Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
139381/13.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
RECONVENÇÃO
INJUNÇÃO
ACÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - PORTO DE MÓS - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.266 Nº2 C)CPC, 20 CRP, DL Nº 269/98 DE 1/9, DL Nº 32/2003 DE 12/2
Sumário: 1. Face à redacção do art.º 266º, n.º 2, alínea c), do CPC de 2013 é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.

2. No âmbito do processo especial previsto no DL n.º 269/98, de 01.9, no qual não é admissível reconvenção, não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção, excepto se o direito do réu já estiver reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor.

3. Tal interpretação não é inconstitucional, porquanto não viola os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP).

Decisão Texto Integral:   



         
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 08.10.2013, V (…) Lda., instaurou procedimento injuntivo[1] contra H (…), Lda., para pagamento da quantia de € 11 101,32 e respectivos juros moratórios.

Alegou, em síntese: no âmbito das respectivas actividades comerciais, a pedido da requerida, procedeu ao fornecimento e colocação de vidro temperado e outros no valor do capital peticionado; emitiu e remeteu à requerida as facturas identificadas nos autos; esta não pagou o preço devido.

A requerida/Ré opôs-se. Invocou, além do mais, que os fornecimentos da requerente/A. visavam a execução e um contrato de subempreitada estabelecido entre a Ré e L (…), S. A.; a A. não cumpriu os prazos de entrega acordados com a Ré; em consequência de tal facto, a Ré contratou outra empresa para fazer o fornecimento em falta com um custo de € 1 357,81; a manutenção do incumprimento por parte da A. levou à resolução definitiva do contrato de subempreitada acima referido, causando à Ré prejuízos no valor de, pelo menos, € 28 225,36. Deduziu pedido reconvencional, dando por reproduzidos os fundamentos da excepção de compensação. Concluiu pela procedência da excepção de compensação e, em consequência, pela improcedência da acção, e ainda pela admissão e procedência do pedido reconvencional, condenando-se a A. a pagar à Ré a quantia a apurar em execução e sentença, mas nunca inferior a € 29 583,17.

Por despacho de 20.01.2014, considerado o valor da causa (€ 11 447,53) e o prosseguimento dos autos como acção declarativa especial, decidiu-se não admitir o pedido reconvencional, por inadmissibilidade legal (fls. 33).

            Entretanto, a A. foi declarada insolvente (processo 488/14.2TBPMS), tendo sido substituída nos autos pela respectiva massa insolvente, representada pela Administrador da Insolvência.

            A A. respondeu à matéria de excepção e concluiu pela improcedência da oposição.

            Realizada a audiência de julgamento, o tribunal, por sentença de 06.01.2016, declarou a inadmissibilidade para, nos presentes autos, apreciar e decidir da compensação invocada pela Ré [A)] e julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 11 101,32 a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa aplicável aos créditos comerciais, desde a data de vencimento de cada uma das facturas até integral pagamento [B)].

Inconformada, a Ré interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

            1ª - O Tribunal a quo decidiu que era inadmissível apreciar a defesa apresentada pela Ré/Recorrente, uma vez que esta invocou a compensação, e, na ausência de quaisquer factos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito da A./Recorrida, julgou a pretensão da A. procedente.

            2ª - O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na nova redacção da al. c) do n.º 2 do art.º 266º[2] do Código de Processo Civil (CPC), e isto porque, segundo essa nova redacção, parece resultar que a compensação deverá ser sempre objecto de pedido reconvencional.

            3ª - Ora, se para a acção que segue a forma do processo comum não se coloca qualquer problema, apenas o cuidado do Réu de deduzir toda a matéria de compensação em reconvenção, o mesmo não se pode dizer quanto à acção que segue o procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, isto é, a que está em causa nos presentes autos.

            4ª - Caso a resposta seja a que o Tribunal a quo deu, o Réu não se pode defender com base na excepção de compensação, limitando-se, de forma inadmissível, os direitos de defesa.

            5ª - Importa chamar à colação a data de alteração ao CPC, isto é, entrou em vigor em 01.9.2013, em data muito posterior à entrada em vigor do regime previsto para as acções especiais para cumprimento de obrigação pecuniária.

