Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1503/13.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: ALIMENTOS
FILHO
MAIORIDADE
CESSAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1874, 1880, 2004, 2013 CC
Sumário: 1. O artº 1880 C.Civil mantém a obrigação dos progenitores assegurarem as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação do seu filho maior pelo período necessário a que o mesmo complete a sua formação profissional, na medida em que tal se revele razoável.
2. O artº 2013 al. c) do C.Civil não se aplica aos casos da obrigação de alimentos a filhos maiores, já que quanto a estas situações antes regula especificamente o mencionado artº 1880 do C.Civil, que recorre à ideia de razoabilidade de forma a avaliar a manutenção ou não da obrigação de sustento, segurança, saúde e educação do filho maior por parte do progenitor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

M (…), veio propor contra A (…), seu pai, ação de alimentos a filho maior pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 500,00€ (quinhentos euros) mensais, a título de alimentos definitivos, atualizáveis anualmente e durante o tempo necessário à Requerente completar a sua formação profissional e metade do valor do computador, seja a pronto ou a prestações, como despesa pontual e extraordinária.

Alega, em síntese, que o pai deixou de pagar a prestação de alimentos a que estava obrigado por sentença, no âmbito do Processo de Regulação de Responsabilidades Parentais que correu termos no 1º Juízo Cível de Leiria com o nº 3890/07.2TBLRA-A, face à maioridade da Requerente tendo esta intentado contra o mesmo Providência Cautelar de Alimentos Provisórios a filho maior – Proc. nº 948/12.0TMCBR 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria cuja sentença condenou o Requerido a pagar á Requerente “… a título de alimentos provisórios a pensão mensal de €300,00, com inicio no mês de Janeiro de 2013, inclusive, e que se prolongará até ao mês em que for paga a primeira prestação dos alimentos definitivos a fixar na sequência de acção própria a instaurar para o efeito.”

Mais alega que os pais encontram-se divorciados, vivendo com a mãe em Leiria, com quem está habitualmente ao fim de semana e durante as férias escolares. Durante a semana encontra-se a residir em Coimbra, onde estuda, e por isso viu as suas despesas mensais aumentadas que ascendem a cerca de € 800,00 além que que terá de adquirir um computador. A mãe da Requerente é enfermeira, e aufere mensalmente cerca de 1.300,00€ líquidos, valor que inclui suplemento de trabalho noturno e duodécimo de subsídio de Natal, tem mais um filho, fruto do casamento com o Requerido e recebe de alimentos do filho menor o valor de 180,00€ mensais. O Requerido tem um vencimento mensal líquido, de cerca de 2.000 e tal Euros pelo que não terá dificuldades em ajudar a sua filha.

Foi apensado aos autos o Procedimento Cautelar de Alimentos Provisórios identificado.

Realizou-se conferência, com vista à obtenção de uma solução de consenso, sem sucesso.

Notificado o Requerido, o mesmo vem pronunciar-se, alegando, em síntese, que a Requerente persiste em pretender explorar o Requerido, que é seu pai, mas que faz questão de o ignorar, olhando para ele apenas como uma fonte de rendimento. Considera o pedido formulado manifestamente exagerado, impugnando as despesas invocadas. Refere que constituiu nova família e não tem disponibilidade financeira para satisfazer os caprichos da Requerente, tendo a mãe da Requerente rendimentos muito acima dos referidos na petição inicial, já que trabalha em mais de um local, auferindo muito mais que Requerido. Invoca os seus rendimentos e despesas e conclui que não tem condições de pagar à sua filha quantia mensal superior a 200€ por mês sem pôr em risco a subsistência e o equilíbrio do seu agregado familiar.

            Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Requerido a pagar à Requerente a quantia de € 300,00 mensais, pelo tempo necessário a que a Requerente complete a sua formação universitária.

Não se conformando com tal decisão vem a Requerente interpor recurso da mesma, pedindo a sua revogação e substituição por outra que condene o Requerido no pedido, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se sintetizam atento o incumprimento pela Recorrente dos disposto no artº 639 nº 1 do C.P.C.:

1.A questão que constitui objecto do presente recurso respeita à interpretação do art. 2004 nº 1 do Código Civil, quanto á medida dos alimentos a prestar pelo progenitor a filho maior.

2.O recorrido deixou de pagar a prestação de alimentos a que estava obrigado por sentença, no âmbito do Processo de Regulação de Responsabilidades Parentais que correu termos no 1º Juízo Cível de Leiria com o nº 3890/07.2TBLRA-A, quando a recorrente atingiu a maioridade em Agosto de 2013.

