Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
399/13.9GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
FALTA DE HABILITAÇÃO LEGAL PARA CONDUZIR
Data do Acordão: 06/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE VISEU - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP
Sumário: A pena acessória prevista no artigo 69.º do CP é aplicável a todo e qualquer agente punido por um dos crimes previstos no n.º 1 do dito artigo, mesmo quando aquele não está habilitado para o concreto acto de condução verificado.
Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

 

I. Relatório

No processo comum singular 399/13.9GCVIS da Comarca de Viseu, Instância Local de Viseu, Secção Criminal, J1, foi submetido a julgamento o arguido A... , melhor identificado nos autos, tendo sido proferida sentença 15 de Outubro de 2014 com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto julgo a acusação procedente por provada e, consequentemente, condeno o arguido A... :

a) Como autor material de um crime de condução perigosa de veícu­lo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º/1, a) e b) do Código Penal, previsto e punido pelo artigo 292.º/1 do Código Penal), na pena de um (1) ano de prisão;

b) Como autor de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º/1/2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/1, 121.º/1 e 122.º/l do Código da Estrada, na pena de um (1) ano e três (3) meses de prisão.

Efectuado o cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares em que o arguido foi condenado, de acordo com o disposto no artigo 77.º do Código Penal, na qual foram considera­dos, em conjunto, os factos (que denotam manifesta gravi­dade) e a personalidade do arguido (manifestamente des­conforme com as regras de convivência em sociedade, deno­tando um impulso para a prática de crimes, impondo-se co­locar travão a futuros comportamentos da mesma natureza, pelo que vai o arguido condenado na pena de prisão unitá­ria de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

De acordo com o disposto no artigo 50.º/1/5 do Código Penal, suspende-se-lhe a execução da pena pelo período de um (1) ano e seis (6) meses.

De acordo com o disposto no artigo 69.º/1, a) do Código Penal aplica-se ao arguido a pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos mo­torizados pelo período de 12 (doze) meses.

Inconformado com o assim decidido veio o arguido interpor recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso tem como objeto a matéria de fato e de direito da sentença recorrida, no que toca à condenação do arguido em pena acessória de inibição de condução durante 12 meses, ao abrigo do disposto no art. 69.º n.º 1, a) do Código Penal.

2 - Decidindo como decidiu, a Meritíssima Juiz do Tribunal A quo não fez uma correta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica.

3 - Considera a Meritíssima Juiz que quanto ao crime de condução ilegal na via pública de veículo  e quanto à suposta aplicação de uma pena acessória prevista no artº 69º do Código Penal, a Meritíssima Juiz do Tribunal A quo , decidiu não aplicá-la.

4 - E não aplicou e muito bem, escudando-se na interpretação que fez do Acórdão datado de 4 de maio de 1999 (CJ., 99,3,54) da Relação de Évora que refere que no âmbito do crime de condução ilegal , decidiu que ao arguido condenado por tal  tipo legal de crime não deve ser imposta a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do artº 69 do C.P. , apenas devendo ser aplicada a medida de de segurança do artigos 101º e 102º do mesmo diploma, quando o Tribunal concluir que existe fundado receito de que poderá a vir praticar outros fatos da mesma espécie.

5 - Ficando afastada a aplicação ao arguido da pena acessória prevista no artº 69/1ª) do Código Penal.

6 - Esta foi a interpretação correta da Sentença, relativamente à pena acessória e sua aplicação.

7 - Sufragamos também que tal pena acessória, e em nosso entendimento, apenas é aplicável a quem está habilitado a conduzir.

8 - Neste sentido v.g. designadamente e também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03/02/2004, disponível em www.dgsi.pt, no qual, entre outros argumentos se refere, relativamente à expressão “título de condução” “(…) o uso de tal expressão não pode deixar de ser entendido, assim, como referindo-se ao título de condução que habilita o agente a conduzir o veículo com o qual cometeu o crime pelo qual foi condenado, pois é essa perigosidade do agente que se pretende evitar, sendo que bem pode acontecer que o mesmo esteja habilitado com outros títulos – significa isto, em suma, que a obrigação de entregar o título de condução (determinado) supõe a habilitação do condenado com um título de condução e que o mesmo não esteja apreendido(…)”.

9 - Ora, no caso em apreço o recorrente e arguido não se encontrava habilitado a conduzir, pelo que, atento o exposto não lhe é aplicável apena acessória em questão.

10 - Foi este o entendimento sufragado pelo Douto Tribunal a quo mas só o foi numa primeira fase.

11 - É que chegados à condenação do arguido do Crime de Condução perigosa, a Meritissima Juiz a quo decide a final, e sem fundamentar, aplicar a pena acessória de inibição de conduzir durante um ano, o que é manifestamente contraditório com o pela mesma estribado na primeira parte da Sentença a Fls.

12 - Resulta do artigo 71º nº 3 do Código Penal, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.