            6ª - Se bem se compreende a opção do legislador em limitar o número de articulados neste tipo de procedimento, bem como a proibição de ser deduzido pedido reconvencional, pois quer-se um procedimento mais célere do que a acção declarativa comum, já não se compreende, ou aceita, que o legislador quisesse com esta simplificação do procedimento coarctar direitos de defesa ao Réu.

            7ª - Caso a posição do Tribunal a quo merecesse acolhimento, estaríamos perante uma situação em que: a) O Réu teria de deitar mão a uma nova acção judicial, desta feita uma acção declarativa comum de condenação, onde ia peticionar, autonomamente, a condenação do A. no pagamento de uma indemnização; b) O Réu, por não se poder defender com a excepção de compensação, seria condenado a pagar ao A., tendo mesmo de pagar sob pena de ser executado, e só posteriormente, após a nova acção onde se iria analisar e discutir a compensação, é que o A., então Réu, teria de devolver ao Réu, então A., o valor que este já tinha sido obrigado a pagar.

            8ª - Quando o mecanismo da compensação, e a possibilidade das partes de se defenderem dessa forma, existe exactamente para evitar estas situações, situações em que o Réu é credor do A. e que mesmo assim é condenado a pagar-lhe.

            9ª - Os princípios da celeridade processual, da unidade, e da descoberta da verdade material, ou da verdade processualmente admissível, levam a que se discuta no mesmo processo os fundamentos que servem de base ao crédito do A., mas também os fundamentos que servem de base ao crédito do Réu, só assim ficando asseguradas as garantias de defesa.

            10ª - Com a tese defendida pelo Tribunal a quo chegamos a casos de profunda injustiça, pois impedem que o Réu se defenda com o único argumento que tem, isto é, limitam a defesa do Réu a nada.

            11ª - Diga-se também que defender que não está em causa o princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porque a parte pode sempre recorrer, através de uma nova acção, ao tribunal para defender os seus interesses, é restringir o problema a metade, e isto porque, nos casos em que a compensação é o único meio de defesa do Réu, não apreciar essa compensação por não ser possível deduzir reconvenção, é a mesma coisa que dizer ao Réu que naquele processo em concreto não se pode defender, e que será condenado sem mais.

            12ª - Claro que neste raciocínio, independentemente de o Réu poder dar entrada de nova acção judicial, está em causa o princípio do direito à defesa do Réu naquele processo em concreto onde quis deduzir a compensação, naquele processo em concreto não lhe é permitida qualquer defesa!

            13ª - Caso a compensação tivesse sido apreciada pelo Tribunal a quo, como deveria, e tendo em conta os factos que foram considerados provados, a decisão seria necessariamente outra pois o Tribunal a quo considerou provado que: a) A A. sabia da essencialidade de cumprimento dos prazos para a Ré, e que este facto foi essencial para terem contratado; b) A A. sabia que a Ré tinha de cumprir os prazos para com a L (...) , e que para isso a A. tinha de cumprir os prazos de entrega do material; c) A A., pese embora estivesse ciente da essencialidade dos prazos, e das consequências do não cumprimento dos mesmos, não entregou o material à Ré nas datas acordadas: d) A não entrega do material nas datas acordadas se ficou a dever a incapacidade (problemas de tesouraria) da A.; e) Fruto do atraso da A. a L (...) resolveu o contrato que tinha com a Ré, que originou um prejuízo de € 71 405,42, sendo que desse valor, € 28 225,36, dizem respeito à aplicação de multas contratuais.

            14ª - Estão provados todos os factos de onde deriva o crédito que a Ré tem sobre a A. pelo que, a ser apreciada a compensação pelo Tribunal a quo, a decisão seria de reconhecimento do crédito, e absolvição da Ré.

            15ª - O Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 3º, 4º, 266º, n.º 2, al. c), do CPC, bem como o art.º 20º da CRP.

            Remata dizendo que deverá ser revogada a sentença e apreciada a compensação com base nos factos provados, absolvendo-se a Ré do pedido.

