quanto à proposta de

€159.135,60, informando o que tiver por conveniente, nomeadamente se se opõe à aceitação da supra citada proposta, agora no âmbito da venda através de negociação particular, atendendo o disposto no n° 3 do artigo 821° do CPC.".

Contudo, esta passagem do despacho do Sr. Agente de Execução é apenas o anúncio da intenção de proceder à adjudicação, por negociação particular, pelo montante de € 159.135,60, adjudicação essa que, como se depreende dos termos usados pelo Sr. Agente de Execução, na notificação das partes, só se concretizaria, sem mais, se, estas, em prazo, não se opusessem à aceitação da citada proposta, no  âmbito da venda através de negociação particular.

No despacho recorrido considerou-se entre o mais:

«[…] as decisões proferidas pelo Agente de Execução, que não sejam objeto de reclamação nos termos da lei (artigo 723.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil), tornam-se definitivas.

Como resulta das palavras de Rui Pinto, “no plano das competências na ação executiva, ao poder geral de controlo, residual e passivo, atualmente cometido ao juiz no artigo 723º, nº 1, contrapõe-se no artigo 719º, nº 1, um poder geral de direção da instância executiva pelo agente de execução. Efetivamente, compete ao agente de execução efetuar todas as diligências de execução … Por  contraste, a lei retira desse âmbito as diligências do processo executivo que estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz. …

As suas competências são apenas as que a lei determine: um ato que a lei não consigne a juiz e a secretaria, é do agente de execução”. A Ação Executiva, 2019, Reimpressão, pág. 105.

Neste conspecto, as decisões proferidas pelo Agente de Execução, que não sejam objeto de reclamação nos termos da lei (artigo 723.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil), tornam-se definitivas.

Como refere o mesmo autor, “a necessidade de segurança jurídica e a sua sujeição a um meio de impugnação ditam, necessariamente, que se lhe apliquem alguns princípios gerais dos despachos judiciais. Primeiro princípio: uma vez proferido despacho, o agente de execução fica com a sua competência decisória esgotada. Ele não pode revogar oficiosamente a sua decisão. Tal decorre da regra do artigo 613º, nº 1. Segundo princípio: o agente de execução pode oficiosamente ou a requerimento, retificar erros materiais, por aplicação analógica do artigo 614º. … Terceiro princípio: o despacho do agente de execução apenas pode ser revogado por impugnação do interessado, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 723º, sob pena de sanação dos respetivos vícios. … Quarto e último princípio: o despacho do  agente de execução  considera-se definitivo depois de  não ser  suscetível  de impugnação perante o juiz, seja porque o prazo de 10 dias correu sem a sua dedução, seja porque a decisão que julgou a impugnação improcedente transitou em julgado. …”. ob. cit.,  p. 122 a 124.

Ora, no caso dos presentes autos, como supra elencado, por ato praticado em 20.07.2021, foram as partes notificadas da decisão proferida pelo Sr. A.E. de venda por negociação particular, bem como para, já no âmbito de tal venda, se pronunciarem quanto à proposta mais alta apresentada (€ 159.135,60), informando se se opunham à sua aceitação.

As partes, únicas com legitimidade para se pronunciarem sobre as questões suscitadas, no prazo de dez dias, não apresentaram qualquer reclamação, nem se pronunciaram sobre a aceitação da referida proposta, pelo que, no que concerne á modalidade da venda, a decisão tomada pelo Senhor A.E. tornou-se definitiva, equiparando-se tal estabilização ao trânsito em julgado.

Como refere Delgado de Carvalho, “ (…) a) Uma vez que é inadmissível, face ao direito positivo, um poder geral de controlo do juiz de execução exercido sobre a atuação do agente de execução ex post, há que entender que o esgotamento do poder de decisão do agente de execução, quanto à questão por si decidida, impede que o juiz de execução tenha uma intervenção oficiosa no sentido de contrariar o ato praticado ou a decisão tomada por aquele agente, salvo nos casos em que a lei especificamente  autorizar o juiz a decidir de forma distinta. Sendo assim, há que concluir que o ato praticado e a decisão tomada pelo agente de execução, embora com algumas particularidades, gozam das mesmas características do caso julgado, nomeadamente a incontestabilidade e a consolidação num processo pendente, quando deixa de ser impugnável, e a intangibilidade, dado que não pode ser revogada, suspensa ou substituída. Devido a estas características de caso estabilizado do agente de execução, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito – por não constar de uma decisão judicial – é, no entanto, a ele equiparado, havendo que aplicar, por analogia, o regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença (cf. arts. 613º, 614º, 619º, 620º, 621º, 625º e 628º do nCPC), nomeadamente o princípio do esgotamento da competência decisória do agente de execução e a correção de erros materiais. Noutras palavras, o ato e a decisão do agente de execução tornam-se definitivos sempre que, depois de notificada às partes, estas não reclamem do ato ou não impugnem essa decisão perante o juiz, nos termos do art. 723º, n.º 1, als. c) ou d), do nCPC. Disto decorre que, se o ato ou a decisão daquele agente não for objeto de reclamação ou de impugnação pelas partes, o ato praticado e a decisão tomada tornam-se incontestáveis e inalteráveis, dado que se tornam inatacáveis por iniciativa de qualquer das partes; pode falar-se a este propósito de um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial.” O Caso estabilizado dos atos e decisões dos agentes de execução (Contributos para uma teoria geral dos atos e das decisões do agente de execução)”, publicado no Blog do IPPC coordenado pelo prof. Miguel Teixeira de Sousa, p. 25 e 26. […]».