            13-O Douto acórdão recorrido, na parte da aplicação da pena de sanção acessória de conduzir,  não obedece à fundamentação necessária imposta por lei, porque se limita a apresentar um quadro sobre qualificações jurídicas genéricas como sejam “violação grosseira” “ grave”  “criar perigo para a vida ou para a integridade física “ termos genéricos com  identificação de ilícitos genéricos também, enumerados e extraídos como elementos subjetivos do crime da condução perigosa do artº 291 do CP;

14 - Não enumera de forma concisa, os fatos dados como provados, quanto `aplicação destes conceitos, não referindo as circunstâncias em que foram cometidos (com base na prova produzida em audiência), por isso se invoca a Nulidade por Inexistência de Fundamentação suficiente que leve á aplicação da pena acessória.

15 - O que determina a nulidade da respectiva decisão, nos termos do artº 379 do CPP, nulidade que é de conhecimento oficioso , o  que aqui se arguiu .

16 - A Douta Sentença menciona os meios de prova produzidos com os militares da GNR, seus pirilampos, um sinal vermelho, a imputação ao arguido de circular a velocidade superior a 50 Km ( elemento que não foi sujeito a prova)   etc,  mas, deveria explicitar a razão de ciência dos respetivos depoimentos.

17 - Bem como os fatos sobre que incidiram, para que se torne percetível intuir de que forma chegou o  Tribunal á conclusão de provado e não provado, pois na atual redação o art.º 374 nº 2 do C.P.P tal é obrigatório, tal como a exposição concisa dos motivos de fato e de direito , que fundamentam a decisão , sendo que essa  motivação dos factos da sentença consiste no exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

18 - Também não basta identificar os ilícitos e os antecedentes criminais do arguido para fundamentar, sem qualquer análise critica, a ponderação conjunta dos factos e da personalidade, é, sim, necessário exame critico, o que em nosso entender não se verificou.

19 - Acresce ainda referir, salvo melhor opinião, que a decisão recorrida não demonstra a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e da personalidade e que, sem prejuízo de que os fatores enumerados no º 2 do artigo supra citado, podem servir de orientação na determinação da medida da pena, especialmente e  refira-se aqui no que concerne à pena acessória, a qual não está justificada nem fundamentada na sua aplicação .


            20 - Ao omitir a avaliação, que é necessária, o tribunal omite pronúncia sobre questão que tinha que apreciar e decidir.

21 - Como tal, tal Nulidade deverá ser considerada  procedente , e não aplicada , por via desse raciocínio , qualquer medida ou sanção acessória de inibição de conduzir, sendo suficiente a pena principal, que é de prisão suspensa na sua execução.

22 - Se assim, V. Exas Venerandos Juízes Desembargadores, assim não atenderem, entendemos que, a sanção acessória de inibição de condução por um período de doze meses  aplicada ao arguido é excessiva face à prova produzida.

23 - É desta sentença condenatória na parte da sanção acessória de 12 meses ,  que nos permitimos discordar, com o devido respeito pela opinião contrária.

24-A determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do C.P. (cfr. Ac. do S.T.J. de 121 de Novembro de 1986, in BMJ nº 361, a pág. 239).

25 - Seguindo a graduação da pena acessória os mesmos critérios legalmente exigíveis para a fixação da pena principal, tendo, no entanto, em consideração que a finalidade a atingir pela pena acessória se centraliza mais na vertente da prevenção especial ou seja na necessidade de influir sobre a personalidade do agente e não na vertente da prevenção geral, esta com uma finalidade ou objectivo reflexo ou mediato.

26 - A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, prevista e punível, nos termos do disposto no artigo 69.º n.º 1 alínea b), do CP, com proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos, foi concretizada, na instância, em 12 meses de proibição.


            27 - A pena acessória é uma pena complementar e pressupõe a condenação do agente num crime com a correspondente aplicação da pena principal e é aplicável a crimes rodoviários e a crimes cometidos no exercício da condução ou com a utilização de veículos motorizados conforme requisitos aludidos no artigo 69 nº. 1 do C.P.

28 - O  arguido foi condenado em cumulo jurídico a uma  pena de prisão de um ano e seis meses suspensa na sua  execução.


            29 - A determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve fazer-se mediante os critérios utilizados na fixação da pena principal e definidos no art. 71 do Código Penal.


            30 - Há que ter em conta, quanto a tal questão, as exigências de prevenção de futuros crimes, o grau de culpa do arguido , o perigo concreto que representou a sua conduta, a sua inserção social e familiar e a sua idade.


            31- Sendo certo que, a duração da pena acessória deve ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objectivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas.


            32 - A pena acessória deve contribuir decisivamente para a emenda cívica do condutor infractor, prevenindo a perigosidade deste, mas essencialmente, e cada vez mais, deve ter um efeito de prevenção geral de intimidação, face ao aumento da sinistralidade rodoviária.

33 - Entendemos que, a sanção acessória de inibição de condução por um período de doze  meses ( um ano-sensivelmente inferior à pena principal) aplicada ao arguido e recorrente  é excessiva face à prova produzida.