            A A. respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, apenas, dada a inadmissibilidade legal da reconvenção, se era ainda possível conhecer da excepção de compensação de créditos [e se o entendimento que negue tal possibilidade deve levar à declaração de inconstitucionalidade do art.º 266º, n.º 2, al. c), do CPC, nessa interpretação], e, ainda, se o invocado crédito da Ré ficou provado [se bem que uma resposta negativa gere, de certo modo, a inutilidade da precedente discussão...].


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:         

            a) A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de indústria e transformação de vidro.

            b) A Ré é igualmente uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à actividade de exploração do ramo de serralharia civil, alumínio e ferro, construção civil, obras públicas, compra e venda de materiais de construção, empreitadas e subempreitadas.

            c) No exercício da sua actividade, a Ré acordou com a sociedade L (…) S. A., em 19.10.2012, um contrato de subempreitada tendo como objecto o fornecimento e montagem de Caixilharia de Alumínio Extrusal para a obra denominada “Execução das Obras de Modernização para a Fase 3 do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário – Lote 3ES7 – Escola Secundária de (...) ”.

            d) No âmbito desse contrato de subempreitada a Ré ficou obrigada a fornecer e montar caixilharia de alumínio na referida obra, dentro dos prazos acordados entre as partes.

            e) Para execução daquela obra, a Ré acordou com a A., e esta aceitou, o fornecimento e montagem de vidro temperado.

            f) Para tanto, A. e Ré acordaram que esta, no decurso da execução da obra, remeteria àquela as Ordens de Compra, nas quais constavam os materiais encomendados para a obra, e o prazo de entrega.

            g) No âmbito do referido acordo, a A., a pedido da Ré, procedeu ao fornecimento e colocação de vidro temperado conforme discriminado nas facturas de fls. 69 a 75 verso.

            h) Na sequência de cada fornecimento e colocação acima referido, a A. emitiu e enviou à Ré as facturas n.ºs 201300274, com as datas de emissão e de vencimento de 28/3/2013 e 27/4/2013, respectivamente, no valor de € 3141,17; 201300279, com as datas de emissão e de vencimento de 28/3/2013 e 27/4/2013, respectivamente, no valor de € 2 176,12; 201300288, com as datas de emissão e de vencimento de 03/4/2013 e 03/5/2013, respectivamente, no valor de € 1 017,19; 201300314, com as datas de emissão e de vencimento de 10/4/2013 e 10/5/2013, respectivamente, no valor de € 1 269,85; 201300328, com as datas de emissão e de vencimento de 12/4/2013 e 12/5/2013, respectivamente, no valor de € 2 032,59; 201300329, com as datas de emissão e de vencimento de 12/4/2013 e 12/5/2013, respectivamente, no valor de € 139,17; 201300338, com as datas de emissão e de vencimento de 17/4/2013 e 17/5/2013, respectivamente, no valor de € 518,37; 201300361, com as datas de emissão e de vencimento de 24/4/2013 e 24/5/2013, respectivamente, no valor de € 557,26; 201300411, com as datas de emissão e de vencimento de 09/5/2013 e 08/6/2013, respectivamente, no valor de € 717,29.

            i) Relativamente à factura n.º 201300274 a Ré pagou à A. a quantia parcial de € 1 274,55.

            j) A A. sabia que era essencial para a contratação com a Ré que os prazos de fornecimento de vidro fossem pontualmente cumpridos,

            k) E que em caso de incumprimento a Ré seria penalizada pela “L (...) ”.

            l) A “L (…)” remeteu à Ré uma carta datada de 16.5.2013, na qual, em consequência de incumprimentos dos prazos de execução dos trabalhos, declarou resolver o contrato de empreitada com efeitos imediatos, alegando incumprimento por parte da Ré dos prazos de execução dos trabalhos.

            m) Através de email datado de 27.5.2013, a “L (…)” aceitou que a Ré terminasse os trabalhos em curso nos blocos A, B e F até ao dia 14.6.2013.

            n) Para tanto, a Ré enviou à A., em 06.6.2013, as ordens de compra n.ºs 118 a 122 que fazem fls. 26-K verso a 26-R.

            o) Indicando que o prazo de entrega dos vidros em obra era até 11.6.2013.