3.A ora recorrente intentou contra o recorrido, seu pai, Providência Cautelar de Alimentos Provisórios a filho maior, que correu termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, com o processo nº 948/12.0TMCBR, tendo o Requerido sido condenado a pagar á Requerente “… a título de alimentos provisórios a pensão mensal de €300,00, com inicio no mês de Janeiro de 2013, inclusive, e que se prolongará até ao mês em que for paga a primeira prestação dos alimentos definitivos a fixar na sequência de acção própria a instaurar para o efeito.”

4. (…)

5. (…)

6. Com o presente recurso a recorrente pretende demonstrar que o montante fixado, viola os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

7.O artº 2004 nº 1 do Código Civil, dispõe que, “ Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá –los e à necessidade daquele que houver de recebê –los.”

8. De acordo com o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.06.2012, “- A determinação da prestação de alimentos e a fixação da sua medida, far-se-á por meio da ponderação cumulativa do binómio necessidade (de quem requer os alimentos) / possibilidade (de quem os deve prestar), em conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil.”

9. Consta ainda do corpo do indicado D. Acórdão, o qual se transcreve em parte, ( …) Vale dizer, “a medida da prestação alimentar destina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidade serem actuais.

10. Importará portanto, em primeiro lugar analisar as necessidades da recorrente, uma vez que o recorrido está legalmente adstrito a prestar alimentos, com base nos factos dados como provados.

11. A recorrente indicou na sua petição inicial as despesas mensais que passou a ter, a partir do momento que passou a estudar em Coimbra, de modo a chegar à conclusão de que necessitaria de parte do recorrido, de metade do valor das despesas por si elencadas, ou seja no montante mensal de 500,00 euros e ainda a ajuda na aquisição, na proporção de metade do valor, de um computador.

12. O Douto Tribunal recorrido entendeu que a requerente conseguiu provar 2/3 das despesas por si indicadas.

13. Tendo sido dado como provado que as despesas da recorrente são as seguintes: (…).

            14. Nos factos provados, acima indicados, encontramos despesas que o Douto Tribunal considera provadas e que o Douto Tribunal considera igualmente provado o seu quantitativo mensal, mas encontramos outras despesas, no elenco dos factos provados, que o Douto Tribunal considera, face ao critério da normalidade e não só, que existem, mas considera que a recorrente não provou o seu montante mensal.

15. Após cálculo aritmético dos valores mensais, indicados nos factos provados, chegamos à conclusão que para o Douto Tribunal existem despesas mensais quantificadas no montante de 781,00 Euros.

16.Contudo existem outras despesas nos factos provados, (…) despesas que embora tenham sido consideradas provadas, mas que não foi fixado um valor a cada uma dessas despesas, porquanto entendeu o Douto Tribunal recorrido que a recorrente não conseguiu provar o respectivo valor.

17. Mas, tais despesas, embora não quantificadas, ou não provado o seu quantitativo mensal, na D. Sentença, ora posta em crise, face ao critério da normalidade e com base nos factos provados, existem.

18. Pelo que, pese embora a dificuldade de as quantificar, elas terão um significado quantitativo, o qual seguramente não poderá ser menosprezado.

19. Nesse seguimento, entendemos que as despesas são num montante

superior a dois terços do valor das despesas indicadas pela recorrente, contrariamente ao raciocínio do Douto Tribunal recorrido.

20. Por também ser importante, é de referir que, embora o quantitativo mensal não tenha sido dado como provado, mas ficou provado no ponto 3) que: “3. Quando a Requerente fez 18 anos, a 26 de Agosto de 2012, o pai cessou o pagamento da prestação de alimentos a que estava obrigado, no âmbito do Processo de Regulação de Responsabilidades Parentais que correu termos no 1º Juízo Cível de Leiria com o nº 3890/07.2TBLRA-A. “

21. O que se pretende, é salientar que a recorrente recebia alimentos do recorrido, enquanto menor, no montante que é de presumir que seria actualmente de duzentos e poucos euros, em virtude de ser este o valor que o recorrido paga de alimentos ao irmão da recorrente, (…).

22. Se a recorrente enquanto menor recebia de prestação de alimentos, duzentos e poucos euros, a recorrente uma vez que passou a residir em Coimbra, em virtude do curso superior que frequenta, teve um acréscimo das despesas com a sua educação, transporte, alimentação e alojamento.

