Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/10.5GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Data do Acordão: 09/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SÃO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ART.º 358º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: Quando a prova produzida não permite a condenação pelo tipo agravado, a defesa do arguido em nada é prejudicada ou surpreendida com a condenação pelo tipo de crime-base integrante.
Assim, neste caso, entende-se que a não notificação do arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos não impediu a possibilidade de uma defesa eficaz e, como tal, não determina a arguida nulidade da sentença.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum colectivo n.º 150/10.5GCVIS do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, foram julgados os seguintes 6 arguidos:
1. A...
2. B...
3. C...
4. D...
5. E...
6. F...

            2. Por acórdão datado de 5 de ABRIL de 2011 (Volume 5º), obteve-se o seguinte veredicto do Colectivo de São Pedro do Sul:
            «1. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido A..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. n.º 15/93, de 22-01, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
2. Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, n.º 1, 2, 4 e 5, 53º e 54º do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, acompanhada de submissão a regime de prova, mediante plano individual de readaptação social a elaborar pelo I.R.S. no prazo de 30 dias, após
prévia audiência do condenado, e que deverá ser submetido a posterior homologação judicial;
            3. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido B..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22-01, na pena de 3 (três) anos de prisão;
            4. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido C..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. n.º 15/93, de 22-01, na pena relativamente indeterminada de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses a 13 (treze) anos de prisão;
            5. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido D..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22-01, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
            6. Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, n.º 1, 4 e 5, do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido D... pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses;
            7. Alterando a qualificação jurídica da sua conduta, condena-se o arguido E..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22-01, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
            8. Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, n.º 1, 4 e 5, do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido E... pelo período de 1 (um) ano e 8 (oito) meses;
            9. Condena-se o arguido F..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22-01, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
            10. Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, n.º 1, 4 e 5, do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido F... pelo período de 1 (um) ano e 8 (oito) meses».
            Determinou ainda o Colectivo o seguinte quanto a bens apreendidos nos autos:
            «Declara-se perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido nos autos, e ordena-se a sua oportuna destruição – arts. 35º, n.º 2, e 62º, n.º 6, do D.L. n.º 15/93, de 22-01.
            Declaram-se ainda perdidos a favor do Estado, ao abrigo do disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal, os seguintes objectos apreendidos:
- todas as quantias monetárias;
- todos os telemóveis;
- todos os cartões de telemóveis;
- a navalha, a tesoura e os sacos plásticos;
- os veículos com as matrículas … e …
Tais objectos serviram para a prática dos actos ilícitos aqui em questão, ou foram por eles produzidos, verificando-se a séria possibilidade de virem a ser novamente utilizados nessas práticas ilícitas. Além disso, ponderando a natureza e efeitos das condutas dos arguidos, entendemos que a decisão proferida não viola o princípio da proporcionalidade.
Oportunamente, conceda vista ao M.P., por forma a que se pronuncie sobre o destino de tais objectos/quantias.
Os restantes objectos apreendidos devem ser devolvidos aos respectivos donos».

           3.
Inconformados, recorreu o Ministério Público (RECURSO C) e RECORRERAM três arguidos:
RECURSO A
C... - PRESO PREVENTIVO;

RECURSO B
B...

RECURSO D
A...

4. Vejamos, de seguida, os argumentos dos 4 recursos intentados.

4.1. RECURSO A
O arguido C... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«A) Da prova realizada em audiência de discussão e julgamento não resultaram provados os pontos de facto impugnados que ficaram dados como provados no Douto Acórdão Recorrido;
B) Com efeito o Tribunal “a quo” foi muito para além da prova que efectivamente se fez em audiência de discussão e julgamento, violando o princípio do in dubio pro reli, constitucionalmente consagrado, e o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127° do CPP;
C) A decisão enferma ainda de erro notório na apreciação da prova, no que tange aos pontos da matéria dada como provada nos pontos que se deixaram identificados na motivação, porquanto inexiste prova que os sustente;
D) A decisão é nula nos termos do artigo 379º n° 1 al. b) por violadora dos direitos de defesa do arguido, ao alterar a qualificação jurídica dos factos sem dar oportunidade de defesa quanto á nova qualificação ao arguido, tal como previsto no artigo 358° n° i e 3 do CPP.
· Termos em que, sempre com o Douto Suprimento de V.Exas, deve o presente recurso obter provimento, e, ainda que assim se não entenda, ser o Acórdão recorrido considerado nulo».

4.3. RECURSO B
O arguido B... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25° alínea a) do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
2. O Tribunal a quo deu como provado nos pontos 10,11, 13, 14, 15, 19 e 20 que o Recorrente:
“… procedia à venda, troca e cedência de heroína a diversos consumidores daquelas substancias através do arguido B..., consumidor de heroína, também conhecido pela alcunha de Vassouras, a quem entregava determinada quantidade de heroína, cuja grandeza n6o foi possível apurar, para que este a vendesse posteriormente ao respectivos consumidores.
… No período compreendido entre Dezembro de 2009 e Março de 2010 o arguido A... entregou ao arguido B... heroína, em número de ocasiões que não foi possível apurar, mas não inferior a 15, em Viseu, em quantidades que igualmente não foi possível de terminar, para que este arguido a vendesse por diversos consumidores do tal produto estupefaciente em doses individuais de cerca de 0,1 grama, pelo preço, cada dose, de 10 €.
O Arguido B... procedeu à venda dessas doses de heroína, em número global que na foi possível precisar, por diversos consumidores da mesma, em número que igualmente não foi possível determinar, na localidade de Viseu, pelo preço, cada dose, de 10€;
… O arguido B... dividia o heroína que lhe havia sido entregue pelo arguido A... em doses individuais, com o peso, cada dose, de cerca de 0,1 grama, e acondicionava-as em pedaços de plástico que previamente havia recortado para o efeito..,
O arguido B... entregava ao arguido A...o dinheiro proveniente de tais vencias, cujo valor não foi possível apurar, e ficava para si com uma parte do dinheiro proveniente da venda de tal heroína em montante que não foi possível apurar;
…O arguido B... abeirou-se do veiculo conduzido pelo arguido A...e este ultimo entregou, no cumprimento do acordo existente entre ambos, ao arguido B... três panfletos de heroína, sendo que um continha 1,1 gramas de heroína, o outro continha 1,1 gramas de heroína e o restante continha 1,3 gramas de heroína.
Nessa altura, o arguido B..., também no cumprimento do acordo firmado entre ambos, entregou ao arguido A...155€ em notas do Banco Central Europeu, dinheiro este proveniente cio venda d heroína a diversos consumidores da mesma, a qual lhe havia sido previamente entregue pelo arguido A...para esse efeito”.
3. Formando a sua convicção no depoimento decisivo das testemunhas António João Amaral e António Conceição relativamente.
4. Salvo o devido respeito o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.
5. Com efeito, do depoimento de todas as testemunhas de acusação não ficou provado que o recorrente se dedicasse à actividade de venda de estupefacientes.
6. Assim, da análise da prova produzida resulta que não ficou
minimamente demonstrado que o recorrente se dedicasse ao tráfico de estupefacientes, designadamente à venda de heroína, nem sequer que obtivesse quaisquer proventos com aquela actividade.

7. Em suma, nos presentes autos, no só ficou cabalmente provado
que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado.

Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido, tudo com as legais consequências».

4.3. RECURSO C
O MINISTÉRIO PÚBLICO finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
            «1)- Assente que:
O arguido cometeu, em autoria material, um crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. na disposição do art. 21°, n° i, do DL-15/93, de 22-01, pelo que foi condenado na pena de 04 anos e 06 meses de prisão;
2)- Apurado, pois, em concreto e em síntese, que:
Em data que não foi possível determinar em concreto, mas situada no mês de Dezembro de 2009, o arguido A...decidiu dedicar-se, como forma de obter os rendimentos necessários para se sustentar a si e aos seus gastos pessoais, à venda, troca e cedência de produtos estupefacientes, mais concretamente heroína, a diversos consumidores/toxicodependentes daquelas substâncias;
Na execução desse propósito, o arguido A..., no período de tempo compreendido entre Dezembro de 2009 e 22 de Março de 2010, praticamente todos os dias vendeu, trocou e cedeu heroína a vários consumidores/toxicodependentes daquelas substâncias, em número global que não foi possível apurar em concreto, em diversos locais das cidades de São Pedro do Sul e de Viseu.
3)- Apurado ainda que:
Foram identificados alguns consumidores a quem o arguido vendeu mais de 10/15 vezes;
O arguido A...serviu-se de um co-arguido — este consumidor e ligado ao mundo da droga há vários anos — para desenvolver a sua actividade lucrativa, assim lhe conferindo mais recato e desempenho;
Como resulta, aliás, da douta fundamentação, o arguido A...não era consumidor de estupefacientes, pelo que a sua decisão de traficar, ainda por cima beneficiando de um ambiente familiar estável, só pode ter sido expressão de uma ponderação reflectida e calculada, com vista a obter proveitos, mormente amealhando;
Sendo que, não exercendo outra actividade, lhe foram apreendidos na sua residência 1.050,00€, em notas do Banco Europeu, provenientes desta sua actividade;
Além de que, na sua actividade, se fazia transportar num seu veículo “todo-o-terreno”, 4x4, praticamente novo, cuja matrícula, em 2009, teria uns meses, no máximo um ano, e utilizava uma balança de precisão.
4)- E não obstante comprovado ainda que:
O arguido A...não tem antecedentes criminais;
E tem apoio familiar.
Impõe-se que:
-Se mostra desadequada, injusta e descriteriosa e ético-socialmente ineficaz, face à satisfação das necessárias exigências de prevenção especial e geral, integrada esta pelo princípio da culpa, e por ausência de um prognóstico favorável quanto à sua conduta futura, a suspensão da execução da pena de 04 anos e 06 meses de prisão aplicada, ainda que sujeita a regime de prova.
Violou a douta decisão recorrida o disposto nos arts. 50°/1 do Código Penal.
- Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência:
· Alterada a decisão proferida, sendo substituída por outra que não determine a suspensão da execução da pena de 04 anos e 06 meses de prisão aplicada, que deverá ser executada em conformidade».

4.4. RECURSO D
O arguido A...finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O presente recurso é limitado à parte em que o Acórdão proferido, decretou a perda a favor do Estado, do veículo automóvel …;
2. No restante, o recorrente aceita, na parte que lhe respeita, o Acórdão do Tribunal recorrido;
3. Aceita igualmente, a matéria de facto dada como provada;
4. O veículo automóvel não foi apreendido, no inquérito, nem posteriormente, tendo sido entregue sem quaisquer reservas, ao recorrente, pela autoridade policial;
5. O que não justificava a junção aos autos, dos documentos relativos à propriedade do veículo, cuja junção só se tornou útil, com a decisão do Tribunal, em declarar a sua perda, a favor do Estado;
6. Deverá admitir-se a junção de tais documentos, após o encerramento do julgamento, por força do princípio da verdade material, que deve informar sempre o processo penal e ainda, pelo apelo ao princípio subsidiário, constante do art° 524° n° 1 do C.P. Civil;
7. Dos documentos ora juntos, pois, resulta que o veículo pertence a terceiro — Banco Santander Consumer Portugal, S.A. — encontrando-se a ser utilizado pelo recorrente, apenas como contratante do contrato de locação financeira, referente a tal veículo;
8. Nos termos da cláusula 5a desse contrato, o locador — Banco Santander - é o proprietário exclusivo desse bem;
9. Deste modo, atento o disposto no art° 110° do C. Penal, a perda a favor do Estado do veículo, não tem fundamento legal, pelo que, face a tal disposição legal, a referida perda deve ser revogada;
10. O Acórdão recorrido ofende, pois, o disposto no art° 110º do C. Penal;
Acresce ainda que,
11. Não se verificará uma relação de causalidade adequada, entre a utilização do veículo, que já vinha a ser utilizado pelo recorrente, desde a celebração do contrato de locação, de 28 de Abril de 2009, tendo a prática dos factos imputados ao arguido, ocorrido apenas entre Dezembro de 2009 e Março de 2010;
12. O uso do veículo não era meio indispensável nem adequado à prática das infracções, atendendo até que o recorrente reside em S. Pedro do Sul, residência de consumidores compradores, e onde foram praticados factos por que foi condenado, sendo que esta cidade dista poucos quilómetros da cidade de Viseu, onde também se deslocava para outros fins;
13. Não se verificará assim, uma relação de causalidade adequada, entre o uso do referido veículo e os factos porque o arguido foi condenado;
14. Por outro lado, a perda do veículo, a favor do Estado, é uma sanção desproporcionada, atendendo às graves consequência de incumprimento contratual, relativo ao pagamento das rendas, que o arguido suportará;
15. Os princípios da causalidade adequada e da proporcionalidade, deverão estar sempre presentes, na perda de instrumentos a favor do Estado, como resulta da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão atrás citado;
16. Terá assim sido violado o disposto no art° 109° do C. Penal;
17. Deverá pois revogar-se a decisão recorrida na parte em que decretou a perda a favor do Estado, do veículo automóvel matrícula …».
 
            5. O Ministério Público em 1ª instância RESPONDEU aos recursos dos arguidos António, B...e Nuno, opinando em todos que o acórdão recorrido deve ser mantido na íntegra, assente que o mesmo fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei a cada um dos casos concretos.

            6. Já o arguido A...RESPONDEU ao recurso do MP, pedindo a sua improcedência.

            7. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer a fls 1782-1788, reiterando as posições do magistrado do MP de 1ª instância.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. QUESTÕES A RESOLVER
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[1], as questões a decidir consistem em saber:

RECURSO A – C...

· NULIDADES DE SENTENÇA
o Foi cometida a nulidade do artigo 379º/1 b) do CPP (alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação sem prévio cumprimento do disposto no artigo 358º/1 e 3 do CPP)?
· RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
o Houve erro de julgamento quanto aos factos 26 a 50 e 87?
o Há vícios do artigo 410º/2 do CPP?
o Foi violado o princípio do in dubio pro reo?

RECURSO B – B...

· RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
o Houve erro de julgamento quanto aos factos provados 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19 e 20?
· RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
o Por esse motivo, deverá ser absolvido o arguido B...da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade?

             RECURSO C – MINISTÉRIO PÚBLICO

· RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
o Deve a pena de prisão aplicada ao arguido A...ser efectiva e não suspensa na sua execução?

RECURSO D – A...

· RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
o Não deverá o veículo matrícula 56-HN-25 ser declarado perdido a favor do Estado?