            p) A A. não entregou os vidros até ao dia 11.6.2013.

            q) Em 12.6.2013, a A. informou a Ré que as encomendas não estavam a ser executadas por «motivos que se deve a problemas de tesouraria. A V (...) para comprar vidro ou qualquer tipo de matéria prima tem 30 dias para pagar aos fornecedores, tendo em conta que os nossos clientes não estão a cumprir os prazos de pagamento, neste momento é difícil para a V (...) fazer qualquer tipo de compra. Para podermos executar o vosso material necessitaremos da vossa colaboração», conforme documento de fls. 26-R verso.

            r) Na sequência da comunicação da A., a Ré, para tentar cumprir o acordo com a “L (…)”, contratou com a VF (...) , Lda., o fornecimento dos vidros em falta.

            s) A VF (…), Lda., forneceu nesse mesmo dia parte dos vidros encomendados, tendo emitido a factura n.º 938/13 no valor de € 1 357,81, que a Ré pagou.

            t) Em consequência de incumprimento dos prazos de execução dos trabalhos do contrato referido em II. 1. c), a “L (…)” resolveu, de forma definitiva, o contrato de empreitada celebrado com a Ré.

            u) Em 06.8.2013, a “L (…)” enviou uma carta à Ré na qual vem requerer o pagamento dos prejuízos que sofreu em função do incumprimento dos prazos de execução dos trabalhos do contrato de empreitada, no valor de € 71 405,42.

            v) Sendo que desse valor, € 28 225,36 dizem respeito à aplicação de multas contratuais.

            2. E deu como não provado:

            a) A. e Ré acordaram que o pagamento das facturas seria feito no prazo de 90 dias após a data da respectiva emissão.

            b) A A. procedeu à entrega e colocação das mercadorias referidas em II. 1. g) com atrasos relativamente aos prazos acordados com a Ré.

            c) Os factos descritos em II. 1. o) ocorreram em consequência de atrasos da A. na entrega dos vidros.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro - art.º 7º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, na redacção conferida pelo art.º 8º do DL n.º 32/2003, de 12.02[3].

            O art.º 1º do referido DL n.º 269/98 (diploma preambular), na redacção dada pelo art.º 6º do DL n.º 303/2007, de 24.8, prevê os procedimentos (especiais) destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 0000, cujo regime consta dos art.ºs 1º a 5º do Anexo ao citado DL n.º 269/98.

            4. Atendendo, agora, ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1º do dito DL n.º 269/98.

            Relativamente à acção declarativa (Cap. I/Anexo), importa destacar:

            - A petição e a contestação não carecem de forma articulada; o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento (art.º 1º, n.ºs 3 e 4, sob a epígrafe “petição e contestação”).

            - No que concerne aos termos posteriores aos articulados, prevê o art.º 3º que, se a acção tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa (n.º 1); a audiência de julgamento realiza-se dentro de 30 dias (n.º 2); quando a decisão final admita recurso ordinário, pode qualquer das partes requerer a gravação da audiência (n.º 3); as provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos (n.º 4).

            - E no tocante à audiência de julgamento existem ainda especificidades visando principalmente a celeridade e simplificação dos actos (art.º 4º).

            Quanto à injunção (Cap. II/Anexo) será de atentar no seguinte:

            - Depois da “noção” do art.º 7º - supra referida - preceitua o art.º 10º (a respeito da “forma e conteúdo do requerimento”) que, no requerimento, deve o requerente, nomeadamente, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão; formular o pedido e indicar, quando for o caso, que se trata de transacção comercial abrangida pelo DL n.º 32/2003, de 17.02 [n.º 2, alíneas d), e) e g)].

            - À oposição é aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 1º (art.º 15º); deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, (…), o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir (art.º 16º, n.º 1).

            - Por último, dispõe o n.º 1 do art.º 17º (sob a epígrafe “termos posteriores à distribuição”) que, após a distribuição (…), segue-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art.º 1º e nos art.ºs 3º e 4º.