23. A diferença entre os alimentos que o recorrido prestava à recorrente enquanto menor e os alimentos fixados pelo Douto tribunal recorrido, são na ordem dos 100,00 Euros.

24. Tal valor de 100,00 Euros é manifestamente insuficiente para fazer face a pelo menos metade das despesas novas que a recorrente tem actualmente, atendendo a que se encontra a frequentar o ensino superior, longe de casa, o que obviamente acarreta muitos e outros tipos de despesas.

25. Assim deveria o Douto tribunal recorrido, com base nos factos provados e no acima exposto, considerado que as necessidades da recorrente estarão próximas do valor pedido, de 500,00 Euros mensais.

26.Em segundo lugar, face ao binómio, necessidade de quem requer os alimentos e a possibilidade de quem os deve prestar, terá de ser analisado, a matéria de facto dada com provada, quanto aos rendimentos e despesas do recorrido.

27. (…)

28. (…)

29. De acordo com os factos provados, e após cálculos aritméticos, chegamos à conclusão que o agregado familiar do recorrido tem de rendimentos líquidos mensais o valor de 2465,00 Euros e de despesas mensais provadas cerca de 1070,56 Euros.

30. Com base nos valores indicados, a conclusão seguinte é que o recorrido tem um rendimento disponível mensal de cerca de 1394,44 Euros, pese embora também ter sido dado como provado que o recorrido tem outras despesas, mas as quais entendeu o Douto Tribunal “a quo” não foram provadas quanto ao quantitativo.

31.Isto, para chegar à conclusão que o recorrido tem possibilidades de prestar alimentos à recorrente num montante próximo do que havia sido requerido, ou seja de 500,00 Euros mensais acrescido de metade do valor de um computador, a título de despesa pontual e extraordinária.

32. Portanto, a Douta Sentença, ora posta em crise, deveria com base nos factos provados, ter concluído que as despesas da recorrente estão muito próximas do valor pedido, ou seja de 500,00 Euros mensais.

33. E que em face dos rendimentos do recorrido, este tem a possibilidade de prestar alimentos à recorrente num montante mensal próximo dos 500,00 Euros mensais, bem como tais rendimentos permitem ainda suportar metade de um computador, a título de despesa pontual e extraordinária.

34. Face ao exposto, entendemos que o Douto Tribunal recorrido fez um errada interpretação do artigo 2004 nº 1 do Código Civil, o que conduziu a um erro de julgamento, pelo que terá sido violado tal preceito legal.

35. De acordo com as regras de normalidade e do binómio necessidade de alimentos e a possibilidade de os prestar critérios presentes no artº 2004 nº 1 do Código Civil, e os factos dados como provados deveria o Douto Tribunal, ter condenado o recorrido a prestar alimentos à recorrente num valor próximo dos 500,00 Euros pedidos na petição inicial e ainda ter o recorrido ter sido condenado a pagar metade de um computador, a título de despesa pontual e extraordinária.

36. E só desta forma teria sido aplicado de forma justa o critério da ponderação do binómio necessidade de quem requer alimentos e a possibilidade de quem os deve prestar.

O Requerido vem responder ao recurso apresentado e interpor recurso subordinado, pugnando pela improcedência do recurso apresentado pela Requerente e pela revogação da decisão e substituição por outra que julgue improcedente o pedido, por considerar que atento o seu comportamento a Requerente não tem direito a alimentos. Apresenta as seguintes conclusões, após ter aceitado o convite que lhe foi formulado, no sentido de completar as mesmas com a indicação das normas jurídicas violadas:

1. Basta atender aos factos provados, e aos não provados, mas que se adivinham facilmente mediante as regras da experiencia e o conhecimento da realidade actual das famílias portuguesas, para se concluir que obrigar o requerido ao pagamento de uma pensão de 300 euros é levá-lo ao limite impossível de se manter, bem como ao seu agregado familiar.

2. O requerido até estava disponível, apesar de tudo, para continuar a fazer o sacrifício que lhe foi imposto, não fosse a recorrente “mais papista que o Papa” e nunca se fartar de perseguir aquele que é seu pai, com o intuito único de o prejudicar e incomodar.

3. Foi dado como provado que:

4. “28. A Requerente testemunhou contra o Requerido, em processo (de inquérito) no qual este foi constituído arguido, testemunho não credível, segundo o entendimento do Digº Magistrado do M.P. que apreciou a situação.