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):

«1. O arguido A... é conhecido pela alcunha de “First Tuning”;
2. Em data que não foi possível determinar em concreto, mas situada no mês de Dezembro de 2009, o arguido A...decidiu dedicar-se, como forma de obter os rendimentos necessários para se sustentar a si e aos seus gastos pessoais, à venda, troca e cedência de produtos estupefacientes, mais concretamente heroína, a diversos consumidores/toxicodependentes daquelas substâncias;
3. Na execução desse propósito, o arguido A..., no período de tempo compreendido entre Dezembro de 2009 e 22 de Março de 2010, praticamente todos os dias vendeu, trocou e cedeu heroína a vários          consumidores/toxicodependentes daquelas substâncias, em número global que não foi possível apurar em concreto, em diversos locais das cidades de São Pedro do Sul e de Viseu;
4. Para esse efeito, o arguido A...possuía uma balança de precisão de marca “Fuzion”, modelo FZ350, que utilizava para pesar o produto estupefaciente;
5. Para a distribuição da heroína pelos diversos consumidores da mesma, o arguido A...fazia-se transportar no veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca “Mazda”, de cor preta, com o número de matrícula …;
6. Para proceder à venda, troca e cedência da heroína, o arguido A...era habitualmente contactado por telefone, nomeadamente para os números de telefone …, por si utilizados, pelos consumidores de tais substâncias que lhe perguntavam se tinha consigo o produto estupefaciente por aqueles pretendido;
7. Se o arguido A...tivesse na altura tal produto estupefaciente disponível para venda, troca ou cedência, respondia afirmativamente e logo combinava com o consumidor um local de encontro, a fim de lhe entregar o produto estupefaciente que lhe havia sido solicitado;
8. Em muitas dessas ocasiões, os consumidores de heroína telefonavam de diversas cabines telefónicas existentes na cidade de São Pedro do Sul, cabines essas com os números de telefone …, para o arguido A..., a fim de combinarem os locais onde aquele haveria de lhes entregar o referido produto estupefaciente;
9. Assim, na sequência desses contactos telefónicos, o arguido A...e o dito consumidor de heroína encontravam-se no local acordado entre ambos para o efeito, e o arguido entregava o produto estupefaciente que lhe havia sido solicitado ao respectivo consumidor, contra o recebimento de dinheiro;
10. Além disso, o arguido A...procedia à venda, troca e cedência de heroína a diversos consumidores daquelas substâncias através do arguido B..., consumidor de heroína, a quem entregava determinada quantidade de heroína, cuja grandeza não foi possível apurar, para que este a vendesse posteriormente aos respectivos consumidores;
11. Assim, no cumprimento do acordo acima referido, firmado entre os arguidos A...e B..., no período compreendido entre Dezembro de 2009 e 22 de Março de 2010, o arguido A...entregou ao arguido B... heroína, em número de ocasiões que não foi possível apurar, mas não inferior a 15, em Viseu, em quantidades que igualmente não foi possível determinar, para que este arguido a vendesse por diversos consumidores de tal produto estupefaciente em doses individuais de cerca de 0,1 grama, pelo preço, cada dose, de € 10;
12. Para efectuar tais entregas de heroína ao arguido B..., o arguido A...deslocou-se sempre no veículo automóvel com o número de matrícula …;
13. Por sua vez, o arguido B... procedeu à venda dessas doses de heroína, em número global que não foi possível precisar, por diversos consumidores da mesma, em número que igualmente não foi possível determinar, na localidade de Viseu, pelo preço, cada dose, de € 10;
14. Antes de proceder à entrega da heroína ao respectivo consumidor, o arguido B... dividia a heroína que lhe havia sido entregue pelo arguido A...em doses individuais, com o peso, cada dose, de cerca de 0,1 grama, e acondicionava-as em pedaços de plástico que previamente havia recortado para o efeito, pedaços de plástico esses habitualmente provenientes de sacos de plástico fornecidos aos respectivos clientes pelos estabelecimentos comerciais de venda de produtos alimentares e outros, designadamente o “Minipreço”;
15. Após, o arguido B... entregava ao arguido A...o dinheiro proveniente de tais vendas, cujo valor não foi possível apurar, e ficava para si com uma parte do dinheiro proveniente da venda de tal heroína, em montante que não foi possível apurar;
16. No período temporal compreendido entre o mês de Dezembro de 2009 e o dia 22 de Março de 2010, o arguido A...vendeu ao arguido D..., consumidor de heroína, em diversos locais da cidade de São Pedro do Sul, pelo menos sete vezes, uma/duas doses de heroína de cada vez, com o peso, cada dose, de cerca de 0,1 gramas, e pelo preço, cada dose, de € 10;
17. O arguido D... vendeu, no início do ano de 2010, e na cidade de Viseu, uma dose de heroína, a …, numa ocasião, mediante o pagamento da quantia de € 10;
18. No dia 22 de Março de 2010, pelas 15 horas, o arguido A..., mais uma vez fazendo-se transportar no dito veículo automóvel com o número de matrícula …, deslocou-se para as imediações da residência do arguido B..., sita na Rua …, em Viseu, para aí lhe entregar 3,4 gramas de heroína, a fim de que este B... a vendesse posteriormente, em cerca de trinta e quatro doses, por diversos consumidores daquele produto estupefaciente;
19. Deste modo, naquela altura e local, o arguido B... abeirou-se do veículo conduzido pelo arguido A...e este último entregou, no cumprimento do acordo existente entre ambos, ao arguido B... três panfletos de heroína, sendo que um continha 1,1 gramas de heroína, o outro continha 1,1 gramas de heroína, e o restante continha 1,3 gramas de heroína;
20. Nessa altura, o arguido B..., também no cumprimento do acordo firmado entre ambos, entregou ao arguido A...€ 155 em notas do Banco Central Europeu, dinheiro este proveniente da venda de heroína a diversos consumidores da mesma, a qual lhe havia sido previamente entregue pelo arguido A...para esse efeito;
21. Nesse dia 22 de Março de 2010, o arguido A...tinha ainda guardado no interior da casa de habitação onde residia, sita na …, € 1.050 em notas do Banco Central Europeu, dinheiro este proveniente da venda de heroína a diversos consumidores da mesma;
22. No período compreendido entre o mês de Janeiro de 2010, inclusive, e o dia 22 de Março de 2010, inclusive, o arguido A...vendeu a …, em pelo menos oito desses dias, uma dose de heroína por dia, com o peso, cada dose, de cerca de 0,1 grama, e pelo preço, cada dose, de € 10;
23. Para vender a heroína ao …, o arguido A...deslocou-se, conduzindo o dito veículo automóvel com o número de matrícula …, para as imediações do Centro de Saúde de São Pedro do Sul, sito em São Pedro do Sul, onde entregou a referida substância ao …;
24. O arguido F..., em datas que não foi possível determinar, mas situadas no início do ano de 2010, entregou a …, consumidor de heroína, em pelo menos três ocasiões, duas doses de heroína de cada vez, com o peso, cada qual, de cerca de 0,1 grama, para que este último consumisse tal produto estupefaciente, o que efectivamente sucedeu;
25. As entregas de heroína referidas no ponto anterior ocorreram numa casa de habitação onde ambos residiram, sita na localidade da …;
26. O arguido C...,, logo que saiu, em liberdade condicional, no dia 2 de Junho de 2009, do estabelecimento prisional onde se encontrava a cumprir uma pena de prisão de nove anos, pela prática, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, como reincidente, decidiu dedicar-se novamente, como forma de obter os rendimentos necessários para se sustentar a si, à sua companheira e filhos, assim como para prover aos seus gastos pessoais, à venda, troca e cedência de heroína, a diversos consumidores daquela substância;
27. Deste modo, na execução daquele propósito assim firmado, o arguido C..., no período de tempo compreendido entre o dia 2 de Junho de 2009 e o dia 22 de Junho de 2010, passou a deslocar-se com uma frequência de, pelo menos, quatro vezes por semana, mas por vezes todos os dias, da localidade de …, concelho de São Pedro do Sul, onde residia, para o lugar de …, a fim de aí comprar heroína;
28. Assim, em todas essas deslocações a Macinhata do Vouga, em número global que não foi possível precisar, o arguido C... comprou, a pessoas cuja identidade não foi possível apurar, quantidades de heroína que também não foi possível concretizar, estupefaciente esse que este arguido posteriormente vendeu, trocou e cedeu a diversos consumidores daquela substância;
29. Para a realização das referidas viagens ao lugar de Macinhata do Vouga, o arguido C... fez-se transportar no veículo automóvel de sua pertença, de marca “Renault”, modelo “19”, de cor cinzenta, com o número de matrícula …, veículo automóvel este que o arguido C... depois também utilizava na venda daquela heroína a diversos consumidores de tal produto estupefaciente;
30. A heroína que o arguido C... comprava era pelo mesmo guardada no interior da casa de habitação onde morava, sita em Sá de Carvalhais, assim como no dito veículo automóvel com o número de matrícula …;
31. Durante o referido período de tempo compreendido entre o dia 2 de Junho de 2009 e o dia 22 de Junho de 2010, praticamente todos os dias o arguido C... vendeu, trocou e cedeu heroína a consumidores daquela substância, no interior e nas imediações da mencionada casa de habitação, sita em Sá de Carvalhais, e noutros locais, por acordo com os ditos consumidores;
32. Para proceder à venda, troca e cedência daquela heroína, habitualmente o arguido C... era contactado por telefone, nomeadamente para os números de telefone …, pelos consumidores de tal substância, que lhe perguntavam se tinha consigo o produto por aqueles pretendido;
33. Se o arguido C... tivesse na altura tal heroína disponível para venda, troca ou cedência, respondia afirmativamente e logo combinava, no decurso da conversação telefónica mantida com aquele consumidor, um local de encontro a fim de entregar ao mesmo o dito produto estupefaciente que lhe havia sido solicitado;
34. Assim, na sequência dessa conversação telefónica, o arguido C... e o dito consumidor de droga encontravam-se no local acordado entre ambos para o efeito, e este arguido entregava o produto estupefaciente que lhe havia sido solicitado ao respectivo consumidor do mesmo, contra o recebimento de dinheiro ou objectos de valor;
35. Antes de proceder à entrega ao respectivo consumidor, o arguido C... cortava a quantidade de heroína que lhe havia sido solicitada no interior da dita casa de habitação onde morava, e acondicionava-a em pedaços de plástico que previamente havia recortado para o efeito, pedaços de plástico esses habitualmente provenientes de sacos de plástico fornecidos aos respectivos clientes pelos estabelecimentos comerciais de venda de produtos alimentares e afins;
36. O arguido C... vendia ou trocava a referida heroína aos consumidores que o contactavam para esse efeito, no interior da dita casa de habitação onde morava, e noutros locais que com aqueles acordava, nomeadamente na cidade de São Pedro do Sul;
37. Nessas ocasiões, o arguido C... deslocava-se para esses locais fazendo-se transportar no dito veículo automóvel com o número de matrícula RI-16-42, e levava a heroína que lhe havia sido solicitada, já cortada e acondicionada nos ditos pedaços de plástico, no interior de um botão eléctrico;
38. No dia 22 de Junho de 2010, pelas 11 horas e 30 minutos, o arguido C... trazia consigo, no dito veículo automóvel com o número de matrícula …, o mencionado botão eléctrico, contendo no seu interior três embalagens de heroína, com o peso global de 0,3 gramas, produto estupefaciente este de sua pertença, e que destinava à venda por diversos consumidores da mesma, nomeadamente a …, que nessa altura já tinha entregue ao arguido, para compra de parte daquela heroína, uma nota de € 20, não se tendo concretizado tal venda apenas porque nessa altura o arguido C... foi interceptado por militares da Guarda Nacional Republicana, que lhe apreenderam tal produto estupefaciente;
39. Nesse dia 22 de Junho de 2010, o arguido C... tinha ainda guardado, no interior da sua residência, sita em Sá de Carvalhais, três porções de heroína, com o peso global de 1,5 gramas, produto estupefaciente este que destinava à venda, troca e cedência por diversos consumidores dessa substância;
40. No período de tempo compreendido entre o dia 2 de Junho de 2009 e o dia 22 de Junho de 2010, em várias ocasiões, em número que não foi possível apurar em concreto, o arguido C... entregou ao arguido E... doses de heroína para que este fosse entregar tal substância aos consumidores que previamente tinham pedido a mesma ao arguido C...;
41. Depois de receber dos consumidores o dinheiro proveniente da venda de tal heroína, o arguido E... entregava o mesmo ao arguido C..., e recebia deste último, como recompensa pela venda daquela substância, alguns pacotes de heroína, em número global que não foi possível apurar em concreto;
42. No período de tempo compreendido entre o dia 2 de Junho de 2009 e o dia 22 de Junho de 2010, o arguido C... entregou, ele próprio e por intermédio do arguido E..., que para o efeito as transportava, doses de heroína, cada qual com o peso de cerca de 0,1 grama, e em número global que não foi possível apurar, pelo preço de € 10 a dose, a  …e ao seu irmão,  …,  a …, e a …;
43. As vendas referidas nos pontos anteriores ocorreram em casa do arguido C..., e em São Pedro do Sul, mais concretamente perto do  …e no parque de estacionamento do estabelecimento comercial denominado “Lidl”;
44. Após ter realizado as entregas de heroína aos consumidores, a mando do arguido C..., o arguido E... entregava a este o dinheiro proveniente das vendas dessa substância;
45. No ano de 2010, até ao dia 13 de Junho de 2010, o arguido C... vendeu a  …, em pelo menos três ocasiões, uma dose de heroína, com o peso, cada dose, de cerca de 0,1 grama, pelo preço, cada dose, de € 10;
46. Para vender tal substância ao …, o arguido C... deslocou-se, conduzindo o dito veículo automóvel com o número de matrícula …, para a localidade de São Pedro do Sul, após combinação prévia com o referido consumidor, onde lhe entregou a heroína;
47. No dia 21 de Junho de 2010, o arguido C... vendeu a …, três doses de heroína, com o peso, cada dose, de cerca de 0,1 grama, e pelo preço de € 10 cada dose;
48. O arguido C... entregou as doses de heroína referidas no ponto anterior ao  …no Bairro da Ponte, em São Pedro do Sul, para onde se deslocou no veículo automóvel com o número de matrícula …;
49. Durante o período de tempo compreendido entre os dias 2 de Junho de 2009 e 22 de Junho de 2010, o arguido C... não teve qualquer outra ocupação, nem qualquer outra fonte de rendimento que não fosse a proveniente da venda de heroína a consumidores;
50. Nas circunstâncias acima descritas, os arguidos agiram conhecendo as características e natureza das mencionadas substâncias estupefacientes, e de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
51. O arguido A...é solteiro;
52. O arguido A...é o mais velho de dois irmãos, tendo nascido e crescido numa família coesa e funcional;
53. A mãe do arguido A...faleceu no mês de Abril de 2010, vivendo actualmente o arguido com o seu pai e o irmão, em casa do pai;
54. O arguido A...completou o 8º ano de escolaridade, tendo então abandonado os estudos por desmotivação e desinteresse;
55. Após ter deixado de estudar, o arguido A...trabalhou como servente da construção civil, taqueiro e comerciante de acessórios para automóveis, inclusive por contra própria, e ainda como vigilante de segurança, actividade que actualmente desenvolve ao serviço da empresa “S.S.O.”;
56. O arguido A...aufere o salário mensal líquido de cerca de € 600;
57. O arguido A...não apresenta qualquer condenação criminal anterior;
58. O arguido B... é solteiro;
59. O arguido B... é filho único, tendo a sua vivência familiar sido marcada pela falta de hábitos laborais do pai, pelo desgaste da relação dos pais, e pelo seu distanciamento relativamente ao seu pai;
60. O arguido B... foi sempre mais acompanhado pela mãe;
61. O arguido B... revelou falta de motivação no seu percurso escolar, tendo abandonado os estudos sem concluir o 12º ano de escolaridade;
62. Posteriormente, o arguido B... retomou os estudos, frequentando actualmente o 1º ano do Curso de Contabilidade no Instituto Politécnico da Guarda;
63. O arguido B... iniciou o seu percurso laboral aos 20 anos de idade, tendo trabalhado numa fábrica de pedra, e, na Suíça, na hotelaria e como fotógrafo;
64. Depois de regressar da Suíça, o arguido B... foi viver com a sua mãe, em casa e a expensas desta, estando na altura desempregado;
65. O arguido B... consumiu heroína desde os 18/19 anos de idade;
66. O arguido B... foi acompanhado pelo C.R.I. de Viseu desde o ano de 2006, sem sucesso;
67. O arguido B... tem uma filha, que vive com a mãe;
68. O arguido B... foi condenado, por acórdão proferido no dia 17-11-2009, transitado em julgado no dia 07-12-2009, no processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 26/06.0GASPS, deste Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22-01, cometido no dia 28-01-2006;
69. O arguido B... foi condenado, por acórdão proferido no dia 18-03-2010, transitado em julgado no dia 26-04-2010, no processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 749/05.1PBVIS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 4 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de simulação de crime e um crime de roubo, previstos e punidos pelos arts. 210º, nº 1, e 366º do Código Penal, cometidos no dia 05-06-2005;
            70. No processo referido no ponto anterior procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nesse processo e no processo referido no ponto 68., ficando o arguido B... condenado, por acórdão de 08-02-2011, transitado em julgado no dia 28-02-2011, na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão;
71. O arguido B... foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 07-04-2010, transitada em julgado no dia 26-05-2010, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 410/08.5GBSVV, do Juízo de Instância Criminal de Sever do Vouga, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à taxa diária de € 6, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22º, 23º e 204º do Código Penal, cometido no dia 17-12-2008;
            72. O arguido B... foi preso preventivamente à ordem dos presentes autos em 24-03-2010, passando a cumprir a pena única de prisão aplicada no processo referido no ponto 70. no dia 28-05-2010, no E.P. da Guarda;
73. O arguido C... é proveniente de uma família estruturada e estável, sendo o mais velho de 4 irmãos;
74. Os pais do arguido C... proporcionaram-lhe condições materiais e afectivas de crescimento;
75. O arguido C... completou o 6º ano de escolaridade, abandonando então os estudos para ajudar os pais na sua actividade de exploração de aviários;
76. O arguido trabalhou com os pais até aos 25 anos de idade, altura em que se casou, passando a trabalhar como camionista;
77. Cerca de 3 anos depois, o arguido C... divorciou-se e ficou desempregado, passando a consumir heroína aos 29 anos de idade;
78. Nessa altura, o arguido C... foi viver para Sesimbra, para casa de uma irmã e cunhado, trabalhando na pesca;
79. O arguido C... foi condenado, por acórdão proferido no processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 82/95.5TCSTB-D, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, no dia 08-02-1996, transitado em julgado no dia 23-02-1996, e por factos praticados no período compreendido entre 15-10-1994 e 04-02-1995, como co-autor de 14 crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos arts. 203º, nº1 e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão;
80. O arguido C... cumpriu a pena única de prisão referida no ponto anterior de 9 de Fevereiro de 1995 a 9 de Agosto de 2000, tendo estado preso ininterruptamente à ordem daqueles autos, primeiro em prisão preventiva e, após, em cumprimento de pena definitiva, desde 9 de Fevereiro de 1995 a 25 de Setembro de 1998, altura em que lhe foi concedida liberdade condicional;
81. Após o cumprimento da pena única referida nos dois pontos anteriores, o arguido C... voltou a ser condenado, por sentença proferida no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 457/99.0PCSTB, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, no dia 03-11-1999, transitada em julgado em 23-11-1999, por factos praticados em 22-05-1999, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º, nº1, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22-01, na pena de vinte meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos;
82. O arguido C... foi ainda condenado, por acórdão proferido no processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 177/04.6GASPS, deste Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, no dia 24-11-2005, transitado em julgado em 27-04-2006, por factos praticados no período compreendido entre data indeterminada do ano de 2002 e 23-10-2004, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, sob a forma de reincidência, previsto e punido pelos arts. 21º, nº 1, e 24º, al. b), do D.L. nº 15/93, de 22-01, na pena de oito anos e seis meses de prisão, e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punido pelo art. 6º, nº 1 da Lei nº 22/97, de 27-066, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5;
83. O arguido C... foi ainda condenado, por sentença proferida no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 292/04.6GBVNG, do 4º Juízo Criminal das Varas de Competência Mista e Comarca de Vila Nova de Gaia, no dia 17-01-2006, transitada em julgado em 02-02-2006, e por factos praticados no dia 8 de Abril de 2004, como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 275º, nº 3, do Código Penal, na pena de onze meses de prisão;
84. As penas aplicadas ao arguido C... nos processos referidos nos dois pontos anteriores foram abrangidas pelo cúmulo jurídico efectuado no processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 177/04.6GASPS, por acórdão proferido no dia 24-10-2006, transitado em julgado no dia 04-12-2006, tendo aí sido aplicada a pena única de nove anos de prisão e de 120 dias de multa, à taxa diária de 5 euros;
85. O arguido C... cumpriu parte da pena única de nove anos de prisão referida no ponto anterior, de 23 de Outubro de 2004 a 22 de Junho de 2010, tendo estado preso ininterruptamente à ordem daqueles autos, primeiro em prisão preventiva e, após, em cumprimento de pena de prisão efectiva, desde 23 de Outubro de 2004 a 2 de Junho de 2009, sendo que a partir desta data, o cumprimento de parte de tal pena única de prisão ocorreu em liberdade condicional;
86. Após o dia 2 de Junho de 2009, o arguido C... não desempenhou qualquer actividade profissional remunerada lícita;
87. O arguido C... tem sido acompanhado pelo C.R.I., sem sucesso;
88. O arguido C... é casado, e tem 3 filhos;
89. O arguido C..., antes de preso, vivia numa casa pertencente a seu pai;
90. O arguido D... nasceu de uma primeira relação da sua mãe;
91. Aos 11 anos de idade, o arguido D... vivenciou a morte do seu progenitor e posteriormente o casamento de sua mãe com o seu padrasto;
92. Desta última relação da sua mãe, o arguido D... teve mais duas irmãs;
93. O arguido D... cresceu numa família economicamente carenciada, trabalhando o padrasto na construção civil e a mãe como empregada de limpeza;
94. Aos 13 anos de idade, o arguido D... iniciou-se no consumo de estupefacientes, o que provocou instabilidade nas relações familiares, uma vez que a mãe o desculpabilizava e o padrasto assumia uma postura agressiva para consigo;
95. Em 2005, o agravamento do seu relacionamento com o padrasto culmina com a saída do arguido D... e da mãe do agregado familiar, tendo estes ido residir para uma casa cedida por um tio;
96. Volvido um ano, com cerca de 21 anos de idade, o arguido D... estabeleceu uma relação análoga à dos cônjuges com a actual companheira, tendo então a mãe regressado para junto do marido e filhas;
97. Por desmotivação e consequente insucesso escolar, o arguido D... apenas completou o 7º ano de escolaridade, abandonando o ensino para se dedicar à actividade laboral remunerada de electricista durante dois anos;
98. Após abandonar a actividade referida no ponto anterior, o arguido D... não voltou a ter um emprego estável, não exercendo qualquer actividade laboral remunerada, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego;
99. O arguido D... iniciou um programa de desintoxicação física através do Centro de Atendimento a Toxicodependentes de Viseu, tendo estado em regime de internamento;
100. O arguido D..., sendo solteiro, vive com a companheira num apartamento arrendado;
101. A companheira do arguido D... encontra-se actualmente desempregada;
102. O arguido D... não dispõe de quaisquer rendimentos, subsistindo apenas graças ao apoio da companheira e da mãe;
103. O arguido D... foi condenado, por sentença proferida no dia 21 de Dezembro de 2009, no processo sumário nº 53/09.6PFVIS, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitada em julgado no dia 25 de Janeiro de 2010, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203º, nº 1,do Código Penal, cometido no dia 17 de Dezembro de 2009;
104. O arguido D... foi condenado, por sentença proferida no dia 18 de Março de 2010, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 263/09.6GASPS, deste Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, transitada em julgado no dia 26 de Abril de 2010, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de € 7,5, pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo art. 212º, nº 1, do Código Penal, cometido no dia 29 de Julho de 2009;
105. A pena referida no ponto anterior foi declarada extinta, pelo cumprimento;
106. O arguido D... foi condenado, por sentença proferida no dia 28 de Junho de 2010, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 214/08.5TAAGD, do Juízo de Instância Criminal de Águeda, transitada em julgado no dia 6 de Setembro de 2010, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo art. 360º, nº 1, do Código Penal, cometido no dia 17 de Outubro de 2007;
107. O arguido E... é solteiro;
108. O arguido E... é oriundo de um agregado familiar de parcos rendimentos, inserido em meio rural, sendo o mais velho de dois irmãos;
109. O abuso do álcool por parte da mãe do arguido E... reflectiu-se na falta de acompanhamento que dedicou aos filhos, desembocando na separação conjugal;
110. O pai do arguido E... constituiu novo agregado familiar, afastando-se dos filhos;
111. O arguido E... completou apenas o 4º ano de escolaridade, aos 15 anos de idade, denotando desmotivação e elevado absentismo escolar;
112. O arguido E... começou a trabalhar aos 15 anos de idade, tendo desenvolvido a sua actividade num matadouro avícola e na área da construção civil, sempre de forma irregular;
113. O arguido E... deixou de viver em casa da mãe, que entretanto faleceu, há cerca de 4 anos, habitando em alojamentos cedidos por vizinhos e amigos;
114. O arguido E... padece de diabetes, que lhe foi diagnosticada há 3 anos;
115. O arguido E... consome por vezes heroína;
116. O arguido E... não exerce qualquer actividade laboral desde meados de 2009, auferindo actualmente, e desde Dezembro de 2010, a quantia mensal de € 189, a título de rendimento social de inserção;
117. O arguido E... é insulino-dependente, e vive dependente do auxílio de terceiros;
118. O arguido E... foi condenado, por sentença proferida no dia 6 de Novembro de 2000, transitada em julgado no dia 21 de Novembro de 2000, no processo sumário nº 238/00.0GASPS, deste Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de Esc. 500$00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação e de condução em estado de embriaguez, previstos e punidos pelos arts. 3º, nº 2, do D.L. nº 2/98, de 03-01, e 292º do Código Penal, cometidos no dia 29 de Outubro de 2000;
119. A pena de multa referida no ponto anterior foi declarada extinta, pelo cumprimento;
120. O arguido E... foi condenado, por sentença proferida no dia 9 de Junho de 2005, transitada em julgado no dia 29 de Setembro de 2005, no processo abreviado nº 389/04.2GASPS, deste Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação, previsto e punido pelo art. 3º do D.L. nº 2/98, de 03-01, cometido no dia 2 de Dezembro de 2004;
121. A pena referida no ponto anterior foi declarada extinta;
122. O arguido E... foi condenado, por sentença proferida no dia 21 de Maio de 2008, transitada em julgado no dia 11 de Junho de 2008,no processo sumário nº 119/08.0GASPS, deste Tribunal Judicial da Comarca de São Pedro do Sul, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação, previsto e punido pelo art. 3º, nº 1, do D.L. nº 2/98, de 03-01, cometido no dia 10 de Maio de 2008;
123. A pena referida no ponto anterior foi declarada extinta;
124. O arguido F... é o quinto de uma fratria de 6, tendo vivido e crescido num agregado familiar de parcos rendimentos e recursos;
125. O pai do arguido F... tinha hábitos de alcoolismo e violência familiar, e faleceu quando aquele tinha 17/18 anos;
126. O arguido F... completou o 9º ano de escolaridade, mas o seu percurso escolar foi marcado pelo desinteresse e absentismo;
127. O arguido F... iniciou a sua actividade laboral aos 16 anos de idade, tendo trabalhado na área da decoração, da restauração, e da agricultura em França;
128. O arguido F... casou aos 19 anos de idade, e divorciou-se 2 anos depois, tendo uma filha, já com 20 anos de idade, que vive com a mãe;
129. O arguido F... teve ainda uma outra companheira, de quem teve dois filhos, com 12 e 9 anos de idade, que vivem com os avós maternos;
130. O arguido F... não tem morada fixa, pernoitando em casas de amigos, pensões, e mesmo na rua;
131. O arguido F... encontra-se emigrado em França, a trabalhar na construção civil;
132. O arguido F... não se relaciona com a sua família de origem, estando incompatibilizado com os elementos desta;
133. O arguido F... consome bebidas alcoólicas em excesso;
134. O arguido F... foi condenado, por sentença proferida no dia 28 de Outubro de 2002, transitada em julgado no dia 12 de Novembro de 2002, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 286/01.3PBVIS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 55 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo art. 348º do Código Penal, cometido no dia 30 de Março de 2001;
135. A pena referida no ponto anterior foi declarada extinta;
136. O arguido F... foi condenado, por sentença proferida no dia 15 de Janeiro de 2010, transitada em julgado no dia 15 de Fevereiro de 2010, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 265/08.0GCVIS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática de crimes de maus tratos, ameaça e ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelos art. 152º, nº 1, al. a), e 2, 153º e 143º do Código Penal, cometidos nos dias 7 de Abril e 4 de Maio de 2008;
137. Os arguidos A...e E... admitiram, em audiência de julgamento, a prática de parte dos factos de que vinham acusados».