            5. Decorre do mencionado regime jurídico que a A. recorreu a meio processual adequado (injunção) destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de transacção comercial abrangida pelo DL n.º 32/2003 de 17.02 – cf. os art.ºs 1º do DL n.º 269/98, de 01.9 e 7º do DL n.º 32/2003 de 17.02.

            Perante a oposição da Ré e tratando-se de transacção comercial [cf. requerimento de injunção de fls. 1 e a oposição de fls. 6][4] de valor não superior a metade da alçada da Relação (cf. o art.º 31º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 23.8/art.º 44º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.8), conclui-se que o processo foi devidamente apresentado à distribuição e tramitado como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais.

            6. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei (art.º 546º, n.º 2, 1ª parte, do CPC) e regula-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (art.º 549º, n.º 1, do CPC).

            7. Preceitua o art.º 266º, n.º 2, alínea c), do CPC (sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”) que a reconvenção é admissível, designadamente, quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.

            Perante o entendimento pretérito desta problemática[5], dever-se-á afirmar que foi intenção do legislador (de 2013) estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido,[6] perspectiva naturalmente a adoptar tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no DL n.º 269/98, de 01.9.

            8. Sabemos que o dito processo especial só comporta dois articulados, não sendo admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção (cf. o art.º 1º, n.º 4, do Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9), solução, aliás, inteiramente conforme com as ideias de celeridade e simplificação que presidiram ao aparecimento desta forma processual.[7]

            Ora, a circunstância de não ser admissível reconvenção[8] - tratando-se, efectivamente, de uma exclusão legal - não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como excepção peremptória, orientação que, a ser seguida, significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador (claramente) expressa no actual CPC com a redacção conferida ao art. 266º, n.º 2, al. c).[9]

            Ademais, se, como vimos, a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada por via reconvencional - sem embargo de o réu, não deduzindo ou não podendo deduzir reconvenção, fazer valer o seu direito de crédito em acção autónoma -, dúvidas não restam de que, tratando-se da dita e aqui considerada acção especial, sempre assim teria de ser, mesmo no regime anterior, caso se pretendesse obter o pagamento de um contra-crédito de valor superior ao autor (uma vez que no processo especial previsto no DL n.º 269/98 não é admissível reconvenção).[10]

            9. Perante o teor do articulado da Ré/recorrente, emerge, necessariamente, do que ficou dito que se trata de uma peça irregular por não obedecer à imposição legal da via reconvencional para a realização do direito de compensação.

            Por conseguinte, e sendo manifesto que o alegado crédito da Ré não se encontrava reconhecido[11], nenhuma censura merece a decisão da 1ª instância ao não conhecer da compensação de créditos por via de excepção.

            10. A Ré/recorrente, pese embora não possa operar a compensação de créditos no processo especial previsto no DL n.º 269/98, por nele não ser admissível reconvenção, não está impedida de fazer valer o seu crédito através da propositura de uma acção autónoma para esse efeito.[12]

            Ou seja, não lhe está vedada a possibilidade de recorrer aos tribunais para invocar e fazer valer o seu (pretenso) direito de crédito, no âmbito de uma outra acção.

            É certo que processualmente a sua posição no sentido da alegação da compensação de créditos ficará algo dificultada - como aliás já sucedia anteriormente no processo especial do DL n.º 269/98 sempre que o crédito invocado pelo Réu fosse em montante superior ao do A. -, mas não inviabilizada, razão pela qual se considera que a interpretação efectuada não é violadora dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva contidos no art.º 20º da CRP.[13]

            Não se vê, pois, em que possa ter sido ofendido o referido preceito constitucional.[14]

           11. Como vimos, o pedido formulado pela Ré/recorrente não obedece aos ditames imperativos do art.º 266º, n.º 2, c), do CPC, que impõe a via reconvencional como única forma de realização do direito de compensação - daí a resposta encontrada na decisão sob censura.

            Porém, ainda que admitido e actuado todo o conteúdo da oposição de fls.
 6, inclusive, no que respeita ao segmento em que pretendia exercer o direito de compensação, dúvidas não restam de que tal pretensão sempre improcederia, pela simples razão de que a Ré
não provou a constituição de qualquer direito de crédito sobre a A., designadamente, porque não demonstrado que o incumprimento da Ré para com a L (...) , S. A., seja imputável à A. ou que a Ré haja pago àquela sociedade quaisquer valores [cf. os art.ºs 342º e 847º, do Código Civil e, sobretudo, a factualidade provada e não provada descrita em II. 1. alíneas m) a p) e t) a v) e II. 2. alíneas b) e c), supra].