34 - O arguido não foi interveniente em acidente de viação, não tinha taxa de alcoolémia, e o grau de perigosidade não foi intensamente violado, por via deste fato.

35-Os fatos remontam a 1 de Maio de 2013.

36- O Recorrente atualmente  e há data em que foi proferida a sentença , está a cumprir um contrato  de trabalho na Suíça, tendo sido  aí notificado desta Sentença ,a 22 de Agosto de 2016.

37 - Tem a seu cargo dois  filhos menores de idade, e liquida mensalmente € 500 de prestação de Alimentos, o que tem cumprido, conforme Sentença homologada pelo Tribunal de Viseu, Proc. Nº 6092/15.0T8VIS-Instancia Central-1ª Secção de Família e Menores-J2.

38 - Já fez o exame de código, e pretende tirar o título de condução,  e um  período tão longo de inibição de conduzir a que o arguido foi condenado coloca em causa a busca por uma situação económica mais favorável.

39 - Os documentos ora juntos, correspondem a fatos e a documentos supervenientes, sendo que o processo penal deve assegurar todas as garantias de defesa (artº 32º CRP) e,  por conseguinte, entende-se ser de admitir a ora junção de documentos tardios.

40 - A favor do arguido Recorrente que interiorizou a gravidade da sua atuação, importa salientar, mais uma vez, a sua integração familiar e profissional, bem como as modestas condições de vida e as más companhias que o induziam em loucuras com que vivia à altura dos fatos.

41- Porquanto, tal torna-se indispensável para fazer uma correcta e justa interpretação e aplicação da lei no caso em apreço.

42 - Conforme resulta do exposto, e tendo em conta a aplicação da pena principal a um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, e da qual o Recorrente não recorre, será a sua aplicação suficiente e adequada para acautelar as necessidades de prevenção geral e especial da norma violada a imposição ao arguido de uma hipotética sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um mês.

43 - Não se justificando um tão pesado juízo de censura adicional de doze meses, dado o tão grande rigor punitivo que constitui a pena principal, que repete-se, se não recorre.


            44 - Cremos que, tal pena de ameaça de prisão e pena acessória reduzida para um mês, seria adequada à culpa do arguido, defenderia o ordenamento jurídico, e cumpria com a ressocialização do arguido, afastando-o de futuros crimes, o que de resto se comprova pela sua conduta posterior ao crime praticado.

45 - Salvo melhor opinião, entende-se sempre com o devido respeito, que a sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de doze meses aplicada ao arguido, deverá ser, pois, reduzida.

Nestas condições e nos demais de Direito aplicáveis rogamos a Vª Exªs Venerandos Desembargadores, se dignem admitir o presente recurso e que sufragados que sejam os vícios apontados, bem como a discordância sustentada quanto à incorrecta aplicação da pena acessória , tal decisão de V. Exas deverá passar pela sua não aplicação.

 
            E, caso assim V. Exas não entendam, o que só por mera hipótese académica se admite, deverão V/ Exªs alterar a decisão do Tribunal a quo, no que ao período de inibição de condução respeita, substituindo a mesma, pela aplicação de um período de inibição mais reduzido.  

Sendo que dessa forma se fará a acostumada JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, concluindo que deve ser considerado totalmente improcedente.

Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde, louvando-se, no essencial, na resposta da 1ª instância, defendeu a improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido respondeu pugnando pela procedência do recurso.

Corridos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentação

            A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal possa conhecer de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal), sendo certo que o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.

           

            Preliminarmente importa que nos pronunciemos sobre os documentos que o recorrente junta (fls. 366 a 388) com o recurso.

            O artigo 165º, nº 1 do Código de Processo Penal preceitua que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, até ao encerramento da audiência” o que significa que não é legalmente admissível a junção de documentos na fase de recurso.

            Porque assim, não serão os documentos juntos tidos em consideração.

            Vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

            - Se a sentença recorrida é nula por falta de exame crítico da prova e por falta de fundamentação quanto à pena acessória e à pena única;

            - Se o arguido, porque não legalmente habilitado a conduzir, não deve ser condenado em pena de proibição de conduzir por crime de condução perigosa de veículo rodoviário;

- Se a pena acessória aplicada é excessiva devendo ser reduzida.