2.2. São estes os FACTOS NÃO PROVADOS (transcrição):

«Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
1. O arguido A...tenha transaccionado estupefacientes em data anterior ao mês de Dezembro de 2009, e o fizesse através de terceiros, para além do arguido B...;
2. O arguido A...tenha transaccionado estupefacientes noutros locais distintos de São Pedro do Sul e Viseu;
3. O arguido A...recebesse em pagamento objectos de valor;
4. O arguido D... seja conhecido pela alcunha de “…”;
5. O arguido A...tenha vendido ou cedido heroína ao arguido D... noutras ocasiões, para além das referidas na factualidade provada;
6. Em data não concretamente apurada, mas situada no período compreendido entre Junho e Setembro de 2009, o arguido A...tenha dito ao arguido D... que se vendesse cinco doses de heroína, cada qual com o peso de 0,1 gramas, que para o efeito lhe entregaria, a diversos consumidores desta substância e, após, lhe entregasse, a ele A..., o dinheiro proveniente de tais vendas de droga, receberia, em troca, daquele A..., uma dose de heroína, com o peso de 0,1 grama para o seu próprio consumo;
7.Em resposta, o arguido D... tenha concordado com o que lhe era proposto pelo arguido A...;
8. No cumprimento do acordo firmado entre os arguidos A...e D..., no período compreendido entre Setembro de 2009 e Janeiro de 2010, inclusive, o arguido A...todos os dias tenha entregue, em São Pedro do Sul, Viseu e noutras localidades destes dois concelhos, ao arguido D..., pelo menos cinco doses de heroína, cada qual com o peso de 0,1 grama, para que este D... as vendesse por diversos consumidores de tal droga;
9. O arguido D..., em cada um desses dias, tenha procedido à venda de quatro daquelas cinco doses de heroína por diversos consumidores da mesma, nas localidades de São Pedro do Sul, Viseu e Lufinha, aqui a …, pelo preço, cada dose, de € 10;
10. O arguido D... tenha vendido heroína a  … em São Pedro do Sul, e noutras ocasiões para além da referida na factualidade provada;
11. De seguida, também em cada um desses dias, o arguido D... tenha entregue ao arguido A...o dinheiro proveniente da venda daquelas doses de heroína;
12. Também em cada um desses dias, o arguido D... tenha consumido a restante dose de heroína que o arguido A...lhe havia entregue, como forma de pagamento da venda diária das restantes quatro doses daquela droga por diversos consumidores da mesma;
13. Durante este período de tempo, houvesse dias em que o arguido A...entregasse ao arguido D... dez doses de heroína, cada qual com o peso de 0,1 gramas, para que este vendesse oito dessas doses pelos sobreditos consumidores, e que o arguido D... o tenha feito, entregando sempre o dinheiro resultante da venda de tal droga ao arguido A...;
14. Em cada um desses dias, o arguido D... tenha consumido duas dessas doses de heroína, como recompensa pelas vendas de droga;
15. O arguido A...entregasse ao arguido B... doses de heroína como pagamento da sua actividade de venda de heroína a seu cargo;
16. O arguido B... recebesse heroína do arguido A...e a vendesse em São Pedro do Sul;
17. No período compreendido entre Janeiro de 2010, inclusive, a 22 de Março de 2010, inclusive, o arguido A...tenha vendido ao arguido F..., diariamente, três doses de heroína por dia, com o peso, cada dose, de 0,1 grama, e pelo preço, cada dose, de € 10;
18. Para vender tal droga àquele F..., o arguido A...se tivesse deslocado, conduzindo o dito veículo automóvel com o número de matrícula …, para diversos locais sitos em São Pedro do Sul e para as imediações do coreto existente na localidade da Lufinha, locais estes onde entregou a referida droga àquele F...;
19. No período compreendido entre Janeiro de 2009, inclusive, a 22 de Março de 2010, inclusive, o arguido A...tenha vendido ainda a …, e ao irmão deste,  …,  um número indeterminado de doses de heroína, com o peso, cada dose, de 0,1 grama e pelo preço, cada dose, de € 10;
20. Para vender tal droga àqueles  …e …, o arguido A...se tenha deslocado, conduzindo o dito veículo automóvel com o número de matrícula …, para diversos locais sitos em São Pedro do Sul, locais estes onde entregou a referida droga àqueles;
21. As entregas de heroína efectuadas pelo arguido F... ao  …tenham ocorrido diariamente;
22. O arguido E... ficasse com uma determinada percentagem do dinheiro que recebia dos consumidores e entregava ao arguido C...;
23. O arguido C... tenha vendido heroína no lenteiro do rio Vouga, na localidade de Pinho, e na Avenida José Vaz;
24. O arguido C... tenha vendido heroína ao  …com periodicidade diária, e no Jardim dos Amores, no pavilhão da estação, e na Avenida José Vaz, em São Pedro do Sul;
25. O arguido C... tenha vendido heroína à  …com periodicidade de pelo menos três vezes por semana, e na localidade de Pinho, no Beco da Calçada, na Rua Direita;
26. O arguido C... tenha vendido heroína ao …, em qualquer ocasião e local;
27. O arguido C... tenha vendido heroína ao  …com periodicidade diária, e no Jardim dos Amores, no Solar da Lapa, nas imediações do centro de emprego, e no parque de estacionamento do estabelecimento comercial denominado “Lidl”;
28. O arguido C... tenha vendido heroína a …, em qualquer ocasião e local;
29. O arguido C... tenha vendido heroína ao arguido D..., em qualquer ocasião e local;
30. O arguido C... tenha vendido heroína ao B..., em qualquer ocasião e local;
31. O arguido C... tenha vendido heroína ao …, em qualquer ocasião e local;
32. No dia 20 de Junho de 2010, da parte da tarde, o arguido C... tenha vendido heroína a …;
33. O arguido C... transportasse a heroína num dedo de uma luva;
34. O arguido A...seja bem comportado e respeitado no meio em que vive;
35. O arguido B... pague pensão de alimentos à filha menor;
36. O arguido B... tenha bom comportamento no Estabelecimento Prisional».