            12. Soçobram, desta forma, todas as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.            

            Custas pela Ré/apelante.


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07.6.2016

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernando Monteiro



[1] Depois transmutado em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
[2] Rectifica-se lapso manifesto.
[3] DL entretanto revogado, com excepção dos seus art.ºs 6º e 8º, pelo DL n.º 62/2013, de 10.5 – com entrada em vigor em 01.7.2013 – mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma.

[4] Ou seja, no dizer do art.º 3º, alínea a), do DL 32/2003, de 17.02 [depois simplificado pelo art.º 3º, alínea b), do DL 62/2013, de 10.5], “…qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”.

[5] Sobre a interpretação e aplicação do art.º 266º, n.º 2, alínea c), do CPC de 2013, e a compreensão e o alcance da figura da compensação de créditos no direito pretérito (maxime, a controvérsia à sua volta, quer doutrinária, quer jurisprudencial, na vigência do Código de Processo Civil de 1961), cf. o acórdão da RP de 08.7.2015-processo 19412/14.6YIPRT-A.P1, publicado no “site da dgsi.

[6] Vide, neste sentido, entre outros, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2014, págs. 259 e seguintes; Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 2015, 12ª edição, pág. 247 e Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2015, págs. 186 e seguinte.

   Com diferente entendimento, vide José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, págs. 124 e seguintes.
[7] Vide, entre outros, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª Edição, Almedina, 2008, pág. 84.

[8] E no presente caso também assim ficou decidido no despacho proferido a fls. 33, transitado em julgado.
[9] Discorda-se, assim, da interpretação adoptada no acórdão da RP 23.02.2015-processo 95961/13.8YIPRT.P1 (publicado no “site” da dgsi), ao propugnar-se que nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no DL n.º 269/98, de 01.9, não deve ser coarctado um relevante meio de defesa, como o é a compensação, devendo nesses casos a compensação ter o tratamento próprio de uma excepção peremptória.
[10] Cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos da RP de 12.5.2015-processo 143043/14.5YIPRT.P1 e 08.7.2015-processo 19412/14.6YIPRT-A.P1, publicados no “site” da dgsi.

[11] Se reconhecido (o crédito), judicialmente ou pelo próprio devedor, nenhuma razão haveria para não considerar essa realidade – cf., a propósito, ainda, o acórdão da RL de12.11.2015-processo 138557/14.0YIPRT.L1-2, publicado no “site” da dgsi.

   Mas, sobre a consideração de defesa por compensação em sede de injunção, já não será porventura de seguir a perspectiva, perfilhada no mesmo aresto [aparentemente, desenvolvendo o entendimento expresso no cit. acórdão da RP 23.02.2015-processo 95961/13.8YIPRT.P1], no sentido de as partes poderem, nomeadamente através de um acordo celebrado de forma tácita, impor ao tribunal uma determinada tramitação, dado que o processo civil português desconhece qualquer acordo das partes sobre a tramitação do processo - Vide Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, “Acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias; reconvenção; convenção sobre a forma”.

[12] E também se dirá, tendo presente o alegado no ponto 9. da fundamentação da resposta à alegação de recurso, que a Ré veio invocar um direito de crédito sobre a A. que não terá invocado anteriormente - “que não havia reclamado judicialmente, nem deduziu reclamação de créditos no processo de insolvência da A. para exercer esse seu alegado direito” -, sendo que, declarada a insolvência, é no processo de insolvência que deverão ser reclamados os créditos sobre a insolvente (cf., designadamente, os art.ºs 36º, alínea j); 128º e 146º, do CIRE).
[13] Que, sob a epígrafe “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, dispõe o seguinte no seu n.º 1: «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.»
[14] Com este mesmo entendimento, cf. o cit. acórdão da RP de 12.5.2015-processo 143043/14.5YIPRT.P1.