Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
67/09.6TTOAZ.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: REMIÇÃO
PENSÃO
INCIDENTE
REVISÃO DA INCAPACIDADE
VALOR
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE OLIVEIRA DE AZEMÉIS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º, Nº 1, AL. D) E Nº 4 DA LAT (LEI Nº 100/97, DE 13/09); 56º, Nº 1, AL. B) DA RLAT (DL Nº 143/99); 145º, Nº 5 DO CPT.
Sumário: I – A remição da pensão e entrega do correspondente capital extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada.

II – No caso em que, tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível e tendo sido pago o capital da remição, seja depois aumentado o valor da pensão no quadro de um incidente de revisão, a pensão devida deve corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão, sem qualquer limite temporal, nomeadamente o que seria necessário para esgotar o valor entregue do capital da remição caso fosse devido o segundo valor da pensão.
Decisão Texto Integral:           Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de sinistrado o identificado autor, foi proferida sentença homologatória de conciliação pela qual a ré ficou vinculada a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente à pensão anual de € 1.381,80, correspondente a IPP de 28,2%.

Posteriormente, porém, já depois de pago o referido capital, veio o sinistrado, alegando agravamento das lesões sofridas, requerer incidente de revisão da incapacidade. No seu termo, após exame médico de revisão, foi proferido despacho, no qual o Sr. juiz considerou o autor definitivamente afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com IPP de 67,7% com IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual), desde 11.09.2011.

Nessa decisão, consta nomeadamente o seguinte, quanto à ponderação da pensão da responsabilidade da ré em consequência da revisão da incapacidade:

O sinistrado auferia, à data do acidente, o salário anual de € 7.000,00.

Nos termos do disposto no artº 17º, nº 1, al. b) e nº 4 da LAT é devida pensão anual e vitalícia desde 12.09.2012, que é de calcular da seguinte forma RA : 2 + (RA : 5 x grau de incapacidade), em que RA é a retribuição anual.

Assim, temos uma pensão de € 4.447,80 anuais, a pagar conforme o previsto no artº 51º do RLAT.

Todavia, antes foi fixada pensão (€ 1.381,80 anuais – fls. 71) que o sinistrado já recebeu por conversão em capital de remição (fls. 74), donde se nos afigurar não poder já ser considerada sob pena de duplicação, sendo agora paga a diferença – € 4.447,80 - € 1.381,80 = € 3.066,00 –, até esse valor abatido perfazer o valor do capital de remição pago (€ 19.432,25 : € 1.381,80 = 14,06 anos)”.

Concluindo-se pela condenação da ré a pagar ao autor o seguinte:

I) Pensão anual e vitalícia no valor de € 4.447,80 anuais desde 12.09.2012, sendo paga a quantia € 3.066,00 até a diferença anual (€ 1.381,80) esgotar o valor do capital de remição (que acontecerá em 14,06 anos) a pagar conforme artº 51º do RLAT e sem prejuízo das actualizações legais.

II) Subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de € 5.112,00.

III) A quantia de € 24,00 a título de despesas em transportes.”

 

É deste despacho que a ré veio apelar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[…]

O autor, patrocinado pelo Ministério Público, contra-alegou defendendo a manutenção do julgado.


*

II.  As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se a condenação da ré se deveria circunscrever ao pagamento da diferença entre o valor da pensão remida e o que resulta da revisão e não, como se operou na decisão em crise, na condenação no pagamento dessa diferença até se esgotar o valor do capital de remição já pago, passando depois a ré a pagar a totalidade do valor da pensão correspondente à incapacidade resultante da agravação verificada no incidente de revisão.

Os factos que se nos afiguram suficientes para decidir a questão resumem-se aos seguintes:

- no presente processo foi proferida sentença homologatória de condenação pela qual a ré foi condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente pensão anual de € 1.381,80, correspondente a IPP de 28,2%, desde 18/3/2009;

- o acidente de trabalho que deu origem a tal condenação ocorreu em 18/01/2008;

- no mesmo processo, posteriormente, já depois de pago o referido capital de remição, teve lugar incidente de revisão da incapacidade e, no seu termo, foi estabelecido que o autor estava definitivamente afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com IPATH de 67,7%, com efeitos a partir de 11/09/2012.

Vejamos:

Na 1ª instância, a remição da pensão foi ordenada inicialmente, aquando da sentença homologatória que a fixou originariamente porque assim o impunha o art. 17.º n.º 1, al. d) da Lei nº 100/97, de 13/9 (LAT) e o art. 56.º n.º 1 al. b) do DL nº 143/99 (RLAT), uma vez que respeitava a uma IPP inferior a 30%.

Sucede que, como se disse, posteriormente teve lugar incidente de revisão da incapacidade nos termos previstos no artigo 145º do C. P. Trabalho, o qual teve como consequência o reconhecimento do agravamento da incapacidade e o apuramento de novo valor da pensão antes fixada, agora no valor de € 4.447,80.

Este novo valor da pensão se fosse o fixado na origem já não seria obrigatoriamente remível, de acordo com o critério legal que já enunciámos (porque superior a 30%). Aqui estamos perante um aumento do valor tendo em conta pressupostos de facto diversos (o quoficiente da incapacidade).

Pode considerar-se que se trata da mesma pensão reparatória do acidente de trabalho e não de uma nova pensão – tal como refere o artigo 145º nº 5, o juiz, revista a incapacidade, mantém, aumenta ou reduz a pensão antes fixada; neste sentido escreveu Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 641 da 4.ª edição): “A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova”.