5. 29. A Requerente apesar dos pedidos formulados contra o Requerido, seu pai, não se relaciona com ele.”

6. Temos então a evidência do ódio que a requerente tem contra o requerido, que vai ao ponto de mentir em processo judicial só para o prejudicar.

7. A requerente persiste em pretender explorar o requerido, que é seu pai, mas que faz questão de ignorar, olhando para ele apenas como uma fonte de rendimento.

8. A requerente nunca se dignou sequer a pedir-lhe o que quer que fosse, antes o tendo sempre demandado por intermédio de mandatários e judicialmente.

9. Ser pai não é apenas ser um pagador.

10. As obrigações advenientes da paternidade não podem ser isoladas das obrigações advenientes da filiação, nomeadamente do dever de respeito.

11. Perante tal ingratidão e desprezo, deve ser decidido recusar a atribuição de qualquer pensão de alimentos.

12. É que Família e seus valores não devem ser palavras vãs.

13. Quem quer exercer direitos, deve assumir obrigações!

14. Não estamos perante uma situação de mero corte de relações ou de desentendimentos.

15. A requerente, pura e simplesmente, ignora o pai e até mente com o intuito de o prejudicar, de o sujeitar, injustamente, a ser julgado pro prática de crime.

16. Perante o comportamento da requerente não é razoável impor ao requerido o pagamento de qualquer pensão.

17. Com o seu comportamento a requerente, inquestionavelmente, violou gravemente os seus deveres para com o pai, designadamente o de respeito, a que se refere o artº 1874 do CC.

18. Fê-lo consciente e voluntariamente, tendo como único propósito conseguir que o seu pai viesse a ser julgado, e quem sabe, condenado, por prática de crime que não cometeu.

19. E este comportamento da requerente enquadra-se na previsão da alínea c) do nº 1 do artº 2013º do CC, determinando a cessação da obrigação de prestar alimentos.

20. Se mentir para tentar sujeitar o pai a julgamento por prática de crime que ele não cometeu não constitui violação grave do dever de respeito, perguntar-se-á quando é que tal violação ocorrerá.

21. Ao condenar-se o requerido no pagamento de uma pensão de alimentos à requerente violou-se o disposto na alínea c) do nº 1 do artº 2013º do CC.

22. Subsidiariamente, e caso assim se não entenda, deverá o montante mensal da pensão de alimentos ser reduzida para montante não superior a 200 euros, por ser o mais adequado e proporcionado, nos termos do artº 2004 do CC.

23. Ao fixar-se o valor que se fixou, violou-se assim também o disposto no mencionado artº 2004º do CC.

A Requerente vem apresentar contra-alegações concluindo pela improcedência do recurso subordinado.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões - artº 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

- da medida da prestação de alimentos;

- da violação do dever de respeito determinar a cessação da prestação de alimentos.

III. Fundamentos de Facto

Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nem havendo lugar a qualquer alteração da mesma, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância, de acordo com o disposto no artº 663 nº 6 do C.P.C., que considerou provados os seguintes factos:

1. A Requerente nasceu a 26 de Agosto de 1994 e é filha de E (…) e de A (…).

2. Os pais encontram-se divorciados, vivendo a Requerente com a mãe em Leiria, com quem está habitualmente ao fim de semana e durante as férias escolares.

3. Quando a Requerente fez 18 anos, a 26 de Agosto de 2012, o pai cessou o pagamento da prestação de alimentos a que estava obrigado, no âmbito do Processo de Regulação de Responsabilidades Parentais que correu termos no 1º Juízo Cível de Leiria com o nº 3890/07.2TBLRA-A.

4. Face à maioridade a Requerente intentou contra o pai Providência Cautelar de Alimentos provisórios a filho maior - Proc nº 948/12.0TMCBR 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, apenso aos presentes autos, cuja sentença condenou o Requerido a pagar á Requerente “… a título de alimentos provisórios a pensão mensal de €300,00, com início no mês de Janeiro de 2013, inclusive, e que se prolongará até ao mês em que for paga a primeira prestação dos alimentos definitivos …”

5. A Requerente durante a semana encontra-se a residir em Coimbra, onde estuda, no Curso de Licenciatura em Química na Universidade de Coimbra, que iniciou no ano letivo 2012/2013.