2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo» (transcrição):

«Funda-se esta no conjunto da prova produzida em audiência, salientando-se os seguintes aspectos:
1. Apenas os arguidos A... e E... prestaram declarações.
Na verdade, o arguido F... não compareceu na audiência de julgamento, sendo julgado na sua ausência. Os restantes arguidos não prestaram declarações, por decisão própria.
Assim, os arguidos A...e E... admitiram a prática de boa parte dos factos que lhes eram imputados, e esclareceram as relações que mantiveram com os restantes arguidos.
O arguido A...afirmou não ser consumidor de estupefacientes, mas admitiu ter-se dedicado à actividade de compra e venda de heroína no período de Dezembro de 2009 a 22 de Março de 2010, não mais o fazendo desde então. Este arguido descreveu essa actividade de transacção de heroína, esclarecendo o local, quantidade e periodicidade das aquisições, a forma como dividia o produto em doses individuais, e confirmando ter vendido heroína aos arguidos B... e D..., e à testemunha Ivo Cardão.
O arguido referiu ainda a forma de contacto e os locais de entrega da heroína aos consumidores, indicando o modo de deslocação (veículo automóvel identificado na factualidade provada). Por fim, este arguido indicou o preço pago pelos consumidores pelas doses de heroína.
Por seu turno, o arguido E... esclareceu a relação próxima que mantinha com o arguido C..., sendo certo que nessa altura vivia próximo deste arguido, acompanhando-o quase sempre. O arguido E... confirmou plena e convictamente a actividade de tráfico de heroína desenvolvida pelo arguido C..., designadamente a quantidade e periodicidade das aquisições, a forma como dividia o produto em doses individuais, e as múltiplas vendas a consumidores, e os respectivos locais de entrega. Este arguido confirmou ainda o modo como o arguido C... se deslocava para efectuar as transacções de heroína (utilizando o veículo
automóvel identificado na factualidade provada), esclarecendo que o acompanhou em muitas dessas situações – presenciando os actos de venda de heroína a consumidores perpetrados pelo arguido C..., e confirmando que fez pelo menos uma entrega de heroína a um consumidor (a testemunha Ivo Cardão), a mando do arguido C... (que lhe forneceu a dose e ficou com o dinheiro recebido).
O arguido E... indicou ainda o período em que o arguido C... manteve essa actividade ilícita, esclarecendo que não desempenhava qualquer outra actividade.
Por fim, este arguido indicou o preço pago pelos consumidores pelas doses de heroína, e acabou por aceitar que também consumia esporadicamente tal substância, que lhe era cedida pelo arguido C....
Ambos os arguidos esclareceram ainda o Tribunal acerca das respectivas condições pessoais e modo de vida.
2. As testemunhas, agentes da G.N.R. que tiveram intervenção directa na investigação que deu origem ao presente processo, cujos termos e diligências descreveram (na medida do legalmente permitido) e confirmaram. Prestaram depoimentos sinceros, isentos, coerentes e credíveis.
3. As diversas transacções de heroína relatadas nos factos provados foram confirmadas pelos depoimentos das testemunhas …, todos consumidores de heroína na altura em que foram praticados os factos objecto deste processo. As testemunhas esclareceram ainda os termos de tais transacções de heroína – produto vendido, montante pago, frequência ou número de transacções, e forma de contacto -, localizando ainda tais actos no tempo e no espaço, e indicando inequivocamente os arguidos vendedores/fornecedores.
Os depoimentos destas testemunhas, sendo homogéneos e coerentes, foram prestados de forma serena e sincera, não se vislumbrando razões para duvidar da sua fidedignidade.
4. Foi ainda ponderado o depoimento da testemunha …, mãe do arguido D..., que esclareceu as condições pessoais, percurso e modo de vida deste, e ainda os contornos da relação que manteve com o arguido A....
5. Esclarecendo as condições pessoais, percurso e modo de vida dos arguidos D..., B..., A...e C..., foram ponderados os depoimentos das testemunhas  …(pessoa que conhece o arguido D... há muitos anos),  …(pessoa que conhece o arguido B...),  …(avô do arguido B...),  …(amigo do arguido A...),  …(pais do arguido C...).
6. Sustentando a factualidade provada, foi ponderado o conteúdo de vários dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os constantes de fls. 14, 15, 18 a 26, 41, 59 a 67, 69 a 129, 159 a 168, 230 a 234, 238 a 261, 285 a 342, 367 a 425, 435 a 447, 462 a 471, 475 a 493, 513 a 534, 547 a 570, 577 a 584, 636 a 652, 655, 692 a 710, 720 a 743, 754 a 764, 773 a 819, 820, 821, 971 a 982, 1161, 1324 e 1325, 1381 a 1389, 1406 a 1438, 1460-A, e 1475 a 1483, que mereceram credibilidade.
7. Para terminar, saliente-se que nenhum outro meio probatório – que permitisse alterar a factualidade provada ou sustentar a factualidade não provada - foi produzido, requerido ou sequer referenciado em audiência de julgamento, tendo as testemunhas  …negado terem alguma vez adquirido produtos estupefacientes aos arguidos».



            3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

3.1. NULIDADES DO ACÓRDÃO
           
3.1.1. Invoca o arguido E…, no RECURSO A, que foi cometida uma nulidade de sentença, pelo facto de não terem sido cumpridos os n.ºs 1 e 3 do artigo 358º do CPP, assente que foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes – 21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/1 - e não por um crime de tráfico agravado (artigo 24º).
É verdade que o arguido foi condenado pelo crime-base e já não pelo crime agravado, tal como constava da acusação pública.
Vejamos.

3.1.2. De acordo com o princípio acusatório, a acusação deduzida define e fixa o objecto do processo, exigindo-se uma necessária correlação entre a acusação e a decisão., traduzindo-se tal correlação na exigência de que, definido o objecto do processo, o tribunal não possa, como regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando, por conseguinte, limitada a sua actividade cognitiva e decisória, o que constitui a chamada vinculação temática do tribunal.
Depois de fixado na acusação, o objecto do processo deve manter-se o mesmo até ao trânsito em julgado da sentença – é o chamado princípio da identidade.
A observância destes princípios constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido. Compreende-se que, se ao tribunal fosse permitido modificar o objecto do processo e conhecer para além dele, o arguido poderia ser confrontado com novos factos e novas incriminações que não tomara em conta aquando da preparação da sua defesa, não sendo de exigir ao arguido – que se presume inocente – que antecipe e preveja todas as imputações possíveis, independentemente da concreta acusação que contra si foi deduzida.
Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
Contudo, como refere Germano Marques da Silva, “por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo” (Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).
«O processo penal não é um processo acusatório puro e o legislador não deixou o juiz na completa dependência dos sujeitos processuais relativamente ao esclarecimento dos factos. Ao processo penal estão subjacentes preocupações de justiça que impõem uma mais completa indagação da verdade permitindo que a versão dos factos construída no processo e a realidade se aproximem.
O que aponta para a necessidade de ser encontrado um ponto de equilíbrio que resolva a tensão entre princípios aparentemente em litígio, remetendo-nos para a magna questão da definição do objecto do processo e das condições em que a conformação dos factos constantes da acusação pode ser alterada» (Acórdão da Relação de Coimbra de 17/6/2009, in Pº 122/07.7GCACB.C1).
O CPP de 1987 distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial.
O artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P. de 1987, define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358º e 359.º do CPP.
Ouçamos a lei.
Estatui o artigo 358.º, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia:
«1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia».
Por seu lado, o artigo 359.º reporta-se à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tendo sofrido relevantes alterações com a revisão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabelecendo a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis.
Salienta o STJ, em acórdão de 21 de Março de 2007 (processo 07P024, www.dgsi.pt):
«Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa.
É este o sentido da definição constante do artigo 1º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal para “alteração substancial dos factos”, que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.»

Sobre o alcance do conceito de “alteração substancial dos factos” pronunciou-se também a Relação do Porto, em acórdão de 23 de Maio de 2007 (processo 0513936, www.dgsi.pt), nos seguintes moldes:
«Fixemo-nos na imputação de crime diverso.
Como se referiu, o objecto do processo, melhor diríamos, da acusação, que vincula tematicamente o tribunal, é constituído por aquele facto naturalístico que se discute, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o agente é alvo de censura.
No conceito há uma relação dialéctica entre facto e crime.
Por outro lado, nos termos do n.º 4 do art.º 339.º, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação; os factos alegados pela defesa; os factos que resultarem da prova produzida em audiência; as soluções jurídicas pertinentes, em obediência ao princípio da verdade material.
Tendo a discussão da causa esta amplitude, pode acontecer que:
a) Da discussão da causa resulte adição ou modificação dos factos constantes da acusação, sem intervenção da entidade acusadora;
b) O arguido não tenha oportunidade de se defender de todos os factos apurados, violando-se o princípio que lhe consagra todas as garantias de defesa.
Ora, conhecido o conceito de facto e a sua relação dialéctica com o tipo legal; conhecido o thema decidendum; conhecido o objecto do processo; e conhecidas ainda as razões porque não pode ser modificado o objecto do processo, cremos estar em condições de encontrar critérios que nos permitam afirmar se há ou não alteração substancial dos factos.
Cremos poder afirmar que se imputa ao arguido um crime diverso quando:
1. Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;
2. Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;
3. Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.
O critério normativo – é disso que se trata – encontrado só fica completo quando se fizer a previsão das situações em que o arguido não teve oportunidade de se defender dos novos factos, com relevância jurídico-penal.
Assim, importa acrescentar que, para efeitos de alteração substancial dos factos, imputa-se ao arguido um crime diverso quando:
4. O arguido não teve oportunidade de se defender dos “novos factos”, não sendo estes meramente concretizadores ou esclarecedores dos primitivos.
Nos termos da 2ª parte da alínea f) do n.º 1 do art.º 1º, estamos ainda perante uma alteração substancial dos factos quando:
5. Por força da modificação ou aditamento de novos factos, resulte o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ao arguido (…)»
Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, por isso, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º, n.º1, do CPP.
Diga-se ainda que a lei fulmine com nulidade a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts. 358º e 359º do C. Processo Penal (art. 379º, nº 1, b), do mesmo código).