A sentença recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

1. Da instrução e discussão da causa resultaram provados os se­guintes factos:

1) No dia 1 de Maio de 2013, os arguidos A... , B... e C... decidiram percorrer alguns locais nos arredores da cidade de Viseu;

2) Os arguidos, cerca das, 23h30 horas, fizeram-se transportar no veículo de matrícula XS (...) , marca ROVER, cinzento, cor pertença do ar­guido B... e conduzido pelo arguido A... ;

3) Os arguidos saíram da residência dos arguidos B... e C... , sita na Rua (...) , Viseu, seguiram pela via pública e para­ram na freguesia de Farminhão, Viseu;

4) O arguido A... conduzia naquelas circunstâncias, na via públi­ca, sem ser titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir;

5) Nesta altura, surgiu no local um carro da G.N.R., descaracterizado, que tentou que os arguidos parassem tendo para o efeito ligado o respectivo pirilampo sinalizando a presença mas aqueles puseram-se de imediato em fuga, continuando o arguido A... a conduzir;

6) O arguido A... no interior da localidade de Farminhão, entre habitações, conduziu a velocidade superior a 60 km/k, quando o limi­te máximo é de 50 km/h;

7) Além disso, nos cruzamentos, entroncamentos e vias apertadas, onde se exigem especiais condições de segurança, nomeadamente velocidade especialmente reduzida (inferior a 50 km/h), o arguido manteve a ve­locidade excessiva, nos termos supra referidos;

8) Atento o pavimento irregular, a via estreita, e a velocidade excessiva para o local, o carro batia por baixo e fazia faísca;

9) Acresce que numa das ruas de Farminhão, face à velocidade imprimida ao veículo, activou o sinal vermelho do semáforo mas o arguido A... não imobilizou o veículo seguindo em frente, desrespeitando o sinal de obrigatoriedade de parar; 

10) Além disso, mantiveram a superior a 60 km/h quando numa rua o arguido A... se deparou com um sinal que indicava 30 km/h como velocidade recomendada, e no final dessa rua o arguido virou à esquerda e entrou numa ciclovia destinada a velocípedes e peões, local onde existia o sinal c (Trânsito proibido a automóveis, motociclos e veículos de tracção animal);

11) Após terem saído da ciclovia continuou a circular nos termos supra re­feridos, no interior da localidade de Farminhão, a velocidade excessiva;

12) Na fuga, os arguidos entraram numa rua sem saída, na localidade em causa, tendo imobilizado o veículo e abandonado o mesmo, pondo-se em fuga, tendo sido interceptado pouco depois o arguido C... ;

13) O arguido A... , naquelas circunstâncias de tempo e lugar, conduziu o veículo na via pública sem se encontrar habilitado com a competente carta de condução;

14) O A... agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que não podia conduzir o veículo automóvel na via pública sem estar habilitado com a competente carta de condução e que a sua conduta era proibida e punida por lei e incorria em responsabilidade criminal;

15) O arguido ao longo do citado percurso e da fuga supra descrita, agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, nomeadamente ao des­respeitar a ordem de paragem que lhe foi determinada pelos militares da GNR que reconhecerem como tal face à utilização por aqueles do pirilampo, militares que se encontravam no exercício de funções;

16) Além disso, não pararam perante sinal do desrespeitando o vermelho semáforo, obrigatoriedade de imobilizar o veículo, conduziu sempre a velocidade excessiva atentos os limites decorrentes dos sinais de trânsi­to ou face às especiais exigências de cuidado e à moderação da veloci­dade imposta perante cruzamentos, entroncamentos e ruas estreitas, tanto mais que se tratava de interior de localidade;

17) O arguido ao conduzir naqueles termos pôs em perigo a sua própria vida e a integridade fisica dos passageiros que consigo circulavam;

18) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal;

19) O arguido tem os antecedentes criminais que contam do seu C.R.C., junto a fls. 187 a 189;

20) Encontra-se emigrado na Suíça, onde trabalha como seguran­ça/vigilante;

2. Enquadramento factual:

A convicção do Tribunal para considerar provados os factos acima referidos resultou:

a) Do teor do Auto de Notícia, de fls. 4-9, elaborados nos termos do disposto no artigo 243.º do Código de Processo Penal, cuja genuini­dade e fidedignidade não foi posta em causa, a qual, obedecendo às prescrições legais, goza de força probatória que é conferida aos docu­mentos autênticos e autenticados, isto é fazem prova plena dos factos de que documentam, enquanto a sua autenticidade e veracidade não forem postos em causa (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Pe­nal);

b) Do teor dos documentos juntos a fls. 10-12 (fotografias), 13-14 (Au­to de Apreensão), 16-36 (relatório fotográfico, incluindo os locais por onde circulou o veículo conduzido pelo arguido e onde foram come­tidas as infracções estradais), cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa);

c) Dos depoimentos das testemunhas D... , Cabo­ Chefe da G.N.R./N.I.C. de Viseu e E... , soldado da G.N.R./N.I.C. de Viseu, autuante e testemunha, que de­puseram de molde a confirmar na íntegra o teor do Auto de Notícia supra referido, bem como a reportagem fotográfica supra referida, que mostra os locais por onde o arguido circulou com a sua viatura, sendo que os seus depoimentos o foram nos exactos termos dados como provados. Depuseram com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta, convicta e desapaixonada;

d) Do Certificado de Registo Criminal do arguido, junto a fls. 187-189, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa.