Na verdade, não obstante o art. 17.º n.º 1, al. d) da LAT estabelecer que em caso de IPP inferior a 30% o sinistrado tem direito ao capital da remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, deve entender-se, conforme Ac. desta Relação de 06-06-2003 (in CJ, t. III, p. 60), que «a “indemnização em capital” mais não é, segundo os termos da lei, do que o valor de uma pensão remida», devendo sempre nesse caso definir-se a pensão e o seu valor antes de determinar a sua remição e a condenação no pagamento do capital dela decorrente.

Ora, no caso dos autos, tratando-se da mesma pensão, importará todavia constatar, após o novo apuramento do valor da pensão, para maior valor em resultado do agravamento da incapacidade definido no incidente de revisão, que a mesma está em parte remida. Essa remição parcial ocorreu, obrigatoriamente, no “berço”, isto é na sua fixação inicial, porque a remição era obrigatória em face dos pressupostos de facto de então (IPP inferior a 30%).

Sendo a mesma, a pensão passa a concretizar-se de maneira diversa, cresce e transmuta-se, mas isso não pode levar a desconsiderar que o crédito a parte dela está extinto pela remição e pagamento do correspondente capital.

Tudo isto para dizer que a interpretação adequada aplicável ao caso é a que não permita que os aumentos da pensão determinados por revisões de incapacidade venham a ressuscitar uma parte da mesma pensão já antes remida.

Essa interpretação é, assim, contrária à posição da 1ª instância colocada em crise no presente recurso.

Na verdade, ao condenar a ré seguradora no pagamento da diferença entre o valor da pensão remida e o que resulta da revisão até se esgotar o valor do capital de remição já pago, passando depois a ré a pagar a totalidade do valor da pensão correspondente à incapacidade resultante da agravação, o resultado que se alcança é o de ignorar a extinção da parte da pensão remida e considerar que não houve remição, mas antes antecipação do pagamento de parte do seu valor durante 14,06 anos. No fundo, utilizando as palavras das contra-alegações do sinistrado, seria “como se o sinistrado estivesse a devolver à seguradora, em prestações [mas sem juros, dizemos nós], a quantia que recebeu por força da remição da anterior pensão”.

Ora isso não pode suceder, a nosso ver. Não se trata de diferentes pensões, em que a maior consuma a anterior e a anule, mas da mesma pensão, como dissemos, parcialmente remida. A remição parcial determinou a capitalização de uma parte da pensão e o capital foi entregue ao sinistrado de uma só vez que o aplicou, reprodutivamente ou não. O capital entregue tem um valor económico específico, não podendo afirmar-se, como argumenta o sinistrado no recurso, que a extinção de parte da pensão, no novo contexto, se traduz num prejuízo efectivo do sinistrado. Se assim fosse toda e qualquer remição de pensões, total ou parcial, seria prejuízo para o sinistrado. Não é essa a visão da lei, nem o descortinamos, tendo em conta o valor económico do pagamento de capital de uma só vez.

A posição da 1ª instância, não obstante reconhecermos que ela coloca uma questão que mereceria ser ponderada em sede de lege ferenda, não é, a nosso ver, a que corresponde à unidade do sistema jurídico relativo à reparação dos acidentes de trabalho, nem tem qualquer acolhimento nas decisões dos tribunais superiores, que saibamos.

No mesmo sentido da nossa posição, podemos citar, entre outros, o Ac. da Relação de Évora de 28-11-2000, in CJ, t. V, pag. 295, o Ac. da Relação de Lisboa de 09-05-2007, in www.dgsi.pt, proc. 2229/2007-4 [“se, por virtude do incidente de revisão, veio a ser fixada uma IPP superior a 30%, estando já entregue o capital de remição correspondente a IPP inferior a 30% já anteriormente fixada, o sinistrado apenas tem direito ao pagamento da pensão vitalícia correspondente à diferença entre o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição - já entregue - e o montante da pensão devida pela IPP de que o sinistrado sofre actualmente” (sumário do acórdão)] e mais especificamente, sobre a questão suscitada neste recurso, o Ac. da Relação de Lisboa de 27-06-2012, in www.dgsi.pt, proc. 436/03.5TTFUN.L1-4.

Por isso, concluímos que o sinistrado apenas tem direito ao pagamento da pensão vitalícia correspondente à diferença entre o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição que já lhe foi entregue e o montante da pensão calculada em função do agravamento verificado no incidente de revisão da pensão.

Pelo que apelação procede, em conformidade.


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Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- A remição da pensão e entrega do correspondente capital extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada;

- No caso em que, tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível e tendo sido pago o capital da remição, seja depois aumentado o valor da pensão no quadro de um incidente de revisão, a pensão devida deve corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão, sem qualquer limite temporal, nomeadamente o que seria necessário para esgotar o valor entregue do capital da remição caso fosse devido o segundo valor da pensão.


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III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida no segmento em que condenou a ré seguradora a pagar ao autor a “pensão anual e vitalícia no valor de € 4.447,80 anuais desde 12.09.2012, sendo paga a quantia € 3.066,00 até a diferença anual (€ 1.381,80) esgotar o valor do capital de remição (que acontecerá em 14,06 anos) a pagar conforme artº 51º do RLAT e sem prejuízo das actualizações legais” substituindo-o pela condenação da mesma ré a pagar ao autor uma pensão anual e vitalícia correspondente ao diferencial entre o valor da pensão revista (€ 4.447,80) e a parcela já remida, no montante de € 3.066,00, desde 12-09-2012, a pagar conforme artº 51º do RLAT e sem prejuízo das actualizações legais.

Sem custas, por o sinistrado delas estar isento.


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Luís Azevedo Mendes (Relator)

 Felizardo Paiva

 Jorge Loureiro