3.1.3. Ora, no nosso caso, não há qualquer alteração substancial de factos pois o crime não é diverso e a moldura penal abstracta até é mais reduzida.
Mas haverá uma alteração não substancial?
Diremos nós que não estamos perante qualquer facto novo que apenas tenha surgido por ocasião da audiência.
Além disso, dir-se-á que, mesmo considerando que são novos factos, e que estamos perante uma alteração não substancial dos mesmos, não haveria nunca necessidade de fazer a comunicação a que alude o artigo 358º/1 do CPP – de facto, apenas se fez uma redução da matéria de facto na sentença relativamente à que constava da acusação, sendo certo que esta redução não consubstanciou qualquer alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido.
No fundo, a situação é paralela à descrita no Acórdão do STJ de 28/5/2008 (in www.dgsi.pt), no qual se decidiu:
«(…) nada obstando a que esta operação ocorra sem comunicação prévia ao arguido (n.º 3 do art. 358.º do CPP), visto que a alteração da qualificação jurídica em causa se consubstancia na imputação de crime menos grave, sem que ocorra qualquer modificação dos factos – cf., no sentido da desnecessidade daquela comunicação em casos como o vertente, os Acs. do STJ de 03-04-1991, CJSTJ, XVI, tomo II, pág. 17 e do TC de 17-04-1997».
De facto, importa distinguir, em função dos casos concretos, aquelas situações em que a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, daquelas outras em que tal omissão não tem qualquer impacto negativo na estratégia de defesa do arguido.
Como se afere no Acórdão da Relação do Porto de 12/1/2011, «há uma razão lógica e substantiva para o legislador impor a comunicação da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e a alteração da qualificação jurídica dos mesmos: está em causa, fundamentalmente, assegurar elementares direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava.
A própria Lei ressalva que a comunicação só tem lugar se a alteração tiver “relevo para a decisão da causa” e se não tiver “derivado de factos alegados pela defesa” [n.º 1 e 2 do citado art.]. Compreende-se: tanto num caso como no outro, a alteração (dos factos ou da sua qualificação jurídica) não tem uma repercussão negativa na estratégia de defesa do arguido».
É esse interesse de salvaguarda dos direitos de defesa do arguido que justifica a imposição da comunicação, não sendo algo de formal ou automático.
Como já alguém rezou, «na constante procura do equilíbrio entre o interesse público da aplicação do direito criminal – mediante a eficaz perseguição dos delitos cometidos – e o direito impostergável do arguido a um processo penal que assegure todas as garantias de defesa vinga a leitura atenta e racional da Lei que dê sentido útil à afirmação dos direitos consagrados e eficácia ao sistema processual implantado».
Deste modo, há que ser razoável na leitura dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal - como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/99: “(…) erige-se assim em critério orientador a defesa eficaz do arguido, permitindo que ele tome conhecimento das alterações de factos que sejam relevantes do ponto de vista daquela defesa (...)”.
Tem a jurisprudência e a doutrina apontado alguns casos em que se dá conta da irrelevância negativa de certas alterações para os direitos de defesa do arguido – falamos das situações em que a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado [Ac.STJ de 7.11.2002]: entende-se que não há qualquer alteração relevante para o efeito em causa, uma vez que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
E essa é a nossa situação.
Quando, como no caso presente, a prova produzida não permite a condenação pelo tipo agravado, a defesa do arguido em nada é prejudicada ou surpreendida com a condenação pelo tipo de crime-base integrante.
E assim, entendemos que aqui a não notificação do arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos não impediu a possibilidade de uma defesa eficaz e, como tal, não determina a arguida nulidade da sentença.
Em caso paralelo a este, leia-se o acórdão datado de 15/6/2011, proferido pela Relação do Porto:
«I- Só a alteração da qualificação jurídica relevante impõe a obrigatoriedade da comunicação ao arguido.
II- Não surgem vulneradas as garantias de defesa do arguido se o acórdão da Relação, oficiosamente, procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância, considerando que os mesmos integram a prática de um crime de Tráfico de menor gravidade, do art. 25.º, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não o crime de Tráfico de estupefacientes, do art. 21.º, do mesmo diploma, pelo qual vinha condenado».
Tem-se, de facto, entendido, com alguma margem de consenso, que a comunicação do artigo 358º/3 do CPP, apenas se efectuará quando se tratar de uma modificação relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa [Ac. T. C. n.º 330/97 (DR II 1997/Jul./03), 387/2005, (DR II 2005/Out./19); Ac. STJ de 1991/Abr./03, 1992/Nov./11, 1995/Out./16, 2006/Abr./06 (BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt, CJ II(S), 161)].
No que concerne à alteração da qualificação jurídica, encontra-se actualmente ultrapassado aquele posicionamento de plena liberdade de qualificação jurídica sem haver comunicação prévia, pois impõe-se que esta se realize [Ac. TC 173/92; 279/95; 16/97, 445/97], tanto em 1.ª instância, aqui em audiência de julgamento, [Ac. TC 518/98; Ac STJ n.º 3/2000, de 15/12/1999], como nos tribunais superiores.
Tanto mais que actualmente a lei é expressa nesse sentido [358.º, n.º 3, 424.º, n.º 3].
Continuamos a opinar que, a par da alteração não substancial dos factos, a alteração da qualificação jurídica que impõe a obrigatoriedade dessa comunicação deverá ser igualmente relevante, pois só estas são susceptíveis de integrar situações de “indefesa constitucionalmente relevante”.
Retomando a jurisprudência anteriormente traçada que conduziu à consagração expressa do dever de comunicação da alteração da qualificação jurídica, temos como denominador comum de todas elas que se tratava sempre de incriminações cuja moldura penal abstracta da condenação era sempre mais grave do que aquela pela qual o arguido tinha sido acusado.
Nestes casos, a inobservância do contraditório resultava num manifesto e grave prejuízo para a defesa.
O mesmo não se passa se persistir uma homogeneidade da factualidade, o que sucede sempre que esta permanece íntegra, ou então se ocorrer uma homogeneidade descendente, em que aquela se vê amputada de circunstâncias agravativas da conduta do arguido, que permitem uma mais benevolente qualificação jurídica dos factos, em virtude destes passarem a integrar um tipo de crime menos grave.
Nestas situações, não surgem vulneradas as garantias de defesa do arguido, na vertente do princípio do contraditório, porquanto não existe uma heterogeneidade da qualificação jurídica que o apanhe de surpresa e lhe cause um prejuízo grave – e isto porque o núcleo essencial do tipo base persiste, havendo antes um deslizamento da qualificação jurídica para um tipo legal de crime “inferior”, tendo sempre a sua defesa abrangido o centro irredutível da qualificação jurídica que identifica o tipo base.
Voltando ao Acórdão de 15/6/2011, «a ideia do “favor defensionis” não fica assim atingida quando se mantém a prática do mesmíssimo tipo de crime, passando-se apenas do seu cometimento em co-autoria para autoria [Ac. STJ 2005/Nov./09 CJ (S) III/205] ou então, estando-se numa relação de hierarquia no âmbito da tutela do mesmo bem jurídico, se desce de um crime mais grave para um outro menos grave [Ac. STJ de 1991/Abr./03, CJ II/17; Ac. TC 330/97; Ac. R. P. 2011/Jan./12, 2011/Mar./02(12)]».
No nosso caso, o sentido da acusação mantém-se o mesmo, ainda que diversa – menor – na sua gravidade.
É o mesmo pedaço de vida que se discute.
Quem se defendeu do mais, defende-se do menos, pois então!
Como tal, improcede a arguição de nulidade nos termos expostos, não ocorrendo qualquer supressão dos direitos da defesa, por violação do comando constitucional do artigo 32º/5 da CRP, improcedendo, assim, a conclusão D.

3.2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

3.2.1. Os arguidos António e B...discordam da matéria de facto dada como provada e não provada, por divergirem do tribunal recorrido quanto à valoração da prova produzida em julgamento.

3.2.2. Antes de mais, interessa verificar se as conclusões dos 2 recursos em causa – o A e o B - estão correctamente formuladas.
Incidindo estes recursos sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe aos recorrentes o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, os recorrentes indicam no corpo da motivação as partes dos depoimentos gravados que crêem ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que algumas das peças das alegações de recurso não primam pela perfeição processual, entendemos que quase todas satisfazem as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
Os recorrentes A e B impugnam a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões, em ambos os casos - o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada quanto aos RECURSOS A e B.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

3.2.3. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada (O NOSSO CASO em 2 dos recursos);
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.2.4. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2[2] do CPP, conclusão que será melhor explicitada a propósito de algumas das considerações explicativas que faremos aquando da decisão do Recurso A.

3.2.5. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[3].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.2.6. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.2.7. A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289[4].
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência[5], incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
            Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
            Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico — jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
            Em suma:
Nos casos de tráfico de estupefaciente em que não é possível obter prova directa dos factos é a valoração da chamada “prova indirecta”, já que, conforme Prieto-Castro y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes, in “Derecho Procesal Penal, pág 252: “O indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico – jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade.”.
Ainda neste sentido: J. M. Asencio Mellado, in “Presunción de inocência em Matéria Criminal”, 1992: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência deste tipo de provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura.”.
Entendemos, com estes mestres, que há que ultrapassar os rígidos cânones da valoração pelo julgador exclusivamente da prova directa, para atribuir à prova indirecta, indiciária ou por presunções judiciais o seu específico relevo nos casos de maior complexidade, como é o do tráfico de estupefacientes.
Mittermayer, in “Tratado de La Prueba em Matéria Criminal”, 1959, dizia já o seguinte: “…o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade.”.
Por outro lado, há que afirmar que ao ser valorada a prova indiciária não se está a violar o princípio da presunção da inocência, uma vez que aquela valoração tem de ser objectivável, motivável e não arbitrária, baseada numa pluralidade de indícios, por ex:
- o aumento do património do arguido sem que a existência de actividade laboral ou exercício de negócios lícitos o justifique,
- o seu relacionamento com outras pessoas ligadas ao tráfico ou consumo de drogas,
- antecedentes criminais que o relacionem com anteriores actos de tráfico,
- elevada quantia em dinheiro aprendida em seu poder – nomeadamente em cash - para a qual não é encontrada qualquer justificação.
Este entendimento, que já começou a ser seguido na jurisprudência nacional, tem sido defendido pela jurisprudência de Espanha, conforme os seguintes Ac do Tribunal Supremo de Espanha:
- Ac nº 190/2006, de 1 de Março de 2006;
- Ac nº 392/2006, de 6 de Abril de 2006;
- Ac nº 562/2006, de 11 de Maio de 2006;
- Ac nº 560/2006, de 19 de Maio de 2006;
- Ac nº 557/2006, de 22 de Maio de 2006; e
- Ac nº 970/2006, de 3 de Outubro de 2006.
(ver todas estas referências in Revista Julgar, nº 2, 2007 – Euclides Dâmaso Simões – “Prova Indiciária).

3.2.8. Vejamos os argumentos dos recursos A e B.
a)- Comecemos pelo Recurso B.
O arguido B...defende que não houve prova bastante para o condenar como traficante, só resultando prova da sua toxicodependência.
Contudo, ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.
Não se verificou, por conseguinte, em abstracto, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do CPP, num processo em que se discute o ilícito do tráfico de estupefaciente, matéria complexa e de difícil e tortuosa prova[6], assente que foi suficientemente explicitada na prolixa motivação da decisão final, no fundo, a peça processual onde se encontra «el trámite esencial para el control sobre la racionalidad de la convicción del juez» (Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 437).
Em conclusão, diremos ainda que inexiste in casu, a violação do princípio da livre apreciação da prova.
O já citado princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão.
Estamos perante uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação.
Tal equivale a dizer que «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.
Aqui chegados, só há que constatar que o tribunal recorrido, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas, utilizando, de boa feição e pelo melhor método, as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência, não se vislumbrando qualquer vício no seu modo de decidir.
Conclui-se, assim, que, não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados, sendo esse um mecanismo recorrente na formação da convicção («basta pensar na prova da intenção criminosa; a intenção, enquanto elemento volitivo do dolo - enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime -, na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado»).
Mais uma vez em processos deste jaez, se invocam fantasmas da pura e única toxicodependência para esconder o verdadeiro tráfico que é feito e refeito…
E provas há bastantes dessa traficância (factos 10, 11, 13, 14, 15, 19 e 20), nem que seja, sobretudo, pelo depoimento do próprio co-arguido A...que quis falar em julgamento, e cujo valor probatório não é colocado em crise na medida em que defendemos a admissibilidade das declarações de co-arguido, desde que acautelada mormente a possibilidade do seu contraditório, tudo redundando depois na mera credibilidade que a sua valoração possa permitir[7].
Nem se diga que os testemunhos de …– únicos a que nos referiremos pelas razões apostas na nota de rodapé n.º 1, assente que só podemos partir das CONCLUSÕES e não do texto da motivação - não comprovaram o tráfico feito pelo …, pois é verdade que o atestam, conjugados com as mais elementares regras da experiência comum e com o teor dos autos de buscas e apreensões.
Basta ouvir a parte dos seus depoimentos (aliás nem indicada com rigor, como deveria ter acontecido, pelo recorrente):
- No que diz respeito à testemunha …, o mesmo referiu ter assistido à busca feita em caso do recorrente, na qual se apreenderam sacos com recortes (para embalar doses, pois então, para quê mais?) e uma tesoura;
- Já quanto à testemunha …, o mesmo referiu ter visto uma transacção entre o A...e o C…, pessoa bem conhecida pelos policiais em Viseu, tendo havido uma detenção em flagrante delito (guardado que estava o estupefaciente num guardanapo de papel).
E é irrelevante alguma desconformidade entre os seus depoimentos – considerados credíveis, sérios e credíveis – e algum relatório constante dos autos, pois releva apenas o essencial, sendo despicienda alguma – inconsequente - falta de correspondência entre tais meios de prova, dinâmica como sabemos ser a vida e os eventos que ela testemunha.
O B...comprava para traficar também, o que também é comprovado pelo facto 18, inexplicavelmente não colocado em crise pelo recorrente – estamos a falar de indivíduo desempregado e vivendo às custas da mãe, o que não faz supor que tivesse dinheiro para comprar a droga somente para seu próprio consumo pessoal, atenta até a quantidade apreendida em 22/3/2010 (3,4 g)…
Foi essa a livre convicção criada pelo Colectivo de São Pedro do Sul, tendo-a explicado de forma lógica, encadeada e consistente, não ocorrendo, assim, os erros de julgamento alegados pelo recorrente.
Improcede, pois, a impugnação factual feita pelo arguido Bruno.

b)- No que diz respeito ao RECURSO A, coloca ele em causa os factos 26 a 44, 46 a 50 e 87.
Recorde-se que o tribunal recorrido fundamenta assim esta condenação do arguido António como autor de um crime de tráfico:
«Assim, os arguidos A...e E... admitiram a prática de boa parte dos factos que lhes eram imputados, e esclareceram as relações que mantiveram com os restantes arguidos.
(…)
Por seu turno, o arguido E... esclareceu a relação próxima que mantinha com o arguido C..., sendo certo que nessa altura vivia próximo deste arguido, acompanhando-o quase sempre. O arguido E... confirmou plena e convictamente a actividade de tráfico de heroína desenvolvida pelo arguido C..., designadamente a quantidade e periodicidade das aquisições, a forma como dividia o produto em doses individuais, e as múltiplas vendas a consumidores, e os respectivos locais de entrega. Este arguido confirmou ainda o modo como o arguido C... se deslocava para efectuar as transacções de heroína (utilizando o veículo
automóvel identificado na factualidade provada), esclarecendo que o acompanhou em muitas dessas situações – presenciando os actos de venda de heroína a consumidores perpetrados pelo arguido C..., e confirmando que fez pelo menos uma entrega de heroína a um consumidor (a testemunha Ivo Cardão), a mando do arguido C... (que lhe forneceu a dose e ficou com o dinheiro recebido).
O arguido E... indicou ainda o período em que o arguido C... manteve essa actividade ilícita, esclarecendo que não desempenhava qualquer outra actividade.
Por fim, este arguido indicou o preço pago pelos consumidores pelas doses de heroína, e acabou por aceitar que também consumia esporadicamente tal substância, que lhe era cedida pelo arguido C....
Ambos os arguidos esclareceram ainda o Tribunal acerca das respectivas condições pessoais e modo de vida.
2. As testemunhas, agentes da G.N.R. que tiveram intervenção directa na investigação que deu origem ao presente processo, cujos termos e diligências descreveram (na medida do legalmente permitido) e confirmaram. Prestaram depoimentos sinceros, isentos, coerentes e credíveis.
3. As diversas transacções de heroína relatadas nos factos provados foram confirmadas pelos depoimentos das testemunhas …, todos consumidores de heroína na altura em que foram praticados os factos objecto deste processo. As testemunhas esclareceram ainda os termos de tais transacções de heroína – produto vendido, montante pago, frequência ou número de transacções, e forma de contacto -, localizando ainda tais actos no tempo e no espaço, e indicando inequivocamente os arguidos vendedores/fornecedores.
Os depoimentos destas testemunhas, sendo homogéneos e coerentes, foram prestados de forma serena e sincera, não se vislumbrando razões para duvidar da sua fidedignidade.
(…)
6. Sustentando a factualidade provada, foi ponderado o conteúdo de vários dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os constantes de fls. 14, 15, 18 a 26, 41, 59 a 67, 69 a 129, 159 a 168, 230 a 234, 238 a 261, 285 a 342, 367 a 425, 435 a 447, 462 a 471, 475 a 493, 513 a 534, 547 a 570, 577 a 584, 636 a 652, 655, 692 a 710, 720 a 743, 754 a 764, 773 a 819, 820, 821, 971 a 982, 1161, 1324 e 1325, 1381 a 1389, 1406 a 1438, 1460-A, e 1475 a 1483, que mereceram credibilidade».
No que concerne às declarações do co-arguido E..., remetemos para o atrás se dissertou sobre a validade de tal meio de prova, desde que contraditado, como o foi.
No que tange aos factos 26 a 50, existe prova bastante dessa resolução de reiteração da actividade de tráfico por parte do …, resultante desse depoimento de E... e das mais notórias regras de experiência comum e do normal acontecer das coisas, assente os específicos actos de venda que foram sendo provados em julgamento.
Repare-se que o facto 26 apenas diz que ele decidiu retomar o tráfico logo que saiu da cadeia. Só depois o facto 27 fala em concretas vendas – aqui, teremos de concordar que, de acordo o depoimento do dito E..., o  …só terá começado as vendas cerca de um mês depois da sua libertação.
Por tal motivo, faremos aqui uma correcção ao facto 27.
Ouvido por nós o depoimento do dito E..., disse ele de relevante:
- era vizinho do …, matando-lhe ele muitas vezes a fome;
- saiu várias vezes de carro com o  …cerca de uma dúzia de vezes;
- encontrava-se o  …com pessoas várias, «devendo ser para lhes vender droga»;
- uma vez o António entregou-lhe uma dose de heroína para ele a fazer chegar a um outro indivíduo (mais tarde, sabemos nós que foi o …);
- a actividade do  …era a venda de produtos estupefacientes (chega a dizê-lo expressamente, depois de um eficaz e eloquente interrogatório por parte do Juiz Presidente[8]);
- viu várias vezes o  …a preparar as doses;
- viu várias vezes pessoas a ir lá a casa do  …comprar droga (disse, a instâncias do MP, que «não via tudo» mas, convenhamos, que o que viu é mais do que suficiente para considerar este C... como um traficante de droga);
- viu o  …a consumir heroína;
- viu a venda do  …à ….
Ou seja, o quadro e contexto geral deste depoimento aponta claramente para a conclusão tirada pelo Colectivo, em nome das mais elementares regras da experiência comum e da própria lógica da vida (por mais areia para os olhos dos julgadores que queira lançar a sua defesa).
Resultam, assim, provados os factos 26 a 38 (procedendo-se, tão somente à correcção do facto 27), havendo ainda que anotar que o recorrente não impugna correctamente os factos 39 a 50 e 87, não indicando, como preceitua a lei, as concretas provas que impusessem decisão diversa da recorrida. 
Nem erro notório na apreciação da prova existe aqui, como insinua o recorrente: basta dizer que a investigação de um crime deste jaez é sempre retrospectiva, começando invariavelmente o processo com uma busca ou apreensão – ora, isto não significa que o tráfico comece na data do início concreto do processo, como está bem de ver!    
Ficou o tribunal recorrido com a convicção de que o António recomeçou tal tráfico logo quando saiu da cadeia, em 2/6/2009.
 E essa é uma conclusão plausível face ao contexto probatório dos autos.
Improcede, assim, toda a demagógica argumentação factual do Recurso A.