Este entendimento tem a nossa concordância, embora que restrita à decisão do Sr. Agente de Execução de 20.07.2021, com o âmbito decisório que acima lhe conferimos, ficando definitivamente estabilizado o decidido quanto à não aceitação no âmbito da venda em leilão, da proposta de € 159.135,60; quanto ao não prosseguimento dessa forma de venda e à continuação desta última na modalidade de negociação particular.

Por isso, todas as divergências apresentadas pela ora recorrente respeitantes a tais matérias, carecem de viabilidade.

Já o mesmo não de poderá dizer da decisão de 28.09.2021, onde, efectivamente, foi aceite, pelo Sr. Agente de Execução, a proposta de aquisição do bem, em negociação particular, peço valor € 159.135,60, inferior pois, a 85% do valor base do bem.

As partes com o seu silêncio anterior, não deram o seu acordo à aceitação referida pelo Sr. Agente de Execução em 20.07.2021, nem renunciaram a oporem-se a uma decisão de adjudicação que só nas circunstâncias concretas (e futuras) em que se concretizasse é que poderia ser ponderadamente avaliada.

Aliás, em nosso entender, considerar que o silêncio das partes equivaleria a estas darem o seu acordo à proposta apresentada pelo Sr. Agente de Execução em 20.07.2021, está fora do âmbito em que o silêncio vale de declaração (cfr. Artº 218º do CC; Ac da Relação de Évora de 15/01/2015,3 proc. 4970/09.5TBSTB-B.E1 - Relatora: Des. ALEXANDRA MOURA SANTOS e Ac. da Relação de Guimarães, de 6 de Maio de 2021,4 proc. 228/13.3TBCBC-D.G1 – Relatora: Des. Maria João Matos, podendo ler-se neste último aresto (nota 9): «[…] importa não confundir a declaração tácita, presumida ou ficta (prevista no art. 217.º do CC) com a declaração por silêncio (prevista no art. 218.º do CC): «nos primeiros casos tem de haver uma conduta, uma acção, que funciona como facto concludente», enquanto que na «declaração por silêncio, como vimos, há uma omissão total de conduta que, em determinadas circunstâncias, tem valor declarativo» (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, 1983, pág. 348). […]».

Diz-se no despacho recorrido relativamente à decisão de 28.09.2021 do Senhor A.E.,  que “…as partes não vieram da mesma reclamar no prazo legal (notificação considera-se feita em 01.10.2021, decorrendo o prazo até 11.10.2021), limitando-se a executada a dar conhecimento de uma nova proposta…”.

Mas, salvo o devido respeito, essa afirmação, nem é exacta, nem é completa.

Na verdade, para além daquilo que se referiu quanto ao valor do silêncio das partes, importa atentar que, como está provado, a executada, em 11.10.2021, veio discordar dessa aceitação, pois que outra coisa não transmite o seu requerimento dessa data, no qual a executada, em detrimento da proposta de

€ 159.135,60, aceite pelo Sr. Agente de Execução, inferior aos 85% do valor base, solicita a aceitação da proposta apresentada a firma “C..., S.A.”, pelo preço de € 175.000,00. para aquisição do referido bem.

Essa posição expressa pela executada em 11/10/2021, transmitindo a discordância pela referida aceitação e subsequente venda, efectuada por valor inferior aos 85% do valor base e a sua solicitação  no sentido da aceitação da proposta da C..., S.A., que anunciou – e que depois, em 13.10.2021, foi concretizada pela C..., S.A., por valor (€ 175.000,00), superior a esses 85% - haveria de ter sido tomada como oposição atinente à aceitação da referida proposta de € 159.135,60, inferior aos 85% do valor base, e impunha, no mínimo que a aceitação e venda por tal valor, fosse autorizada pelo Tribunal, ponderando, entre o mais, esse requerimento da executada, para tal devendo a resolução de tal matéria ser submetida à apreciação do julgador pelo Sr. Agente de Execução.

Efectivamente, como se diz no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 26/10/2021 (Apelação nº 176/11.1TBNS-A.C1 – Relator: Des. Avelino Gonçalves)5 «[…] a existir acordo de todos os interessados é possível realizar a venda por preço inferior ao valor base sem intervenção do juiz. Mas, se esse acordo não for obtido então a venda por negociação particular só pode ser concretizada mediante autorização judicial – No acórdão desta Relação de Coimbra, de 16.12.2015, pode ler-se que: “a venda de um bem, na modalidade de negociação particular, pode ser autorizada por valor inferior  ao  indicado  no  artigo  816.º,  n.º  2,  do  NCPC,  desde  que  garantidos  os  interesses  das pessoas/entidades indicadas no artigo 821.º, n.º 3 (…) a defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados acima referidos, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores “tendo conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda”.