Apreciando:

Da alegada nulidade da sentença

Alega o recorrente que a sentença recorrida é nula por falta de exame crítico da prova, faltando a explicitação da razão de ciência da prova testemunhal e dos factos sobre que incidiram, ainda invocando essa falta de exame crítico quanto aos ilícitos e antecedentes criminais para fundamentar a ponderação conjunta dos factos e da personalidade, mas neste conspecto em clara confusão conceptual posto que este juízo se refere à fundamentação de direito.

No que respeita à fundamentação de facto e apenas quanto a esta, exige o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que a sentença contenha uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Não oferece qualquer dúvida que o exame critico se refere aos meios de prova e não a outra realidade.

Ora, na sentença recorrida e quanto à prova testemunhal, menciona-se que as testemunhas, militares da GNR, depuseram com conhecimento directo dos factos, o que significa que os presenciaram, e de forma clara, isenta, convicta e desapaixonada. Dada a sua apontada razão de ciência e inexistência de depoimentos contraditórios, mais não se impunha referir, sendo evidente a existência do exame crítico que ao caso quadrava.

Alega ainda o recorrente que a sentença é nula por falta de fundamentação de direito quanto à aplicação da pena acessória e à aplicação da pena única.

Porém, a decisão recorrida para além de conter menção às disposições legais que justificam a aplicação das penas e o seu doseamento, analisa as circunstâncias a ponderar no doseamento das penas legalmente previstas, bem no doseamento da pena única, embora apenas no dispositivo, mas por manifesto reporte às circunstâncias dos factos e da personalidade do arguido que antes havia evidenciado, aquando do doseamento das penas parcelares.

Não se reconhece também neste aspecto violação do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal na parte em que impõe que a sentença contenha os motivos de direito da decisão.

Está, pois, a sentença recorrida isenta do apontado vício previsto no artigo 379º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Da aplicabilidade de pena acessória de proibição de conduzir  

Na tese do recorrente não lhe deve ser aplicada pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados porque não se encontra legalmente habilitado a conduzir, vislumbrando contradição na argumentação da sentença recorrida porque não aplicou pena acessória em razão do crime de condução ilegal e aplicou tal pena em razão do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Começando por esta pretensa contradição, na realidade ela escamoteia o conteúdo do artigo 69º, nº 1 do Código Penal que não prevê a aplicação de pena acessória de proibição de conduzir para o crime de condução ilegal de veículo. O princípio da legalidade sempre se oporia à aplicação de pena acessória por crime dessa natureza.

Já o mencionado preceito é bem expresso no sentido de que o crime do artigo 291º (condução perigosa de veículo rodoviário) é punível com pena acessória de proibição de conduzir, não indicando qualquer excepção.

Mas tem sido discutido na jurisprudência se o autor dos crimes mencionados no artigo 69º, nº 1 deve ser condenado na pena acessória aí prevista quando não tenha habilitação legal para conduzir, embora actualmente com resposta, segundo conhecemos, uniforme, no sentido de que a falta de habilitação legal para conduzir, não obsta à condenação do agente na referida pena acessória.

Nesta Relação, entre outros, pronunciou-se nesse sentido o acórdão de 3.7.2012, proferido no processo 651/11.8GBILH.C1, publicado em www.dgsi.pt, que transcrevemos:

A Relação de Évora, em acórdão de 10 de Dezembro de 2009 (processo n.º 83/09.8GBLGS.E1, in www.dgsi.pt), tratou da matéria em causa de forma aprofundada e, por isso, aqui o reproduzimos, no segmento relevante:

«Se é pacífico que, com a entrada em vigor do Código Penal de 1995, a condução de um veículo em estado de embriaguez é punível não apenas com a pena cominada no artigo 292.º daquele diploma como também da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, tem-se discutido, nomeadamente em sede jurisprudencial, a aplicação desta pena acessória no caso de condutor que, conduzindo veículo em estado de embriaguez, não é titular de carta de condução.

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12 de Março de 2003 (processo 03P505, disponível em www.dgsi.pt/) e expressando o entendimento preponderante, concluiu em sentido afirmativo, salientando que do próprio preceito em si (artigo 69.º do Código Penal, na redacção então vigente) não resulta de modo nenhum, nem expressa nem sequer implicitamente, que a sanção aí prevenida só possa ser aplicada a quem já possua carta de condução ou documento que o habilite a conduzir veículos motorizados. Bem pelo contrário, como aliás se alcança do próprio teor do seu n.º 3 (“... condenado que for titular de licença de condução...”, o que faz pressupor contemplar também quem o não seja), e do que de todo em todo resulta do seu n.º 5 (não se aplica a inibição quando houver lugar a “interdição da concessão de licença”, o que pressupõe a possibilidade de existência de falta de habilitação para conduzir), perfila-se como de todo em todo incontornável e inquestionável que a proibição de conduzir veículos motorizados, prevista e consagrada no artigo 69.º do Código Penal, de modo nenhum reclama ou exige que o condenado seja já possuidor de carta de condução ou esteja já habilitado a conduzir tais veículos. Aliás a própria lei é clara e inequívoca ao indexar apenas a condenação à prática dos crimes referenciados nas alíneas a) e b) do n.º 1, e no condicionalismo aí consignado, o que surge como natural e adequada resposta a todo um pensar e querer legislativos em termos de acautelamento e de prevenção da perigosidade revelada pelo agente naqueles casos concretos, o que não deixa de se configurar de significativa relevância mesmo no plano da prevenção geral.