3.2.9. Uma palavra sobre o princípio «in dubio pro reo», tido por violado no Recurso A.
No fundo, o que o recorrente António pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
O recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
 Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal.».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Existe «dúvida razoável» quando não podemos estar seguros do que aconteceu.
É sabido – sobretudo depois da leitura atenta que se fez da obra de James Whitmann, professor de Direito nos EUA, «Origins of reasonable doubt» - que a fórmula «para além de qualquer dúvida razoável» provém dada antiga ética cristã do julgamento – para os primeiros cristãos, quem condenasse um inocente cometida um pecado mortal, sendo que a condenação de alguém, existindo dúvida razoável, acabava por expor o próprio julgador à danação.
Bastaria assim a presença da ingrata dúvida para o juiz ser tomado como que pela voz da consciência, angustiada e redentora: «Não julgues para não seres julgado»!
De facto, a dimensão moral do conceito subsiste, quer queiramos quer não. A justiça não deve ser cega e apaixonada nas condenações, devendo antes ceder ante a dúvida e a possibilidade de erro.
Ora, não ficou o Tribunal de São Pedro do Sul em estado de dúvida, quanto mais razoável!
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.

3.2.10. Por todos estes motivos, E COM EXCEPÇÃO DA REDACÇÃO A DAR AO FACTO 27, mantém-se na íntegra o elenco dos factos provados e o elenco dos não provados, só havendo agora que subsumir os factos ao Direito tido por aplicável.

3.1.11. Improcedem, assim, todos os fundamentos deste recurso, quanto à matéria de facto, mantendo-se, quanto aos arguidos … e … , todo o acervo dos factos provados e não provados, tais como foram elencados pelo tribunal recorrido (apenas se corrigindo o facto 27), inexistindo ainda os vícios oficiosos do artigo 410º, n.º 2 do CPP.

                               *********************************

3.2. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

3.2.1. QUAIS OS CRIMES EM CAUSA NOS COMPORTAMENTOS DOS ARGUIDOS  …E …, os únicos a colocar em causa as incriminações pelas quais foram condenados em 1ª instância?

3.2.2. O António veio a ser condenado pela prática do crime-base (o do 21º).
Já o arguido B...foi condenado pelo crime do artigo 25º (menos grave).
Dispõe o art. 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, – Tráfico e outras actividades ilícitas:
Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Por sua vez dispõe o art. 25º do mesmo diploma – Tráfico de menor gravidade:
Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou as quantidades das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”.
A heroína integra a Tabela I-A, anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
O crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos isto é, a saúde pública.
Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Por isso que se trata também de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa (cfr. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174).
É grande o desvalor social da actividade de tráfico de estupefacientes.
Mas tal não obsta ao reconhecimento de que esta actividade apresenta graduações diversas exigindo respostas diferenciadas da lei.
Assim, distingue o Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a gravidade relativa de cada conduta, criando três tipos de tráfico, em função do grau de ilicitude e não da factualidade típica que, basicamente, se mantém.
Desta forma, temos que distinguir o grande tráfico previsto nos arts. 21º e 22º, o médio e pequeno tráfico previsto no art. 25º, e finalmente o tráfico-consumo, previsto no art. 26º.
Pretende o legislador permitir «ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.”.
O tipo legal privilegiado do art. 25º fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto. Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente” que consta da previsão legal, não foi usado por mero acaso e, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º.
Como escreveu Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada. Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174).
Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como se referiu já, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19/04/2007, citado).
Lancemos mão do acórdão desta Relação de 3/4/2008:
«Retomando a previsão legal e, concretamente, as circunstâncias tipificadas no art. 25º, começaremos por dizer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. Mas aqui relevará também a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
Na que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, e pelos resultados da investigação científica.

A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no art. 26º, nº 3, do diploma que vimos referindo (cfr. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
Para além destes elementos, porque a enunciação legal é, como dissemos, meramente exemplificativa, podem ainda se considerados, entre outros, a intenção lucrativa – que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico – e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual – o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida – e ainda o tempo da actividade».
Imputada foi aos recorrentes A e B, respectivamente, a autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido através das disposições conjugadas dos citados artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a).
Integra esta infracção o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, no qual o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.
Com tal progressividade pretende-se abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se, com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele artigo 21.º, ou seja, o artigo 24.º no sentido agravativo e o artigo 25.º do mesmo diploma no sentido atenuativo.
Lateralmente com tal estrutura progressiva aceita-se que a natureza de crime de perigo abstracto, do crime do artigo 21.º citado, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente.
Portanto, não se exige, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da globalidade da acção projectada pelo agente. Porém, a consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver (sublinhados nosso) produto estupefaciente não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
Ora, no nosso caso, não se deu como provado que a aquisição da droga em causa fosse exclusivamente para o consumo dos recorrentes (e daí até se ter afastado a punição pelo artigo 26º).
Em conclusão, a simples detenção ilícita do estupefaciente, fora dos casos de mero consumo, já constitui acto de tráfico.
E TRÁFICO FOI O QUE FOI FEITO PELOS DOIS RECORRENTES, aceitando-se a destrinça que o Colectivo fez quanto ao comportamento do António – desqualificou-se o tráfico, mas não o privilegiando - e do B...– passou-se do crime-base da acusação para o crime privilegiado do artigo 25º (logo, este menos grave do que aquele[9]).
Improcede, assim, a pretensão do arguido B...de se ver absolvido (conclusão 7).
3.2.3. Mergulhemos agora na questão da ESCOLHA e da MEDIDA das penas a aplicar aos 2 arguidos recorrentes  …e …, havendo que também conhecer da punição a que foi sujeito o arguido …, por força do recurso do Ministério Público (recursos A, B e C).

a)- O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
De facto, na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
No crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança da comunidade a saúde e vida dos dependentes de estupefacientes e até a vida, de indiscutível valor supremo
«As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade» - Acórdão do STJ de 25-02-2009.
Também o Acórdão do STJ de 20/1/2010 é expressivo nesta matéria:
«O crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera.
As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na crescente degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade.
Os últimos dados conhecidos sobre as consequências nefastas do consumo de estupefacientes apresentam-nos um quadro muito negativo, traduzido num aumento significativo do número de mortes ocorridas, em especial por overdose. Segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, as mortes provocadas pelo consumo de estupefacientes subiram 45% entre 2006 e 2007, situando-se no preocupante patamar de 314 óbitos, o valor mais elevado desde 2001.
Certo é, por outro lado, que em 2007, no âmbito da Lei da Droga, foram condenadas 1420 pessoas, a maioria esmagadora por tráfico, com associação ao consumo em 2% dos casos. Em 31 de Dezembro de 2007 encontravam-se detidas 2524 pessoas condenadas por tráfico, representando 27% da população reclusa, o que significa ter sido interrompida a tendência decrescente de reclusos por tráfico que se vinha verificando desde o ano 2000.
Esta situação mostra-se consonante, aliás, com a que se verifica na generalidade dos demais países, bem retratada no comunicado emitido em Novembro de 2009 pelo Conselho de Segurança da ONU, no qual se refere que o tráfico de drogas está a transformar-se numa séria ameaça que afecta todas as regiões do mundo».
A esta luz, vejamos um por um dos recursos.

            b)- Iremos manter a pena do arguido …, apesar de o mesmo pedir a redução da sua pena no seu limite máximo (note-se que não o faz nas CONCLUSÕES, razão pela qual não releva tal pedido feito simplesmente no corpo da motivação – cfr. nota 1 deste acórdão).

c)- O arguido B...nem sequer toca na pena, em sede Conclusões, razão pela qual a manteremos nos seus termos.

d)- E quanto ao arguido … ?
Foi ele condenado na pena de 4 ANOS E 6 MESES DE PRISÃO pela prática do crime-base (o do 21º do DL 15/93), pena essa suspensa na sua execução por igual período, e sujeito a regime de prova.
O MP pretende que o mesmo seja condenado em pena efectiva.
Falemos, então, sobre a pena autónoma da suspensão da execução da pena de prisão.
Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro, entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).
A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
Deste modo, sob o ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do CP, e nos artigos 492.º a 495.º do CPP.
Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades:
· suspensão simples;
· suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta);
· suspensão acompanhada de regime de prova.
O artigo 50º, n.º 1 do CP actual estatui que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Já o artigo 50º do CP anterior à revisão de 2007 dispunha que o tribunal podia suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
De acordo com o preceituado nos mencionados artigos, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (neste sentido o Ac. do STJ de 11-01-2001, proc. n.º3095/00-5).
Perante o citado normativo os julgadores não podem estribar-se em condições acerca da culpa do arguido, mas somente reportar-se às finalidades preventivas da punição. A suspensão terá, assim, de assegurar as finalidades da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração.
Em suma, e resumindo, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.
Como tem vindo ultimamente a ser entendido, tal medida tem um conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que são muito especialmente necessidades de prevenção especial limitadas pelas de prevenção geral na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser equacionadas.

Ora, teremos em atenção que o crime de tráfico é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.
O Colectivo teve em apreço:
«a favor do arguido A...a sua modesta condição socioeconómica e a sua reduzida instrução, considerando os padrões actuais, o facto de dispor de ambiente familiar e ocupação profissional, o facto de não ter qualquer antecedente criminal, e a colaboração que prestou à realização da Justiça, admitindo em julgamento parte da factualidade que lhe era imputada, de forma voluntária.
Além disso, salienta-se ainda a favor deste arguido o facto de, confrontado pelo sistema de justiça estadual, ter de imediato abandonado a prática ilícita a que se dedicava, o que denota que sentiu a ilicitude da sua conduta.
Contra o arguido A..., pondera-se apenas a ilicitude da sua conduta - sublinhando-se a natureza do produto estupefaciente transaccionado, o número de pessoas visadas, e o período temporal pelo qual se prolongou a sua acção -, e a carga dolosa que lhe subjaz»
E assim chegou à pena de 4 anos e seis meses.
Depois:.
«(…)
                Contudo, tendo em atenção os pressupostos atrás referidos, a personalidade dos arguidos A...(…), as suas idades já relativamente avançadas sem qualquer condenação criminal anterior (…), as condições das suas vidas, e as circunstâncias em que os factos ocorreram, julgamos ser de efectuar um juízo de prognose favorável, no sentido de que se manterão afastados da prática de infracções criminais pela simples ameaça de cumprimento da pena de prisão efectiva.
Daí que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (acima aludidas).
                Opta-se, assim, por suspender a execução da pena de prisão aplicada aos arguidos A...(…) por período idêntico às penas aplicadas.
Suspensão essa que, quanto ao arguido A..., será acompanhada de regime de prova, mediante plano individual de readaptação social a elaborar pelo I.R.S., após prévia audiência do arguido, e no prazo de 30 dias - cfr. arts. 50º, nos 1, 2, e 5, 53º e 54º, todos do Código Penal, e 494º, n.º 3, do C.P.P.
Esta opção, na nossa perspectiva, não é obstaculizada por razões de prevenção geral, dado que os bens jurídicos ficarão melhor tutelados com a recuperação destes arguidos do que com a sua simples inocuização (sempre temporária, pois as penas de prisão têm uma duração certa)».
De facto, relativamente ao …, temos o aval da própria DGRS que, a fls 1480-1483, dá um panorama animador sobre ele.
Trata-se de um delinquente primário, a quem, a nosso ver, deve ser dada uma chance de se levantar do jugo deste crime, estando como está integrado social, profissional e familiarmente.
Não vemos, pois, razão para não lhe aplicar a suspensão desta pena de prisão, apoiados que estamos pela ajuizada e fundamentada opinião da DGRS que, melhor do que ninguém, apurou o impacto deste processo na dinâmica existencial do arguido (e estamos a falar de alguém que se mostrou arrependido dos factos, dando conta a DGRS que não mais terá prevaricado a este nível).
E fazemo-lo pois acreditamos na ressocialização deste homem (tem hoje 31 anos) que se viu envolvido nesta actividade mais por clara influência de terceiros, já sendo severo.
De facto, iremos atender ao contexto social do …, à ausência de antecedentes criminais, ao facto de estar plenamente integrada, sendo mínima a necessidade de pena, e sobretudo à circunstância de se considerar que o meio prisional tem um fatal efeito de contágio (diverso do cogitado).
O prazo da suspensão será longo (4 anos e meio, com regime de prova), pois então, para que haja uma espada dura sobre a sua cabeça e sobre a sua vontade.
E sobretudo sobre as suas opções de vida.
Deverá o A...aproveitar esta oportunidade de ouro que lhe iremos dar, tornando-se um cidadão respeitador dos valores éticos e civilizacionais de uma sociedade de pleno Direito, afastando-se de vez do tráfico.
Cremos, assim, que a simples ameaça da pena bastará para o afastar da prática de novos crimes.
Na feitura de um juízo de prognose favorável à sua reinserção social em liberdade, decidimos, pois, manter a suspensão a execução da pena pelo período de quatro anos e seis meses, assim se realizando as finalidades da punição (artigo 50º, n.ºs 1 e 5, do Cod. Penal).
Não obstante, ao abrigo do art. 53.º, n.º 1, do Código Penal, por o considerar conveniente e adequado a facilitar a reintegração do arguido na sociedade, na medida em que contribuirá para o incremento do seu sentido de responsabilidade, manteremos a decisão de sujeitar esta suspensão a um regime de prova, mediante a execução de um plano individual de readaptação social, a elaborar, nos termos do disposto no art. 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pelos Serviços da Direcção-Geral da Reinserção Social, o quais devem, para além do mais, apoiar e vigiar o seu cumprimento.
Como a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido vem acompanhada do regime de prova (artigo 53º, n.º 1 do CP), o tribunal de 1ª instância curará de fazer cumprir o artigo 494º, n.º 3 do CPP, logo que transite este acórdão, dando voz ao sentenciado a fls 1546 (ponto 2).
Improcede, assim, o recurso do Ministério Público.