6. Face á admissão na Universidade de Coimbra, a Requerente passou a ter as seguintes despesas:

- paga as propinas em 4 prestações, no valor de 259,30€ cada, o que equivale a cerca de 87,00€/mês;

- teve de arrendar um quarto, e paga mensalmente ao senhorio o valor de 220,00€;

- além da renda do quarto a Requerente paga água, luz e gás, consumos que são divididos pelas várias ocupantes dos outros quartos, pagando mensalmente cerca de 50,00€;

- nas deslocações a casa, ao fim de semana, necessita de cerca de 16,00€ para os 2 bilhetes de expresso (preço com cartão jovem);

- despende quantia não apurada em bilhetes pré comprados para deslocações na cidade de Coimbra;

- em material escolar e fotocópias despendeu no mês de outubro de 2012 cerca de 92,00€, no mês de Novembro de 2012 gastou cerca de 6,10€ e em Dezembro de 2012 gastou 5,97€, despesas estas que aumentam quando começa o ano letivo ou quando começa um novo semestre, sendo que fazendo uma média, por referência aqueles meses/valores gastará cerca de 35,00€/mês;

- habitualmente confeciona as suas próprias refeições, mas por vezes toma as suas refeições nas cantinas escolares, importando em cerca de 2,70€/3,00€ cada refeição na cantina, ao que acrescem os pequenos almoços e lanches e refeições de fim de semana, gastando mensalmente com alimentação, tendo por referência o custo das refeições na cantina pelo menos cerca de 280,00€;

- carrega o seu cartão de telemóvel com o montante de cerca de 15,00€/mensais;

- tem de recorrer a médicos esporadicamente, ou por situações de sintomas gripais ou outras, bem como adquirir medicamentos, ir ao dentista, etc., situações com as quais a Requerente gasta anualmente montante não apurado;

7. À Requerente foi diagnosticada espinha bífida (oculta) e escoliose dorsolombar de dupla curva;

8. Foi-lhe aconselhado fazer hidroginástica ou ginástica de correção postural duas ou três vezes por semana e fisioterapia nos períodos de crise;

9. Na Piscina identificada a fls. 36 por mês, duas aulas de hidroginástica importa em 30€ e três aulas em 40€, não se tendo apurado o custo das sessões de fisioterapia;

10. A Requerente despende montante mensal não concretamente apurado com produtos de higiene, vestuário e calçado.

11. A Requerente terá de adquirir um computador, pois necessita de um para a sua vida académica.

12. O computador que utilizava ficou danificado com o temporal de janeiro de 2013;

13. A progenitora da Requerente desde a maioridade desta até ao pagamento pelo progenitor dos alimentos provisórios, no montante mensal de 300,00€, nos termos determinados no Procedimento Cautelar apenso é que suportou todas as despesas da Requerente;

14. A mãe da Requerente é enfermeira, tem mais um filho, fruto do casamento com o Requerido, recebendo deste de alimentos do filho menor 250,00€ mensais (incluindo prestações vencidas em divida, pois que a prestação fixada na sentença cuja cópia consta a fls. 110 e segs., proferida a 03/08/2007, foi de 180,00€, com atualizações anuais segundo os índices de inflação, o que dará atualmente cerca de duzentos e poucos euros);

15. É enfermeira e aufere mensalmente cerca de 1.300,00€ líquidos, valor que inclui suplemento de trabalho noturno e duodécimo de subsídio de Natal e trabalha também noutro local, não se provando o respetivo rendimento;

16. A mãe da Requerente já chegou a recorrer à ajuda de uma amiga, a quem pediu dinheiro emprestado.

17. O Requerido tem um vencimento mensal líquido, de cerca de 1.800,00€, estando sujeito aos cortes gerais da função pública.

18. O Requerido constituiu nova família, tendo casado, e tem um filho da atual união, nascido a 2 de Abril de 2009;

19. O Requerido e esposa suportam mensalmente a amortização de um empréstimo à habitação no montante de 262,70€, de um crédito individual 115,25€, de outro crédito individual 22,28€, do seguro de vida associado ao crédito à habitação 9,45€ mensais de, bem como o seguro de Casa, associado ao mesmo empréstimo, do montante semestral de 88,39€.

20. Suportam ainda uma quota de condomínio referente ao apartamento onde habitam, do montante de 90€ por trimestre.

21. Em despesas escolares e almoços de setembro a dezembro de 2013 com o filho, em escola pública, gastaram cerca de 100€ por mês.