Esta decisão reporta-se à redacção inicial do artigo 69.º, n.º 3, do Código Penal, nos termos da qual “a proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica, para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela”.

Esta norma foi alterada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho - que estabeleceu a sua actual redacção (“No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”).

Esta alteração sustentou o entendimento de que, em face da actual redacção do artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados apenas é aplicável a quem está habilitado a conduzir.

Este entendimento é defendido, entre outros, no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, proferido em 3 de Fevereiro de 2004, no âmbito do processo n.º 2294/03-1, disponível na base de dados antes mencionada.

Aí se dá conta de que “a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos “com motor de qualquer categoria” ao agente que seja condenado pela prática de quaisquer dos crimes previstos no art. 69.º, n.º 1, als. a) a c) do CP, quando o agente não seja titular de carta de condução, oferece algumas dúvidas, principalmente depois da alteração introduzida ao art. 69º, n.º 3 do CP pela Lei 77/2001, de 13.07. De facto, enquanto na anterior redacção se estabelecia que a proibição implicava, “para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar...” - o que pressupõe que podia o condenado não ser titular de licença de condução - na actual redacção estabelece que “o condenado entrega na secretaria do tribunal...o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”, o que parece levar a concluir que só será condenado em tal sanção acessória quem for titular de título de condução.

(…) Reconhecemos que a questão não é pacífica, como nos dá conta o acórdão da RC de 28.05.2002, in Col. Jur., Ano XXVII, t. 3, 45, onde se decidiu que “o crime de condução em estado de embriaguez do art. 292.º do CP é punido com a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, mesmo que o condenado não seja titular da necessária habilitação legal para conduzir”, defendendo que se mantêm válidos os argumentos a favor da utilidade prática da aplicação de tal sanção que eram utilizados na vigência do art. 69.º do CP, redacção anterior à Lei 77/2001.

(…) Em favor desta posição apontam-se:

- O comentário, a propósito, de Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, 1995, 541: “Na Comissão Revisora a consagração da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados...foi referida como correspondendo a uma necessidade de política criminal. A sua necessidade, mesmo para os não titulares de licença de condução, foi justificada para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição, tendo-se procurado abranger essa hipótese com a redacção dada ao n.º 3.

(...) Mesmo no caso da falta de licença, a sanção não será inútil, já que ficará fazendo parte do cadastro do condenado», poderá se aplicável efectivamente se aquele vier a habilitar-se no prazo «e é-o sempre também em relação aos veículos cuja condução exija aquela licença»;

«- O facto da inibição abranger qualquer veículo motorizado (e não apenas os veículos automóveis), sendo que o agente pode não estar habilitado para conduzir determinada categoria de veículos e estar habilitado para conduzir outra ou outras categorias;

- A redacção do art. 126.º do Código da Estrada, onde se estabelece - como requisito para a obtenção de título de condução - que o candidato não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir, o que permite concluir que a inibição a quem não possui licença é uma inibição à posterior obtenção de licença”.

No acórdão a que se vem fazendo referência afirma-se a perda de actualidade destes argumentos, face às alterações introduzidas pela Lei 77/2001: “Por um lado, temos que presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3 do Código Civil) e que a interpretação da lei deve ter em conta as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (mesmo artigo, n.º 1).

Por outro lado, e face a isso, o legislador - quando alterou o art. 69.º, n.º 3 do CP - não podia deixar de saber da polémica jurisprudencial que então existia quanto à aplicação (ou não) da sanção acessória da proibição de conduzir ao condenado, por qualquer dos crimes previstos no art. 69.º do CP, que não fosse titular de licença de condução; não obstante, e sabendo que um dos argumentos relevantes para concluir pela aplicação de tal sanção era a redacção que tinha o art. 69º, n.º 3 do CP (onde se admitia a possibilidade de o condenado não ser titular de licença de condução), não deixou de alterar tal disposição, retirando tal argumento e deixando claro que o condenado “entrega...o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”, o que afasta a ideia da aplicação da sanção acessória ao agente que não esteja habilitado com “título de condução”.

Por outro lado, não pode esquecer-se que licença de condução (expressão utilizada no n.º 3 do art. 69.º do CP, redacção anterior) não se identifica com “título de condução” - expressão utilizada na actual redacção do art. 69.º, n.º 3 do CP - pois o título de condução pode ser carta de condução, licença de condução ou outros títulos de habilitação a conduzir veículos a motor, como se vê dos arts. 122.º a 125.º do Código da Estrada; o uso de tal expressão não pode deixar de ser entendida, assim, como referindo-se ao título de condução que habilita o agente a conduzir o veículo com o qual cometeu o crime pelo qual foi condenado, pois é essa perigosidade do agente que se pretende evitar, sendo que bem pode acontecer que o mesmo esteja habilitado com outros títulos - significa isto, em suma, que a obrigação de entregar o título de condução (determinado) supõe a habilitação do condenado com um título de condução e que o mesmo não esteja apreendido, o que também resulta do facto do legislador, com a alteração que introduziu no art. 69.º, n.º 1, al. a) do CP pela Lei 77/2001, deixar de sancionar com a proibição de conduzir o crime de condução sem habilitação legal, o que hoje parece pacífico, pelo menos na Secção Criminal desta Relação.