3.2.4. RECURSO D
a)- Resta o recurso do arguido  …, apenas incidente sobre a decisão de perda a favor do Estado do automóvel de matrícula ….
Note-se que no recurso A, não chega a ser pedido, em sede de recurso, a revogação do acórdão na parte referente à perda a favor do estado do veículo automóvel ….
Foi decidido assim em São Pedro do Sul, neste particular:
«Declaram-se ainda perdidos a favor do Estado, ao abrigo do disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal, os seguintes objectos apreendidos:
(…)
- os veículos com as matrículas  …e (…).
Tais objectos serviram para a prática dos actos ilícitos aqui em questão, ou foram por eles produzidos, verificando-se a séria possibilidade de virem a ser novamente utilizados nessas práticas ilícitas. Além disso, ponderando a natureza e efeitos das condutas dos arguidos, entendemos que a decisão proferida não viola o princípio da proporcionalidade.

b)- Resulta do art. 109º do Código Penal, que:
«1. São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio».
Avança depois o artigo 110º/1 do mesmo diploma que:
 «1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os objectos não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada».
Continua o seu n.º 2: «Ainda que os objectos pertençam a terceiro, é decretada a perda quando os seus titulares tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiverem retirado vantagens; ou ainda quando os objectos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os adquirentes a sua proveniência».
Daqui decorre que o facto de o bem/objecto do crime não pertencer ao agente mas a terceiro não é impeditivo da sua perda a favor do Estado - necessário é que o seu proprietário tenha concorrido de forma censurável para a sua utilização ou produção ou do facto tiverem retirado vantagens.
O fundamento destas normas é essencialmente a prevenção securitária – não se pode falar com propriedade em cumprir um desígnio do fim das penas na medida em que se retira do nº 2 do art. 109º a ideia que, mesmo sem condenação ou mesmo sem arguido, os objectos relacionados com a prática de crimes podem ser declarados perdidos.
O primeiro elemento a considerar[10] é a existência de um facto ilícito ou anti-jurídico, no qual caberá também a tentativa – ora, factos ilícitos temos nos autos à saciedade.
Seguidamente, exige-se um objecto que:
§ tenha servido para a prática de um facto típico ilícito;
§ estava destinado a servir para a prática de um facto ilícito típico;
§ foi produzido por um facto ilícito típico
§ e que pela sua NATUREZA ou pelas circunstâncias, possam pôr em perigo a comunidade (a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública) ou oferecer sérios riscos de serem utilizados para a prática de crimes.
Esta a regra geral.

c)- Mas depois há que fazer apelo às normas especiais, como atrás já se explanou.
Estamos no reino do tráfico de estupefacientes.
A perda de objectos que tiverem servido ou se destinassem a servir a prática de infracções previstas no Dec-Lei nº 15/93 de 22/1 – como sucede no caso sub judice -, bem como a de objectos ou direitos com elas relacionados, é regulada pelo disposto nos arts. 35º e 36 º daquele diploma que por serem normas especiais prevalecem sobre o regime geral instituído nesta matéria no Código Penal.
Na sua primitiva redacção, o nº 1, do citado art. 35º dispunha que “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos quando, pela natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Com a alteração que veio a ser introduzida a este preceito legal, pela Lei nº 45/96 de 3/9, foi eliminada a parte final desta disposição.
Deste modo, em consequência, da referida alteração a perda de objectos, que tenham servido ou estejam destinados a servir para a prática de infracções previstas no Dec-Lei nº 15/93 ou que por esta tiverem sido produzidos, deixou de depender do perigo que deles possa resultar para a segurança das pessoas ou para a ordem pública ou do risco sério de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Com tal alteração visou o legislador ampliar as situações em que deverá ocorrer a declaração de perda dos objectos.
Assim, na criminalidade prevista no Dec-Lei nº 15/93, a perda dos objectos relacionados com a prática de infracções daquela natureza passou a depender apenas, quando se trate de instrumentos do crime (“instrumenta sceleris”), da verificação de um requisito em alternativa – o de que tenham servido, ou que estivessem destinados a servir, para a prática de uma infracção prevista naquele diploma -, e quando se trate de produtos do mesmo (“producta sceleris”), tão só da circunstância de serem um resultado da infracção.
Porém a fim de evitar excessos que poderiam decorrer de uma interpretação que conduza a uma aplicação automática da declaração de perda, nomeadamente, de veículos automóveis utilizados na prática de infracções daquela natureza, tem-se entendido que terá de existir sempre um factor de instrumentalização, esclarecida pela invocação da causalidade adequada, e o princípio da proporcionalidade (consagrado no nº 2 do art. 18º da CRP) - Cfr. Acórdãos do STJ de 21.10.04 e 28.05.2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Deste modo, exige-se, assim, que “do factualismo provado resulte que entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista um relação de causalidade adequada, por forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada e que a perda dos instrumentos do crime, medida preventiva que não está submetida ao princípio da culpa, seja equacionada com o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da actividade levada a cabo e a serventia que ao objecto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a “justa medida” - cfr., neste sentido, Acs. do STJ 02.06.99, processo nº281/99 e de 24.03.04, processo. nº 04P270.
Como acentua o Acórdão da Relação do Porto de 16/3/2011, «por outro lado, não é condição do decretamento da perda de bens que o agente do facto ilícito típico seja o titular do respectivo direito de propriedade, podendo a mesma ocorrer ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser por ele punida (cfr. nº 3 do referido art. 35º) e, portanto, mesmo que eles pertençam a terceiros.
Para esta última situação, a lei criou um mecanismo destinado a dar alguma protecção a direitos legítimos de terceiros, conferindo a estes a faculdade de os virem defender através do incidente regulado no art. 36º-A, aditado ao Dec-Lei nº 15/93 pela Lei nº 45/96, de 03.09.
Deste modo, nos termos do nº 1, do citado art.36-A “o terceiro que invoque a titularidade de coisas, direitos ou objectos sujeitos a apreensão ou outras medidas legalmente previstas aplicadas a arguidos por infracções previstas no presente diploma, pode deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé, indicando logo todos os elementos de prova”, esclarecendo o seu nº 2 que “entende-se por boa fé a ignorância desculpável de que os objectos estivessem nas situações previstas no n.º 1 do artigo 35º”.
O terceiro que se pretenda prevalecer de um direito sobre determinado bem que haja sido sujeito a uma daquelas medidas terá, assim, de fazer a prova da titularidade do direito que se arroga, e de que desconhecia, sem culpa (aferida por um critério de razoabilidade, no sentido de, nas concretas circunstâncias verificadas, não lhe ser razoavelmente exigível que do facto tivesse conhecimento), que o dito bem havia sido, ou estivesse destinado a ser, utilizado na prática de factos ilícitos tipificados na citada Lei nº15/93, que prevê e pune as condutas de Tráfico e consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, ou havia sido por ela produzido».
Aqui chegados, há que concluir que o Colectivo errou ao fundamentar juridicamente a sua decisão de perda deste veículo em causa com o artigo 109º do CP, devendo antes ter aplicado o regime especial do DL 15/93.

d)- Sabemos agora que o veículo em causa não é ainda propriedade do arguido Nuno, sendo antes propriedade do Banco Santander Consumer Portugal, S.A., encontrando-se a ser utilizado pelo recorrente Nuno, apenas como contratante do contrato de locação financeira, referente a tal veículo.
Ora, nos termos da cláusula 5ª desse contrato, o locador — Banco Santander - é o proprietário exclusivo desse bem.
O dito banco e o arguido A...vincularam-se reciprocamente, num contrato de locação financeira de veículo automóvel, locação financeira que traduz o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locador poderá comprar, decorrido o prazo acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante aplicação dos critérios nele fixados (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 265/1997, de 2 de Outubro, e 285/2001, de 3 de Novembro).
Vale por dizer que, na locação financeira, o locatário, por força do contrato, não adquire, ipso facto, a propriedade do bem. Entra na sua esfera jurídica o direito potestativo de aquisição futura pelo valor residual, de modo a que o interesse fundamental do contrato não se conecta com a propriedade, mas tão-somente com o uso. A retribuição a suportar pelo locatário, denominada renda, corresponde à amortização do bem cedido, à sua utilização e ao risco do locador, que conserva a propriedade da coisa locada se o locatário não exercer, atempadamente, o direito opcional à compra.
Tal significa que o contrato de locação financeira mantém intocado o direito de propriedade da locadora e é em homenagem a este direito que o legislador previu uma medida cautelar, de natureza antecipatória, consistente na entrega imediata do bem à locadora, pressupondo a probabilidade séria de existência do seu direito à restituição do bem e estando-lhe subjacente a presunção de que a continuação do bem na disponibilidade do locatário envolve risco de lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade daquela.
Ora, se assim é, há que indagar agora se o A...tem legitimidade para recorrer deste despacho de perdimento a favor do Estado de um veículo que ainda não é seu.
Parece-nos que sim, por lugar paralelo à legitimidade que inegavelmente tem para deduzir queixa, nos termos do artigo 113º, n.º 1 do CP – aqui há que fazer apelo ao recente Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 7/2011, de 27/4/2011, no qual se doutrinou que: «No crime de dano, p. e p. no artigo 212º, nº 1, do Código Penal, é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa nos termos do artigo 113º, nº 1, do mesmo diploma, o proprietário da coisa “destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada”, e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição.»
Como se opina nesse aresto:
«O conceito penal de «propriedade» inclui o poder de facto sobre a coisa, com fruição das utilidades da mesma (...). Portanto, o ofendido no crime de dano é a pessoa proprietária, possuidora ou detentora legítima da coisa» – cf. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica, 2008, pág. 550 e 585.
As concepções que vêm tomando maior consistência nas formulações da jurisprudência e nas abordagens da doutrina – a jurisprudência elaborando a propósito de espécies concretas nascidas da diversidade das projecções relacionais entre a coisa e o aproveitamento das utilidades que proporciona – apontam, assim, para uma identificação do interesse «especialmente protegido» no crime de dano com a utilidade funcional, específica e efectiva da coisa por determinado sujeito, e concretamente afectada por uma das modalidades de acção do crime e do consequente resultado.
Relação de utilidade, no entanto, com «representação jurídica», no sentido de juridicamente tutelada por instrumento ou modo consistente para o direito, que constitua o modelo de legitimação e de identificação dos direitos e inerentes poderes sobre a coisa.
As relações de facto sobre a coisa terão de estar enquadradas por um modo relevante para o direito, ou seja, por uma relação jurídica suficientemente precisa na definição dos direitos e consequentes poderes – a «representação jurídica».
A fonte de legitimação e de definição do conteúdo relacional tem, pois, de estar prevista na lei, ou resultar de alguma vinculação contratual como fundamento da atribuição da disponibilidade ou da utilidade sobre a coisa – a propriedade (artigo 1305º do Código Civil), a posse (artigos 1251º e 1276º), o usufruto (artigos 1439º e 1446º), uso ou habitação (artigo 1484º, nºs 1 e 2), espécies contratuais típicas e nominadas - modalidades de compra e venda (artigos 879º, alínea b); 934º e 936º, nº 2); locação (artigos 1022º e 1031º, alínea a)); comodato (artigos 1129ºe 1133º); depósito (artigos 1185º); ou outras dependentes da vontade dos interessados que detenham direitos de atribuição sobre a coisa.
E, nesta perspectiva, e no que é relevante, o interesse protegido identifica-se com a garantia efectiva de preservação da substância ou da utilidade da coisa, e a concretização do interesse está, muito ou directamente, ligada com a natureza da agressão sobre a substância ou sobre a utilidade e funcionalidade que, em cada situação, ocorra em consequência da acção (pela pluralidade típica das modalidades e acção) e do resultado».
Como tal, não repugna colocar o locatário (financeiro) deste veículo no rol dos que podem defender a sua expectativa de aquisição da nua propriedade do móvel em causa, mediante o legítimo direito a recorrer, nem que seja como alguém que, nos termos do artigo 401º/1 d) do CPP, tem a defender um direito afectado pela decisão de perdimento.
É, pois, o arguido A...parte legítima neste recurso.

e)- Aqui chegados, que há a concluir?
Apenas que o Colectivo proferiu prematuramente uma decisão de perdimento a favor do Estado do dito veículo, sem curar de saber qual a posição do terceiro proprietário, defendido nos termos do artigo 36º-A do DL 15/93.
A verdade é que este terceiro não foi notificado, à data do recurso, do acórdão em causa e da parte do mesmo que veio afectar um seu relevante interesse patrimonial.
Aquele artº 36º-A permite ao terceiro que invoque a titularidade de objectos apreendidos a arguido por infracções previstas no DL nº 15/93 «deduzir no processo a defesa dos seus direitos, através de requerimento em que alegue a sua boa fé».
Mas só enquanto não houver decisão sobre o destino desses objectos (decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 9/7/2008).
A partir do momento em que haja decisão, o terceiro de boa fé para fazer valer os seus direitos tem de impugnar essa decisão, através de recurso, pugnando, designadamente, pela sua anulação, com o fundamento de que não lhe foi dada oportunidade de exercer o direito conferido por esse artº 36º-A.
No nosso caso, nunca o Banco Santander foi notificado para qualquer acto do processo, de modo a permitir-lhe, nomeadamente, proceder nos termos do falado artº 36º-A.
E no acórdão final decretou-se o perdimento a favor do Estado do automóvel, com o fundamento de que fora instrumento do crime de tráfico, nada se dizendo acerca da respectiva propriedade.
O Banco não foi notificado desse acórdão.
E devia tê-lo sido, visto ser, à luz dos elementos existentes no processo, a titular do direito afectado pelo segmento dessa decisão que decretou o perdimento e ter por isso legitimidade para interpor recurso de tal decisão, nos termos do artº 401º, nº 1, alínea d), do CPP.
Nessa parte, houve recurso, mas interposto do arguido … .
Apresentando-se o Banco no processo como a proprietária do automóvel e portanto titular do direito afectado com a decisão de perdimento, esta só transitava em julgado depois de esgotado o prazo para essa instituição bancária recorrer.
E esse prazo só começa a correr a partir do momento em que lhe foi dado conhecimento da decisão de perdimento.
Depois de proferida, a decisão de perdimento não pode ser mais revogada pelo tribunal de 1ª instância, por estar esgotado o seu poder jurisdicional, nos termos do artº 666º, nº 1, do CPC – só pode, portanto, essa decisão ser posta em crise mediante a interposição de recurso.
Note-se que o MP de 1ª instância apercebeu-se desta omissão e é o primeiro a referir, no texto da sua resposta ao este Recurso D, que irá promover no processo a notificação do banco.
Ignoramos se foi tal diligência já realizada ou não.
O que sabemos é que, em nome do princípio da razoabilidade, só há que revogar a prematura decisão de perdimento do veículo …, devendo o tribunal de 1ª instância curar de fazer tal notificação em falta e aguardar a ulterior tomada de posição do dito banco.
E se assim é, pode ainda estar em tempo para fazer valer os seus interesses nos termos do artigo 36º-A, pois deixa de existir decisão de perdimento.
Perante tal posição (activa ou omissiva), é que deverá então proferir novo despacho avulso sobre o destino a dar a este veículo – declarando-o perdido a favor do Estado (como fez na decisão recorrida, entendendo que não viola o princípio da proporcionalidade tal entrega e entendendo que existe causalidade adequada entre o tráfico e o uso deste veículo) ou dando-lhe outro destino (aplicando, quiçá, a norma do artigo 36ºA/4 do DL 15/93, após dedução de defesa pelo Banco).
Como tal, só há que revogar o despacho em causa, dando, assim, provimento ao recurso, embora por razões algo diversas.