22. Gastam, em média, por mês, em água, gás, eletricidade, telefone, televisão e internet, quantia mensal de cerca de 140,00€;

23. O Requerido tem ainda as despesas necessárias à alimentação do seu agregado familiar, bem como com roupas e calçado, que ascendem a montante mensal não apurado.

24. Em combustíveis o requerido e a esposa para as deslocações necessárias para ir trabalhar e outras, gastam mensalmente quantia não concretamente apurada;

25. De seguro obrigatório automóvel, pagam por ano cerca de 230€;

26. De IMI pagam a quantia anual, de cerca de 400€;

27. A esposa do requerido aufere salário mensal no montante de cerca de 665€ líquidos;

28. A Requerente testemunhou contra o Requerido, em processo (de inquérito) no qual este foi constituído arguido, testemunho não credível, segundo o entendimento do Digº Magistrado do M. P. que apreciou a situação.

29. A Requerente apesar dos pedidos formulados contra o Requerido, seu pai, não se relaciona com ele.

IV. Razões de Direito

- da medida da prestação de alimentos

Pretende a Recorrente que o valor fixado pelo tribunal recorrido a título de prestação de alimentos viola os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, previstos no artº 2004 nº 1 do C.Civil.

Vejamos um pouco do regime do direito a alimentos consagrado quanto aos filhos maiores.

Estabelece o artº 1880 C.Civil, com a epígrafe “despesas com os filhos maiores ou emancipados”, que: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”. O artigo anterior refere-se às despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos.

Por seu turno, o art. 2003º do Cód. Civil dispõe, no seu nº 1, que por alimentos deve entender-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, acrescentando o nº 2 que os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado, no caso de este ser menor.

A satisfação das necessidades do alimentando contempla não só as suas necessidades básicas, que andam associadas à sua sobrevivência, como também, nas palavras de Maria Clara Sottomayor, in. Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, pág. 176 e 177: “tudo o que o menor precisa para ter uma vida conforme à sua condição social, às suas aptidões, ao seu estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral”.

Estabelece ainda o artº 2004 do C.Civil que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

Cumpre assim fazer uma ponderação relativa, tendo como referência o binómio necessidades do alimentado/ possibilidades do obrigado a alimentos, tendo ainda em conta que, no caso presente, o sustento da Requerente é uma obrigação de ambos os progenitores e não só do Requerido.

A propósito das possibilidades do obrigado, diz-nos, com toda a propriedade o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/01/2010, in. www.dgsi.pt o seguinte: « Isto significa, além do mais, que não podem ser fixados em montante desproporcionado aos meios de quem se obriga, mesmo que desse modo não seja possível eliminar completamente a situação de carência do alimentado. Por outro lado, na apreciação o juiz deve atender à parte disponível dos rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas.»

Retomando agora o caso concreto, os factos que resultaram provados revelam que a Requerente vive com a mãe em Leiria, mas durante a semana encontra-se a residir em Coimbra, onde estuda na Universidade o que implica despesas com as propinas em cerca de € 87,00 mensais; no arrendamento de um quarto pelo qual paga € 220,00 mensais e cerca de € 50,00 mensais pelos consumos domésticos divididos pelos restantes ocupantes; nas deslocações a casa aos fins de semana despende € 16,00 além do que gasta em transportes em Coimbra; em material escolar e fotocópias gasta uma média de € 35,00 mensais; gasta mensalmente em alimentação cerca de € 280,00; com o telemóvel gasta € 15,00; tem de recorrer esporadicamente a médicos e foi-lhe aconselhada hidroginástica e fisioterapia, importando € 30,00 mensais a frequência de duas aulas. Tem ainda despesas de valor não apurado com produtos de higiene, vestuário e calçado.

A mãe da Requerente é enfermeira, auferindo cerca de € 1.300,00 mensais líquidos e tem outro filho menor, também filho do Requerido, a quem este paga € 250,00 mensais de prestação de alimentos.

Já o Requerido tem um vencimento mensal líquido de cerca € 1.800,00 e tem além da Requerente e do irmão desta, um outro filho menor, da sua actual mulher. A mulher do Requerido aufere um vencimento de € 665,00 líquidos e ambos suportam a amortização de um empréstimo à habitação no valor de € 262,70; dois créditos individuais respectivamente de € 115,25 e € 22,28, seguros de vida e da casa e condomínio no valor de € 90,00 por trimestre; consumos domésticos de cerca de € 140,00 mensais; IMI de cerca de € 400,00 por ano; seguro automóvel de € 230,00 por ano; despesas de combustível nas deslocações para o trabalho e ainda valor não apurado com alimentação, vestuário, e calçado do seu agregado familiar.