Por outro lado, os argumentos da Comissão Revisora acima sintetizados parecem afastados pela nova redacção dada ao art. 69º, n.º 3 do CP, argumentos a que o legislador, ao efectuar tal alteração, não podia ser alheio, sendo certo que não vemos aqui qualquer desigualdade, porque são distintas as situações.

Por outro lado, ainda, o disposto no art. 126º do CE, que se mantém em vigor, não afasta este entendimento, designadamente se tivermos em conta que aí se prevêem os requisitos para obtenção de título de condução e bem pode acontecer que o agente (habilitado com determinado título de condução) esteja inibido ou proibido de conduzir e pretenda obter outro título, para outra categoria de veículo, diferente daquele, tendo então justificação a proibição prevista no art. 126.º do CE”.

Contudo, mesmo no âmbito da actual legislação prevalece o entendimento contrário. A este propósito e a título exemplificativo, salienta-se o acórdão também da Relação de Évora, proferido em 26 de Maio de 2009, no âmbito do processo n.º 141/07.3GBASL.E1, igualmente disponível na base de dados www.dgsi.pt/.

Aí se dá conta de que “a jurisprudência mais recente, que está publicada, continua maioritariamente a defender a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir a quem não possua habilitação legal e cometa os crimes prevenidos nos art. 291.º e 292.º do CPP.

Vejam-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.09.2007, in Rec.4743/2007 – 3.ª secção, de 26.07.2007, in Rec. 5103/2007 – 3.ª Secção, de 24.01.2007, in Rec.7836/2006, 3.ª secção, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2002, in C.J. ano XXVII, tomo 3.º, pág.45, de 24.05.2006, in Rec. 919/06 e de 10.12.2008, in Rec.17/07.4PANZR, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação do Porto de 09.07.2008, in Rec. 12897/08, de 01.04.2009, in rec. 963/08.8PAPVZ, publicados in www.dgsi.pt/jtrp.

Os argumentos aduzidos no sentido da condenação do infractor não habilitado que pratique crime de condução de veículo em estado de embriaguez são, no essencial, os seguintes:

- Seria “um contra-senso que o condutor não habilitado legalmente a conduzir, podendo vir a obter licença ou carta de condução logo pouco depois da sentença condenatória, não se visse inibido de conduzir, quando o já habilitado fica sujeito a tal sanção” - Ac. do Trib. da Relação de Lisboa, de 19/09/95, Col. Jur. Ano XX, 1995, Tomo IV, pág. 147.

- Após a publicação da Lei n.º 77/2001, o Código da Estrada foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28-09, tendo este diploma mantido como um dos requisitos para a obtenção do título de condução a circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir decisão que tenha imposto a proibição de conduzir [cf. art. 126.º n.º 1, al. d) do C.E.]. A manutenção deste requisito para a obtenção da carta de condução pressupõe que a proibição de conduzir possa [deva] ser aplicada a quem não for dela titular.

- No mesmo sentido aponta o facto de o conteúdo material da sanção em causa ser o da imposição de uma proibição de conduzir e não o da previsão de uma suspensão dos direitos conferidos pela titularidade da carta de condução.

- A aplicação da proibição de conduzir visa não só assegurar de uma forma reforçada a tutela dos bens jurídicos como também evitar que o agente de tal crime volte a praticar factos semelhantes.

- Acresce, ainda, o facto de o art. 353.º do Código Penal criminalizar a violação de proibições impostas por sentença criminal a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade.

Da violação dessa proibição pode resultar para o agente, ainda que não seja titular de carta de condução, a responsabilização pela prática, em concurso efectivo, de um crime do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, e de um crime do referido art. 353.º, pois que este tipo legal visa tutelar a autoridade pública e não a segurança das comunicações.

- A não aplicação da pena acessória num caso como este traduzir-se-ia num privilégio injustificado para quem teve um comportamento globalmente mais grave do que a [simples] condução em estado de embriaguez (cf., entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 12-09-2007, acima mencionado).

Na doutrina, Germano Marques da Silva (in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32 e nota 54) também entende que «a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha licença» e acrescenta ainda que “diferentemente quando for aplicada a medida de segurança de cassação e o agente não seja titular de licença, caso em que ao agente não pode ser concedida licença durante o período de interdição”, dado que «a proibição de conduzir veículo motorizado não pressupõe habilitação legal».
O art. 10.º do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que veio alterar o Código da Estrada, prevê no seu art. 10.º que a Direcção-Geral de Viação deve assegurar a existência de registos nacionais de condutores, de infractores e de matrículas, organizados em sistema informático, nos termos fixados em diploma próprio, com o conteúdo previsto nos art. 144.º e 149.º do Código da Estrada no que se refere ao registo dos condutores.