            III – DISPOSITIVO
           
III.1.
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em
· Alterar a redacção do FACTO 27 para os seguintes termos:
o 27. Deste modo, na execução daquele propósito assim firmado, o arguido C..., no período de tempo compreendido entre o início de Julho de 2009 e o dia 22 de Junho de 2010, passou a deslocar-se com uma frequência de, pelo menos, quatro vezes por semana, mas por vezes todos os dias, da localidade de Sá de Carvalhais, concelho de São Pedro do Sul, onde residia, para o lugar de Macinhata do Vouga, a fim de aí comprar heroína;
· Negar provimento ao recurso do Ministério Público;
· Negar provimento ao recurso do arguido C...;
· Negar provimento ao recurso do arguido B...;
· Julgar procedente o recurso intentado pelo arguido A..., e, em consequência, revogar a parte do Acórdão recorrido que declarou o perdimento a favor do Estado do veículo matrícula ….
Quanto ao mais, mantém-se, porque confirmado, o teor do acórdão de 1ª instância.

            III.2.
Comunique de imediato o teor desta decisão ao tribunal de 1ª instância (cfr. artigo 215º, n.º 6 do CPP).

            III.3.
Sem prejuízo do benefício do apoio judiciário atribuído a algum deles, condena-se cada um dos 3 arguidos recorrentes em custas, com a taxa de justiça fixada em 3 UCs para cada um [artigos 513º/1 do CPP e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III].
            Aqui se consigna que o MP recorrente está isento de custas.
Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado pelo 1º signatário e integralmente revisto pelos dois signatários – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


_______________________________________
(Paulo Guerra)

                                ________________________________________
(Cacilda Sena)



[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Note-se que no recurso B apenas aludiremos aos invocados erros de julgamento, na medida em que o aposto no artigo 38º da sua motivação de recuso não foi transposto para as Conclusões, não havendo que nos referir, por tal motivo, a esse invocado vício do artigo 410º/2 a) do CPP – cfr. nota de rodapé n.º 1.
[3] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[4] Cfr. ainda Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 455-456 – aí se deixa opinado que «la prueba podrá definirse como directa o indirecta en función de la relácion que se dé entre el hecho a probar y el objeto de la prueba. Se está ante una prueba directa cuando las dos enunciaciones tienen por objeto el mismo hecho, es decir, cuando la prueba versa sobre el hecho principal. Por tanto, es prueba directa aquella que versa directamente sobre el hecho a probar. En cambio, se estará ante una prueba indirecta cuando esta situación no se produzca, es decir, cuando el objeto de la prueba este constituído por um hecho distinto de aquel que debe ser probado por ser juridicamente relevante a los efectos de la decisión».
[5] A propósito de prova por regras de experiência e por presunções, leia-se o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 6/1/2010 (25/07.5IDCBR.C1):
«Relevantes, no domínio probatório, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349.º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
No plano de análise em que nos movemos, importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquiri um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».

As presunções simples ou naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004
[10], «na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penam em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem á prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível».
[6] Cfr. Acórdão do Tribunal Supremo de Espanha n.º 560/2006, de 19 de Maio de 2006 (lido no estudo de Euclides Dâmaso atrás citado):
1.A prova directa será praticamente impossível, dada a capacidade de camuflagem e o hermetismo com que actuam as redes clandestinas de fabrico e distribuição de drogas bem como de “lavagem” do dinheiro procedente daquelas.
1.1. Por isso a prova indirecta ou indiciária será a mais usual, pelo que é admitida pela Convenção de Viena de 1988 contra o tráfico ilícito de estupefacientes (art. 3º, nº 3).
2. O direito à presunção de inocência não se opõe a que a convicção judicial no processo penal possa formar-se sobre a base de prova indiciária.
2.1. Para isso é necessário que existam indícios plenamente provados, relacionados entre si e não desvirtuados ou abalados por outras provas ou contra indícios e que se tenha explicitado, de forma razoável, o juízo de inferência do julgador.
3. Por falta de prova directa, há que recorrer aos critérios da prova indirecta ou indiciária que o Tribunal Constitucional considera bastante para infirmar a presunção de inocência:
a) a quantidade de capital lavado ou branqueado;
b) a vinculação ou conexão desse capital com actividades ilícitas ou com pessoas ou grupos relacionados com as mesmas;
c) o aumento desproporcionado do património durante o período de tempo a que se refere aquela vinculação ou conexão;
d) a inexistência de negócios ou actividades ilícitas que justifiquem esse aumento patrimonial.
4. Cumprem-se todos esses requisitos quando:
a) o arguido possui uma embarcação de transporte rápido registado em seu nome, apesar de não ter emprego estável;
b) tem antecedentes policiais (declarações dos arquivos da Guarda Civil) que o relacionam com o narcotráfico e, concretamente, com outro co-arguido que tem antecedentes judiciais por tráfico de droga.

[7] Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes coarguidos.
A resposta é PARA NÓS afirmativa e dimana desde logo da regra do artigo 125.º do Código Penal que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação.
Adianta o prolixo Acórdão desta Relação de 31/3/2011, sobre o assunto:
«Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido.
Esta credibilidade, como adiante precisaremos, só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
Na verdade, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade. O que é tanto mais evidente quanto se recorde que por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção.
Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas. A protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas surge, assim, também ela, como finalidade do processo penal. Afirmá-lo é também proteger o interesse da comunidade de que o processo penal decorra segundo as regras do Estado de Direito. São precisamente estas regras do Estado de Direito - que se prendem com os direitos fundamentais das pessoas e que exigem que a decisão final tenha sido lograda de um modo processualmente válido - que vão impedir, em certas situações, a obtenção da verdade material. Isto pode ocorrer, em concreto e p. ex., com a proibição da valoração das provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em gera/, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
Se isto é assim, também é, no entanto, verdade que aquela que foi historicamente a arma do Estado de Direito a persistência na convicção de que, em todas as circunstâncias, os direitos de cada pessoa de vem ser defendidos e a sua liberdade salvaguardada - tem vindo a ser relativizada: o Estado de Direito não exige apenas a tutela dos interesses das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução do interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos. Ele exige também a protecção das suas instituições e a viabilização de uma eficaz administração da justiça pena, já que pretende ir ao encontro da verdade material.
Assim, e vendo agora as coisas sob um outro prisma, em certas circunstâncias, para que os interesses assinalados se concretizem, necessário se torna pôr em causa direitos fundamentais das pessoas. O remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, adianta o referido Mestre, estará numa tarefa – infinitamente penosa e delicada - de operar a concordância prática das finalidades em conflito. Tal tarefa implica, relativamente a cada problema concreto uma mútua compressão das finalidades em conflito, de forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível: de cada finalidade há-de salvar-se, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando-se os ganhos e minimizando-se as perdas axiológicas e funcionais.
Se o critério geral reside assim, não na validação da finalidade preponderante à custa da de menor hierarquia ao estilo da teoria do direito de necessidade jurídico-penal - mas sim numa optimização das finalidades em conflito, situações há no entanto em que se torna necessário eleger uma só das finalidades, por nelas estar em causa a intocável dignidade da pessoa humana.
Do que se trata então é do princípio axiológico que preside à ordem jurídica de um Estado de Direito material: o principio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigação de a respeitar e proteger.
Mas será que tal núcleo fundamental estará por alguma forma violado quando se admite como válido o depoimento incriminatório do arguido e em relação aos restantes arguidos. Será que os direitos de defesa dos seus companheiros no banco dos arguidos são minimamente atingidos se forem observadas as regras processuais de produção de prova? Será que o arguido que opta pelo direito ao silêncio adquire ope legis um direito de veto à produção de outra prova que não aquela que lhe convém? O direito de não se auto incriminar do arguido é conflitual como a colaboração do co-arguido na procura da verdade material?
Estamos em crer que a resposta tem de ser necessariamente negativa.
A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada.
Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o principio do nemo tenetur se ipsum accusare que deriva desde logo da tutela jurídico constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico constitucional do principio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio nemo tenetur. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (art.º 61.º, n.º 1, al. c). Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valorado contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art.º 343.º, n.º 1) como em se tratando de silêncio parcial (art.º 345.º, n.º 1).
Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele princípio (conf., v. g., art.ºs 58.º, n.º 2; 61.º, n.º 1, al. a); 141.º, n.º 4 e 343.º, n.º 1).
A eficácia de tais normas é contrafacticamente assegurada através da sanção da proibição de valoração. Porém, a proibição de valoração incide sobre o silêncio que o arguido adoptou como a melhor estratégia processual e, como é evidente, não poderá repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilizar criminalmente o arguido.
Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.
(…)
Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32.º da Constituição nenhum argumento subsiste á validade de tal meio de prova.
Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais.
(…)
Será, pois, a nível de valoração em concreto do depoimento produzido que se coloca a questão da relevância do depoimento do arguido. Como refere Carlos Clement Duran a imputação que um coacusado realiza contra outro coacusado tem o grande atractivo de que a faz quem aparece como um directo conhecedor do facto em juízo e incluso nada perde ou ganha ao incriminar o coacusado porque, assim, está a assumir a sua própria responsabilidade penal. Porém, pelo seu próprio peso específico, já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas, importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contém não corresponde a um interesse espúrio.
Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórias estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de carácter objectivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza.
Na esteira do Autor citado entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz á inexistência de motivos espúrios e á existência de uma auto inculpação.
Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação».

[8] Não nos pareceu que o Colectivo tivesse induzido o interrogatório do E...– fica-nos antes a ideia de alguém que teria muito mais a dizer, resultando inequívoca a conclusão de que este homem assistiu a muitos actos de traficância por parte do …, não obstante a sua linha de argumentação recursória.
[9] Argumentou assim, e bem, o Colectivo:
«(…) Por outro lado, apurou-se ainda que os arguidos B... e E..., apesar de terem efectuado bem mais actos de tráfico de estupefacientes, o fizeram de forma dependente dos arguidos A...e C..., ficando com apenas uma parte do valor recebido dos consumidores (o arguido B...) ou com algumas doses de heroína (o arguido E...).
Daí que se conclua que estes arguidos devem também ser considerados autores de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por a ilicitude das suas condutas se revelar diminuta. Neste sentido, veja-se o defendido no acima citado Ac. do S.T.J. de 06-04-2004, segundo o qual o crime base de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º do D.L. nº 15/93, de 22-01, está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, pelo que os casos de pequena dimensão devem ser subsumidos aos tipos privilegiados, designadamente ao do art. 25º do referido diploma legal.
Nesta parte, pois, importa alterar a qualificação jurídica das respectivas condutas imputada na acusação (aos arguidos B..., D... e E...).
5. Ao invés, a conduta dos arguidos A...e C..., atendendo à respectiva forma de actuação, duração temporal, pessoas e áreas envolvidas, tipo de estupefaciente, e fim visado com a actividade, fazendo da venda e distribuição de heroína as suas únicas actividades, transaccionando aquela substância estupefaciente de forma indiscriminada, a múltiplas pessoas, a quem se lhes dirigia pessoalmente ou previamente as encomendava telefonicamente, actividade da qual exclusiva ou principalmente viviam, não pode ser reconduzida à norma do art. 25º do D.L. n.º 15/93, de 22-01, uma vez que a ilicitude do facto não se mostra consideravelmente diminuída.
Por outro lado, a única alínea do art. 24º do D.L. n.º 15/93, de 22-01 que potencialmente poderia ser preenchida pela conduta destes arguido é a b) – “as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas”.
Contudo, concordamos com a posição expressa no Ac. do S.T.J. de 06-10-2004, segundo a qual o crime base do art. 21º está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico.
Daí que as circunstâncias do art. 24º só possam ser convocadas quando se verifique uma “gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude”.
Como tal não sucede in casu, sendo os arguidos A...e C... pequenos traficantes, lidando com quantidades de estupefaciente reduzidas, e estando dotados de estruturas organizacionais modestas e rudimentares, não devem ser condenados na forma agravada prevista no art. 24º do D.L. nº 15/93, de 22-01.
Assim sendo, conclui-se que os arguidos A...e C... cometeram, cada um deles, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do D.L. n.º 15/93, de 22-01 – devendo, assim, ser alterada a qualificação jurídica das respectivas condutas imputada na acusação».

[10] Não obstante a cláusula geral, chamemos-lhe assim, da perda de objectos ínsita no art. 109º, em legislação avulsa ocorre a criação de regimes específicos quanto a alguns produtos ou instrumentos de infracções.
Assim:
v Armas proibidas, engenhos ou matérias explosivas – DL nº 37.313 de 21 de Fevereiro de 1949, art. 7º n.º 1 do DL 207-A/ 75 de 17 de Abril, DL 399/93 de 3 de Dezembro, Lei nº 22/97 de 27 de Junho e Art. 20º, nº 3 da Lei 15/2001 (armas apreendidas em processo por crime aduaneiro)
v Estupefacientes – art. 35º e 39º do DL 15/93 de 22 de Janeiro
v Infracções anti-económicas e contra a saúde pública – art. 9º, 46º, 47º, 74º a 76º do DL 28/84 de 20 de Janeiro
v Crimes de Imprensa – art. 35º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro
v Instalações, equipamentos, substâncias e produtos nucleares – art. 3º do DL nº 49398 de 2 de Novembro de 1969
v Jogo ilícito de fortuna e azar – art. 56º e 59º do DL 48912, de 18 de Março de 1969
v Organizações fascistas – art. 4º nº 2 do DL 64/78 de 6 de Outubro
v Material pornográfico – art. 7º nº3 do DL 254/76 de 7 de Abril
v Quantias monetárias – art. 14º do Decreto 12487 de 14 de Outubro de 1926
v Títulos de Crédito ao Portador – nº 26 das instruções aprovadas pela Portaria nº 10471 de 19 de Agosto de 1943 em execução do Decreto nº 32 428 de 24 de Novembro de 1942.
v Crimes Aduaneiros – art. 18º a 20º e 38º e 39º da Lei 15/2001 de 5 de Junho.
Consoante os casos, os objectos apreendidos poderão ter vários destinos:
- Quanto aos objectos passíveis de venda e objectos facilmente deterioráveis, deverá ser realizada a sua venda, antecipando-a quanto aos segundos. Claro que, os objectos que possam servir para a prática de novos crimes ou que pelo seu teor não devam ser vendidos em hasta pública – droga, publicações pornográficas.
- Noutros casos, há que determinar a sua destruição, como por exemplo, os objectos que possam facilmente servir à contrafacção de outros – selos, cunhos falsos, impressos em branco de bits, – também o material pornográfico conhecerá o mesmo destino, após consulta e decisão da procuradoria. Cfr. Circulares nº 2073 e 2078.
- No que concerne às quantias em dinheiro, são as mesmas depositadas na CGD, à ordem do Juiz, a fim de serem entregues a final a quem a elas tiver direito – cfr. parecer nº 24/66 da PGR – BMJ 164-163.
- Os objectos e quantias não reclamados pelas partes no prazo de 3 meses prescrevem a favor da Fazenda Nacional.
- Quanto a veículos, regulados pelo DL 31/85 de 25 de Janeiro, a Procuradoria- Geral Distrital do Porto fixou orientações específicas em relação aos veículos apreendidos. Sumariamente, resulta que deverá o MP 90 dias após a apreensão de veículo susceptível de vir a ser declarado perdido a favor do Estado, fazer a comunicação da apreensão à Direcção Geral do Património do Estado, apurando também quem possa ser o proprietário ou legítimo possuidor do veículo, que deverá notificar.
- Interessa ainda assinalar que pode a viatura ficar afecta ao parque automóvel do Estado, ser vendida ou ser restituída.
- Retenha-se que, caso haja restituição, o lesado será compensado em dinheiro pela diferença entre a desvalorização ocasionada pelo uso por parte do Estado e os gastos de conservação feitos, se os houver.