Tal autorização haverá de ponderar todos os interesses em jogo, considerando, nomeadamente, a inexistência de outras propostas de aquisição do imóvel penhorado durante período razoável de tempo desde a sua colocação à venda. […]».

Há quem entenda, até, que, “A única modalidade de venda em que é possível a redução do preço dos bens, para valor inferior a 85% do valor base fixado pelo agente de execução, é a venda por  negociação particular, mas sempre sob a fiscalização do juiz e, em caso algum, por iniciativa do  agente de execução, mesmo que as partes não se oponham ou não reclamem da decisão deste agente.”  (J. H. Delgado de Carvalho, consultável em “https://docplayer.com.br/28715061-As-relacoes-entre- a-venda-em-leilao-eletronico-e-as-restantes-modalidades-de-venda.html”).

Contudo, como se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/11/2019 (Apelação nº 1242/15.0T8AGH-B-7   –   Relator:   Des.   LUÍS   FILIPE   PIRES   DE   SOUSA)6     «[…] a

jurisprudência tem vindo a entender que, na venda de imóvel por negociação particular, é possível transacionar o imóvel por preço inferior ao valor base e, mesmo, ao valor mínimo anteriormente anunciado para a venda por propostas em carta fechada, ainda que, pelo menos nos casos em que não haja acordo entre todos os interessados (que pode ser tácito - RC 8-3-18, 7867/11), seja necessária autorização judicial (RC 26-2-19, 1594/09, RC 8-3-18, 7867/11, RC 16-5-17, 957/12, RL   21-

1-16, 57/10, RC 8-3-16, 1037/10, RP 24-9-15, 1951/12, RL 18-6-15, 5940/10, RL 25-9-14,

512/09). Cabe ao agente de execução dirigir requerimento ao juiz, com explicitação das diligências efetuadas para a venda, relato das propostas que obteve, características do bem e posição assumida pelos interessados, a fim de habilitar o juiz a decidir. A autorização judicial em causa deve ponderar os interesses em causa, designadamente a inexistência de outras propostas de aquisição do bem durante período razoável de tempo desde a sua colocação à venda, a conjuntura económica, as qualidades do bem e potencialidade da sua venda, a eventual desvalorização sofrida e os valores de mercado da zona  (RC      26-2-19,      1594/09,      RC      16-12-15,      2650/08,      RP      5-5-16,         6622/12,

www.colectaneadejurisprudencia.com). […]».

Do exposto resulta que inexistindo acordo expresso das partes e havendo, até, o desacordo da executada quanto à aceitação (e subsequente venda) da proposta de € 159.135,60, decidida pelo Sr. Agente de Execução em 28.09.2021, tal proposta deveria ter sido submetida por este à autorização do Tribunal, conjuntamente com todos os dados que poderiam auxiliar este na decisão a tomar, o que foi omitido, consubstanciando, tal omissão, nulidade susceptível de influenciar o valor da venda, o que determina a anulação da decisão de 28.09.2021 do Sr. Agente de Execução e de todos os actos subsequentes a essa decisão e que dela sejam dependência necessária, incluindo, a venda, que haja sido efectuada na sequência da aceitação em causa (artºs 195º, nºs 1 e 2 do e 839, nº 1, c), do NCPC).

Assim, revogando-se a decisão recorrida, na procedência ao recurso, decide-se determinar:
- A anulação da decisão de Sr. Agente de Execução em 28.09.2021, e de todos os actos subsequentes a essa decisão e que dela sejam dependência necessária, incluindo, a venda que haja sido efectuada na sequência da aceitação em causa;
- Que os autos prossigam para concretização da venda, com apreciação, após audição da Exequente, da proposta da “C..., S.A.”, bem como com a apreciação das demais propostas que se mostrem apresentadas, sendo que, quanto a estas, quando de valor inferior a 85% do valor base do bem, a concretização da venda terá de ser autorizada pelo Tribunal.


***
III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, os Juízes deste Tribunal da Relação, na procedência ao recurso, revogando a decisão recorrida, decidem:
- Anular a decisão de Sr. Agente de Execução em 28.09.2021, e todos os actos subsequentes a essa decisão e que dela sejam dependência necessária, incluindo, a venda que haja sido efectuada na sequência da aceitação em causa;
- Determinar que os autos prossigam para concretização da venda, com apreciação, após audição da Exequente, da proposta da “C..., S.A.”, bem como com a apreciação das demais propostas que se

mostrem apresentadas, sendo que, quanto a estas, quando de valor inferior a 85% do valor base do bem, a concretização da venda terá de ser autorizada pelo Tribunal.


*

Sem custas.

14/6/20227


(Luiz José Falcão de Magalhães)

(António Domingos Pires Robalo)

(Sílvia Maria Pereira Pires)


1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Consultáveis na Internet, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal  como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.

3 Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Évora, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase.

4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase.

5 Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.

6 Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Lisboa, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.

7 Processado e revisto pelo Relator.