Refere a Recorrente que o agregado familiar do Requerido tem um rendimento de € 2.465,00 e despesas mensais provadas de € 1075,56. Esquece-se, no entanto, a mesma de que está apurada a existência de outras despesas do Requerido e do seu agregado familiar, cujo montante não foi precisamente determinado. Veja-se, por exemplo, o caso das despesas de alimentação ou combustível em deslocações para exercício da actividade profissional. Se se considerar que cada um dos membros do agregado familiar do Requerido gasta o mesmo que a Requerente em alimentação, temos de considerar ainda um valor de € 840,00 (€ 280,00 x 3) que a Requerente não contabiliza na sua avaliação, para além do combustível, vestuário, calçado, etc.

Por outro lado, e com referência à alegação do Requerido de que não tem condições económicas e financeiras para prestar alimentos à Requerente, os factos referidos, reveladores dos seus rendimentos e das suas despesas, não nos permitem também tirar tal conclusão. Embora não possa dizer-se que o mesmo tem uma situação económica desafogado, em face das despesas apuradas e dos seus rendimentos, o que é certo é que a mesma permite fazer face a uma contribuição para o sustento da sua filha, designadamente no valor que foi fixado pelo tribunal de 1ª instância, que dela necessita, sem pôr em causa a dignidade da sua subsistência e do seu agregado familiar; aliás, antes da Requerente atingir a maioridade o mesmo já suportava uma prestação de alimentos para o seu sustento, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, ainda que um pouco inferior à que foi agora estabelecida pelo tribunal recorrido.

Em face dos factos provados a título de despesas de ambas as partes e rendimentos do Requerido, tem-se como equilibrado o valor de € 300,00 mensais a prestar pelo Requerido à Requerente a título de pensão de alimentos, conforme foi fixado na sentença recorrida.

- da violação do dever de respeito determinar a cessação da prestação de alimentos.

Alega o Requerido que não há lugar à sua obrigação de prestar alimentos, em face do comportamento da Requerente, que não o respeita e visa prejudicá-lo, o que pretendeu fazer ao testemunhar contra si em processo crime que correu termos, não se relacionando consigo, pelo que não é razoável impor-lhe o pagamento de qualquer pensão de alimentos.

A este propósito, considerou a sentença recorrida que: “… o facto da Requerente e do Requerido não se relacionarem, da Requerente ter prestado depoimento em sede de inquérito penal, que podia prejudicar o progenitor, depoimento esse que não mereceu crédito por parte do Magistrado do Ministério Público, não basta para desonerar o Requerido daquela contribuição.

O artº 1874 do C.Civil, que se reporta aos deveres de pais e filhos, dispõe no seu nº 1, que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.

Conforme já se referiu, o artº 1880 do C.Civil, faz apelo a um conceito de razoabilidade para determinar a obrigatoriedade da prestação de alimentos por parte dos progenitores aos filhos maiores que não tenham completado a sua formação académica. Foi aliás à luz desta norma que a sentença recorrida considerou razoável que o Requerido prestasse alimentos à Requerente.

É certo que o artº 2013 do C.Civil regula sobre os casos em que cessa a obrigação de prestar alimentos, prevendo na sua alínea c) a situação em que o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado. Em primeiro lugar, importa ter presente que a lei não se basta com uma qualquer violação dos deveres por parte do credor para determinar a cessação da obrigação de prestar alimentos, antes tem de estar em causa uma violação grave, o que não decorre dos factos que resultaram provados.

É que, embora tenha ficado provado que a Requerente testemunhou contra o Requerido, em processo de inquérito, no qual este foi constituído arguido, testemunho não credível, segundo o entendimento do magistrado do Ministério Público, que apreciou a situação e que a Requerente não se relaciona com o seu pai, o que é certo é que não ficaram apuradas as razões do afastamento entre pai e filha e do seu não relacionamento. Os factos provados não permitem concluir que tal situação é imputável à Requerente, resultando da experiência comum que muitas vezes são os progenitores que no âmbito de processo de separação menos amigável, não conseguem pôr acima das suas próprias controvérsias o interesse dos seus filhos. Não temos por isso elementos suficientes que nos permitam dizer que a Requerente violou gravemente o dever de respeito para com o seu pai.