Para dar cumprimento ao referido normativo foi publicado e já está em vigor o DL n.º 98/2006, de 6 de Junho, que regula o registo de infracções de não condutores (infractores não habilitados). Neste diploma, o legislador, no art. 4.º, enumera vários elementos que deverão constar no registo de infracções do não condutor (RIO) e um dos elementos é a pena acessória aplicada pelo tribunal relativa a crimes praticados no exercício da condução.

Parece-nos, face ao conjunto de argumentos aduzidos e considerando, nomeadamente a criação do registo de infracções de não condutores, que o legislador, com as alterações operadas ao art. 69.º do Código Penal, não quis excluir da condenação na pena acessória de proibição de conduzir os infractores não habilitados com carta de condução que cometam os crimes mencionados nas diversas alíneas do n.º 1 daquele preceito, não obstante os sinais contraditórios espelhados nalgumas normas postas em destaque».

Acresce ainda o que se diz no referido acórdão de 10 de Dezembro de 2009:
«Para a sua sustentação aponta-se também o confronto do artigo 69.º, n.º 1 e n.º 7, com o artigo 101.º, n.º 4, do Código Penal, cujo teor anteriormente se deixou enunciado. A conjugação destas normas evidencia que, ao estabelecer a pena acessória, o artigo 69.º, na sua redacção actual, prevê a condenação nessa pena mesmo em relação ao condutor não habilitado e a sua exclusão quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a interdição da concessão do título de condução, na certeza de que esta interdição pressupõe que o agente não é titular de título de condução.

Considerando os elementos apontados e contrariando o entendimento expendido pelo arguido, não se afigura que estejamos perante uma argumentação meramente literal e sem sustentação, sendo antes a interpretação correcta do quadro legal que se deixou enunciado».

Perante a argumentação supra exposta, que temos como particularmente explícita e convincente, apenas nos resta dizer que, sem qualquer restrição, com ela concordamos.

Daí concluirmos, como no acórdão citado, da Relação de Évora de 10-12-2009, que deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir o condutor não habilitado à condução de veículos com motor que incorra na prática do crime de condução em estado de embriaguez e, no caso concreto dos autos, ainda no crime de resistência e coacção sobre funcionário.

Apenas mencionaremos, por fim, outros arestos dos Tribunais da Relação, mais recentes, no mesmo sentido: da Relação de Lisboa de 13-09-2011 (proc. n.º 204/10.8GATVD.L1-5); da Relação de Coimbra de 22-09-2010 (proc. n.º 291/08.9GATBU.C1), 09-02-2011 (proc. n.º 43/09.9GATBU.C1), 04-05-2011 (proc. n.º 181/10.5GBAND.C1 e 09-05-2012 (proc. n.º 198/09.2GDAND.C1); e da Relação de Lisboa de 24-01-2011 (proc. n.º 377/10.0GDGMR.G1), todos publicados no sítio www.dgsi.pt.” (fim de transcrição)

Acolhemos a exaustiva argumentação expendida no acórdão transcrito que, afinal, dá nota da interpretação desde logo imposta pelo teor literal do artigo 69º, nº 1 e que se sedimenta com os demais elementos de interpretação a considerar nos termos do artigo 9º do Código Civil, tudo confluindo na necessária conclusão de que a pena acessória de proibição de conduzir é aplicável a qualquer agente dos crimes previstos no preceito ainda que não legalmente habilitado a conduzir.

Do doseamento da pena de proibição de conduzir

Insurge-se ainda o recorrente contra a pena de 12 meses de proibição de conduzir em que foi condenado, invocando que as exigências de prevenção não consentem pena em tal medida e factos que no essencial não podem ser considerados porque não constam da decisão recorrida (cfr. artigo 410º, nº 1 do Código de Processo Penal).

Pugna por fixação da pena acessória em 1 mês de prisão (inferior ao limite mínimo legalmente previsto).

Devendo a pena acessória situar-se entre três meses e três anos, tendo o arguido dois antecedentes por crimes de condução sem habilitação legal e estando em causa factos de gravidade não despicienda, torna-se desde logo manifesto, em face dos critérios dos artigos 40º e 71º do Código Penal, que a pena acessória de doze meses de proibição de conduzir não peca por excesso, está longe do limite máximo imposto pela culpa e tem plena justificação nas exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Importa, por consequência, manter a pena acessória aplicada.


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III. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a sentença recorrida.

Pelo seu decaimento em recurso condena-se o arguido em custas, fixando a taxa de justiça devida em quatro UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).


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Coimbra, 7 de Junho de 2017

Texto elaborado e revisto pela relatora


(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)