Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2035/09.9TBPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
ALTERAÇÃO
ADITAMENTO
DATA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – PORTO DE MÓS – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 598º, Nº 2 DO NCPC.
Sumário: O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º, nº 2 do CPC refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - HISTÓRICO DO PROCESSO

                1.            M... e marido, J... (de futuro, apenas Autores), instauraram ação contra Município da B..., Junta de Freguesia de R..., G..., SA e contra o Estado Português.

                A audiência de discussão e julgamento esteve designada para os dias 19 e 20 de Janeiro de 2015 (despachos datados de 15.10.2014 e de 21.11.2014, a fls. 81 e 82).

                Em 01.12.2014, o Réu Município (de futuro, apenas Recorrente) veio juntar aos autos um denominado “Relatório”, destinado a fazer prova de determinados factos da base instrutória. Tal documento foi apresentado na Secretaria, em suporte físico, em virtude de ultrapassar a dimensão permitida pela aplicação informática.

                Considerada a extensão dos documentos, a sua notificação às contra-partes e a necessidade de acautelar o exercício do contraditório, deu-se sem efeito as datas designadas para julgamento, por despacho de 13.01.2015 (fls. 70/72).

                Em 02.02.2015, os Autores vieram exercer o direito ao contraditório sobre os aludidos documentos. Para o efeito, juntaram 13 documentos, sendo um deles cópia duma planta que teria dividido em glebas a área respeitante ao terreno em discussão nos autos, pelo que este não seria baldio (fls. 45/69).

                Em 13.02.2015, veio o ora Recorrente pronunciar-se sobre o requerimento dos Autores e, de acordo com a sua tese, a planta junta pelos Autores refere-se ao Baldio “C...” mas os terrenos em causa nos autos situam-se no Baldio da M... É nesta sequência, e “ante a problemática suscitada pelos Autores” que o Recorrente pretendeu aditar ao rol de 2 testemunhas (fls. 35/44).

                Em 03.03.2015, o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho:

«(...)

Vem ainda o réu (Município da B...) requerer o aditamento ao rol de testemunhas face à problemática suscitada pelos réus.

Ora, considerando que o início da audiência de julgamento esteve agendado para o passado dia 19.01.2015, pelo que o aditamento ao rol ora requerido mostra-se extemporâneo - cf. o art. 498.º n.º2 [[1]] do novo CPC.

Por outro lado, uma vez que não foi suscitado qualquer incidente de falsidade dos documentos acima referenciados e que, com os elementos dos autos, não é possível ao Tribunal apreciar por ora a necessidade de inquirição de novas testemunhas nos termos do disposto no art. 526.º n.º1 do novo CPC, a mera junção de novos documentos não justifica tal aditamento em termos intempestivos.

Em conformidade, indefiro ao requerido aditamento ao rol.».

Nesse mesmo despacho, proferiu-se à designação de data para audiência de discussão e julgamento, a ter lugar nos dias 02 a 05 de Novembro de 2015.

2.            Inconformado com tal indeferimento, dele vem apelar o Réu Município da B..., formulando as seguintes conclusões [[2]]:

...

3.            Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos (art. 657º nº 4 do CPC), cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4.            O QUADRO FACTUAL pertinente à decisão é o consignado no relatório supra.

                5.            O MÉRITO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).

QUESTÃO A DECIDIR: foi ou não correto o indeferimento das testemunhas arroladas pelo Réu?

5.1.         TEMPESTIVIDADE ADITAMENTO ROL TESTEMUNHAS

Por regra, a indicação dos meios de prova é efetuada nos articulados: art. 552º nº 2 e art. 572º al. d) do CPC.

Porém, no que toca ao rol de testemunhas inicialmente apresentado, o art. 598º nº 2 do CPC permite a sua alteração ou aditamento de testemunhas “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final”, facultando-se então à parte contrária o uso de igual prerrogativa, no prazo de 5 dias.

A questão de saber se a contagem desses 20 dias deve ser reportada à data em que é marcada, pela primeira vez, a audiência de julgamento, ou, antes, àquela em que o julgamento venha efetivamente a ter lugar, designadamente por ter havido lugar a adiamento, não é nova.

Na verdade, o texto do preceito em causa corresponde integralmente à formulação do nº 1 do art. 512º-A do anterior CPC, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12.

Ora, pode ler-se no texto do preâmbulo desse Decreto-Lei nº 329-A/95: «A prova testemunhal, além de maleabilizada, quanto ao seu oferecimento, mediante a possibilidade de alteração ou ampliação dos respectivos róis até datas muito próximas da efectiva realização da audiência final, (…).» [[3]] (negrito nosso)

Daqui decorre ter sido intenção do legislador terminar com a absoluta preclusão da possibilidade de alteração ou aditamento de novos meios de prova em momento posterior ao normal.