De qualquer forma, somos de entender que a previsão do artº 2013 al. c) do C.Civil não se aplica aos casos da obrigação de alimentos a filhos maiores, já que quanto a estas situações antes regula especificamente o mencionado artº 1880 do C.Civil, que recorre à ideia de razoabilidade de forma a avaliar a manutenção ou não da obrigação de sustento, segurança, saúde e educação do filho maior por parte do progenitor.

A respeito da obrigação de alimentos a filhos maiores, diz-nos J. P. Remédio Marques, in. Algumas Notas Sobre Alimentos (devidos a menores), pág. 311: “…cabe observar que o disposto no artº 2013.º/1, alínea c), do CC será inaplicável à obrigação em análise, por isso mesmo que, por um lado, tal se justifica pelo escopo essencialmente educativo da perduração deste dever para além da menoridade e, por outro, na caracteristica da não reciprocidade, por cujo respeito se plasmou a Reforma de 1977, esta específica obrigação alimentar.”

Nesta medida, o não cumprimento ou desrespeito pelo filho maior dos seus deveres para com o progenitor deve ser apreciado à luz do conceito de razoabilidade previsto no artº 1880 do C.Civil.

A manutenção da obrigação dos progenitores em contribuírem para o sustento e educação dos filhos para além da menoridade, advém do facto de ser comum que os mesmos ainda não tenham completado a sua formação académica ou profissional aos 18 anos, não tendo por isso autonomia económica e financeira. Esta incapacidade do filho maior para assegurar o seu próprio sustento é que está na base da norma em questão, sendo que a manutenção da obrigação dos progenitores fica limitada ao tempo necessário a que o mesmo complete a sua formação profissional e é pautada por um critério de razoabilidade que tem se ser aferido em face de cada situação em concreto.

Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/02/2009, in. www.dgsi.pt que. “O critério de atribuição tem muito a ver não tanto – ou não só – com a alegação e prova de um comportamento gravemente censurável do credor de alimentos, a título de dolo ou mera culpa (na não ultimação da formação profissional), mas sobretudo com o abuso do direito em peticionar alimentos. Assim, o critério do art. 1880º não está tanto na (in)existência de culpa grave do filho, mas na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam os conceitos de razoabilidade e de (in)exigibilidade nele presentes.”

Na situação em presença a Requerente tem 20 anos de idade e é estudante universitária, não tendo ainda completado a sua formação académica, nem dispondo de rendimentos próprios, pode por isso pedir aos seus progenitores continuem a sustentá-la, pelo período de tempo normalmente necessário a que complete a sua formação, de acordo com a previsão do artº 1797 e 1880 do C.Civil, sendo razoável que estes a prestem, atenta a sua situação económica e financeira comprovada nos autos, e em face da avaliação já efectuada a propósito da questão do valor da prestação de alimentos.

Como se referiu, o Requerido tem condições económicas para acomodar no seu orçamento familiar uma prestação de alimentos à sua filha, sem que isso ponha em causa um mínimo necessário a uma vida condigna do seu próprio agregado familiar. O facto das partes não se relacionaram, sem que esteja sequer determinado que tal situação é imputável à Requerente, não permite concluir que há uma falta de respeito da parte desta para com o seu progenitor e não torna, só por si, desrazoável a manutenção de tal obrigação do Requerido.

Conclui-se por isso que, em face da situação de necessidade da Requerente, bem como das possibilidades do Requerido, é razoável e justo que este continue a contribuir para o sustento e educação daquela, pelo valor fixado na sentença recorrida, que se tem como o adequado, atentas as razões anteriormente expostas.

V. Sumário:

1. O artº 1880 C.Civil mantém a obrigação dos progenitores assegurarem o as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação do seu filho maior pelo período necessário a que o mesmo complete a sua formação profissional, na medida em que tal se revele razoável.

2. O artº 2013 al. c) do C.Civil não se aplica aos casos da obrigação de alimentos a filhos maiores, já que quanto a estas situações antes regula especificamente o mencionado artº 1880 do C.Civil, que recorre à ideia de razoabilidade de forma a avaliar a manutenção ou não da obrigação de sustento, segurança, saúde e educação do filho maior por parte do progenitor.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julgam-se improcedentes os recursos intentados por ambas as partes, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

                                                            *

                                               Coimbra, 21 de Abril de 2015

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               António Carvalho Martins (2º adjunto)