Assim o passou a entender a doutrina.

«Estabelece-se a possibilidade de o rol de testemunhas, apresentado (…), ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realiza efectivamente a audiência de julgamento.

Na verdade, o sistema anteriormente vigente, num tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, mesmo nos casos em que decorriam largos meses ou anos entre a indicação das testemunhas e a realização da audiência, configurava-se como excessivamente restritivo, “amarrando”, sem justificação plausível, a parte a provas indicadas com enorme antecedência.». [[4]]

«O art. 512-A permite a alteração e o aditamento do rol de testemunhas até 20 dias antes da data em que efectivamente se realize a audiência de discussão e julgamento. A fixação duma primeira data, havendo depois adiamento da audiência, ainda que depois de aberta, nos termos do art. 155-4 ou do art. 651-1, ou a suspensão da instância, nos termos do art. 276, não releva para o efeito, uma vez verificado o adiamento ou a suspensão.». [[5]]

E assim o passou também a entender a jurisprudência: «Os róis de testemunhas podem ser alterados ou adicionados as vezes que se tornem necessárias, desde que apresentados até vinte dias antes da data da efectiva realização do julgamento.». [[6]]

O atual art. 598º nº 2 do CPC corresponde integralmente ao anterior nº 1 do art. 512º-A.

Assim, não se vislumbrando qualquer razão que contrarie o entendimento anterior, o mesmo deve entender-se, por consentâneo com o espírito da lei.

O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º nº 2 do CPC refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento.

Portanto, em caso de adiamento da audiência de julgamento, é possível a alteração ou aditamento do rol de testemunhas, desde que tal pedido seja efetuado até 20 dias antes da nova data designada.

Desde que cumpridos esses 20 dias —— considerados pela lei como necessários ao exercício do contraditório, sem que isso implique adiamento da realização do julgamento por esse motivo ——, a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar.

No caso, a audiência de discussão e julgamento sofreu várias alterações de data.

Por despacho de 03.03.2015 foi designada nova data para os dias 02 a 05 de Novembro de 2015.

O ora Recorrente exercitou o seu direito ao aditamento de testemunhas por requerimento datado de 13.02.2015.

Muito em tempo, portanto, para o cumprimento e exercício do direito da contraparte em usar de igual prerrogativa, sem fazer perigar a efetivação da audiência de julgamento em Novembro de 2015.

                6.            SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)

O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º nº 2 do CPC refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar.

                III.           DECISÃO

7.            Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso, deferindo-se ao Recorrente o pretendido aditamento ao rol de testemunhas e ordenando-se o cumprimento da notificação da parte contrária para, querendo, usar de idêntica faculdade.

Sem custas.

                                                                                                              Coimbra, 08.09.2015

Relatora, Isabel Silva

1º Adjunto, Alexandre Reis

2º Adjunto, Jaime Carlos Ferreira


[[1]] No original do despacho consta “art. 498º nº 2”. Trata-se de um evidente erro de escrita, que, ao abrigo do art. 249º do CC, aqui se corrige para o “art. 598º nº 2”.

      [[2]] Como é sabido, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso ou “thema decidendum”; as alegações servirão para explanar os argumentos na defesa da tese do recorrente quanto à demonstração das questões suscitadas; já as conclusões devem referir, de forma sucinta, os pontos em que se considera ter havido erro de julgamento (seja quanto à matéria de facto, seja quanto à de direito), em conformidade com o nº 1 e 2 do art. 639º do CPC.
      Logrou o Recorrente a proeza de, sendo 27 os pontos da motivação de recurso, apresentar 24 conclusões (!), sendo que algumas delas constituem reproduções de entendimentos doutrinais e de jurisprudência.
Assim, dispensamo-nos de aqui reproduzir o que não são conclusões.

[[3]] In Diário da República, 1ª Série A, nº 285, de 12.12.1985, pág. 7780-(14).

[[4]] Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 448/449.

[[5]] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 420.

[[6]] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 24.01.2000 (processo 9951224), disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.

No mesmo sentido, e do mesmo TRP, acórdãos de 05.03.2007 (processo 0656916), de 12.12.2002 (processo 0231461), de 20.03.2000 (processo 9951480), de 04.05.1994 (processo 9430235) e de 08.03.1999 (processo 9950075); do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), acórdãos de 04.02.2010 (processo 1593/064TBOER.L1-8) e de 03.05.2001 (processo 0008432     ); do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), acórdão de 11.12.2008 (processo 1903/08-1).